domingo, 16 de agosto de 2009

Caras de eucalipto

Li Travassos, de Florianópolis

A Suzano Papel e Celulose lançou uma campanha publicitária na TV, onde afirma utilizar apenas árvores de reflorestamento na fabricação de papel. Estas árvores retirariam o gás carbônico da atmosfera, de forma que a fabricação de papel seria um ato ecológico. Termina afirmando, para meu horror, que a campanha feita ao fim de alguns e-mails, que diz "pense antes de imprimir, preserve o meio ambiente", deveria ser substituída por: "imprima, preserve o meio ambiente". Como se, para produzir o papel que será desperdiçado numa impressão desnecessária, não fosse necessário cortar uma árvore, mesmo que seja uma árvore plantada para este fim. E, que eu saiba, árvore cortada não seqüestra CO2. Para completar, a campanha publicitária tem o apoio, entre outros, da Vale (do Rio Doce). Resolvi ir atrás de mais informações, e descobri o seguinte:
- Há um projeto da Vale na região Norte do Brasil, chamado Vale Florestar, para "reflorestamento" da Amazônia, que prevê não apenas o plantio de espécies da região, como também de árvores de uso industrial. Iniciado em 2007, o programa receberá investimentos de trezentos milhões! Segundo o diretor da Vale, dos 300 mil hectares de florestas devastadas a serem replantadas pelo projeto, 120 mil hectares serão ocupados por eucaliptos, destinados à indústria.
- Há um acordo fechado entre a Suzano Papel e Celulose e a Vale, que garante fornecimento de matéria-prima para a fábrica que a Suzano espera inaugurar no Maranhão em 2013. A fábrica utilizará madeira do projeto Vale Florestar, além dos eucaliptos de uma floresta comprada pela Suzano da Vale por "apenas" R$ 235 milhões.
- A Suzano, cheia de projetos para a abertura de novas fábricas, tem escritórios e "terminais" em vários lugares do mundo, mas suas fábricas estão todas no Brasil.
Será porque nosso país continua permitindo não apenas a monocultura na agricultura, mas também a monocultura florestal? Da mesma forma que a monocultura do pinus (veja a excelente matéria de Elaine Tavares, O exército de Pinus, na Revista Pobres & Nojentas nº. 17), a monocultura do eucalipto, plantado com fins industriais, prejudica o solo, a água, e a sobrevivência dos animais e das outras plantas na região. Plantar árvores com fins industriais na Amazônia não é muito melhor que arrancar as árvores nativas para criar gado para o abate. É como se fosse dito para o planeta: "Olha, você me dá licença, mas estou me lixando para esta história de preservação, ar puro, água pura, e quetais. Tem gente querendo comprar meu produto, eu preciso de um pedaço de terra bem grande para produzi-lo, e como vou dar emprego para muita gente, você, planetinha, não tem nada de que reclamar".
O que há de pior nestas empresas, a meu ver, não é o estrago que causam, mas justamente o fato de posarem de preservadoras do meio ambiente, e de geradoras de emprego. Emprego este em que o trabalhador vai ganhar uma mixaria para se matar de trabalhar, enquanto os donos das fábricas enchem as burras de alguns milhões a mais. E, só para lembrar: cafetão de criancinha também gera empregos, fabricante de cigarro também gera empregos, explorador de viciados em jogos também gera empregos, traficante de drogas também gera empregos. E nem por isso*...
"Ah, mas então você é contra as fábricas de papel?" pode perguntar alguém. Claro que não! Sou uma leitora ávida de livros (os quais não creio que a internet irá substituir algum dia), gosto de ler revistas de vez em quando, tenho pilhas de bloquinhos espalhados pela casa, para anotar mil coisas, e sou um alvo perfeito para o tal lembrete em e-mails, que manda pensar antes de imprimir, pois tenho vontade de imprimir muita coisa inútil. Não sou contra o papel, ou contra as fábricas de papel. Sou contra cara de pau, sou contra falta de ética na propaganda, sou contra a exploração estúpida de nossos recursos naturais, sou contra a menos valia, sou contra a destruição da Amazônia... E é melhor parar, senão não acaba nunca...
* Aliás, falando em geração de empregos, a Vale tem um programa de incentivo ao esporte (BRASIL VALE OURO) que me parece gerar, disfarçadamente, emprego infantil em atletismo. O que eu penso do trabalho infantil, qualquer que seja, você já sabe, né? Se não, leia meus artigos sobre o assunto nos sites da Pobres & Nojentas (este e o da Teórica, h
ttp://revistapobresenojentas.wordpress.com/)

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