segunda-feira, 31 de outubro de 2011

DE DESTERRO A FLORIANÓPOLIS - Como tudo Começou

http://www.youtube.com/watch?v=g6Jg6711NxQ&feature=related

Caminhar é uma questão vital

Por Rubens Lopes

Caminhar é essencial para a vida. Digo não só no sentido físico, mas também caminhar por um objetivo, um ideal. Assim, para mim tem-se tornado o ato de escrever. Escrever é uma questão vital, como caminhar.

Essa manhã fui caminhar até a praia do Campeche, onde (passados quatro anos) pela primeira vez vi o mar, na companhia do querido Stive Biko, o cachorro da casa, que recebeu seu nome em homenagem ao grande lutador africano. Ali ele também desvirginou os olhos diante do mar, quase que com o mesmo espanto que eu.

E, na praia, vi uma bela imagem, que muito me impressionou, tanto pela luz da manhã como o que ela tinha a dizer. Era um pescador, que usando chapéu de palha, bermuda e camiseta, descalço caminhava na praia. A luz do sol refletida pela água lhe deu uma silhueta definida de claro-escuro contra a luz. Fiquei admirado diante daquela imagem cheia de significados. A imagem do homem do mar diante daquela imensidão aparecia apenas como um punctum, toda a beleza da espuma das ondas que chegam até a praia, aquela luz...

E foi isso que me levou a pensar sobre o ato de escrever e o que ele partilha com o caminhar. Ainda não caminhei nem um terço da vida e apenas começo a engatinhar na escrita. Assim, como na minha pequena caminhada, ao escrever às vezes titubeio, caio, me levanto, me machuco e levo comigo as cicatrizes para contar das dores que já vivi. Mas também levo muitas alegrias, memórias de lugares por onde caminhei, imagens, sons, pessoas, sorrisos e até lágrimas comungadas. Tudo isso me ajudou na caminhada e a ter as ideias que tenho.

Agora, continuo a caminhar e a escrever com um objetivo em mente: me tornar um jornalista. Mas, assim como o poeta, acredito que o sentido da caminhada não está nem no início nem no fim, e sim no meio.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Jazzus

Manuscritos inéditos do filho do Deus


Textos escritos por Fernando José Karl


Clique abaixo:www.nautikkon.blogspot.com

Quando o deserto começa a dar frutos, vai produzir uma vegetação estranha: tu te julgarás louco e, em certo sentido, serás louco. Se dizes que o lugar da alma não existe, então ele não existe: se dizes que ele existe, ele existe. Entrei num matagal de dúvida: sou como a palavra: minha grandeza é onde nunca toquei: hinübergehen (ir para o além): a alma diz: “Espera”. Se ainda quisermos vencer a morte, então temos de avivá-la. A solidão conosco mesmos não tem fim: ela apenas começou. Quem brinca esconde a morte interior. Quem brinca é criança. Deus é velho: morre.


Fernando José Karl

O dia do Saci Pererê

Elaine Tavares

Não há nada mais servil do que se deixar dominar culturalmente. Quando a força das armas vem, pode-se até entender. Mas quando o domínio se dá de forma sub-reptícia, via cultura, parece mais letal. O Brasil vive isso de forma visceral. A música estadunidense invade as rádios e a juventude canta sem entender a mensagem. No comércio abundam os nomes de lojas em inglês e até as marcas de roupa ou sapato são na língua anglo-saxônica, “porque vende mais” dizem as atendentes. Nas vitrines, cartazes de “sale”, ou “50% off” embandeiram a escravidão cultural. E tudo acontece automaticamente, como se fosse natural. Não é!

Outra prática que vem invadindo as escolas e até os jardins de infância é a comemoração do Halloween, o dia das bruxas dos estadunidenses. Lá, no país de Obama, esta data, o 31 de outubro, é um lindo dia de festividades com as crianças, no qual elas saem fazendo estripulias, exigindo guloseimas. Tudo muito legal dentro da cultura daquele povo, que incorporou esta milenar festa irlandesa lá pelo início do 1800. Nesta festa misturam-se velhas lendas de almas penadas, de gente que enganou o diabo e outras tantas comemorações pagãs. Além disso, hoje, ela nada mais é do que mais uma boa desculpa para frenéticas compras, bem ao estilo do capitalismo selvagem, predador.

Aqui no Brasil esta festa não tem qualquer razão de ser, exceto por conta das mentes colonizadas, que também associam o Halloween ao consumo. Não temos raízes celtas, nem irlandesas ou inglesas. Nossas raízes são outras, Guarani, Caraíba, Tupinambá, Pataxó... Nossos mitos – e são tantos – guardam relação com a floresta, com a vida livre, com a beleza. O mais conhecido deles é ainda mais bonito, fala de alegria e liberdade. É o Saci Pererê. Uma figurinha buliçosa que tem sua origem nas lendas dos povos originários, como guardião das generosas florestas que garantiam a vida plena das gentes. Com a chegada dos povos das mais variadas regiões da África, o menino guardião foi agregando novos contornos. Ficou negro, perdeu uma perna e ganhou um barrete vermelho na cabeça, símbolo da liberdade. Leva na boca um cachimbo (o petyngua), muito usado pelos mais velhos nas comunidades indígenas. Sua missão no mundo é brincar, idéia muito próxima do mito fundador de quase todas as etnias de que o mundo é um grande jardim.

Pois é para reviver a cada ano as lendas e mitos do povo brasileiro que vários movimentos culturais e sociais usam o 31 de outubro para comemorar o Dia do Saci. Com atividades nas ruas, as gentes discutem a necessidade da libertação - coisa própria do Saci - das práticas culturais colonizadas. Ao trazer para o conhecimento público figuras como o Saci, o Caipora, o Boitatá, o Curupira, a Mula Sem Cabeça, todos personagens do imaginário popular, busca-se, na brincadeira que é próprias destes personagens mitológicos, incutir um sentimento nacional, de brasilidade, de reverência pela cultura autóctone. Não como sectária diferença, mas como afirmação das nossas raízes.

Em Florianópolis, quem iniciou esta idéia foi o Sindicato dos Trabalhadores da UFSC, que decidiu instituir o 31 de outubro como o Dia do Saci e seus amigos. Assim, neste dia, durante vários anos, os mitos da nossa gente invadiam as ruas, não para pedir guloseimas, mas para celebrar a vida. Tendo como personagem principal o Saci, o sindicato discutia a necessidade de valorizarmos aquilo que é nosso, que tem raiz encravada nas origens do nosso povo. Mas, agora, sob outra direção, que não conspira com estas idéias de nacionalismo cultural, o Saci não vai sair com a pompa usual.

Mas, não tem problema, porque ainda assim, prenunciando seu dia, por toda a cidade, se ouvirão os loucos estalos nos pés de bambu. É porque dali saem, às carreiras, todos os Sacis que estavam dormindo, esperando a hora de brincar com as gentes. Redemoinhos, ventanias, correrias e muito riso. Isso é o Saci, moleque danado, guardião da floresta, protetor da natureza. Ele vem, com seus amigos, encantar o povo, fazer com que percebam que é preciso cuidar da nossa grande casa. Não virá pela mão do Sintufsc, mas pelo coração dos homens, mulheres e crianças que estão sempre em luta contra as maldades do mundo. O Saci é protetor da natureza e vai se unir a todos nós, os que batalham contra os vilões do amor. Ah Saci, eu vou te esperar... Que venhas com o vento sul...

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A luta indígena em Santa Catarina

Elaine Tavares

Um júri popular definiu, na última terça-feira (18/10), que oito pessoas da etnia Kaikang são as culpadas pela morte do fazendeiro Olices Stefani, ocorrida em fevereiro de 2004, na cidade de Abelardo Luz, durante um conflito envolvendo agricultores e indígenas. A decisão é estranha porque, segundo o CIMI, não foram apresentadas provas quanto a quem realmente foi o autor do disparo que acabou matando o fazendeiro na madrugada daquele carnaval. Mesmo assim, quatro deles foram condenados a seis anos de prisão pelo assassinato e outros quatro, condenados a nove anos, acusados também de cárcere privado. Segundo Jakson Santana, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), de Chapecó, a condenação não se sustenta e é muito mais uma condenação ao movimento dos indígenas pela demarcação de suas terras do que da morte em si. “Qualquer pessoa poderia ter matado o fazendeiro. Era madrugada, no meio do nada. Não há provas de que foram os índios.”

A morte de um dos mais importantes fazendeiros da cidade de Abelardo Luz, que era também representante do Sindicato Rural, se deu num contexto de conflito, quando, em fevereiro de 2004 os Kaigang ocuparam uma fazenda na luta pela demarcação de suas terras ancestrais. Havia um processo correndo na Funai, mas tudo estava parado, como é comum quando se trata das terras indígenas. Desde 1998 esse grupo de Kaigang estava acampado em uma pequena extensão de três hectares, esperando que suas terras fossem definitivamente demarcadas para que pudessem viver em paz. Historicamente a etnia Kaigang ocupava um vasto território que vai desde a região do Rio Tietê, em São Paulo, até o Rio Grande do Sul. Com a expansão das fronteiras agrícolas, essa etnia foi sendo empurrada para outros espaços e muitos grupos foram completamente dizimados. A chegada dos colonos estrangeiros, que vinham para o Brasil acreditando nas belas propagandas que o governo fazia, de terra boa, fértil e vazia, acabaram sendo os principais algozes, pois, ao chegarem se deparavam com a fúria dos autóctones. E, visando garantir seus direitos – oferecidos pelo Estado – não se furtavam de matar e “limpar a área”. Não bastasse isso ainda havia os aventureiros, que adentravam o Brasil profundo grilando terra e arrasando a vida que por ali estivesse.

Na cidade de Abelardo Luz, oeste de Santa Catarina, os conflitos de terra são seculares. Mas, no que diz respeito aos Kaigang, foi na década de 50 que o próprio Serviço de Proteção ao Índio (SPI) deu a pá de cal na expulsão dos indígenas da área conhecida como Toldo do Imbu, hoje reivindicada pelos Kaigang. Segundo lembranças de um velho índio que era chefe do grupo na região, Otávio Belino, compiladas por Egon Heck, do Cimi: “naqueles dias eles chegaram, com jagunços armados, e foram colocando todas as nossas coisas num caminhão. Eles nos caçaram e tiraram todo mundo da terra, amarrado. Essa terra sempre foi nossa”.

Mas, como conta Belino, os índios foram tirados à força, com o apoio dos grandes proprietários da região, que hoje assumem uma posição de vítimas. Foi por conta dessa história que, nos anos 90, os Kaigang recrudesceram a luta por aquilo que era deles por direito. A Funai abriu processo para regularizar a área, não sem antes haver toda uma articulação promovida pelos poderosos da região para impedir, até porque as terras roubadas dos índios hoje estão na mãos – em maior volume – dos grandes fazendeiros. É certo que existem pequenos produtores também vivendo na área, mas esses não são os maiores entraves à demarcação. Ressarcidos, eles poderão seguir com suas vidas de pequenos agricultores, já que não são exploradores capitalistas. O que pega mesmo é a pequena parcela de grandes proprietários que transformaram as terras indígenas em empresas rurais.

O crime

A situação que acabou na morte do fazendeiro Olices Stefani é cercada de fatos confusos. Os 250 Kaigangs que lutavam pela demarcação de suas terras decidiram ocupar uma fazenda à margem de uma estrada, visando pressionar a Funai, uma vez que o processo estava engavetado e eles estavam morrendo à míngua num espaço minúsculo, no qual não podiam sequer plantar. A ocupação já durava três dias e havia levantado polvorosa na cidade. Os fazendeiros, liderados pelo Sindicato Rural, pressionavam o governo para que os indígenas fossem retirados, afinal, uma ocupação sempre acaba rendendo debates e isso não seria bom para os que se diziam “donos” da terra que era, na verdade, dos índios. Quatro dias depois da ocupação, em pleno carnaval, por volta da uma hora da manhã, os fazendeiros entraram na fazenda ocupada. O que se seguiu só os que lá estavam podem contar. No meio da madrugada, assustados, os Kaigang imaginaram que seriam massacrados, afinal, a jagunçagem é bem conhecida por aqueles que lutam pelos seus direitos. O fato é que houve um disparo e o fazendeiro acabou morto. Mas, ninguém sabe quem disparou. Os indígenas negam que tivessem armas. O fazendeiro, segundo relatos do Cimi, tinha muitos desafetos na região. “Quem pode garantir que não tenha sido um crime a calhar. E além de tudo, botando a culpa nos índios. Tudo é muito obscuro. E o que esses fazendeiros foram fazer na ocupação, de madrugada, em pleno carnaval?” Essas perguntas ficam sem resposta.

Um seminário promovido pelo Senado Federal, na Assembléia Legislativa de Santa Catarina, poucos dias depois do conflito, dá conta de como o governo e os fazendeiros estavam lidando com a questão indígena no local. Diz o representante do secretário da Agricultura de SC, Ari Neoman: "Estamos no centro do problema, já que de um lado estão os agricultores, que produzem não apenas para comer, mas também para exportar, aumentando a balança comercial do país. E de outro os índios, que necessitam de suas terras para viver". Ou seja, quem teria mais poder aí? Os índios ou os que aumentam a balança comercial?

Também participou da reunião o representante do prefeito de Seara, procurador Paulo Vantuin, que disse ser um absurdo a Funai querer aumentar as terras indígenas de 900 para 5 mil hectares, pois isso prejudicaria 1.300 pessoas que ocupam a região. E argumenta: “Entendemos também a situação dos índios, mas as famílias que estão na região há mais de cem anos não podem sair tão prejudicadas." Ora, os indígenas, que vivem ali há centenas de anos, podem?

O fazendeiro Ilson de Sousa foi mais longe e falou que há uma “indústria da criação de áreas indígenas no país”. Exigindo a prisão desses que, segundo ele, formam a tal indústria, ainda “acusou” os Kaignag de não trabalharem e também de possuírem carros, celulares e imóveis. "Se os índios têm tudo isso, para que querem mais terras?" Se isso fosse um argumento válido então caberia aqui também perguntar se ele mesmo, o fazendeiro, tem celular, carro e não trabalha (quem trabalha são os empregados), por que precisa também das terras? Isso mostra o tremendo desconhecimento da realidade cultural dos indígenas e mais, expressa o preconceito, o racismo e a intolerância. Nada mais natural num grande proprietário de terra.

O hoje

O fato é que o resultado daquela madrugada obscura foi a morte de um fazendeiro e, agora, a condenação de oito Kaigang. Os indígenas seguem afirmando que não mataram o fazendeiro. Não há provas contundentes de que foram eles, mesmo assim estão condenados. A defesa diz que vai apelar, pois só o argumento de que não há como saber quem atirou, inviabiliza uma condenação. Mesmo assim, o caso haverá de arrastar-se. Os indígenas Albari José Oliveira Santos, Valdecir Oliveira Santos, Mauri Santos Oliveira e Vanderlei dos Santos tiveram penas de nove anos, e Marciano Oliveira dos Santos, César Galvão, Vanderlei Felizardo e Claudir da Silva tiveram penas de seis anos.

A condenação tampouco “resolve” a questão dos conflitos de terra naquela região, porque esse não é um caso de polícia. A demarcação das terras Kaigang é direito de um povo que, como bem lembra o velho chefe Belino, foi retirado à força de seu lugar de vida, para que as terras pudessem ser vendidas pelo próprio estado. Hoje, as famílias de grandes e pequenos proprietários que reivindicam estar na terra há décadas, precisam compreender que ela lhes foi vendida de forma irregular e ilegalmente, à custa da violência e da morte. Já os que simplesmente grilaram a terra, esses não devem nem ser escutados.

O triste episódio daquele fevereiro de 2004 pelo menos fez com que a questão dos Kaigang saísse da gaveta. O processo que estava parado seguiu seu rumo. Já foi feito o levantamento fundiário e começam a ser pagas as benfeitorias que foram feitas na área. A coisa ainda está emperrada porque os fazendeiros ainda tentaram, em 2007, pedir a nulidade da portaria que estabelece a demarcação. Não conseguiram. Segundo o Cimi de Chapecó, vivendo na área que será dos Kaigang existem em torno de 70 famílias, duas ou três com mais de 60% das terras.

No grupo dos Kaigang vivem 250 almas, ainda acampadas numa estreita faixa de três hectares. Os acusados da morte do fazendeiro seguem em liberdade, uma vez que a condenação ainda não esgota o assunto. A luta dos povos indígenas pela recuperação de seus territórios e de viver a vida a seu modo ainda está bem longe de terminar. E, muito mais do que vencer nos tribunais, há que vencer o racismo, o preconceito e a completa ignorância que existe sobre o mundo dos reais donos dessa terra.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Um dia a mais com dez reais

Por Leonardo Tolomini Miranda
O seu salmão é o meu feijão com arroz
O seu carro a sua beleza, a rua a minha amiga
Não há nada que você queira, eu quero tudo
Tudo para mim, só para mim
Quero que meus olhos não vejam mais miséria
Que não vejam mais fome e tragédias imbecis
Não quero mais nenhuma mãe ser ter com que alimentar seu filho
Sou egoísta, quero isso para mim, para mais ninguém
Meus olhos e ouvidos não aguentam mais, não é pinico
Minha vida não é joguete se vou ser feliz ou miserável
Quero ter a felicidade, desconstruir a infelicidade
Quero um mundo só para mim, sem você que me perturba
Que dirige esse maldito carro importado, que está na política por dinheiro
Empresário que explora sua mão de obra faminta
Sou egoísta, sou ruim, tenho pesadelos e entro no sonho daqueles malditos
Que assombram meus olhos, que me trancam em quatro paredes
Não quero mais você miséria, muito menos você riqueza
Vocês duas são estúpidas e só andam de mãos dadas, uma dá a porrada
A outra o falso sorriso
Vocês são o caos, o fim do mundo, quero a igualdade só para mim
Para poder descansar um pouquinho à noite e achar que vale a pena viver
Diante da estupidez da miséria passiva e da riqueza brilhante
E um bom foda-se a indústria cultural do pão e circo
Novela e futebol
E enquanto isso o mundo é assim mesmo, a droga está em qualquer esquina
É o meu mundo, porque o mundo é meu, antropocêntrico
Fode-se a cada dia, a cada instante que olho um miserável capitalista ignorante
Que acha que o mundo é seu através das moedas, dos juros, dos bancos, das gerências
O mundo não é deles, o mundo é meu e o meu mundo é igualitário
Declaro guerra a esta gente podre de sentimentos, vazias de qualquer esperança
Pois já possuem tudo, possuem o meu suor em seu copo de vinho
Minha saudade em sua cama
Minha filha em sua esquina
Meu filho de roupas rasgadas
Quero que eles se acabem instantaneamente, assim como o mundo irá se acabar
Se eles continuarem a ditarem as regras
Que regras? Há regras? Nenhuma.

A doce canção das ruas

Por Elaine Tavares - jornalista

Era 1988. Na esquina do terminal urbano, que naqueles dias ainda era ali perto da Praça XV, eu e mais dois amigos, Julio e Catarina, distribuíamos o jornal Barricada, que trazia informações sobre a revolução sandinista na Nicarágua. Havíamos criado o Comitê de Solidariedade aos Povos do Terceiro Mundo e aquela era uma das tarefas mais importantes. Dizer da experiência sandinista, mostrar que era possível avançar na luta contra o capitalismo e que, na América Latina, Cuba já não era uma estrela solitária. Era um trabalho quase inútil. As pessoas passavam ligeiras, no corre-corre da vida. Nicarágua? Cuba? Socialismo? “Que gente louca”, resmungavam, entre dentes. E nós ali, sob o sol, com um enorme fardo de Barricada, tentando mostrar que havia outra forma de organizar a vida.

Hoje, passados 23 anos, aí está o planeta alçado em rebelião. Nesse dia 15 de novembro, por todo o mundo, milhões de pessoas saíram às ruas, protestando contra o sistema capitalista. O que era loucura nos anos 80, o que aparecia como utopia, coisa impossível, agora se materializa diante dos olhos. Naqueles dias, ali estávamos nas esquinas, feito arautos da desgraça, a dizer das mazelas do sistema, sem que ninguém quisesse ouvir. O capitalismo mata, exige a vida de um para que outro viva. Define um centro rico e uma periferia pobre, vampiriza a vida das gentes para que meia dúzia possa viver à larga.

Agora, vimos nos cartazes que a juventude estadunidense carrega, em plena Wall Street, “Somos os 99%”. Finalmente entenderam que no mundo inteiro apenas 1% vive bem, do sangue e do suor da maioria. E assim se sucede na Grécia saqueada e na Europa destroçada. O estado de Bem Estar Social que o pós-guerra engendrou há muito tempo já fazia água, mas vinha se mantendo quase que por força de um mito. A Europa saciada, bem resolvida. Mas, a imagem desse mundo perfeito era só um reflexo no espelho. O capitalismo é como a metáfora da “Bolha Assassina” (The Blob), o velho filme de Bóris Karlof. Vai crescendo e engolindo tudo a sua volta.

Mesmo nos Estados Unidos, imagem do “mundo livre”, a bolha foi se imiscuindo. E agora os jovens querem outras respostas. Não querem mais servir de bucha de canhão das empresas que recrutam mercenários para fazer as guerras sujas do governo. Não querem mais morrer por nada. O povo que acreditou no milagre do capital agora vê seu mundo destruído. Não há casa, não há emprego, não há futuro. E é por isso que as gentes vão às ruas. Porque entenderam que o que os oprime está bem ali, à vista de todos, nas ruas chiques.

Enquanto as pessoas morrem como moscas pela fome e pela guerra, os governos só pensam em salvar os bancos, os agiotas oficiais, os que brincam de deuses com a vida das pessoas. Pois o povo não quer mais que se salvem bancos e empresas que exploram e oprimem. O povo quer que sejam salvas as suas próprias vidas. Na prática, entendendo a lógica do sistema. O capitalismo já não consegue mais manter sua aura de sedução porque a vida real está batendo na porta.
Estes são anos bonitos, de convulsão por toda parte, primavera árabe, lutas na Grécia, na Palestina, na Bolívia, no Equador, no Chile, nos países da Europa, e no coração do monstro. Por toda parte assoma a crise e, com ela, a consciência de muitos. É uma hora histórica. Um momento de mudança de temperatura do mundo.

Mas o filósofo Slavoj Zizec deu a dica: “Não nos apaixonemos por nós mesmos. É bom estar aqui, mas, lembrem-se, os carnavais são baratos”. Falando para a multidão acampada em Wall Street ele enfatizou que o problema principal a ser enfrentado não é a corrupção ou ganância dos banqueiros e governantes. O que tem de ser enfrentado e destruído é sistema mesmo, o capitalismo. “Há um longo caminho a trilhar”.

Esse é o ponto. As ruas estão fervilhando, gritando, marcando seu protesto. A esperança é de que não se esgote em si mesmo, que avance para mudanças radicais, como já fizeram as gentes do Equador quando em 2005 derrubaram Lucio Gutiérrez. “Não sabem o que querem”, diziam os analistas. Erraram. Elas sabiam. E tanto que continuaram lutando e derrubando o que não lhes servia. Seguem ainda. Foi assim na Bolívia em 2003 quando as gentes destruíram dezenas de prédios na guerra do gás em La Paz. “Uma massa informe”. Não era. Seguiram lutando, derrubaram Sanchez de Losada, buscaram alternativas. As ruas são sábias.

O certo é que dialeticamente, o sistema gera seu contrário. É o ovo da serpente. Fatalmente se acabará. Pode demorar mais ou menos. Mas acabará. E está mais próximo do que estava naqueles dias de 88, quando, solitários, distribuíamos o Barricada. O bom é saber que o que era a luta de uns poucos agora se agiganta, gritando por todo o planeta. Não mais como arautos da desgraça, mas como precursores de uma grande transformação.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Livro traz olhar crítico sobre a universidade


Por Raquel Moysés – jornalista

Oito autores pensam - em artigos, ensaios e uma entrevista - as debilidades e alguma nobreza da universidade contemporânea, com o propósito de indagar e desvendar, principalmente, a história de cinco décadas da Universidade Federal de Santa Catarina. Não limitam seus olhares apenas à UFSC, pois, ao focalizá-la, em suas análises, no livro “Crítica à razão acadêmica – Reflexão sobre a Universidade Contemporânea”, percorrem um caminho que traz matizes da história mais ampla da sociedade, do ambiente político, econômico e cultural em que os fatos sucederam e se inscrevem na atualidade da cidade, do Estado, do Brasil e do mundo. Publicada pela Editora Insular, a obra reúne textos de estudiosos da UFSC, da Universidade de São Paulo (USP) e da Ohio State University, dos Estados Unidos. O lançamento está marcado para o dia 20 de outubro, às 19 horas, no saguão da Biblioteca Central Universitária (BU/UFSC).

A comemoração dos 50 anos de existência da universidade catarinense, completados em 2010, foi um dos acontecimentos que motivou os organizadores do livro, os professores Waldir Rampinelli e Nildo Ouriques, a buscarem outros autores com os quais dividirem uma reflexão sobre a universidade. Porque, conforme enfatiza Rampinelli, a celebração da vida de uma instituição precisa ir além de festas, condecorações e publicação de um livro de caráter oficial, atividades que marcaram os festejos do cinquentenário da UFSC. “Uma instituição pública tem a obrigação de avaliar sua história dentro de uma perspectiva crítica para poder avançar mais e melhor servir a sua população”, afirma o professor de História.

O livro, explicam os organizadores, “analisa e desvenda forças claras e ocultas que atuam na universidade contemporânea, algumas delas na UFSC, ao longo de seus 50 anos, como a oligarquia, a maçonaria e o mercado”. Rampinelli e Ouriques comentam, na apresentação da obra, que “nossa sociedade se ressente de intelectuais que tornem públicos e elucidem de maneira dialética e crítica os conflitos impostos pelo sistema capitalista.” Para os dois professores, é preciso “atualizar a importância do intelectual público que foi derrotado, para a desgraça de nossas universidades, pela aparição da medíocre figura do “acadêmico”, uma mistura de fetiche e impostura, que lamentavelmente marca o comportamento da maior parte da vida universitária.”

Lembram, ainda, que é necessário superar o medo que toma conta das pessoas, também nos campi universitários. Milton Santos, que eles citam, dizia: “A universidade é talvez a única instituição que pode sobreviver apenas se aceitar críticas, de dentro dela própria, de uma ou outra forma. Se a universidade pede aos seus participantes que se calem, ela está se condenando ao silêncio, isto é, à morte, pois seu destino é falar”. Além do mais, constatam os organizadores, “a erupção da crise capitalista mundial exige do professor universitário um novo tipo de comportamento, pois as respostas ‘acadêmicas’ aos grandes problemas da sociedade contemporânea são insuficientes.”

Os autores de “Crítica à razão acadêmica”, todos com atividade intelectual e militante na universidade, extraem, de suas análises, reflexões críticas sobre temas como o das fundações privadas, que minam o espaço público, e o das difíceis relações entre os trabalhadores em educação na universidade (técnicos e docentes). Percorrem também, nos textos, caminhos dos movimentos organizados, principalmente na UFSC, e denunciam os vícios dos processos eleitorais para a reitoria ao longo da história da instituição catarinense. Revelam, ainda, um tanto de servidão voluntária nas relações com o poder, bem como a submissão de “acadêmicos” às chamadas “revistas internacionais”, publicações a serviço de políticas científicas e econômicas “bem nacionais” de países europeus e dos Estados Unidos.

Além dos ensaios de Nildo Ouriques e Waldir Rampinelli, o livro traz textos de Célio Espíndola, Elaine Tavares, Fábio Lopes da Silva, Marli Auras (todos da UFSC) e Ciro Teixeira Correia (da USP). O único estrangeiro entre os autores é o estadunidense Frank Donoghue, que contribui com reflexões sobre as mudanças no mundo universitário dos Estados Unidos, “quase sempre objeto de adoração por parte da consciência ingênua que orienta a atividade universitária na periferia capitalista latino-americana e especialmente no Brasil”, como assinalam os organizadores. O livro inclui, ainda, uma entrevista com Maurício Tragtenberg, intelectual crítico que percebeu precocemente o surgimento de uma séria ameaça à vida universitária, à qual ele se refere como “delinquência acadêmica”.

“A atitude complacente que atualmente domina o campus e que marca a carreira da grande maioria dos professores é nociva para a construção de uma universidade vital para o Brasil e a América Latina”, escrevem Ouriques e Rampinelli. “Este livro pretende ser uma contribuição para que as possibilidades abertas pela crise global não se frustrem e possibilitem um despertar no campus universitário, este mesmo despertar cujas vozes vindas das ruas já se podem ouvir.”

Outras informações com Waldir Rampinelli ((8823-1373), Nildo Ouriques (9931-2930) e no IELA (3721- 4938 e 3721-6483).

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

No centro da velha Desterro

Elaine Tavares

A vida para mim é coisa sagrada. Andar por aí, respirar, ver o por do sol, ouvir os passarinhos, observar uma árvore florida, comer um bom macarrão. Ah... fruição desse mágico jardim! Nem a guerra, a fome, o ódio, a opressão, o desespero, nada tira de mim essa gana de viver e dançar a dança louca da criação. Pelo contrário, essas coisas me movem, me fazem ir à luta. Porque quero, como os indígenas de Abya Yala, o sumak causai, o bem-viver, para mim e para tudo o que vive.

Nessa cidade perdida no mar há coisas demais que nos enlouquecem. O trânsito, os governantes, a apatia, a destruição ambiental, enfim, a lista é longa. Mas, ao mesmo tempo há o centro. Poucas coisas podem ser mais prazerosas que andar pelo centro da cidade, a velha Desterro. Ali, a vida brota na sua mais esplendorosa alegria/dor/turbulência/ternura.

Todos os dias, antes de ir para casa, eu desço no terminal central e faço uma incursão pelas ruas centrais. Na Conselheiro Mafra, olhando as roupas penduradas nas portas do mercado, vendo nas novidades nas lojas de mil e uma coisas, observando os vendedores de bugigangas. Depois, pela Felipe Schmidt, olhando as vitrines, admirando as pessoas que esperam nas longas filas das lotéricas, sonhando com a riqueza fácil. Olho as revistas nas bancas, compro água de coco, vejo os livros na livraria, circulo pelas galerias. Todo dia é uma aventura nova.

O centro tem um cheiro, um sabor, uma vida vibrante. Tem música, tem pintura, tem os velhos, caminhando, tem a figueira, imensa, acolhendo os viandantes. Tem a Margarida em frente à igreja São Francisco, tem o homem do megafone, tem os entrega-papéis de todo tipo, tem o Luciano vendendo seu Tra-lá-lá, os pipoqueiros, os equatorianos que vendem lenços, as mulheres das meias, os peruanos que vendem Cds, os guris do DVD, as mulheres que vendem sexo, tem o café com a boa amiga Jussara. O centro é um coração pulsando. É espaço de encontro, de riso, de luta. Meu coração canta quando por ali circulo. É o que carrega minhas baterias.

Ontem levei um amigo mexicano para ver o que de mais precioso eu penso que temos nessa cidade: a vida em movimento no centro da cidade. Ele, então, encantado com meu amor por esse espaço de prazer, me presenteou com essa linda canção de Petula Clark. Compartilho a canção e o meu amor. Florianópolis não é a ilha da magia que tanto se fala nas propagandas, mas tem um povo lutador que torna esse lugar especial. Florianópolis é onde eu moro, meu lugar, onde divido a vida com seres de primeira qualidade. A despeito dos calhordas destruidores, ainda vale a pena viver aqui...

http://www.youtube.com/watch?v=FKCnHWas3HQ&feature=player_embedded&noredirect=1


Todo dia é dia da criança

Elaine Tavares

Para meu amigo Leo Nogueira (que é criança)

Dois homens, os quais amo muito, disseram coisas muito semelhantes sobre a criança. Um deles foi Jesus. Ao verem o mestre, numa de suas paradas, entre os caminhos poeirentos das estradas da Palestina, ser rodeado pelos pequenos barulhentos, os seus companheiros decidiram enxotá-los, acreditando que era isso que Jesus desejava. Mas o Rabi fez foi enxotar os apóstolos. “Deixai vir a mim as criancinhas, porque é delas o reino do meu pai”. Daquela cena fala Lucas, em seu evangelho: “O reino de Deus é dos que se parecem com as crianças. O que não receber o reino como uma criança, não entrará nele”, ( Lucas.18:15).

Bem mais tarde, Nietzsche, na Alemanha, vai oferecer ao mundo sua visão de super-homem. Para ele, o super-homem é, justamente, a criança. No seu lindo livro “Assim falava Zaratustra”, Friedrich diz: “Dizei-me irmãos: que poderá a criança fazer de que o próprio leão tenha sido incapaz? Para que será preciso que o altivo leão tenha de se mudar ainda em criança?” A resposta é a chave para a idéia de super-homem. Diz Zaratustra que a criança é a inocência, o esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si. “Para jogar o jogo dos criadores é preciso ser uma santa afirmação. O espírito quer agora a sua própria vontade, tendo perdido o mundo, conquista seu próprio mundo”.

A criança não sabe das maldades do mundo, não foi domesticada pela sociedade onde está inserida. Nela não há bem, nem mal, apenas o viver, a descoberta. A surpreendente descoberta de um dedo que se move, de um pé, de coisas que a rodeiam e sobre as quais ela nada sabe. É por isso que um bebê pode sorrir diante de um lobo, ele não sabe do mal, está cheio de encantamento pela vida que passeia diante de seus olhos. É isso que o profeta Zaratustra, de Nietzsche, vem dizer quando propõe a “terceira transformação”. Nenhum mal, nenhum bem, só esse encantamento, esse brilho no olhar, essa sede de descobrir.

É na criança que se vê, inteira, a coragem, a nobreza, a aceitação da diferença, a força que desloca para frente, destemida. Percebe-se aqui o amor imenso de Nietzsche pelo ideal pré-socrático. A criança de Nietzsche é um pouco o herói homérico, guerreiro que vai para a luta pensando em nada. Só a vontade de lutar o impulsiona e, se sai vivo da batalha, celebra a vida que continua. Nem bem, nem mal.

Por isso, esses homens tão desiguais se encontram em mim, porque também acredito que é preciso que a gente nunca perca de vista a criança em nós. Porque só assim entraremos no “reino” (a vida boa e bonita), porque só assim nos tornaremos aquele que podendo fazer tudo, só faz o que é nobre (o super-homem).

Nesses dias que antecedem o dia da criança observei muitas coisas estranhas. Na internet rolou um movimento de colocar desenhos para denunciar a violência contra a criança, e coisas do tipo. Acredito que isso pode ser válido, mas não é suficiente. A violência contra as crianças começa dentro da gente. Todo o drama da violência que vimos expressado cotidianamente nos programas televisivos de desgraças e nas páginas policiais é fruto da ação de adultos que perderam sua criancice. Seja pela desgraça da miséria e da dor que pode ter sido tão grande que os endureceu, seja pela violência de um sistema que tem por premissa básica o lema: para que um viva, outro tem de morrer.

Quando vejo por aí essas caminhadas pela paz, ou esses movimento virtuais, isso me desconforta. Não basta pedir paz aos “bandidos”. Essas criaturas que andam pelos caminhos roubando e matando não são sensíveis a isso. Elas querem é ver mudanças concretas nas suas vidas. Por que raios dariam paz a uma classe que as oprime e destrói? E aí o círculo da violência segue girando.

O concreto da luta pela paz é a mudança real de cada ser humano. Viver como criança, sentir como criança, brincar como criança, amar como criança. Gratuidade, alegria, partilha. Caminhar nessa beleza é o primeiro passo. Depois, já impregnados dessa ternura infantil, a gente sai para a vida, para mudar o mundo. No partido, no sindicato, no movimento, na luta real, concreta, nas estradas secundárias. Mudar o sistema, o modo de organizar a vida. Atuar no sentido de tornar todos crianças, capazes da nobreza, do bem-viver.

Nestes dias em que a televisão ideologiza e bestifica a infância induzindo ao consumo desenfreado, eu busco Jesus e Nietzsche, esses meus amigos, para tentar soprar algum segredo mágico nos ouvidos que sabem ouvir: ouvidos de criança.

Assim, quem sabe, em vez de comprar presentes de plástico, a gente não sai por aí dando cambalhota, pulando amarelinha, brincado de esconde-esconde, cantando cantigas de roda, passando rasteira nos vilões do amor? Precisamos ser crianças, todos nós... Só assim, quem sabe, essa coisa egoísta e fútil que se tornou o mundo, começa a mudar.

Santo Antônio terá neste sábado 1º Encontro de Carreiros de Boi


Um desfile de carros de bois e apresentações de violeiros marcam o 1º Encontro de Carreiros do Distrito de Santo Antônio de Lisboa que acontece neste sábado (8.10). A largada será às 7 horas no Engenho dos Andrade (Caminho dos Açores, nº1180). No trajeto em direção à Barra do Sambaqui outros carros de bois irão se incorporando.

Na Barra do Sambaqui serão recebidos pela família do comerciante Carlito da Luz com um café da manhã, junto os carreiros locais. Nesse momento todos os participantes estão reunidos. Em seguida haverá o deslocamento até a Casa Paroquial em Santo Antônio de Lisboa, no início da Praia Comprida/Caminho dos Açores, com chegada prevista para as 10 horas. No local haverá infra-estrutura para um grande churrasco, animado com modas de viola e canções caipiras.

“É a primeira experiência que estamos fazendo. Esperamos que a iniciativa possa ganhar corpo”, assinala Cláudio Andrade, presidente da Associação de Moradores de Santo Antônio de Lisboa (Amsal) e coordenador do Encontro junto com Beto Andrade. “É um embrião de evento que vai definir seu perfil pelos interesses e gostos dos participantes”, complementa.

O evento encerra o Circuito Cultural do Distrito de Santo Antônio de Lisboa “De Coração Aberto”, iniciativa da Amsal com o apoio da Prefeitura de Florianópolis.


Foto de Celso Martins

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Plenária Final do Congresso da Cidade será no dia 8

Comunidade do Campeche faz ouvir sua voz: cai a passarela

Por Elaine Tavares – jornalista

De repente, no meio das dunas, entre o verde da mata e o amarelo da areia começou a crescer um monstro de pau. Misteriosamente vinha de um condomínio de luxo, construído na beira da praia. Por dias, o que se via da areia era uma profusão de madeiras, pregos e homens. A comunidade espiava, no seu jeito ilhéu, cismando. E o monstro vindo.
Então, numa manhã, aquela língua de madeira chegou à praia, destacando-se nas dunas como uma ferida aberta, uma grotesca chaga, um manifesto separatista. Desembocava cinicamente, e sem pudor, no exato lugar onde por anos vicejou o bar do Chico, espaço solidário da comunidade do Campeche, lugar das conspirações, das lutas e das festas populares. O bar que foi derrubado numa manhã chuvosa e gris, sem que as gentes do lugar pudessem fazer nada, depois de levar anos em luta para mantê-lo onde estava. Vieram as máquinas e os homens do poder. “Está sobre as dunas, tem que cair”, diziam.
Agora, o Condomínio Essence, um pequeno monstrengo moderno, de dezenas de apartamentos espremidos entre si, mas de alto padrão, reafirmava seu poder, tripudiando da comunidade na qual pretende incluir mais de mil moradores. O monstro de madeira era uma passarela que ia desde a saída dos prédios até a beira da praia, serpenteando por entre as dunas. Um refúgio seguro para os privilegiados moradores. Uma caminhada de 300 metros sem colocar o pé no chão. A natureza servindo utilitariamente apenas como paisagem.
A comunidade que cismava, decidiu agir. Vieram reuniões, idas aos órgãos ambientais, prefeitura, secretarias. Se o bar do Chico caíra, porque a passarela haveria de ficar nas dunas? “Vai proteger”, alardeavam alguns defensores da natureza. Mas, quem vive no Campeche sabe muito bem o que é que protege as dunas e a natureza. É a gente do Campeche, pessoas que amam o lugar e que amam viver num bairro jardim, onde a natureza não é coisa, é parte de cada um. Esse povo não protege a natureza porque é bonito ver o verde, as dunas e a praia. Protege porque o verde, as dunas, a praia estão entranhados no modo de ser de quem vive nesse lugar, nativo ou não.
Todos os caminhos institucionais foram trilhados, mas ninguém ouviu o clamor. O secretário do “desenvolvimento” ainda ameaçou: “Isso é o futuro. Virão outras”. Isso porque o projeto dessa gente que administra a cidade é fazer uma Florianópolis só para quem pode pagar bem caro por ela. E isso inclui a natureza. Nos enormes cartazes das construtoras, a praia, a areia, o sol, tudo está à venda, incluído no preço. E com um sabor a mais. A pessoa ainda não precisará viver o incômodo de sujar o pé. Pode pegar sua cadeirinha na porta de casa e ir até a beira do mar protegida pela passarela. Haverão de banhar-se?
Na última sexta-feira (30) o povo protestou. Nada aconteceu. No dia seguinte, voltaram as gentes. Desta vem em maior número. Sábado de sol. Praia bonita. Passarela terminada, bem nos destroços do bar do Chico. Era coisa demais. Uma instalação artística re-construiu o velho bar, com uma foto do seu Chico. Alguns choravam. Outros reclamavam, indignados. Então alguém gritou: “ao chão”. O mesmo grito dos homens do poder ao histórico bar numa manhã chuvosa. Mas, nesse sábado, não teve máquina. Teve gente. Teve comunidade. Uma a uma, unidas em pequenos grupos, as pessoas foram arrancando os paus, na mão mesmo, puxando, quebrando, libertando a duna do monstro de pau. Em pouco tempo já havia uma montanha de madeira e o malfadado “deck” já era. Ouvia-se o riso, corriam as lágrimas, palmas. “Foi um dia histórico. A comunidade mostrou que, unida, pode fazer valer a sua voz”.
A passarela foi arrancada da duna, mas a luta não acabou. Essa é uma queda de braço entre dois projetos muito claros: um deles prega o desenvolvimento predador, ainda que só de alguns, os clientes. O outro insiste em manter um modo de vida que avança com o tempo, mas que não destrói. Que preserva cultura, jeito de ser, simplicidade e harmonia com a natureza. É uma batalha titânica que cabe agora ao sul da ilha. O norte já passou por isso e perdeu. Aqui no Campeche, agora que é noite e cai uma chuva fina, as pessoas estão em casa, cismando e fazendo planos. Conheço meus vizinhos e sei: se depender de cada um, a passarela não volta mais.

Trabalhadores das universidades voltam ao trabalho

Por Elaine Tavares - jornalista no IELA/UFSC

A greve dos técnico-administrativos das universidades inaugurou uma nova prática no governo Dilma: ignorar olimpicamente as demandas dos trabalhadores que não se renderem à lógica da “mesa de negociação permanente”. Essa proposta, numa primeira vista, parece a mais democrática possível. O governo se coloca diante da opinião pública como aquele que, permanentemente, está aberto ao diálogo, não havendo, portanto, razão alguma para que qualquer categoria precise usar do instrumento da greve. Mas, uma boa análise da prática da negociação permanente mostra que ela é exatamente isso que quer dizer: permanente, ou seja, sem finalização.

Foi por isso que os trabalhadores das universidades entraram em greve. Durante mais de dois anos estiveram em mesas de conversa. Cada uma delas marcava nova reunião, que marcava outra. E os problemas se acumulando. Nas universidades seguia a passos largos a privatização, sem novas contratações, os salários congelados, estagiários avolumando-se, fazendo serviço de técnico, trabalhadores sem perspectiva de carreira, cargos iguais com vencimentos diferentes e outros cargos importantes sendo extintos. Problemas demais, solução de menos, ou melhor, nenhuma. E, para piorar o governo ainda acenava com a privatização dos hospitais universitários, lançamento de fundo de pensão privado e um congelamento de salários por 10 anos. Tudo isso em nome do “ajuste” e da “crise”.

Mas, qualquer pessoa bem informada sabe que o “ajuste” só aperta o cinto dos trabalhadores. O governo cortou 50 bilhões do orçamento para redirecioná-lo para o pagamento da dívida, que hoje consome 47% do orçamento nacional. Paga 12% de juros ao mês aos especuladores de dinheiro podre e tira o pão da boca dos pais e mães de família. Empresta grana para o FMI e para o Abílio Diniz, enquanto corta saúde e educação do povo. A coisa acabou insustentável. Daí veio a greve. Não havia mais qualquer alternativa.

O movimento foi intenso e muito rapidamente a quase totalidade das 51 instituições federais aderiu. Já era tempo demais esperando pela boa vontade do governo que, em vez de acenar com propostas concretas, só anunciava retirada de direitos. E a greve, como sempre, por ser num setor que não tem “produção” aparente, começou a se arrastar. Já é histórico as greves da educação serem sempre muito longas, passando dos três meses. Ainda mais quando são levadas pelos técnico-administrativos. No geral esses trabalhadores parecem invisíveis e leva algum tempo para que estudantes e professores sintam a sua falta. No primeiro mês, a vida segue sem sobressaltos, causando desconforto apenas para quem usa o Restaurante Universitário e a Biblioteca. No segundo mês, já final de semestre, é hora da ação das coordenadorias, que passam as notas que definem matrículas. Aí o rombo começa a aparecer. Quando reinicia o semestre então vem o caos. Mas, até chegar a esse momento já se passaram três meses. É quando o governo começa a se mexer para fechar um acordo.

Só que desta vez, no governo de Dilma, não foi assim. Os meses foram passando e os representantes dos ministérios da Educação e do Planejamento repetiam o mesmo mantra: “Não negociaremos em greve”. O propósito era quebrar as pernas do movimento, vencer pelo cansaço, ao melhor estilo da dama de ferro inglesa, Margareth Thatcher, que colocou no chão uma greve de mineiros, no início de seu governo neoliberal. E, enquanto se negavam a receber a representação dos técnico-administrativos, foram fazendo acordos salariais com as demais categorias. Cantavam de galo, tripudiavam.

Nas universidades, com a greve instalada, o conflito foi crescendo. Estudantes queriam condições de estudo, professores, condições de ensino – e para isso são necessários os técnicos. Algumas reitorias pressionaram o governo, outras nem tanto. Assomaram com mais força os velhos conflitos entre professores e técnicos, tão comuns em dias “normais”. Mesmo nas universidades com pouca ação de luta, a paralisação foi grande, suficiente para entravar a máquina universitária. Mas, ao governo, universidade parada pareceu não incomodar. Nenhum clamor foi ouvido.

Os trabalhadores fizeram o bom combate. Fecharam universidades, realizaram marchas em Brasília, infernizaram em frente aos ministérios, peregrinaram pelos corredores do Congresso. Deputados pediram para abrir negociação, não foram ouvidos. Centrais sindicais tentaram negociar, foram enxotadas. Não haveria conversa. Era a primeira vez na história das greves que um governo se recusava à negociação e ao diálogo. Os dias passaram, os prazos de inclusão de reajuste salarial no orçamento passaram, os projetos entreguistas passaram - tais como o da privatização dos hospitais universitários - e não houve chance de negociação.

Então, passados mais de 115 dias, os trabalhadores decidiram que era hora de voltar ao trabalho. Não se dobraram ao governo. Não cederam às chantagens. Saem porque decidiram. Sem nada, sem promessas. A luta foi dura, as derrotas sangraram. Não haverá reajuste salarial, os HUs foram privatizados e as universidades ficaram mais vulneráveis diante da sanha do capital que quer transformar educação em mercadoria, da mesma forma como está fazendo com a saúde. A história, como sempre, mostrará quem estava certo nessa queda de braço.

A volta ao trabalho é um recuo no campo de batalha. Um recuo tático. Que ninguém se iluda. Quem conhece a história de luta da base da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades sabe que perder uma batalha não é perder a guerra. Afinal, é essa gente guerreira que vem servindo de escudo contra os ataques neoliberais iniciados ainda nos anos 80. Um a um eles foram rechaçados e, se algumas perdas aconteceram, a grande batalha contra a privatização total sempre foi vencida, no mais das vezes na união com professores e estudantes comprometidos. A universidade segue sendo pública, sem pagamento de mensalidades, com a garantia de certa qualidade. Não é a universidade perfeita, todos sabem, mas ainda assim é melhor do que as conhecidas fábricas de diplomas, e há vida e luta em suas entranhas.

115 dias de greve não é coisa pouca. Os estudantes sofrem, mas os trabalhadores também. Que ninguém pense que os grevistas dormem em paz. Fazer greve é subverter a ordem e isso cobra um preço alto demais. Quem entra numa batalha assim sabe que haverá incompreensões, ódios, revoltas. Mas, ainda assim, vale a pena viver isso na pele se for para continuar garantindo a universidade pública. Os trabalhadores lutam por salários, e isso é legítimo, e também lutam pela universidade sonhada. Os que vivenciam a greve na sua inteireza têm isso bem claro. Cada um desses que são acusados de “vagabundos” por alguns estudantes e professores sabem que sob seus corpos em luta se ampara essa instituição.

Por isso, ao voltar para o trabalho nesse 26 de setembro, ninguém entrará de cabeça baixa, derrotado. Porque ali na frente ainda há batalhas a travar. E, a despeito dos ódios de alunos e professores que só conseguem enxergar o hoje, eles seguirão, abrindo portas, dirigindo carros, cuidando dos laboratórios, das coordenadorias, das secretarias, do patrimônio, da segurança, vigiando os governos que buscam entregar a universidade nas garras privadas. E ainda, tal qual Jeremias, no alto da montanha a vigiar a tormenta, eles voltarão quando tiver de ser. Porque a universidade haverá se seguir pública, gratuita e de qualidade.