Por Elaine Tavares - jornalista
Era 1988. Na esquina do terminal urbano, que naqueles dias ainda era ali perto da Praça XV, eu e mais dois amigos, Julio e Catarina, distribuíamos o jornal Barricada, que trazia informações sobre a revolução sandinista na Nicarágua. Havíamos criado o Comitê de Solidariedade aos Povos do Terceiro Mundo e aquela era uma das tarefas mais importantes. Dizer da experiência sandinista, mostrar que era possível avançar na luta contra o capitalismo e que, na América Latina, Cuba já não era uma estrela solitária. Era um trabalho quase inútil. As pessoas passavam ligeiras, no corre-corre da vida. Nicarágua? Cuba? Socialismo? “Que gente louca”, resmungavam, entre dentes. E nós ali, sob o sol, com um enorme fardo de Barricada, tentando mostrar que havia outra forma de organizar a vida.
Hoje, passados 23 anos, aí está o planeta alçado em rebelião. Nesse dia 15 de novembro, por todo o mundo, milhões de pessoas saíram às ruas, protestando contra o sistema capitalista. O que era loucura nos anos 80, o que aparecia como utopia, coisa impossível, agora se materializa diante dos olhos. Naqueles dias, ali estávamos nas esquinas, feito arautos da desgraça, a dizer das mazelas do sistema, sem que ninguém quisesse ouvir. O capitalismo mata, exige a vida de um para que outro viva. Define um centro rico e uma periferia pobre, vampiriza a vida das gentes para que meia dúzia possa viver à larga.
Agora, vimos nos cartazes que a juventude estadunidense carrega, em plena Wall Street, “Somos os 99%”. Finalmente entenderam que no mundo inteiro apenas 1% vive bem, do sangue e do suor da maioria. E assim se sucede na Grécia saqueada e na Europa destroçada. O estado de Bem Estar Social que o pós-guerra engendrou há muito tempo já fazia água, mas vinha se mantendo quase que por força de um mito. A Europa saciada, bem resolvida. Mas, a imagem desse mundo perfeito era só um reflexo no espelho. O capitalismo é como a metáfora da “Bolha Assassina” (The Blob), o velho filme de Bóris Karlof. Vai crescendo e engolindo tudo a sua volta.
Mesmo nos Estados Unidos, imagem do “mundo livre”, a bolha foi se imiscuindo. E agora os jovens querem outras respostas. Não querem mais servir de bucha de canhão das empresas que recrutam mercenários para fazer as guerras sujas do governo. Não querem mais morrer por nada. O povo que acreditou no milagre do capital agora vê seu mundo destruído. Não há casa, não há emprego, não há futuro. E é por isso que as gentes vão às ruas. Porque entenderam que o que os oprime está bem ali, à vista de todos, nas ruas chiques.
Enquanto as pessoas morrem como moscas pela fome e pela guerra, os governos só pensam em salvar os bancos, os agiotas oficiais, os que brincam de deuses com a vida das pessoas. Pois o povo não quer mais que se salvem bancos e empresas que exploram e oprimem. O povo quer que sejam salvas as suas próprias vidas. Na prática, entendendo a lógica do sistema. O capitalismo já não consegue mais manter sua aura de sedução porque a vida real está batendo na porta.
Estes são anos bonitos, de convulsão por toda parte, primavera árabe, lutas na Grécia, na Palestina, na Bolívia, no Equador, no Chile, nos países da Europa, e no coração do monstro. Por toda parte assoma a crise e, com ela, a consciência de muitos. É uma hora histórica. Um momento de mudança de temperatura do mundo.
Mas o filósofo Slavoj Zizec deu a dica: “Não nos apaixonemos por nós mesmos. É bom estar aqui, mas, lembrem-se, os carnavais são baratos”. Falando para a multidão acampada em Wall Street ele enfatizou que o problema principal a ser enfrentado não é a corrupção ou ganância dos banqueiros e governantes. O que tem de ser enfrentado e destruído é sistema mesmo, o capitalismo. “Há um longo caminho a trilhar”.
Esse é o ponto. As ruas estão fervilhando, gritando, marcando seu protesto. A esperança é de que não se esgote em si mesmo, que avance para mudanças radicais, como já fizeram as gentes do Equador quando em 2005 derrubaram Lucio Gutiérrez. “Não sabem o que querem”, diziam os analistas. Erraram. Elas sabiam. E tanto que continuaram lutando e derrubando o que não lhes servia. Seguem ainda. Foi assim na Bolívia em 2003 quando as gentes destruíram dezenas de prédios na guerra do gás em La Paz. “Uma massa informe”. Não era. Seguiram lutando, derrubaram Sanchez de Losada, buscaram alternativas. As ruas são sábias.
O certo é que dialeticamente, o sistema gera seu contrário. É o ovo da serpente. Fatalmente se acabará. Pode demorar mais ou menos. Mas acabará. E está mais próximo do que estava naqueles dias de 88, quando, solitários, distribuíamos o Barricada. O bom é saber que o que era a luta de uns poucos agora se agiganta, gritando por todo o planeta. Não mais como arautos da desgraça, mas como precursores de uma grande transformação.
Era 1988. Na esquina do terminal urbano, que naqueles dias ainda era ali perto da Praça XV, eu e mais dois amigos, Julio e Catarina, distribuíamos o jornal Barricada, que trazia informações sobre a revolução sandinista na Nicarágua. Havíamos criado o Comitê de Solidariedade aos Povos do Terceiro Mundo e aquela era uma das tarefas mais importantes. Dizer da experiência sandinista, mostrar que era possível avançar na luta contra o capitalismo e que, na América Latina, Cuba já não era uma estrela solitária. Era um trabalho quase inútil. As pessoas passavam ligeiras, no corre-corre da vida. Nicarágua? Cuba? Socialismo? “Que gente louca”, resmungavam, entre dentes. E nós ali, sob o sol, com um enorme fardo de Barricada, tentando mostrar que havia outra forma de organizar a vida.
Hoje, passados 23 anos, aí está o planeta alçado em rebelião. Nesse dia 15 de novembro, por todo o mundo, milhões de pessoas saíram às ruas, protestando contra o sistema capitalista. O que era loucura nos anos 80, o que aparecia como utopia, coisa impossível, agora se materializa diante dos olhos. Naqueles dias, ali estávamos nas esquinas, feito arautos da desgraça, a dizer das mazelas do sistema, sem que ninguém quisesse ouvir. O capitalismo mata, exige a vida de um para que outro viva. Define um centro rico e uma periferia pobre, vampiriza a vida das gentes para que meia dúzia possa viver à larga.
Agora, vimos nos cartazes que a juventude estadunidense carrega, em plena Wall Street, “Somos os 99%”. Finalmente entenderam que no mundo inteiro apenas 1% vive bem, do sangue e do suor da maioria. E assim se sucede na Grécia saqueada e na Europa destroçada. O estado de Bem Estar Social que o pós-guerra engendrou há muito tempo já fazia água, mas vinha se mantendo quase que por força de um mito. A Europa saciada, bem resolvida. Mas, a imagem desse mundo perfeito era só um reflexo no espelho. O capitalismo é como a metáfora da “Bolha Assassina” (The Blob), o velho filme de Bóris Karlof. Vai crescendo e engolindo tudo a sua volta.
Mesmo nos Estados Unidos, imagem do “mundo livre”, a bolha foi se imiscuindo. E agora os jovens querem outras respostas. Não querem mais servir de bucha de canhão das empresas que recrutam mercenários para fazer as guerras sujas do governo. Não querem mais morrer por nada. O povo que acreditou no milagre do capital agora vê seu mundo destruído. Não há casa, não há emprego, não há futuro. E é por isso que as gentes vão às ruas. Porque entenderam que o que os oprime está bem ali, à vista de todos, nas ruas chiques.
Enquanto as pessoas morrem como moscas pela fome e pela guerra, os governos só pensam em salvar os bancos, os agiotas oficiais, os que brincam de deuses com a vida das pessoas. Pois o povo não quer mais que se salvem bancos e empresas que exploram e oprimem. O povo quer que sejam salvas as suas próprias vidas. Na prática, entendendo a lógica do sistema. O capitalismo já não consegue mais manter sua aura de sedução porque a vida real está batendo na porta.
Estes são anos bonitos, de convulsão por toda parte, primavera árabe, lutas na Grécia, na Palestina, na Bolívia, no Equador, no Chile, nos países da Europa, e no coração do monstro. Por toda parte assoma a crise e, com ela, a consciência de muitos. É uma hora histórica. Um momento de mudança de temperatura do mundo.
Mas o filósofo Slavoj Zizec deu a dica: “Não nos apaixonemos por nós mesmos. É bom estar aqui, mas, lembrem-se, os carnavais são baratos”. Falando para a multidão acampada em Wall Street ele enfatizou que o problema principal a ser enfrentado não é a corrupção ou ganância dos banqueiros e governantes. O que tem de ser enfrentado e destruído é sistema mesmo, o capitalismo. “Há um longo caminho a trilhar”.
Esse é o ponto. As ruas estão fervilhando, gritando, marcando seu protesto. A esperança é de que não se esgote em si mesmo, que avance para mudanças radicais, como já fizeram as gentes do Equador quando em 2005 derrubaram Lucio Gutiérrez. “Não sabem o que querem”, diziam os analistas. Erraram. Elas sabiam. E tanto que continuaram lutando e derrubando o que não lhes servia. Seguem ainda. Foi assim na Bolívia em 2003 quando as gentes destruíram dezenas de prédios na guerra do gás em La Paz. “Uma massa informe”. Não era. Seguiram lutando, derrubaram Sanchez de Losada, buscaram alternativas. As ruas são sábias.
O certo é que dialeticamente, o sistema gera seu contrário. É o ovo da serpente. Fatalmente se acabará. Pode demorar mais ou menos. Mas acabará. E está mais próximo do que estava naqueles dias de 88, quando, solitários, distribuíamos o Barricada. O bom é saber que o que era a luta de uns poucos agora se agiganta, gritando por todo o planeta. Não mais como arautos da desgraça, mas como precursores de uma grande transformação.
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