sexta-feira, 29 de julho de 2011

O sexto ano da Pobres ou sobre como reverter um revisticídio

Por Elaine Tavares - jornalista

A revista de reportagem Pobres e Nojentas entrou, neste 2011, no seu sexto ano de vida. Nascida em maio de 2006 chegou como um espaço onde as vozes caladas dos empobrecidos e das vidas da periferia pudessem se expressar. A mídia “normal” é casa do poder, é lugar onde as gentes não têm vez, onde só aparecem como vítimas ou bandidas. Na Pobres não, é lugar da palavra bendita, do povo que faz a história andar, dos que lutam, dos que assumem suas escolhas, dos que insistem em dizer: “aquilo que é, não pode ser verdade”.

Mas a Pobres é uma revista de papel, que precisa ser impressa na gráfica, que precisa de dinheiro para se pagar. Em Santa Catarina, periferia da periferia, é sempre muito difícil fazer coisas que precisem de grana. Afinal, no capitalismo dependente já conhecemos a lição: para que um viva, outro precisa morrer. É espaço da competição, do jogo, da picuinha. Não aceitamos isso! Recusamos-nos a caminhar por essa vereda. Nas palavras do nazareno nos miramos: estamos no mundo (capitalismo), mas não somos do mundo. Por isso vamos pelejando para nos manter vivas, a despeito de tudo.

A esquerda esclarecida, essa que vive detonando a mídia comercial burguesa, não compra a Pobres. Quer de graça. Mas a nossa idéia é oferecer essa iguaria aos empobrecidos. A lógica sempre foi: os que têm dinheiro pagam e as gentes recebem nas comunidades a sua voz impressa. Então, a cada edição vivemos o impasse. Temos a palavra, mas não temos o dinheiro para imprimi-la. Os amigos dizem: “façam virtual, que não tem custo”. Não. As gentes empobrecidas não têm acesso ao virtual. Elas estão na vida, buscando o pão do agora. Não passam seus dias a navegar na internet. Então, apostamos no talvez.

Toda edição é assim. Escrevemos, fazemos, mandamos para a gráfica. Quando ela chega, alguma de nós dá um cheque (coisa antiga) para 30 dias, e nesse ínterim temos de rebolar para conseguir o dinheiro que venha cobrir o “voador”. No geral não conseguimos. Temos um único apoio, do Sindprevs-SC, o sindicato dos previdenciários, que dá 200 reais. E é tudo. O resto é batalha. No mais das vezes sai do nosso salário. Mas a Pobres renasce a cada edição.

Nesse inverno de 2011, reunidas na acolhedora Pizzaria San Francesco, aquecidas pela jarra de vinho da casa, tomamos uma dolorosa decisão: matar a Pobres. Não dava mais. O prejuízo acumulado, a falta de compreensão dos colegas, a desesperança com tudo no mundo. Cada revista lançada vinha sempre acompanhada das críticas “construtivas” dos amigos que, no geral, sequer a compravam. “Essa revista não tem projeto editorial”, “ a diagramação é muito quadrada”, “os temas são muito caóticos”. E a gente perseverando porque, afinal, nas comunidades aonde ela chegava, as pessoas se maravilhavam, e liam, e comentavam, e recriavam os seus próprios mundos a partir de suas palavras vivas no papel.

Mas, nesse inverno, estação de recolhimento e esterilidade, decidimos cometer o “revisticídio”. Estava selado o destino. Devolveríamos o dinheiro aos assinantes, que são poucos, e ponto final. Dali saímos mudas, algumas em lágrimas. As quatro cavaleiras do apocalipse assumiam seu destino de destruidoras de mundos.

Três semanas se passaram e nós em silêncio, fazendo os trâmites da número 27, que seria a última. Tudo na lentidão, quase um ritual de auto-imolação. Mas ontem, dia 28 de julho, resolvemos nos ver, tomar um chope, chorar as pitangas. Foi um dia duro para todas nós. Eleição perdida no sindicato, batalhas judiciais, amigas em sofrimento, só coisa ruim. “Vamos purgar isso tudo, em comunhão”. E fomos.

No centro de Florianópolis, no aconchego do Café Cultura, a noite gelada apareceu como aquele misterioso dia da chamada ressurreição do Cristo. Ali estávamos, as Marias, em lágrimas, ainda chorando a morta: nossa revista Pobres e Nojentas. Então, não sei se sob o efeito do chope, ouvimos a famosa frase: “Por que procurais entre os mortos aquela que vive?”

Percebemos que ao longo dessas três semanas tudo o que fizemos foi pensar e falar da Pobres. Não havia como matá-la. Ela vive e caminha. A voz das gentes não pode ser sufocada por um cheque sem fundos, por um desassossego pessoal, por um momento de desesperança. A Pobres vai continuar. O revisticídio se desfez. Da fria tumba da morte a nossa “nojentinha” voltou ao mundo dos vivos.

Assumimos assim o seguinte compromisso com nossos leitores das comunidades de Florianópolis e assinantes do Brasil: a revista seguirá seu caminho. Se o projeto é caótico, assumimos. A vida é caótica. A beleza se produz do caos. Se a diagramação é quadrada, assumimos seu jeito, porque é o nosso, é o que podemos fazer. Talvez ela não saia bimestralmente, como tentamos até agora, a duras penas. Mas ela sairá, vivinha, no papel, pela nossa força, talvez uma em cada estação, celebrando a existência humana. Porque é essa palavra viva que nos alimenta e nos move. Somos jornalistas, construtoras de mundos, narradoras da vida real, essa que viceja nas estradas de chão.

Então, saímos da invernal tristeza erguidas em rebelião. A Pobres vive, caótica, errática, quadrada, louca, soberana. Entra no seu sexto ano, está na Banca da Catedral, está na comunidade. E caminha, nas veredas desse Brasil, contando as histórias que ninguém quer contar. Importunando, desalojando, incomodando, tal qual Diógenes, com a lanterna acesa durante o dia claro, a clamar: procuro o homem! Nós, as quatro cavaleiras do apocalipse, apressamos o galope. Não para a destruição, mas para a vida!

A Pobres continua, no caos, e há de gerar estrelas! Já estamos a fazer a Pobres da Primavera...

terça-feira, 19 de julho de 2011

Sem dar mole para a solidão

Elaine Tavares

Já faz um ano que dobrei o cabo dos 50 e, talvez por isso, por já ter vivido tanto, a gente vai ficando cheia de melancolia. O tempo se expande, as coisas mudam muito rapidamente e quando vem o fim da tarde, nos surpreende emaranhada em lembranças passadistas. Outro dia fiquei assim depois de ler um correio eletrônico de uma amiga do meu pai, uma adorável senhora de mais de 80 anos. Pois ela é uma mulher ligada no tempo, vive conectada na internet, espalhando e recebendo informações. Acredita que as coisas modernas são conquistas de todos e que ninguém deveria ter de abrir mão delas.

Quando a visitamos há cerca de dois anos, ela nos recebeu com um churrasco gordo – típico da fronteira gaúcha - e sua habitual energia. Falou mal dos políticos e lembrou que lá, para os lados de Uruguaiana, quando alguém dava um passo errado ou se mostrava bandido, era costume se tocar o vivente campo afora com uma tocha acesa, cutucando a bunda. “É o que tínhamos de fazer com esses vagabundos que não cumprem as promessas: tocar a tocha acesa e fazer sair num carreirão”.

Ontem recebi um correio dela, e vinha melancólico, como eu. Falava da alegria que era, nos tempos antigos, de se sair de casa e fazer visitas aos vizinhos e parentes. A família se arrumava, a gurizada botava sapato novo, e lá iam todos, “à pezito no más”, para uma visita familiar. A vida se fazia em comunidade, as pessoas se conheciam. Nas ruas pacatas das cidadezinhas, quando a noite vinha, nas primaveras e verões, as famílias sentavam à calçada enquanto o piazedo brincava pela rua afora, bem à vista dos pais. Ninguém tinha medo de seqüestro relâmpago ou de qualquer outro perigo externo. O máximo que se temia era a “velha da trouxa”, um tipo de mito que os pais inventavam para que as crianças não fossem muito longe.

Se era inverno, tempo de muito frio e vento gelado, a hora comunitária acontecia depois do almoço. O povo saia para a frente da casa, a comer bergamota e fuxicar, lagarteando (tomando sol). Os vizinhos se conheciam intimamente e todos cuidavam de todos, porque a vida se fazia em partilha e comunhão.

“Hoje, os mais novos, são formados em solidão”, diz Elza. Não há mais saídas em família. Os amigos se telefonam e se convidam para sair. Nunca para entrar. Não há jantares nas casas uns dos outros, ninguém se visita. Os encontros são feitos em bares, restaurantes, campos neutros, descomprometidos, impessoais. As pessoas têm amigos virtuais, se encontram pela rede, trocam emails e, em casa, afundam-se numa poltrona em frente à televisão. Nas ruas há o medo, ninguém mais senta às calçadas, as crianças brincam nos plays. E, nas gavetas dos armários proliferam os alprazolans (drogas químicas), porque, mesmo diante dessa realidade, é uma obrigação social que a pessoa seja “felizinha”.

As lembranças de Elza, e minhas também, são de um tempo outro, quando o sistema capitalista ainda não tinha aprofundado suas raízes no nosso país. Agora, diante do quadro de dependência econômica e superexploração do trabalho – típicos do capitalismo dependente - quem tem tempo para sentar às calçadas, comunitariamente, a contar histórias? Há que estar o tempo todo a trabalhar, ganhar dinheiro, para comprar mais, e mais, e mais. A roda do consumo girando loucamente, inclusive no que diz respeito às pessoas. Aquele que consegue manter um amigo por mais de cinco anos é quase um herói. As relações são fluidas, supérfluas, descartáveis.

Elza, que é otimista, não choraminga. Ela analisa seu tempo, fala com saudade do que já passou, mas afugenta a tristeza. “Esse é um tempo novo. Haveremos de encontrar caminhos. Mas que há muita solidão, isso há”. E tem horas que dói! Mas a solidão de que fala não é simplesmente essa de se estar sozinho no meio do nada. É a triste solidão de estar vazio, de não ter mais sonhos, projetos, essas molas que nos tocam para frente, a utopia. A certeza aparentemente absurda de se olhar um campo vazio e saber que ali nascerão flores. Assim andamos nesses tempos sombrios. Com olhos visionários, a vislumbrar o que ainda virá. E o que nos faz andar é isso mesmo: a certeza de que virá!

Abaixo-assinado em defesa da Ponta do Coral Pública e sem edificações

Para não deixar a Ilha de Santa Catarina se transformar num mar de "espigões" e viadutos, assine:

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segunda-feira, 18 de julho de 2011

AVANTE PROFESSORES, DE PÉ!

Por Elaine Tavares

A cena apareceu, épica. Uma mulher, já de certa idade, rosto vincado, roupas simples, acocorada num canto da Assembléia Legislativa de Santa Catarina. Chorava. As lágrimas correndo soltas pela cara vermelha e inchada. Num átimo, a câmera captou seu olhar. Era de uma tristeza profunda, infinita, um desespero, uma desesperança, um vazio. Ali, na casa do povo, a professora compreendia que o que menos vale é a vontade das gentes. Acabava de passar no legislativo estadual o projeto do governador Raimundo Colombo, que vai contra todas as propostas defendidas pelos trabalhadores ao longo de dois meses de uma greve fortíssima. Um ato de força. A deputada Angela Albino chorava junto com os professores, os demais sete deputados que votaram contra – a favor dos trabalhadores - estavam consternados e, até certo ponto envergonhados por seus colegas. Mas, esses, os demais, os 28 que votaram com o governo, não se escondiam. Sob os holofotes das câmeras davam entrevistas, caras lavadas, dizendo que haviam feito o que era certo. Puro cinismo.

Na verdade o que aconteceu na Assembléia Legislativa foi o que sempre acontece quando a truculência do poder se faz soberana. Atropelando todos os ritos da democracia, o projeto do governador sequer passou por comissões, foi direto à plenário. Foi um massacre. Porque é assim que é o legislativo nos países capitalistas, ditos “países livres e democráticos“. Os que lá estão não representam o povo, representam interesses de pequenos grupos, muito poderosos. São eleitos com o dinheiro destes grupos. Aquela multidão que esperava ali fora – mais de três mil professores – não era nada para os 28 deputados bem vestidos que ganham mais de 20 mil por mês. Valor bem acima do que o piso que os professores tantos lutam para ter, 1.800 reais. E estes senhores tampouco estão se lixando para os professores estaduais porque certamente educam seus filhos em escolas particulares. Vitória, bradavam.

Mas os nobres parlamentares não ficaram contentes com isso. Ao verem os professores querendo se expressar, mandaram chamar a polícia de choque. E lá vieram os homens de preto com suas máscaras de gás, escudos e armas. Carga pesada para confrontar aqueles que educam seus filhos. Triste cena de trabalhador contra trabalhador, enquanto os representantes da elite se reflestelavam no ar condicionado. Por isso o olhar de desepero da professora, lá no canto, acocorada, quase perdida de si mesma.

Ao vê-la assim, tão fragilizada na dor, assomou de imediato em mim a lembrança da primeira professora, a mulher que mudou a minha vida. Foi ela quem me levou para a escola e abriu diante de mim o maravilhoso mundo do saber. Seu nome era Maria Helena. Naqueles dias de um longínquo 1965, ela era uma garota linda que morava do lado da nossa casa em São Borja (RS). Normalista das boas, ela não ensinava nas escolas privadas da cidade. Seu projeto de vida se constituiu ensinando nas escolas da periferia, com as crianças mais empobrecidas.

Por morar ao lado da minha casa ela percebeu que eu, aos cinco anos de idade, já sabia ler e escrever. Então, insistiu com minha mãe para que eu fosse para a escola, porque ela acreditava firmemente que ali, naquele ambiente, era onde se formavam as cabeças pensantes, onde se descortinava o mundo. Imagino que ela fosse até meio freiriana (adepta de Paulo Freire), por conta do seu modo de ensinar. Minha mãe relutou um pouco. A escola ficava longe, no bairro do Passo, e eu era tão pequena. Mas Maria Helena insistiu e venceu a batalha.

Assim, todas as tardes, mesmo nos mais aterradores dias do inverno gaucho eu saia de casa, de mãos dadas com a minha professora Maria Helena e íamos pegar o ônibus para o Passo. Numa cidade pequena como São Borja, só os bem pobres andavam de ônibus e assim também já fui tomando contato com o povo trabalhador que ia fazer sua lida no bairro de maior efervescência na cidade. O Passo era onde estava a beira do rio Uruguai, onde ficava a balsa para a travessia para a Argentina, os armazéns que vendiam toda a sorte de produtos, as prostitutas, os mendigos, os pescadores, os garotos sem famílias, as lavadeiras, enfim, uma multidão, entre trabalhadores e desvalidos. O Passo era um universo popular.

Maria Helena não me ensinou só a escrever, ela me ensinou a ler o mundo, observando a realidade empobrecida do bairro, a luta cotidiana dos trabalhadores, as dificuldades do povo mais simples. E mais, mostrou que ser professora era coisa muito maior do que estar ali a traçar letrinhas. Era compromisso, dedicação, fortaleza, luta. Conhecia cada aluno pelo nome e se algum faltava ela ia até sua casa saber o que acontecia. Sabia dos seus sonhos, dos seus medos e nunca faltava um sorriso, um afago, o aperto forte de mão. Com essa mulher aprendi tanto sobre a vida, sobre as contradições de um sistema que massacra alguns para que poucos tenham riquezas. E aqueles caminhos de ônibus até o Passo me fizeram a mulher que sou.

É esse direito que eu queria que cada criança pudesse ter: a possibilidade de passar por uma professora ou um professor que seja mais do que um “funcionário“, mas uma criatura comprometida, guerreira, capaz de ensinar muito mais do que o be-a-bá. Um criatura bem paga, respeitada, amada e fundamental.

Mas os tempos mudaram, os professores são mal pagos, desrespeitados, vilipendiados, impedidos de conhecer seus alunos, obrigados a atuar em duas ou três escolas para manterem suas próprias famílias. Não podem comprar livros, nem ir ao cinema ou ao teatro. São peças do sistema que oprime e espreme.

Os professores de 2011, em Santa Catarina, são acossados pela tropa de choque, porque simplesmente querem o direito de ver respeitada a lei. O governador que não a cumpre descansa no palácio, protegido. Mas aqueles homens e mulheres valentes, que decidiram lutar pelo que lhes é direito, enfrentaram os escudos da PM, o descaso, a covardia, a insensatez. E ao fazê-lo, estabelecem uma nova pedagogia (paidós = criança, agogé =condução).

Não sei o que vai ser. Se a greve acaba ou se continua. Na verdade, não importa. O que vale é que esses professores já ensinaram um linda lição. Que um valente não se achica, não se entrega, não se acovarda. Que quando a luta é justa, vale ser travada. Que se paga o preço pelo que é direito.

Tenho certeza que, aconteça o que acontecer, quando esses professores voltarem à sala de aula, chegarão de cabeça erguida e alma em paz. Porque fizeram o que precisava ser feito. Terão cada um deles essa firmeza, tal qual a minha primeira professora, a Maria Helena, que mesmo nos mais duros anos da ditadura militar, seguiu fazendo o que acreditava, contra todos os riscos. Oferecendo, na possibilidade do saber, um mundo grandioso para o futuro dos seus pequenos. Não é coisa fácil, mas esses, de hoje, encontrarão o caminho.

Parabéns, professores catarinenses. Vocês são gigantes!

terça-feira, 12 de julho de 2011

Deus-Cavalo

Você sabia que Jesus (Ie-su), em grego, quer dizer Deus-cavalo, espécie de Pégaso? Todo Deus-cavalo ou Pégaso é um Jesus, só que ainda não Khristós, ainda não Ungido. E olha que não falta ar para ungir o Deus-cavalo.
Pégaso (em grego Πήγασος) é um cavalo alado símbolo da imortalidade. Sua figura é originária da mitologia grega, presente no mito de Perseu e Medusa. Pégaso nasceu do sangue de Medusa, quando essa foi decapitada pelo poeta Perseu.
Por uma fenomenal patada do lendário Pégaso que feriu uma pedra, a Fonte Hipocrene foi criada. As águas dessa fonte possuíam a propriedade de fornecer a inspiração a quem dela sorvesse. Foi lá que Orfeu (o Deus da Música) recebeu sua instrução artística. Em torno da Fonte Hipocrene as Musas ainda hoje executam, com seus pés leves e incansáveis, graciosos movimentos de dança, e desfiam aos quatro ventos a harmonia de suas cristalinas vozes.
O poeta Perseu (que, às vezes, também se transformava numa Chuva de Ouro) decapitou a Medusa (o excesso da culpa que costuma petrificar a alma) e do sangue da Medusa nasceu Jesus (Ie-su): Pégaso ou Deus-cavalo.
Resumo: Assim, só posso concluir que, para tonar fluido o que nos petrifica, devemos decapitar o excesso de culpa, de tristeza e rir mais. O riso dispensa Deus e esterca as nuvens. O poeta Perseu (também conhecido como Chuva de Ouro), ao decapitar a Medusa ou Morte da Alegria, fez com que surgisse do sangue da monstruosa Medusa uma possibilidade divina ou Deus-cavalo ou Pégaso (em grego Ie-su, que só será Khristós (Ungido) quando esse Pégaso, com um de seus cascos, bater na pedra (naquilo que é duro, travado, taciturno), para que da fenda dessa pedra jorre a água cristalina da poesia, da dança e da alegria dos homens e das mulheres. Não custa nada parodiar aqui um verso de Helena Kolody:

E do longo sono da terra, do longo sono da Medusa sombria, o carvão acorda diamante.

Fernando José Karl

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Carta ao comandante Chávez

Por Raul Fitipaldi

Meu companheiro, sabe, andei meio bravo com você nos últimos tempos: algumas deportações que não entendi, alguns amigos seus colombianos que não me agradam. Enfim, todos temos o direito sagrado ao dissenso. Falar-nos cara a cara faz parte do mundo livre que queremos você e eu.

Nestes dias você anda complicado de saúde, cuidou do seu espírito revolucionário e não do seu corpo. Por isso os criminosos refestelam-se, se lambem as feridas de tanta derrota que você e seu povo têm lhes impingido. Muitos companheiros fazem um histórico da sua obra, que não entra em livros enormes; que dizer em pequenos artigos? Os jornais da direita aplaudem seu mal-estar, os da rebeldia estamos meio apequenados, assim, com algo de tristeza e medo. Mas, medo por que?

Olhe sua América Nossa, a de Bolívar, San Martín, Artigas, Sandino, Juana Azurduy, Alfaro, Manuel Rodríguez, Morazán e El Che. Olhe a América de Fidel e Chávez cumpa, olhe bem! Tá levantada, tá enérgica, tá lúcida, tá em movimento, tá abraçando a todos os povos pobres do mundo em estado de libertação! Descem de novo dos morros caraquenhos para resgatar seu comandante os fazedores da Revolução Bolivariana – que nunca saberei que seja muito claramente, mas isso porque sou algo ortodoxo, tal vez. Essa revolução que somou-se à cubana e faz comer, ver, ler, trabalhar e sonhar com esperanças em outro mundo possível, não só para a América Nossa como para todo o mundo. Você sempre esteve e estará à frente da nossa marcha, com o teimoso Fidel, com as massas anônimas do Che.

Você não precisa voltar à condução, porque você não saiu nunca da condução. E nunca sairá da condução, porque o mando que entregamos os povos para você exercer tem 520 anos de lutas, conquistas, vidas e esperanças. Os filhos da Abya Yala, as crias pobres da Europa, os afrolivres do mundo, os heróicos trabalhadores pelos que lutou Ho Chi Minh, todos estamos seguindo sua palavra histórica, sua luta titânica, seu amor imenso pelo Povo.

Meu companheiro, não queria hoje falar de política com você, para isso estão meus bons amigos e colegas venezuelanos que nos mantém informados o dia todo sobre a Pátria de Bolívar. Queria lhe expressar que numa perdida ilha do Atlântico, ao Sul do Brasil, Desterro (Florianópolis, seu nome ingrato), onde publicamos páginas e páginas sobre as lutas das gentes pobres, de todo mundo, onde estamos virtualmente embarcados numa Frota a Gaza, onde abraçamos a cada amanhecer as resistências dos povos, a de Honduras em especial, acumulamos horas e horas de aprendizado com seu Alô Presidente, com seu ALCARAJO!, com sua saga humana ímpar que nos ensina para onde ir, e como ir.

Hoje, os jornalistas alternativos, os veículos da comunicação livre do povo, estamos com os olhos em você, com as mãos estendidas a Havana, para lhe dizer: – Passe cumpa, aqui, na casa dos pobres em luta, você não precisa pedir licença, e vá dizendo algo, que sua voz é um hino à liberdade!

Os desafios dos trabalhadores públicos

Por Elaine Tavares - jornalista



Para marcar o Dia Nacional de Luta dos Trabalhadores Públicos Federais o comando de greve dos trabalhadores da UFSC promoveu nesta terça-feira (05.06) um debate buscando envolver as três esferas do serviço público, na tentativa de refletir sobre a conjuntura nacional e os desafios colocados para os trabalhadores. Participaram representantes dos sindicatos estaduais e federais. Os municipários não vieram.



O primeiro a falar foi o representando do ANDES (Associação Nacional dos Docentes) , Paulo Rizzo. Segundo ele, também entre os professores já começa a se registrar alguns levantes, como é o caso da UFRJ, Pernambuco, Tocantins, Pelotas e Santa Maria. Nestas universidades já tem professor parado, discutindo reajusta salarial e melhorias na educação. “Para vocês terem uma ideia, hoje, 40% dos nossos vencimentos são gratificações”. Paulo Rizzo acredita que houve alguns avanços no que diz respeito a uma proposta de unidade entre os trabalhadores públicos, mas entende que isso ainda não tem sido suficiente para impulsionar uma luta conjunta.



Rizzo mostrou que o governo de Dilma Roussef já começou com problemas, na medida em que anunciou um corte de 50 bilhões, logicamente se refletindo nas áreas estratégicas como saúde, educação e alimento. Os juros das dívidas, que comem bilhões e bilhões do orçamento seguem sendo pagos religiosamente. Por outro lado esse governo segue os exemplos do anterior: é autoritário e não negocia com os trabalhadores. Inventaram a estratégica proposta da “negociação permanente”, que é de fato permanente, não levando a lugar algum.



O professor elogiou os trabalhadores técnico-administrativos que saíram na frente e que seguem fazendo uma luta de resistência contra a privatização do HU, pela contratação de pessoal e contra a privatização da Previdência. “A gente sabe que a greve não é uma coisa que se faz pelo desejo dos dirigentes. Ela vem quando as condições estão dadas. E agora vocês e nós estamos sem saída. A inflação está aí, come nossos salários e temos de lutar. Na verdade, estamos em luta para recuperar o que já tivemos. É mesmo uma batalha de resistência”.



Caio Teixeira, representante dos trabalhadores do judiciário (Sintrajusc), contou sobre como anda a luta de sua categoria, que já fez duas greves nos últimos anos, sempre buscando manter as conquistas, resistindo. Agora, nesse momento, parte da categoria está parada, Santa Catarina ainda não aderiu. A luta é pelo Plano de Cargos e Salários, no mesmo diapasão da dos técnicos-administrativos da UFSC. Segundo ele, o orçamento da União explica um pouco sobre o dinheiro que falta aos trabalhadores e lembrou que é preciso sempre ter em mente que o que acontece é uma luta entre o serviço público e o mercado. A disputa está nesses dois pólos. “Hoje, 45% do orçamento da União vai direto para o setor privado, via pagamento da dívida pública, fora o que sai indiretamente. São 200 bilhões ao ano de aumento na dívida pública”.



Caio lembrou que aquilo que seria a mais-valia do trabalhador público é o que escorre para a mão do empresariado capitalista, seja via juros, ou outras formas. Um exemplo é que acontece nesse momento quando um banco de desenvolvimento social do país (o BNDES) tira dos seus cofres mais de quatro bilhões para comprar ações dos negócios de um único empresário, Abílio Diniz, para que ele possa realizar uma fusão que promete engolir centenas de pequenos comerciantes. “O que temos de ver com os negócios do Abílio Diniz? Por que temos de pagar para ele ficar mais rico?”. Assim, Caio parabenizou a greve dos trabalhadores da UFSC dizendo que não há vergonha alguma em lutar por salários, porque aquilo que não vem para os trabalhadores públicos nunca é repassado para outros trabalhadores, que ganham menos, mas sim para os empresários. “O que temos de fazer é manter a resistência, como se ela fosse esse fogo que não pode nunca se apagar. Porque é com a nossa resistência que vamos quebrar a lógica do capital”.



Antônio Battisti falou representando os trabalhadores públicos estaduais. Segundo ele, todos estes levantes de resistência dos trabalhadores tem uma ligação comum. São pautas que se opõe aos planos de ajustes fiscais que se mostram em nível mundial. A luta pelo HU, contra a privatização da Previdência, pela valorização do serviço público está visceralmente ligada ao que acontece hoje na Grécia, na Europa e no mundo árabe. As propostas do sistema financeiro como as de manter juros altos e aumentar superávits primários são as mesmas em todo o mundo. “Aqui também se luta contra elas, vocês estão lutando, os professores estaduais estão lutando, o judiciário está lutando. É a mesma luta”.



Diz Battisti que a crise do capital mundial já consumiu mais de 30 trilhões de dólares, reforçando-se com a crise nos EUA que jogou milhões de famílias na rua e segue agora tomando conta da Europa e da África, sempre sacrificando os mais pobres. Aqui no Brasil o governo entra nessa mesma lógica, cortando na carne do povo enquanto segue beneficiando gente como Abílio Diniz. Ao mesmo tempo se ampara na Lei de Responsabilidade Fiscal para dizer que não há recursos para os trabalhadores. “Essa lei é um ataque aos serviços públicos. Temos de derrubá-la. A saúde, por exemplo, tem 80% dos gastos no setor de pessoal, porque é de gente que se precisa para cuidar de doentes”.



Battisti acredita que esse movimento de resistência levado hoje pelos trabalhadores, e que ainda é incipiente, precisa crescer. Segundo ele não dá para deixar na mão de gente como Sarney e Collor o destino da reforma fiscal, por exemplo. “Nós precisamos de uma nova Constituinte, que mude tudo. Essa deveria ser a luta”.



Em linhas gerais os três palestrantes convergiram na ideia de que os trabalhadores precisam resistir e fazer lutas. Isso é certo. Mas, por outro lado, mais do que resistir os trabalhadores deveriam ter um projeto minimante unificado de país. Na Grécia temos visto, praticamente todos os dias, desce há mais de três anos, manifestações gigantescas dos trabalhadores, lutas renhidas, confrontos com a polícia e mesmo assim, dia após dia, o parlamento grego segue legislando contra a maioria da população. Por que esse parlamento não cai? Não seria porque não há um projeto de país que pudesse unificar todas as forças em luta? O mesmo se dá aqui no Brasil.



Nos últimos anos – patrocinados pelo governo de Luis Inácio – os movimentos sociais e sindicais foram se domesticando, cooptando, aceitando cargos e benesses. Alguns lutadores chegaram a assumir o comando dos mal fadados fundos de pensão. Tudo isso frustra e causa desconfiança entre os trabalhadores.



Hoje existem lutas se fazendo no país, é um fato. Mas elas acontecem de forma isolada, sem conexão, como se não fizessem parte da grande luta contra o capital como bem lembrou Batistti. Um exemplo disso foi a proposta de mudança no Código Florestal, defendida pelo PC do B e pelo PT, partidos que se dizem de esquerda. A maioria do movimento sindical deixou a luta a cargo dos indígenas e ribeirinhos, sem compreender que essa era uma luta de todos os trabalhadores. Poucos são os jornais sindicais que conseguem sair de seu umbigo, mostrando as ligações que existem entre as demais lutas que se travam no país. Há uma grande fragmentação e muito pouca conversa no sentido de constituir outra vez uma proposta mínima que unifique os lutadores num projeto maior, de nação ou de país.



Mais do render loas aos que resistem, os movimentos sociais e sindicais deveria ter como compromisso expor cada vez mais as contradições do capital, estabelecer as ligações que as lutas isoladas têm com a grande batalha contra o sistema capitalista e forçar a ruptura com tudo isso de forma unificada. Sem uma unidade verdadeira, para além dos partidos que hoje já não representam mais os desejos da maioria, não haverá avanços significativos. O que se pode conseguir são passos adiante, muito pontuais e desconectados da verdadeira luta que teríamos de travar: a luta unificada contra o sistema capitalista para que venha, de vez, a sua destruição.