segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Mobilidade Urbana: desafios da cidade contemporânea

Por Ricardo Machado*

O historiador americano Peter Gay já havia afirmado que o ser humano moderno é o ser humano dos movimentos e do movimento. Se a sociedade do século XIX teve sua materialidade possível através do movimento dos trens e dos caminhos de ferro, o século XX e XXI(?) se organizaram sob a imagem do automóvel. Na pequena Blumenau, assim como outros lugares do mundo, o século XX também se inaugura com a chegada do primeiro automóvel trazido por Frederico Guilherme Busch em 1903. Com o surgimento do automóvel, aparecem a primeiras possibilidades de distinção social ligadas a velocidade de locomoção no espaço. Estes “seres de exceção” que se locomoviam com veículos de autopropulsão desenvolveriam uma das representações centrais em nossa sociedade: a mobilidade privada através do automóvel passa a ser símbolo de ascensão social.
No período após a Segunda Guerra Mundial teremos um movimento de popularização do automóvel e a conseqüente expansão de sua produção, tornando-se principal símbolo da sociedade de consumo que se instaurava neste período. Este processo acarretou uma profunda reorganização urbana que levaram a precarização e destruição dos caminhos de ferro, a inviabilização de outros meios de transporte como carroças, bicicletas e as caminhadas, o afastamento arquitetônico das residências que ficavam próximas das calçadas, encapamento intenso e constante da superfície terrestre, destruição de espaços públicos e privados para a construção de novas estradas. Assim, as cidades contemporâneas foram tornado-se lugares cinza, ruidosos e mal cheirosos.
Desde então o automóvel tornou-se símbolo de maturidade, status, poder e virilidade. E, sobretudo, sua imagem passou a estar vinculada a idéia de liberdade e velocidade. Para isso, Ivan Illich em seu artigo “Energia e Equidade” apresentou o seguinte raciocínio: O americano típico dedica mais de 1.500 horas do ano (que são 30 horas por semana, ou 4 horas por dia incluindo domingos) a seu carro. Este cálculo inclui o tempo gasto atrás do volante, andando e parado, as horas de trabalho necessárias para pagá-lo e para pagar o combustível, pneus, pedágios, seguro, multa e impostos. Esse americano precisa de 1500 horas para andar ao ano uma média de 10.000 km. O resultado é de seis quilômetros por hora! Nos países desprovidos de uma indústria de transporte, as pessoas viajam exatamente nessa velocidade a pé, com a vantagem de poder ir aonde quiserem e de não estar restritas às estradas de asfalto. Ou seja, as promessas publicitárias de liberdade são justamente o lugar da escravidão contemporânea.
Esta sociedade que tornou o automóvel seu principal símbolo é a mesma que naturalizou duas guerras ligadas a ele: a conquista imperialista pelo petróleo e a violência cotidiana que erroneamente chamamos de “acidentes de trânsito”. Os mesmos que comemoram o “desenvolvimento” econômico pautado no aumento das vendas de automóveis são aqueles que choram com os mortos no trânsito em Blumenau ou na guerra do Iraque. Na Índia as vacas são animais sagrados e o trânsito precisa mudar seu rumo caso encontre com uma delas em sua frente. Na sociedade do automóvel o ser humano foi dessacralizado para se tornar número de estatísticas funerárias.
Ainda diante da tese desenvolvimentista, é preciso afirmar que o problema dos automóveis em nossa sociedade não se restringe à utilização de energia limpa ou suja. Pois se trata de uma concepção de mobilidade urbana privada e que não corresponde a escala humana. Não há superfície terrestre disponível para os automóveis, sejam eles movidos a álcool, gasolina ou energia solar.
Diante destes e de outros argumentos, movimentos sociais no mundo todo têm colocado o tema de alternativas para mobilidade urbana como uma das pautas em suas reivindicações. Afinal, a possibilidade do acesso aos equipamentos públicos que garantam a saúde, lazer e educação estão diretamente ligados as condições de mobilidade. Diante destas pressões, a prefeitura de Blumenau tem (ainda que timidamente) investido na construção de ciclo-faixas em algumas ruas centrais da cidade. Já nestas pequenas medidas tem-se evidenciado a disputa política pelo espaço público através das diversas manifestações contrárias a sua construção. Mas, estas realizações são ainda muito pequenas diante das necessidades locais. Para uma política sincera de mobilidade urbana é preciso um completo reordenamento das prioridades do planejamento urbano, que implicariam nas seguintes medidas: 1) A restrição de velocidade e de acesso a determinadas ruas para os automóveis individuais; 2) Priorizar o transporte coletivo como realmente público, que implicaria na redução (ou que dirá gratuidade) das tarifas, investimento em uma frota moderna e confortável, ampliação de horários e rotas, bem como, melhorias nas condições de trabalho dos trabalhadores do transporte; 3) Planejamento de ciclovias que estejam afastadas ou desvinculadas das estradas para automóveis, garantindo a segurança e o bem estar dos distintos meios de ciclotransportes.
Mas todas estas e outras medidas nada significarão se não construirmos um conceito de desenvolvimento que esteja vinculado a garantia da qualidade da vida humana. Para isso, é preciso conceber as cidades como espaço de apropriação pública e coletiva e não de forma privada. Somente assim, construiremos um modelo de mobilidade urbana que garanta a vida e não unicamente o Prozac e a morte.

*Professor do Departamento de História da FURB 1° secretário do SINSEPES

Para saber mais:
http://www.abciclovias.com.br/
http://www.apocalipsemotorizado.net/
http://www.viaciclo.org.br/

domingo, 30 de agosto de 2009

Milton na alma


Míriam Santini de Abreu

O mundo é outro para mim desde que conheci Milton Santos. O jornalismo é outro para mim. E no final da tarde de domingo, sentada em um dos bancos no parque de Coqueiros, pensei nele, que definiu o espaço como um conjunto indissociável e contraditório de sistema de objetos e sistema de ações.
Ali, na beira do mar, a natureza, o recorte alongado da Baía Sul, os morros ainda cobertos de vegetação, um vento salgado. Objetos naturais. Mas também, ali, as pontes ilha-continente, gigantesca prótese para um incessante ir e vir de automóveis; a faixa dourada da iluminação das casas e das ruas; um avião, ponto iluminado sob a lua crescente. Objetos artificiais. Na construção das pontes, uma intenção; nos veículos-objetos que as atravessam, outras múltiplas intenções. Objetos e ações, dois sistemas que se alimentam mutuamente.
Mas entregue à chegada da noite, ali no parque, lugar para desfrute da classe média de Coqueiros – parques são coisa rara em Florianópolis – a gente também pensa no primeiro homem que ficou à beira daquela baía, observando a maré, num lugar onde havia somente objetos naturais. Somente a natureza. O Primeiro Homem. Que terá ele pensado?
Nesse tempo de velocidade, de pressa, é em Milton que também abasteço o inconformismo:


"Estamos convencidos de que a mudança histórica em perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima, tendo como atores principais os países subdesenvolvidos e não os países ricos; os deserdados e os pobres e não os opulentos e outras classes obesas; o indivíduo liberado partícipe das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento livre e não o discurso único. Os pobres não se entregam e descobrem a cada dia formas inéditas de trabalho e de luta; a semente do entendimento já está plantada e o passo seguinte é o seu florescimento em atitudes de inconformidade e, talvez, rebeldia."

Milton Santos em "Por Uma Outra Globalização - Do Pensamento Único à Consciência Universal"


Ter Milton assim, ancorado na mente e no espírito, faz a gente se sentir uma mulher em um banco, que vê ao mesmo tempo o mundo e a si mesma.

Para saber mais sobre o espaço como um conjunto indissociável e contraditório de sistema de objetos e sistema de ações:

http://books.google.com.br/books?id=JRvh0ebaIXoC&pg=PT38&lpg=PT38&dq=sistema+de+objetos+e+sistema+de+a%C3%A7%C3%B5es+a+natureza+do+espa%C3%B5&source=bl&ots=WN8f0TgM1j&sig=z0WSc2LAomK_NpITpDqrV0NC6j4&hl=pt-BR&ei=jPqaSsevL5S3lAf4hJi3BQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1#v=onepage&q=&f=false

A vida é tão rara, Lenine...

http://www.youtube.com/watch?v=bjtl2gbolSI

Cultura Negra: Identidade e diferença em Blumenau


Lançamento do documentário "Cultura Negra: Identidade e diferença em Blumenau", de Carla Fernanda, Ricardo Machado e Beli Lessa.
Data: 04 de setembro, sexta-feira
Horário: 20h.
Local: Rancho do Pastel na R. Floriano Peixoto, Centro. Blumenau.


Após a apresentação do filme haverá show com a Confraria do Samba.


Apresentação do documentário Cultura Negra: identidade e diferença em Blumenau

Este vídeo nasceu da Lei 10.639 e a necessidade de inserir o debate sobre a história e cultura afro-brasileira nas salas de aula. Mas, primeiramente foi necessário problematizar o tema da identidade e diferença para não cairmos nos lugares comuns e reforçar os estigmas e a perpetuação da exclusão. Não bastaria incorporar esta temática e inseri-la em mais uma peça do “mosaico cultural” contemporâneo, utilizando recursos pautados na retórica da “tolerância das diferenças”. Aqui evidenciamos a necessidade de tomar a identidade fora de sua marca racial e essencialista, para compreendê-la como uma construção lingüística, e por isso, no campo das relações de poder. Isto significa colocar em questão os binarismos em torno dos quais as diferenças se organizam.
Esta discussão é urgente em uma cidade como Blumenau onde a afirmação étnica é uma constante nos discursos políticos e culturais. Falar de identidade afro-brasileira é justamente a possibilidade de tratar do discurso do contrário, das margens, dos territórios e, sobretudo, indicar os limites e incoerências que todo discurso identitário carrega consigo. Assim como a roda que gira para se reconfigurar, este vídeo está neste lugar de fronteira. É somente ali que é possível compreender a produção das diferenças e suas implicações políticas: os limites entre a exclusão e a afirmação.
Afinal, não basta tolerar ou celebrar as diferenças, é preciso problematizá-las.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ah, Primavera!


Míriam Santini de Abreu

Que se passa neste agosto, não sei. Parece que as palavras fugiram, encolheram-se, acuadas, num canto qualquer da vontade. Os textos andam escassos. Nesses dias tenho compartilhado com as jornalistas dos meus quereres esse desejo de não dizer, de não escrever, um fastio. Mas é um fastio estranho, porque há tudo por dizer, tudo por escrever. Só que as letras não engravidam. Os jornais andam atrasados, as revistas teimam em não sair da virtualidade. Fechar um boletim no trabalho é um gesto heróico. Alimentar a fome de um site por novas notícias é tarefa que leva horas. Que é?
Em nossas conversas, suspeitamos que seja o desejo da Primavera, o desejo do equinócio, um igual período de claridade e de escuridão. O desejo de sair ao dia com os cabelos cheios de rosas, espiando, nos jardins, o nascer suave, mas atordoante, dos olhos-de-boneca!


Primavera

Florbela Espanca


É Primavera agora, meu Amor!
O campo despe a veste de estamenha;
Não há árvore nenhuma que não tenha
O coração aberto, todo em flor!

Ah! Deixa-te vogar, calmo, ao sabor
Da vida... não há bem que nos não venha
Dum mal que o nosso orgulho em vão desdenha!
Não há bem que não possa ser melhor!

Também despi meu triste burel pardo,
E agora cheiro a rosmaninho e a nardo
E ando agora tonta, à tua espera...

Pus rosas cor-de-rosa em meus cabelos...
Parecem um rosal! Vem desprendê-los!
Meu Amor, meu Amor, é Primavera!...

http://www.honduraselogoali.blogspot.com/



quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Quatro olhos, seis dedos

Míriam Santini de Abreu

Ultimamente estou a pensar no quanto as nossas anormalidades, os nossos defeitos, definem quem somos. Eu nasci com um dedo a mais na mão direita e, ao sete anos, já tinha sete graus de miopia. Hoje são 21 graus em cada olho, mais uns três de astigmatismo que o tipo de lente de contato que posso usar não corrige. Os dois fatos marcaram a minha infância.
Na escola, eu sempre era a menor da turma, com raras exceções. E estava sempre com o uniforme azul e branco da escola, as horríveis congas, um casaco de pêlos na gola e nas mangas e o tenebroso óculos com lente de fundo de garrafa. Eu detestava o casaco, mas era o único que havia. Mas detestava ainda mais o óculos.
O pai e a mãe podiam comprar a lente, mas não o aro. Então a mãe ia até o antigo INAMPS, onde havia aros doados, e trazia para casa o melhor que encontrava. Uma vez, apareceu com um modelo horrível, com os cantos puxados: - Óculos de gatinha, minha filha!
Ai, como eu sofria! Era vítima freqüente do que hoje chamam de bullying, por causa dos “quatro olhos” e dos seis dedos, o sexto retirado ainda na infância, mas com cicatriz visível. E de nada adiantava chegar em casa e choramingar. A mãe, às voltas com a rotina e as costuras para ajudar a sustentar os três filhos, respondia: - Resolve, minha filha! E eu resolvia. No tapa. Uma das brigas memoráveis foi no beco lá de casa. Eu e outra menina, depois e ainda hoje grande amiga, nos atracamos, rolamos no chão, pastas escolares voando no meio da refrega, o corpo e a roupa empoeirados, as duas aos berros. Como éramos endiabradas!
Há algum tempo vi o documentário “Janela da Alma”, de João Jardim e Walter Carvalho (disponível em http://video.google.com/videoplay?docid=1046435147561692538). Como me identifiquei com os depoimentos! Um dos entrevistados circula de carro na cidade, e vê as luzes da forma como vejo, bolas gigantes, coloridas e desfocadas. O escritor João Ubaldo revela que nunca teve problemas com seus óculos, a não ser quando alguma companheira de cama pedia que ele os tirasse na hora de fazer sexo: - Eu as achava degeneradas! – diz o escritor. É vero... Não se pede tal coisa a um míope de alto grau. Nudez de vista, nem pensar.
Um dos meus constrangimentos memoráveis aconteceu justamente no consultório de um velho oftalmologista lá de Caxias do Sul. Eu fazia aquele teste de tentar ler as letras e números dentro de um círculo de luz, mas não via absolutamente nada, por mais que ele aumentasse o tamanho dos caracteres. Suava frio!
- Mas então tu tá cega! – exclamou ele.
Eu, de tão nervosa, olhei para cima, e lá estavam as letras e números. Enormes. O problema foi que antes eu tentava enxergá-los no abajur, uma bola redonda em cima da mesa do consultório!
- Ai, doutor, começa de novo – eu pedi, sem coragem de revelar a verdade.
Outra característica do míope de alto grau é a visão microscópica de perto. Sem óculos ou lentes, a gente consegue ver os poros da pele, os pigmentos de tinta de uma letra em um papel, a veia mais sutil de uma folha. O mundo se revela em detalhes que a visão normal não consegue perceber.
A Jeane, colega de trabalho, me mostrou um livro que o filho dela adora, intitulado “Um Garoto Chamado Rorbeto”, escrito por Gabriel O Pensador, que fala de um menino que tem seis dedos na mão direita. Eu li, deliciada, a história, e fiquei com uma saudade do meu dedinho!

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Sindicato dos Jornalistas promove Primavera Quente

O Sindicato dos Jornalistas batizou de Primavera Quente a série de atividades em defesa do diploma para o exercício da profissão de jornalista e contra os oligopólios de mídia. A primeira será no dia 3 de setembro, quinta-feira, das 11 às 14 horas, na Esquina Democrática, em Florianópolis, com o lançamento de um abaixo-assinado e de um texto explicativo para a população sobre os problemas provocados pela concentração de meios de comunicação em Santa Catarina, com ênfase no caso do Grupo RBS. O ato também será feito nas principais cidades do Estado.
Esta é a segunda iniciativa do Sindicato em 2009 em relação à questão dos oligopólios de mídia. A primeira foi em 28 de abril, com a realização de um debate com o procurador Celso Tres e com Danilo Carneiro, estudioso do sistema capitalista e membro do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro. Tres representou o Ministério Público Federal em Santa Catarina, que propôs uma Ação Civil Pública contra a empresa dos Sirotsky, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a União.
O objetivo é que o abaixo-assinado circule em todo o Estado e seja anexado à Ação Civil Pública.

A Voz da Lua

Foto de Marcela Cornelli, que me deu a lua de presente no ano passado
Míriam Santini de Abreu

Quando estivemos no Deserto de Atacama – eu, Elaine e Marcela – desejei ardentemente experimentar o silêncio. O silêncio sem memória das areias. Pois, no deserto, não houve um só instante de silêncio. Deserto é turismo, é turismo não é silêncio.
E é também sobre o silêncio o filme “La Voce Della Luna”, de Federico Fellini, que me foi recomendado pelo fotógrafo e documentarista Dario de Almeida Prado Jr., nosso oficineiro em um curso na TV Floripa.
Não escrevo sobre o filme porque cinema é experiência muito pessoal. É o tipo de coisa sobre a qual não adianta falar, tem que experimentar.
Mas digo que ali há um homem que se perdeu por causa das notas musicais perigosas, como a combinação sol-la-do-mi, que provocam a sensação de “um lagarto percorrendo a espinha”. E há este outro homem, que ouve a voz da lua a sussurrar dentro dos poços.
Um filme onde aparecem corvos – aves fantásticas - , sinos e vagalumes!
“A Voz da Lua” eu queira sorver na madrugada, à beira de uma taça de vinho. Bastou, para me enternecer, a madrugada.

O reino dos mansos





Míriam Santini de Abreu
A rua onde eu moro, uma transversal da Ivo Silveira, em Florianópolis, é feia. Mas no meu condomínio há umas árvores lindas, cheias de flores rosas que, nesta época, desprendem um cheiro adocicado que me faz lembrar da poesia de Florbela Espanca. Mas as árvores estão com os ramos secos, ameaçam os veículos. Então, fez-se a poda. E ficou, protegido por duas folhas solitárias, esse inquilino adorável, aquecendo o ninho e os filhotes.

Os pobres e a gripe A

Elaine Tavares
Pois outro dia eu estava mui fagueira assistindo televisão, quando vi uma matéria feita lá no Colégio Catarinense, com um professor cujo nome não lembro. Ele, muito sério, dava algumas dicas sobre como prevenir a mal fadada gripe A. primeiro fiquei um pouco estressada com essa de chamar a gripe suína de gripe A. Porque, afinal, é uma maneira de esterilizar um pouco as razões de mais esta pandemia. Tirando o “suína” do nome, as pessoas não mais precisam associar a doença ao modo de produção dos pobres bichos, confinados e torturados.
Depois, então, ouvi esta pérola: “as pessoas devem evitar usar o ônibus”. Fiquei pensando no meu buzão, o que pego todo dia para ir para casa, uma vez que moro a uns 30 quilômetros do lugar onde trabalho. Nele, seja a hora que for, a lotação sempre ultrapassa. As pessoas praticamente se matam para entrar no buzú, não importa que não haja mais lugares, e ali ficam espremidas umas contra as outras. Caso alguém esteja com a tal da gripe, babaus.
Então fiquei a pensar no conselho do professor. “não devemos usar o ônibus”. Bem, ele dá aula num dos mais tradicionais colégios da cidade. Seus alunos devem ser de classe alta ou média alta. Poucos devem usar o ônibus. Nada sabe ele da vida das gentes, cuja liberdade de ir e vir está condicionada ao trajeto do ônibus. E que precisam balançar feito sardinhas todos os dias nos latões.
Aos empobrecidos tudo está negado. Eles são obrigados a andar nos ônibus lotados, e se pegam a gripe tampouco tem um hospital de qualidade onde amparar a dor. A vida real é coisa dura. A das gentes e a dos porcos. E assim segue a humanidade...

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Naturaleza

Ando à cata de libélulas, cigarras e vagalumes. A cidade espantou os vagalumes. Encontrei-os no sertão paulista no verão passado. Será que eram os últimos no mundo? Diz a lenda que as cascatas mansas estavam aprisionadas nas 30 mil facetas dos grandes olhos da primeira libélula, que decidiu libertar as águas quando um raio de sol primevo esquentou suas asas. Foi nesse dia que a cigarra macho aprendeu a cantar.

O velho do saco

Míriam Santini de Abreu

- Olha que eu vou chamar o velho do saco!
Era essa a ameaça que os mais velhos faziam quando os pequenos não paravam de bagunçar. Continua sendo, mas em versões diferentes. Dia desses ouvi um colega – pai de uma menininha para lá de travessa – dizer a ela que iria ter uma conversa com o monstro da palha. Averiguei e descobri que se trata de personagem de uma série infantil. Seja o velho do saco ou o monstro da palha, o fato é que o desejo de assustar a criança recorrendo a eles diz muito da nossa relação com o outro.
O velho do saco de que tínhamos medo geralmente era um andarilho maltrapilho e sujo não-ajustado aos parâmetros da “normalidade”. Sem emprego, casa, sem carro, incapaz de consumir. O saco de conteúdo misterioso só aumentava o nosso pavor, e certamente a bolsa encardida devia guardar apenas alguma muda de roupa, talvez um maço de cigarros, uma foto de alguém querido e há muito desaparecido. O velho do saco, enfim, era miserável, e no fundo temíamos a concretude da miséria exposta naquele corpo. Como hoje, quando eles continuam estradas afora, guardiões dos nossos mais profundos medos.
Uma amiga contou-me que, pequena, ela e as crianças da vizinhança temiam a pé de pano, uma mulher que percorria a cidade com um trapo sempre amarrado a uma das pernas. Também metia medo um tal de Tijolão, andarilho que, numa noite, foi convidado pela pai de minha amiga para se esquentar no fogo da casa. Foi o que bastou para o estranhamento se diluir na convivência.
Quando desconhecidos começaram a assassinar mendigos no centro de São Paulo, há alguns anos, apareceu muita explicação. Uma delas chamou a minha atenção. Dizia que o ato de matar esse outro, despossuído de tudo, revelava o terror de, sob alguma circunstância de vida, ficar como ele. A teoria para explicar isso era longa e densa, não cabe aqui, mas me pareceu ter muita relação com os desejos e angústias que nos dominam no mundo de hoje.
Os sonhos das pessoas são cada vez mais medíocres, a maioria baseados no consumo. Não há sonhos no plural, no coletivo. Tudo é no singular, no individual. Ver a pobreza ofende os sentidos, mas são poucos os que também ficam com a alma ofendida, o que levaria a uma reflexão sobre o porquê da multiplicação acelerada da miséria. Talvez por isso o velho do saco assuste hoje tanto quanto assustava no passado. Ele provoca o incômodo de nos fazer pensar sobre um mundo cuja construção deixa tantos para trás.

domingo, 23 de agosto de 2009

Sob o signo de virgem


Acima, Galáxia de Sombrero, na constelação de Virgem; abaixo, uma das "cariocas" que abasteciam a população da ilha de São Francisco do Sul, esta ainda com os azulejos portugueses. Imagens para o setembro que chega, para mais um solstício.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Que venham os 50

Elaine Tavares
Quando eu tinha 20 anos me assombrava um medo: fazer quarenta. Mas, esse medo não era do prosaico envelhecer, que sempre achei muito charmoso. Não! Era o medo de perder a consciência de classe. Naqueles dias eu reparava que as pessoas, passados os 40 anos de vida, mesmo as mais aguerridas e militantes, iam desmilinguindo, esmorecendo, perdendo a radicalidade. Alguns viajavam para a França, outros compravam casas gigantes, e outros simplesmente se rendiam ao sistema repetindo o mantra: “não há como lutar contra isso”. Então eu tinha medo. E eu? O que faria quando todas as ilusões se perdessem aos 40 anos? E, na medida em que esse tempo chegava, eu ia estremecendo.
Então veio um dia a manhã dos 40. Acordei sem pressa, a cabeça espiando por baixo da coberta. Aquele radiante dia de maio poderia ser meu fim. Ressabiada, saí da cama e corri ao espelho, nada mudara. Ufa. Tomei banho e saí para a rua. Tudo normal. A indignação no ponto do ônibus sinalizou que eu estava bem. No trabalho, arrumei algumas encrencas. Hum... Tudo certo. Os dias passaram e eu seguia firme, sem claudicar.
Agora aqui estou. Já se passaram oito anos do fatídico 40 e eu ainda sei quem sou. Nas lutas pelo transporte, pela moradia, pela segurança, pelo HU público, pela Vale, pela Embraer, contra o Lula, contra os transgênicos, pela universidade, pela comunicação livre, pela minha categoria. Nas passeatas, nos encontros, nos debates, pelos trabalhadores, contra a opressão. Faço revista, faço jornal, escrevo blogs, crio páginas, faço as palavras voarem. Sei quem sou e onde estou. Sei pelo que lutar e não me deixo render pelo canto da sereia da babilônia em chamas.
Outro dia, durante um ato, me vi no reflexo da vitrine. Ali estava, na minha madurez. Os cabelos revoltos, a pele cansada, a bunda já caída. Mas os meus olhos... Ah!...estavam cheios de eternidade! Então, num átimo, vi a guria de 20, que um dia eu fui, sorrir pra mim. Ali estava eu. Inteira! Que me esperem os 50... Ainda tenho todas as minhas ilusões.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Bom para...


Dizem que os bilhetinhos foram recolhidos por um estagiário que trabalha em uma agência bancária no Rio Grande do Sul. Pérolas! São os recados deixados nos cheques dos correntistas. Dá uma ternura ver isso, neste vento infernal do capitalismo. Uma ternura pela gente trabalhadora deste país.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Jornalismo, fotojornalismo e mão mandona

Míriam Santini de Abreu

Estou fazendo um curso de vídeo oferecido pelo Sinergia, o Sindicato dos Eletricitários, na TV Floripa, que tem à frente o colega Silvio Smaniotto. Pois graças ao curso conheci o fotógrafo e documentarista Dario de Almeida Prado Jr., e graças ao Dario, que é o nosso oficineiro, abriu-se uma comporta inesgotável de beleza produzida por fotógrafos e cineastas, cujas referências artísticas e históricas ele compartilha com arrebatamento.
Na semana passada, falou sobre o filme “A Voz da Lua”, de Fellini, que eu não conhecia. Enluarada como sou, quis saber mais, pesquisei, e agora, pelas mãos do nosso oficineiro, tenho o DVD à espera dos meus cuidados (há uma crítica do filme em
http://cinemaitalianorao.blogspot.com/2008/12/fellini-no-mundo-da-lua.html). Coisa para ser saboreada na madrugada, à beira de uma taça de vinho.
Neste 19 de agosto, lembrou-nos Dario na aula desta quarta-feira, a fotografia completa 170 anos. E um dos seus grandes nomes foi Jacques Henri Lartigue, cujas fotos podem ser vistas no Google Imagens. Pesquisei mais e achei um artigo lindo sobre o trabalho do francês, que amava os “odores misteriosos” da fotografia. Está em
http://www.rever.fot.br/pdf/Jacques%20Henri%20Lartigue.pdf.
Mas há outra tirada do Dario que eu agora não esqueço. Falávamos, na oficina, sobre a necessidade de – por assim dizer – perder o medo da parafernália eletrônica, à qual os profissionais da imagem estão acostumados. Eu não consigo. Aí o Dario se saiu com essa: - Tem que ter mão mandona! E narrou um trecho do filme “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Roberto Santos, baseado na novela de Guimarães Rosa. Há uma cena em que Nhô Augusto é estimulado a mostrar a habilidade de atirar, que deixou de usar há muito tempo. E recebe o elogio do chefe dos jagunços:

— Não faz conta de balas, amigo? Isto é arma que cursa longe...
— Pode gastar as oito. Experimenta naquele pássaro ali, na pitangueira...
— Deixa de criaçãozinha de Deus. Vou ver só se corto o galho... Se errar, vocês não reparem, porque faz tempo que eu não puxo dedo em gatilho...
Fez fogo.
— Mão mandona, mano velho. Errou o primeiro, mas acertou um em dois... Ferrugem em bom ferro!


Mão mandona... A expressão que Dario gosta de usar me encantou, porque me dá prazer observar a forma dos braços e das mãos, a musculatura retesada sob a pele, quando o corpo humano trabalha. E cada pessoa tem mão mandona em algum tipo de trabalho, atividade, profissão, ou em vários, porque tem mão mandona exibida, plural.
Durante uns meses, meu pai dirigiu um caminhão de entregas para completar a aposentadoria, e uma vez ele contou que, numa dessas saídas, conseguiu controlar o veículo e evitar um acidente. Ao olhar em volta para ver se dera tudo certo, outro motorista passou por ele e, num instante, colocou a mão sobre o bíceps, com um sorriso e um sinal de assentimento, e gritou: - Aí tem braço! Agora consigo dar um nome ao que motivou o prazer de meu pai ao contar a história: o deleite da mão mandona, reconhecida nele por outro homem.
Isso está bem expresso na música “Quem Saberia Perder”, de Ivans Lins, disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=WbxJlHzVKLg&feature=PlayList&p=41C71AFA434071BC&playnext=1&playnext_from=PL&index=19, da qual amo especialmente esse trecho:

Vivo do que faz meu braço
Meu braço faz o que a terra manda


Ah, que tributo à ação!

Num tempo em que a nossa profissão é tornada vil no mercado de trabalho, em que se fala do fim do jornalismo, do fim do fotojornalismo, digo: a maior parte do que se vê nos meios de comunicação não é jornalismo nem fotojornalismo. É outra coisa, tem outro nome, é tema de outro artigo.
Quem faz jornalismo, fotojornalismo, de verdade, sabe muito bem: coisa boa só sai de quem tem mão mandona. E mão mandona no jornalismo - como em qualquer outro trabalho - não é para qualquer um! Ora, ora... que morte, que nada!

A credibilidade dos jornalistas

Celso Vicenzi, jornalista
Saiu há pouco o resultado de uma pesquisa que põe jornalistas, profissionais de marketing e publicitários entre as 10 profissões com maior índice de credibilidade no Brasil. Respectivamente na quinta, oitava e nona posições. A pesquisa foi realizada pelo grupo alemão Gfk, que ouviu 17 mil pessoas em 16 países europeus, nos EUA e no Brasil. No plano internacional, porém, as três profissões ocupam as 12ª, 13ª e 16ª posições. Talvez porque o povo, nesses países, tenha mais acesso à educação e, consequentemente, maior discernimento crítico.
Bombeiros, carteiros, médicos e professores de ensino fundamental e médio obtiveram os melhores índices. Vale lembrar que os políticos, sem nenhuma surpresa, ficaram em último lugar, com apenas 16% de credibilidade no Brasil e 18% internacionalmente.
Parece-me que, apesar de não serem poucas as vezes em que nós jornalistas nos precipitamos e atropelamos os acontecimentos, pecamos pela falta de análise consistente, abusamos da superficialidade e não contextualizamos devidamente os fatos – para não falar daqueles que ideologicamente optam por desvirtuar, omitir e manipular informações – a população ainda têm nos olhado com confiança porque, num país em que os poderes públicos pouco fazem, perdidos em burocracias e lutas intestinas pelo poder, coube à mídia, no Brasil, à tarefa de responder minimamente às angústias do povo.
Um dos problemas é que, na ânsia de fazer justiça, os jornalistas, não raro, ultrapassam os limites da sua função e passam a proferir sentenças, sobretudo condenatórias, antes mesmo da Justiça se manifestar. Simples suspeitas viram manchetes de primeira página. E desmentidos, não raro, se escondem num pé de página.
A mídia, que tanto se arvora no direito de a todos julgar, dedica-se muito pouco a admitir, publicamente, seus erros e os interesses que estão em jogo. E que não são poucos. Há uma corrida, cada vez maior, pelo que se denominou de “espetacularização” da notícia. Tudo vira espetáculo. Inclusive tragédias. E diante de um drama brutal que acaba de acontecer, com famílias chorando seus mortos, os jornalistas se acham no direito de fazer perguntas. Há uma invasão de privacidade. Há um despudor sem limites. Entra-se no cenário de um drama sem pedir licença à dor alheia. Há a busca insistente por imagens e depoimentos impactantes, que emocionem as multidões.
Nos jornais e telejornais, já ouvi de editores: “Tem imagem? Não, então a matéria não entra.” Ou a ela se destina um cantinho do jornal/telejornal. Conteúdo, relevância para a sociedade, exemplos esclarecedores do que está acontecendo? Tudo fica em segundo plano para dar passagem à sua excelência, a imagem, como se ela fosse a suprema revelação da verdade. Mas sabemos que ela pode ser tão manipuladora da verdade quanto qualquer texto panfletário. Para isso há a edição e, antes dela, a escolha mesmo de um fato. Quando e para onde eu aponto a minha câmera? O que dirá o meu texto? Num conflito entre traficantes e policiais, que tem a população das favelas como maiores vítimas, onde estou posicionado? Atrás dos policiais ou lá dentro da favela? Só o lugar, de onde acompanharei o desenrolar dos fatos já define muito. Quem são as minhas fontes? São sempre só as autoridades? Dá-se a palavra, em horário nobre, ao povo, como protagonista, ou ele será sempre um coadjuvante? Será sempre das autoridades ou dos intelectuais a versão final dos episódios? Que frases de cada personagem escolherei para narrar o que aconteceu e interpretar o sucedido? Escolhas não são isentas de conteúdo ideológico. Nem mesmo as palavras. Escrevo “invasão” ou “ocupação” do MST? Você é um trabalhador “multifuncional” ou será que está mesmo com uma sobrecarga de trabalho? O problema é que boa parte dos jornalistas “naturaliza” os conceitos como se fossem imparciais. Ao noticiar um fato, nenhuma neutralidade é possível. Pior ainda se o jornalista desconhecer isto. Quanto mais consciência política e ética o jornalista tiver, menos enganará a si e aos consumidores de suas notícias.
A mídia é hoje peça fundamental no tabuleiro do jogo de poder. Atualmente as empresas de comunicação têm participação em outros negócios que, no mínimo, a põe sob suspeita ao noticiar muitos eventos. Um exemplo emblemático: segundo Mauro Malin, no Observatório da Imprensa, a Folha de São Paulo é sócia, desde 1996, da Odebrech, do Unibanco e da americana Air Touch num projeto de telefonia celular, a famosa Banda B. Em 1994, este jornal publicou reportagens em que o nome da Odebrech aparece 244 vezes, sempre de modo negativo. Em 1996, com a sociedade já selada, a construtora é citada apenas 90 vezes e a imagem negativa em não mais do que 5% do total. Isso acontece com vários veículos de comunicação e empresas. Costuma-se dizer que se as pessoas soubessem o que contém uma salsicha, talvez não comeriam. Exagero à parte, pode-se também dizer que se a população soubesse como se escolhem as notícias (e os jornalistas!), como são escritas, narradas e comentadas e a quais interesses servem, talvez essa credibilidade que aparece na pesquisa ficasse um tanto quanto abalada. Ou como brilhantemente definiu o sociólogo Boaventura de Sousa Santos: “Quem tem poder para difundir notícias, tem poder para manter segredos e difundir silêncios. Tem poder para decidir se o seu interesse é mais bem servido por notícias ou por silêncios.”

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Almas de pedra e madeira


Míriam Santini de Abreu

Casa é substantivo concreto, diz a classificação da língua portuguesa. Para mim, é abstrato. A pedra e a madeira de que são feitas têm alma. As casas são seres vivos. Elas nascem, crescem, envelhecem e morrem. As casas rangem, mudam de humor se está frio ou quente. As portas vergam, se expandem; as maçanetas enferrujam, o reboco se esfarela. As casas têm espírito.
Isso, dirão os descrentes, são apenas fenômenos físicos e químicos. É claro. Mas, desde o início dos tempos, somos, os humanos, fadados a interpretar, a dar sentido às coisas. Por isso nos custar tanto largar a vida, a vida que alimentamos também dentro de casa.
Minha avó Antônia faleceu há quase 25 anos, e ainda está no beco da Olavo Bilac a casa onde ela morava, hoje habitada por dois primos. A tinta se foi; a madeira, de tão apodrecida, em alguns cantos se solta ao toque dos dedos; as telhas só por milagre ainda não despencaram do beiral. Nada resta, mas, contraditoriamente, resta tudo, porque ali estão cristalizadas as minhas mais antigas memórias de infância.
O sótão era o que mais me apavorava. Que medo quando os degraus de madeira cediam sob o meu peso de menina e gemiam! E eu mesmo assim subia, atraída por um não sei o quê de mistério, de algo a ser secretamente revelado. Da janelinha eu via a rua, a solitária araucária na frente do terreno, e umas flores cujo nome não sei e nunca mais flagrei em jardim nenhum. Até as flores saem de moda.
A vó morava na parte de cima da casa e eu, meus pais e meus dois irmãos no porão. A tremenda umidade do inverno da Serra Gaúcha atraía, para os nichos mais quentes daquelas velhas tábuas, uma fauna repelente. Eu, protagonista de estranhos feitos, fiquei famosa no beco por ter, sem querer, esmagado uma aranha caranguejeira ao correr de pés descalços. Vinham, esses bichos, da horta atrás da casa, dois mundos a mutuamente se alimentar. Num dos canteiros eu enterrei, com uma sensação de triunfo, as adenóides extraídas de meu irmão do meio, trazidas dentro um pequeno vidro quando ele saiu do hospital. O Jardim das Adenóides.
Vi a casa da avó Antônia há poucas semanas. Uma ruína aos olhos de todos, no beco onde as demais foram consertadas e pintadas ao longo dos anos. Minha mãe até evita fazer visitas que a obriguem a pousar os olhos e as lembranças na casa. Cai-lhe uma pedra no peito. Também cai no meu, mas os sussurros do passado me atraem, e ali os ouço mais agudamente. Só não sou capaz de entrar. Está de pé, ainda, pelo que me contaram, a escada para o sótão, com muitos degraus já engolidos pelo tempo. Mas lá, naquele sótão, os sussurros da alma de pedra e madeira da velha casa são inquietantes demais.

Sobre pedras e pássaros




Admirável
aquele que ante o relâmpago
não diz: a vida foge...
Bashô

Para sentir em cada veia do corpo o calor ardente de um sol
assim, uma pedra passaria a eternidade do Espaço-Templo
desejando ser pássaro...

Seminário Pró-Conferência da Comunicação em Santa Catarina


Elaine Tavares

Em Santa Catarina seguem as discussões sobre quais propostas levar para a Conferência Nacional de Comunicação, que deve se realizar em dezembro deste ano. Há meses que representantes de vários setores do movimento social (majoritariamente os ligados ao campo da comunicação) estão se reunindo e debatendo. No último dia 15 de agosto foi a vez da realização do Primeiro Seminário Pró-Conferência Estadual, com a participação, como conferencistas, do presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Sérgio Murilo de Andrade, e do professor da UFSC, Carlos Locatelli, além de representantes de várias regiões do estado.

No debate, que ocupou toda a parte da manhã, foi possível perceber a dificuldade que será o avanço nas questões mais estruturais da problemática comunicacional brasileira. No mais das vezes, cada grupo acaba refletindo apenas as suas questões intestinas, minimizando o debate dos temas mais gerais. Não bastasse isso, ainda há os que atuam dentro de uma consciência ingênua acreditando que os meios de comunicação, da maneira como estão estruturados, não são tão maléficos assim, e que a população de maneira geral tem bastante clareza sobre a enxurrada de lixo - e sobre a sedução capitalista - que os meios lançam sobre ela. Por conta disso, acusam os que querem pensar a totalidade de estarem subestimando as gentes.

Outra questão que mostra certa debilidade no debate é o desconhecimento dos avanços efetuados em outros países da América Latina no que diz respeito à comunicação. No geral, as pessoas não se preocupam em saber sobre como se deu, por exemplo, a mudança da lei na Venezuela, onde durante vários meses o governo discutiu com a população a proposta de uma lei geral de radiodifusão, que acabou aprovada sob o nome de Lei Resorte, garantindo mudanças estruturais no sistema. Também poderíamos citar o caso da Argentina, que desde a ditadura militar não mexia neste setor e que agora, no governo de Cristina Kirchner, também aprova uma lei que avança em pontos que o movimento social considera importantes. Igualmente na Bolívia e no Equador, as novas Constituições apontam mudanças e provocam reestruturações que devem ser conhecidas para que se possa pensar o nosso país dentro do contexto latino-americano. E aí não se trata de copiar modelos, mas de perceber como estes países conseguiram avançar desde uma postura nova do Estado.

E é por entender que sem mudança no Estado fica praticamente improvável o avanço da democratização, que a nossa intervenção se dá na direção da proposta de um outro Estado, com democracia participativa, com projeto nacional, com propostas concretas de transformação estrutural. A conferência precisa realizar um grande debate sobre qual é o Estado que queremos, porque é isso que vai delimitar os avanços que poderemos fazer acontecer. O governo de Luis Inácio, desde o seu início, em 2003, deixou bem claro a quem está servindo. É um governo se tem se prestado a todas as demandas do capitalismo internacional e, como se sabe, é da natureza deste sistema viver sob a ditadura do capital, inviabilizando, portanto, qualquer avanço democrático de fato. A dita democracia capitalista é um regime no qual a lei é movediça e está sempre mudando para defender os interesses dos graúdos. Assim, fincar pé em pequenas mudanças na lei é fazer muito barulho por nada, já que nestas condições, as mudanças acontecem apenas para que tudo fique como está.

Os empresários

A última jogada do tabuleiro da Confecom deixa muito explícita a tranquilidade do empresariado da comunicação no que diz respeito à movimentação popular. Ao não verem contempladas as suas exigências na organização do evento, no qual queriam impor suas pautas, decidiram sair do processo, deixando registrado em documento oficial que os movimentos sociais poderiam “fazer a conferência e apresentar as suas sugestões”. Ou seja, ao povo está dado o direito de “fazer sugestões” porque eles, que são os que detêm o controle do Estado, podem fazer o que quiserem depois. Isso, por si só, já deveria mostrar aos movimentos sociais que sem uma mudança no quadro de poder do Estado, muito pouco vai se avançar.

Mas, na contramão da história, os dirigentes da Fenaj insistem que a presença dos empresários na Conferência é muito importante para que se estabeleça o diálogo. “Queremos os empresários lá, porque teremos condições de igualdade”, afirmou Valci Zucolloto. “Muita coisa nós podemos discutir só com o Estado, mas outras não. Por exemplo, a regulamentação, as concessões. Isso temos que discutir com os empresários”, disse Sérgio Murilo.

Acreditar que a simples presença dos empresários na Conferência estabelece uma “igualdade no diálogo” é, no mínimo, estar muito equivocado sobre o lugar histórico que a Fenaj ocupa neste jogo de poder que é a luta por uma comunicação verdadeiramente democrática, com controle social. O espaço da conferência não dá e não pode dar igualdade porque esta igualdade não existe no plano real. O que há, de fato, é um poder enorme dos grandes monopólios de comunicação, em completa harmonia com o Estado. Aos movimentos sociais caberia compreender que, por serem maioria e por estarem conectados com os anseios populares, a eles – e só a eles - pertenceria o papel histórico da luta concreta por uma mudança radical no setor de comunicação. Nenhuma composição de classe é possível, nenhum consenso habermasiano é possível, quando aos donos das empresas - ramificados nos legislativos nacionais, estaduais e locais – está reservado todo o poder. E, se é assim, por que diabos discutir com eles questões chaves como as concessões? Se a radiodifusão é uma concessão do Estado, é com ele, e só com ele, que a sociedade tem de dialogar. Os empresários deveriam apenas se submeter à vontade popular, pois isso sim é democracia.

O povo não é bobo

Algumas falas durante o encontro catarinense se remeteram a idéia de que o povo sabe muito bem que os meios de comunicação mentem e que não é preciso que nenhum “iluminado” venha “ensinar” sobre esta questão. Isso para rebater a proposta de que é necessário sair das reuniões de gabinete e ganhar às ruas onde está a maioria das gentes que não pertence ao mundo da comunicação. Mas, como bem já ensinou Guerreiro Ramos existe uma diferença abissal entre a consciência ingênua e a consciência crítica. O trabalho daqueles que atuam na área da comunicação não é o de “ensinar”, mas sim o de desvelar os mecanismos que fazem os meios serem como são, levando as pessoas a entender de maneira crítica aquilo que elas já sabem não ser bom.

As gentes que não estão envolvidas diretamente neste processo não têm como saber sobre todas as nuances que envolvem o jogo de poder, no qual os empresários da comunicação dão a diretriz e instituem a pedagogia da sedução capitalista. Por isso que atuar nas Associações de Moradores, nos sindicatos, nos movimentos populares de outra ordem que não os da comunicação, passa a ser condição fundamental para o sucesso da Confecom. Sem tirar da mira a idéia de transformações estruturais, poderemos avançar nesta conjuntura, mesmo sabendo que a luta será difícil. Mas, sem a participação de outros setores da luta social, isso fatalmente não acontecerá.

domingo, 16 de agosto de 2009

Na noite do tempo, um nome

Míriam Santini de Abreu
K, de cujos cabelos se desprende um odor de limões, contou-me que as letras dormiam no fundo de um cântaro de lápis-lazúli. Encontrou-o uma mulher que se abrigara em uma caverna, surpreendida pela neve que soterrava de brancura a terra onde hoje está Badakshan. Quase morta por uma fome sem nome, por uma sede incapaz de adjetivos, ela aninhou-se no manto de pêlos úmidos daquele jovem animal que ferira e matara, e que agora esquentava seu corpo. E assim, esfaimada, apoiou a cabeça sobre uma pedra, e ali, a centímetros, entreviu o cântaro. Deslizou sobre a terra, e logo seus dedos frios alcançaram o gargalo azulado e nele mergulharam. Apanhou sete pedras que aprisionavam minúsculos caracteres, e apertou os olhos para desvendar-lhes o segredo. E assim, na noite do tempo, deu a si mesma um nome.

Caras de eucalipto

Li Travassos, de Florianópolis

A Suzano Papel e Celulose lançou uma campanha publicitária na TV, onde afirma utilizar apenas árvores de reflorestamento na fabricação de papel. Estas árvores retirariam o gás carbônico da atmosfera, de forma que a fabricação de papel seria um ato ecológico. Termina afirmando, para meu horror, que a campanha feita ao fim de alguns e-mails, que diz "pense antes de imprimir, preserve o meio ambiente", deveria ser substituída por: "imprima, preserve o meio ambiente". Como se, para produzir o papel que será desperdiçado numa impressão desnecessária, não fosse necessário cortar uma árvore, mesmo que seja uma árvore plantada para este fim. E, que eu saiba, árvore cortada não seqüestra CO2. Para completar, a campanha publicitária tem o apoio, entre outros, da Vale (do Rio Doce). Resolvi ir atrás de mais informações, e descobri o seguinte:
- Há um projeto da Vale na região Norte do Brasil, chamado Vale Florestar, para "reflorestamento" da Amazônia, que prevê não apenas o plantio de espécies da região, como também de árvores de uso industrial. Iniciado em 2007, o programa receberá investimentos de trezentos milhões! Segundo o diretor da Vale, dos 300 mil hectares de florestas devastadas a serem replantadas pelo projeto, 120 mil hectares serão ocupados por eucaliptos, destinados à indústria.
- Há um acordo fechado entre a Suzano Papel e Celulose e a Vale, que garante fornecimento de matéria-prima para a fábrica que a Suzano espera inaugurar no Maranhão em 2013. A fábrica utilizará madeira do projeto Vale Florestar, além dos eucaliptos de uma floresta comprada pela Suzano da Vale por "apenas" R$ 235 milhões.
- A Suzano, cheia de projetos para a abertura de novas fábricas, tem escritórios e "terminais" em vários lugares do mundo, mas suas fábricas estão todas no Brasil.
Será porque nosso país continua permitindo não apenas a monocultura na agricultura, mas também a monocultura florestal? Da mesma forma que a monocultura do pinus (veja a excelente matéria de Elaine Tavares, O exército de Pinus, na Revista Pobres & Nojentas nº. 17), a monocultura do eucalipto, plantado com fins industriais, prejudica o solo, a água, e a sobrevivência dos animais e das outras plantas na região. Plantar árvores com fins industriais na Amazônia não é muito melhor que arrancar as árvores nativas para criar gado para o abate. É como se fosse dito para o planeta: "Olha, você me dá licença, mas estou me lixando para esta história de preservação, ar puro, água pura, e quetais. Tem gente querendo comprar meu produto, eu preciso de um pedaço de terra bem grande para produzi-lo, e como vou dar emprego para muita gente, você, planetinha, não tem nada de que reclamar".
O que há de pior nestas empresas, a meu ver, não é o estrago que causam, mas justamente o fato de posarem de preservadoras do meio ambiente, e de geradoras de emprego. Emprego este em que o trabalhador vai ganhar uma mixaria para se matar de trabalhar, enquanto os donos das fábricas enchem as burras de alguns milhões a mais. E, só para lembrar: cafetão de criancinha também gera empregos, fabricante de cigarro também gera empregos, explorador de viciados em jogos também gera empregos, traficante de drogas também gera empregos. E nem por isso*...
"Ah, mas então você é contra as fábricas de papel?" pode perguntar alguém. Claro que não! Sou uma leitora ávida de livros (os quais não creio que a internet irá substituir algum dia), gosto de ler revistas de vez em quando, tenho pilhas de bloquinhos espalhados pela casa, para anotar mil coisas, e sou um alvo perfeito para o tal lembrete em e-mails, que manda pensar antes de imprimir, pois tenho vontade de imprimir muita coisa inútil. Não sou contra o papel, ou contra as fábricas de papel. Sou contra cara de pau, sou contra falta de ética na propaganda, sou contra a exploração estúpida de nossos recursos naturais, sou contra a menos valia, sou contra a destruição da Amazônia... E é melhor parar, senão não acaba nunca...
* Aliás, falando em geração de empregos, a Vale tem um programa de incentivo ao esporte (BRASIL VALE OURO) que me parece gerar, disfarçadamente, emprego infantil em atletismo. O que eu penso do trabalho infantil, qualquer que seja, você já sabe, né? Se não, leia meus artigos sobre o assunto nos sites da Pobres & Nojentas (este e o da Teórica, h
ttp://revistapobresenojentas.wordpress.com/)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O Livro Perdido de Baroque Marina

O poeta e jornalista Fernando Karl, colaborador da revista Pobres & Nojentas, ficou com o segundo lugar no Prêmio Cruz e Sousa de Literatura – Edição 2008-2009 – na Categoria Catarinense, com “O Livro Perdido de Baroque Marina”:

Categoria Nacional

1° lugar – “O Senhor da Palavra”, de Ruy Reis Tapioca (Rio de Janeiro)
2° lugar – “O Vestido Vermelho”, de Vera Lucia Gonçalves Moll (Rio de Janeiro)
3° lugar – “A Cor das Palavras”, de Ronaldo Antonelli (São Paulo) (anulado)

Categoria Catarinense

1° lugar – “Cruz do Campo”, de Abelardo da Costa Arantes Junior (Florianópolis)
2° lugar – “O Livro Perdido de Baroque Marina”, de Fernando José Karl (São Bento do Sul)
3° lugar – “A Morte dos Deuses”, de Roy Warncke Ashton (Florianópolis)

Fonte: Comunicação / FCC

Karl por ele mesmo

O quarto do escritor em São Francisco do Sul


Míriam Santini de Abreu

Há tanto estou para escrever sobre Karl, mas ainda não encontrei intensidade que o diga. Então segue Karl por ele mesmo, em palavras que, antes que o sol se consumisse, transformaram cavalos em fogo.

Em lugar de olhos, dois nuncas. A noite é palavra unida à noite essencial. Um diamante iça, em lugar da morte, e da cisterna sombria acordo alado: sem amada, capinzal, mãe, pedra ou labirinto. Em lugar de respirar, a música me vela. A eternidade é o silêncio das tigelas de arroz. Em lugar de estar vivo eu sou um canto, enlouquecido por discordar do roteiro. É desconcertante morrer sem acariciar o pomo dourado da própria voz, e a lenda da pele, que acende com o toque dos dedos. É sempre absurdo não ter direito a um nome, a um quintal com pequenos pássaros intensos. Os erros são todos meus. A luz é toda tua. Quando eu não existir mais, eu também virei recolher os domingos que não passei à beira-mar.

Azulejos na alma


Míriam Santini de Abreu

Eu tinha uns 11, 12 anos, quando vi a foto de uma casa em uma revista qualquer. Recortei, protegi a imagem com plástico adesivo e decretei: moraria lá. Só faltou anotar o lugar onde encontraria a casa dos meus desejos.

Vivia com o quadradinho plastificado dentro da agenda, e bastava, num intervalo de aula, espiar a imagem para imaginar como seria debruçar-me naquelas janelas, rodopiar naquele jardim.

Foi aos 25 anos que desembarquei em Joinville, cidade pela qual nutro uns amores florestais, marinhos, de ventania, porque ali se está entre a graciosa Serra do Mar e a Baía da Babitonga. Joinville é um azulejo na alma da gente.

Passada coisa de uma semana da minha chegada, estava eu circulando no centro da cidade, no carro do jornal onde trabalhava. Volta vai, volta vem, e eis que deparo com a casa dos meus afetos! Ali, naquela terra de turbulências, morava o meu jardim!

Que dizer... Na época o lugar era sede de um banco e, em minha visita a Joinville em fevereiro passado, estava fechada, com uma aparência de quase abandono. As minhas veias pulsavam quando dei um aceno discreto para a menina de 12 anos que sorria para mim da janela.

IELA discute África nos dias 18 e 19 de agosto

O Instituto de Estudos Latino-Americanos realiza, nos dias 18 e 19 de agosto, o Seminário Internacional África – um outro olhar: história e perspectivas, em parceria com o Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros. A idéia do evento nasceu da proposta construída a partir da realização do Encontro Cultural Lusófono, em junho deste ano, quando o IELA recebeu na UFSC estudiosos e artistas africanos para discutir as questões ligadas às relações África/América Latina.

Durante o Encontro Cultural observou-se que havia um grande número de pessoas interessadas no tema África, mas não existia qualquer núcleo de pesquisa na universidade, organizado de forma mais sistemática, que trabalhasse com o assunto. Foi daí que nasceu a idéia de o IELA oferecer um espaço de pesquisa e de articulação para o debate desta realidade. Várias reuniões aconteceram, pesquisadores de diversos centros apareceram e até o Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros se reestruturou, apontando para a realização deste seminário que pretende inaugurar uma rede de pesquisa mais sistematizada.

O seminário começa na terça-feira, dia 18, às 15h, no Auditório do CCE/UFSC com a conferência do escritor angolano Ondjaki, que também vai apresentar o seu filme “Oxalá cresçam pitangas”. A partir das 18h30min, no mesmo auditório, acontece o lançamento de livros de Ondjaki e também a exposição fotográfica Africanidades, de Virgínia Yures.

Na quarta-feira, dia 19, a partir da 9h, será debatido o tema: A formação da África Contemporânea, com Silvio Correa (UFSC), Susan Oliveira (UFSC) e Joel Fernandes (Angola/UFSC).

Na parte da tarde, às 15h, é a vez do tema: África no Brasil: problemas e perspectivas, com Fabiane Popinigs (UFSC), Marcos Rodrigues da Silva (FURB) e Marcelo Tragtemberg (UFSC).

No período da noite, a partir das 18h30min, é hora da discussão da Descolonização da África e a participação cubana na luta pela independência, com a participação de Jorge Risquet (Cuba) e Nildo Ouriques (IELA/UFSC).

O encerramento será com o grupo de Capoeira Angola Angoleiro Sim Sinhô e Capoeira, Afoxé e samba-de-roda.

18 e 19 de agosto – Auditório do CCE
Promoção: IELA

Mais informações :
www.iela.ufsc.br

Gaiola das loucas

- Vamu pra gaiola?
É a senha. Lugar: Mercado Público de Florianópolis. Hora: noturna. Circunstância: uma vontade urgente de fazer xixi.
E a gaiola é o elevador estranho, dentro de um dos bares do Mercado, onde os clientes embarcam para ir ao segundo piso e usar o banheiro. Entramos em duas, porque mulher não vai ao banheiro sozinha, é tradição. E dado o estreitamento da gaiola, as duas ficam uma de frente para a outra, corpos bem próximos, o que sempre é motivo de piadas. E quando a gaiola sobe e desce, dá para ter uma panorâmica da fauna de freqüentadores. Escritores, engravatados, o pessoal do movimento sindical, todos circulam ali, e também uma gente entojada, que Mercado Público que se preze tem um pouco de tudo. A gente acha um brinde para cada gole, e a senha para vazar dali é quando uma ou outra deixa escapar alguma "verdade inabalável". As verdades inabaláveis são sempre perigosas. Melhor calá-las, às vezes.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Veja entrevista com Vilson Santin, da Coordenação Estadual e Nacional do MST

O MST levou ao Governo Federal, nesta Jornada Nacional de Lutas, as reivindicações do Movimento:

1 - assentamento de 96 mil famílias que estão em acampamentos e melhoria das condições de assentamentos onde estão 46 mil famílias;

2 - plano de desenvolvimento dos assentamentos (crédito, assistência técnica, infra-estrutura...);

3 - atualização dos índices de produtividade da terra, defasados há 35 anos;

4 - recomposição do orçamento para a reforma agrária, que foi cortado em torno de R$ 1,2 bilhão

MST em Florianópolis na Jornada Nacional de Luta

A luta dos trabalhadores na saúde teve o apoio do MST em atividade realizada no dia 12 de agosto no Hemosc, no hospital Celso Ramos e na Secretaria Estadual da Saúde, dentro da Jornada Nacional de Lutas.

Tardes de inverno

Linda Floripa

terça-feira, 11 de agosto de 2009

domingo, 9 de agosto de 2009

Atrás poeira

Míriam Santini de Abreu

Toca a música “Atrás poeira”, de Sá e Guarabira, e me lembro do Mineiro. Foi quem nos acompanhou no trotear em uma fazenda no pé da Serra da Bocaina, em Paraty, sul do Rio de Janeiro. Ele contou histórias da fazenda onde é funcionário, da família em Minas, dos turistas que aparecem ali. Rimos muito da história sobre um grupo de turistas do Japão que nunca havia montado em cavalo. Mineiro, à frente do grupo, troteava quieto e, quando se virou, só viu, à distância, os cavalos dispersos, cada um em caminhos diferentes, com cavaleiros de cara apavorada. O jeito como ele contou aquilo era de cair do cavalo de tanto rir!
Mas eu me lembro do Mineiro porque ele praticamente não tinha fotos de si próprio. Muita gente não tem, porque o acesso às tecnologias é sempre muito seletivo. Então fiz fotos dele, mandei imprimir em papel fotográfico e enviei através de uma agência de turismo em Paraty. E também me lembro do Mineiro por causa do jeito como ele cavalgava. Era como se tivesse nascido sobre o cavalo. Às vezes jogava o corpo para um lado da sela, e assim, todo inclinado, conversava de um jeito manhoso, uma expressão de leveza visceral, de um homem que não deve nada para ninguém. Mas nas costas, entre a camiseta e a calça jeans, levava um facão, que ninguém dá bobeira em trilha na mata atlântica.
Era ele, o facão e o baio.

Estradeira

Míriam Santini de Abreu

Estava em Porto Alegre e nem sabia com exatidão onde ficava Joinville, mas foi lá que desembarquei em 1995 para trabalhar. Foi amor à primeira vista, intenso, sob um maio quente, um Maio de Joinville. Eu visitava minha família em Caxias, mas mal completava o primeiro dia e eu já desejava voltar para aquele “mangue horrível”, como dizia minha amiga R., que odiava Joinville tanto quanto eu amava.
Pois lá, já em 1997, dividi apartamento com duas moças. Uma delas me contou que era do Paraná e havia morado em Rondônia, mas também desembarcara em Joinville por um motivo incomum: a cidade aparecera na novela "Ana Raio e Zé Trovão", da extinta rede Manchete, e ela, assim que viu o “mangue”, decidiu: moraria ali. Apaixonou-se também.
Eu vi a novela, cuja história eu e o meu amigo Samuel esmiuçávamos nas viagens diárias de Caxias para São Leopoldo para fazer faculdade. A trilha sonora eu conhecia de cor, e levei para Joinville uma fita cassete com todas as músicas. A fita se perdeu, e eu não me lembrava mais dos títulos nem dos intérpretes. Mas eis que, de bobeira, passados mais de 10 anos, encontro no YouTube as três de que mais gostava! Que alegria!
A primeira delas é música de rodeio, estilo do qual não gosto, mas essa em particular eu ouvia sem cansar. Há um trecho que evoca esses desejos estradeiros que eu tenho. De carro, de ônibus, eu embarco com gosto, naquela entrega que só passageiro conhece, à paisagem, aos pensamentos fugidios, ao torpor das horas:

A estrada ensinou/
o que eu sei, o que eu sou/
minha vida, minha sorte/
essa estrada mudou.


Aí vão elas:

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Sinos ao Longe

Míriam Santini de Abreu
Havia uma série no final dos anos 70, início dos 80. Chamava-se Shane, e era uma das tantas que eu adorava. O papel principal era de David Carradine. Gostava de seu rosto anguloso, auto-suficiente, mas com lábios ondeados e desejosos. Um dos episódios, lembro bem, chamava-se Sinos ao Longe.
Pistoleiros queriam que a família para a qual Shane trabalhava abandonasse suas terras. Então ameaçaram incendiar a escola onde a mocinha da série, uma loura de olhos grandes, era professora. E ela disse a Shane:
- Se os sinos tocarem, é porque tudo estará bem.
Tocaram, e Shane, ao ouvi-los, encrespou os lábios. Ele amava a mocinha.
Pois bem, deve ser por causa daquele episódio que amadureci essa fascinação por sinos. Uma vez, numa vilazinha no interior de Caxias do Sul, inventei de entrar na torre sobre a qual repousava o sino. Fechei a porta para ninguém impedir o meu pequeno atrevimento e, ao me virar para iniciar a aventura, topei com um sujeito, um Quasímodo embriagado que se assustou tanto quanto eu. Saí dali aos gritos.
O meu irmão César certamente dirá que essa pode se tratar de mais uma das minhas falsas memórias... Quem pode saber!
O sino na foto é de uma igreja em Recife. Tão velho, tão gasto, tão belo... E sobre ele as folhagens indolentes, para as quais, como para mim, deve o sino proclamar:
- Excito lentos!

2ª Mostra ´FICA na UFSC` traz o melhor do cinema ambiental

Começa no dia 24 de agosto a 2ª Mostra de Cinema Ambiental `FICA na UFSC`, resultado da 11ª edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), realizada no mês de junho em Goiás. O evento na Universidade apresentará as obras premiadas, terá entrada gratuita e filmes legendados.

Programação completa em:

P&N na Jornada Nacional de Lutas

A Pobres & Nojentas vai estar nas atividades da Jornada Nacional de Lutas. Veja a programação completa em:
http://www.iela.ufsc.br/?page=noticia&id=980

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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Tarde no mar


Florbela Espanca
A tarde é de oiro rútilo: esbraseia.
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

Pousa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue o seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!
Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...
E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...
Ah! Ninguém soube anunciar, como Florbela Espanca, ainda no inverno, o doce ar da primavera...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

A importância da música

Por Paulo Renato Venuto
A música é de infinita importância para sensibilizar um coração duro, porque ela pode afeiçoar a consciência e a sociedade. A música tem esse poder de entrar onde não há portas e fazer ali a ação curativa. Sebastian J. Bach dizia que ´´a música se faz para a glória de Deus e o aperfeiçoamento do homem´´. Assim, quando ela já não tiver essa capacidade de pavimentar o coração e a alma do ser humano, não poderá ser mais chamada de música.
Nas sociedades primitivas, como há 1,6 milhão de anos, os homens, homos erectus, já batucavam com ossos os troncos de árvores ocas para festejar a ternura que sentiam no coração. Agora, nas sociedades modernas, os homos sapiens batucam nos seus instrumentos eletrônicos para se libertarem das cadeias. Mas também cantam e dançam para fazer da comunidade onde vivem um lugar bom e bonito para si e para os outros.
Aí está a importância da música, fazer da pedra dura e do coração enrijecido uma mola flexível. Por isso a música tem importância inestimável, porque ela faz do homem endurecido um ser puro, com encantos, e livre de maldades...

Elaine e Catatau

Em dias de campanha para reitor, em 2007...
Foto do bruxo Leo!
Saudade eterna deste amigo, companheiro... Che Catatau.


Boas-Vindas a um Sicário

Raúl Fitipaldi

Seu Varito vem aí! O sicário modelo do Império oferece sua repulsiva visita nestas terras. Anda pelos países que ainda o escutam, Álvaro Uribe Vélez, o presidente genocida da Colômbia. Vem com o propósito de explicar e vender o porquê das novas bases militares ianques no país neogranadino. Bases ianques na cabeça dos litorais pacífico e atlântico da América do Sul, no assento caribenho da América Central e das Antilhas. Isso vem explicar o mafioso Seu Varito.
Centenas de marines e funcionários ianques de guerra, associados a um governo paramilitar e substituindo com ganhos as bases que o Império perdeu no Equador de Rafael Correa. Militarização gigantesca fazendo limite com a Venezuela, aterrorizando à Bolívia, todo com o mesmo argumento de ajuda na guerra contra o tráfico. Guerra contra o tráfico financiada e com o controle militar do maior consumidor de droga, portanto, o maior derrotado pelo narcotráfico.
Que delícia para os fascistas que governam os Estados Unidos, e que independem de que o governo nortenho seja democrata ou republicano. Aliás, fascistas que têm obtido melhores resultados concretos nesta região sob administrações democratas que com governos descaradamente de ultra-direita como os de Reagan e dos Bush. A escalada do governo Obama sobre a região, dirigida pelos interesses multinacionais e sionistas, dirigida pela CIA e o Pentágono, declina da obamania que os meios de incomunicação da Sociedade Interamericana de Imprensa - SIP e suas orquestras de mentiras nos oferecem todos os dias. “O Cara” receberá ao Sicário do Império, o engendro de 60 anos de desgraça do povo colombiano. O padrinho político de Juan Manuel Santos, o filho pródigo dos cartéis da droga vem ao Brasil para orar sua ladainha de morte e destruição. Vem vender seu produto mais amado e seletivo, a morte com suas diversas variedades de morbidez, violência e truculência. A morte violenta planejada pelo Estado para exterminar, não só ao seu povo, quanto aos povos da região.
Por mais covardia diplomática, por mais entreguismo e dependência histórica, por mais abjetos planos neoliberais, por mais exploração de classe assimilada por um ex-operário advindo ícone das oligarquias, fazer sala com um fenômeno da morte como Uribe é uma afronta para o povo brasileiro e para qualquer outro. Esse sicário tem outras instâncias onde deve se explicar, antes de ser julgado na Haia ou onde o diabo mandar. Tem organizações decadentes e corruptas como a OEA e a ONU onde pode explicar esse ataque à paz na região, esse atentado contra a Soberania dos vizinhos, político e territorial. Há demasiadas instituições antipopulares onde Seu Varito Uribe pode explicar o inexplicável e, portanto, desnecessário de ser explicado. Recebeu uma ordem do seu Amo e a deve cumprir, a cumprirá, ponto. Para quê manchar este solo com sua presença.
Essa “rapidinha” que o mestre das moto-serras, o guru das Águias Negras dará em nossa terra, será justificada pelo pedido de explicações do Brasil ante a instalação das cinco bases militares ianques no norte do sub-continente. Precisam de explicação? Precisa de explicação o golpe de estado em Honduras? Precisa de explicação a incursão assassina da Colômbia no Equador, seguida de extermínio, em março de 2008? Precisa explicação a retirada aos empurrões e pontapés de Jean B. Aristide há já um bom tempo no Haiti e o estado no qual o país mais pobre da região se encontra (com o ilustre aporte do Brasil)? E as hordas brancas de Santa Cruz na Bolívia, e de agropecuaristas na Argentina; o extermínio de indígenas no Chile e no Peru, precisa de explicação? Precisa de explicação o holocausto sexagenário da própria população colombiana?
Porque se de fato existe outra explicação que não seja os miseráveis desígnios do Império, das oligarquias nacionais e das transnacionais, é bom que venha Seu Varito para oferecer alguma resposta que avalize a “caridosa missão” para a qual são necessárias cinco bases ianques na Colômbia. O governo de Álvaro Uribe já tem antiga procuração imperial para massacrar o povo neogranadino. Quem sabe, esta franquia não tenha aumentado e agora também possa e deva massacrar em toda a América Latina, contando com a irresponsável e suicida aceitação de alguns governos apátridas, traidores e capachos dos Estados Unidos. Esperamos que o governo Lula não cometa mais esse disparate de aceitar explicações inexplicáveis de um terrorista de Estado. Com as boas-vindas e as honras presidenciais, está bom demais para um delinqüente.

"Cadernos Soberania Comunicacional"


A P&N e o Portal Desacato começam a distribuir na quarta-feira, 5, a segunda edição do "Cadernos Soberania Comunicacional".