sexta-feira, 19 de agosto de 2016

“A PEC 241 é uma violência contra os direitos sociais”




Texto Marcela Cornelli

Foto de Clarissa Peixoto

A proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que congela os gastos públicos por 20 anos, foi encaminhada ao Congresso no dia 15 de junho pelo governo do presidente interino Michel Temer. Segundo o governo, a medida seria para economizar com gastos públicos para transferir dinheiro para o pagamento dos juros e do montante da dívida. “A PEC 241 representa uma violência contra os direitos sociais no Brasil e, na prática, corresponde à revogação do artigo sexto  da Constituição Federal.  Significa assumir, de vez, o privilégio da dívida pública sobre todos os direitos sociais, na medida em que congela, por 20 anos, a ‘despesa primária total’ ao valor gasto no ano anterior, corrigido pela variação do IPCA. Dessa forma, impede avanços, apesar da calamidade em que se encontram os serviços de saúde, educação, segurança, assistência, entre outros serviços essenciais à população”, afirma Maria Lucia Fattorelli, auditora fiscal e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida.

“Essa brutal restrição manterá congelados os gastos considerados ‘primários’. Já os gastos com juros e amortizações da dívida pública não estão sujeitos a qualquer limite. Todo o crescimento orçamentário, nos próximos 20 anos, se destinará aos gastos financeiros, garantindo-se uma transferência ainda mais expressiva de recursos aos gastos com a chamada dívida pública que nunca foi auditada”, diz Fattorelli.

Ela observa também que “ficaram livres do congelamento as despesas com aumento de capital de empresas estatais não-dependentes, que são sociedades de propósito específico que estão sendo criadas em diversos estados e municípios, a exemplo da PBH Ativos S/A, para emissão de debentures com garantia dos respectivos entes federados. Ou seja, tais papéis já nascem como ‘dívida pública’, apesar da flagrante ilegalidade dessas emissões. Chega a ser uma violência a tentativa de inserir no texto constitucional a garantia de recursos para tais empresas. Está configurado aí outro programa escandaloso de transferência de recursos para o setor financeiro”, pontua.

O ajuste fiscal está diretamente ligado à divida pública

Para Fattorelli, a política de “ajuste fiscal” ou “austeridade” se encaixa perfeitamente ao funcionamento do Sistema da Dívida. “O ajuste fiscal é obtido mediante o corte de gastos e investimentos públicos, o corte de direitos sociais, privatizações, além de aumento de tributos que recaem sobre os trabalhadores e os mais pobres. Toda a política econômica fica orientada para essas medidas que visam gerar uma sobra de recursos, o superávit primário, que se destina ao pagamento de juros da dívida pública brasileira.”, explica.

A auditora fiscal defende que “o verdadeiro ajuste deveria ser feito no pagamento dos juros mais elevados do mundo, pagos sobre uma dívida repleta de ilegalidades, ilegitimidades e até suspeitas de fraudes. Por isso, é tão importante lutar pela auditoria dessa dívida e mudar o rumo da política econômica para garantir vida digna para todas as pessoas”.

A dívida pública e a Reforma da Previdência

Fattorelli afirma que depois de gerada, essa dívida exige o contínuo pagamento de juros e encargos, que têm sido honrados às custas do ajuste fiscal, austeridade e cortes de direitos por meio de contrarreformas, entre elas a Reforma da Previdência.  “A relação é direta, porque a crescente exigência de recursos para o pagamento de juros e amortizações da chamada dívida pública sangra o orçamento público em todos os níveis, federal, estadual e municipal, e tem servido de justificativa para a implantação de reformas neoliberais, especialmente as sucessivas reformas da Previdência que retiram cada vez mais direitos dos trabalhadores”, alerta Fattorelli.

Desvincular receitas para obter mais dinheiro

Outra ameaça aos servidores e serviços públicos é o Projeto de Lei Complementar (PLP) número 257, de iniciativa do governo Dilma, e que tramita em regime de urgência no Congresso Nacional. O PLP 257, anunciado como “Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal” significa, na realidade, uma ampla reforma administrativa que inclui o corte de direitos dos trabalhadores e aposentados do setor público de todas as esferas; afeta os aposentados do regime geral ao prever a limitação do reajuste do salário mínimo, e restringe fortemente o tamanho do serviço público. 

Somado a tudo isso, também foi aprovado no Congresso Nacional o aumento de 20% para 30% da Desvinculação das Receitas da União. (DRU). Tudo isso, sem dúvida são vias de ajuste fiscal dos governos para o pagamento da dívida. E quem paga esta conta? A classe trabalhadora.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Somos todos terroristas





por Marcela Cornelli (texto e fotos)

Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. 
Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem. 
Bertolt Brecht 


A Lei número 13.260 de março de 2016, proposta e aprovada pelo governo Dilma Rousseff, que tipifica terrorismo no Brasil, faz de todo ativista, movimento sindical e social um alvo fácil de criminalização.

 Cumprindo determinações e pressões de organismos internacionais, a Lei foi aprovada permitindo uma vasta interpretação, com um nítido objetivo de criminalizar os movimentos e limitar as manifestações no País, principalmente em tempo de megaeventos esportivos e crise econômica. A Lei prevê penas de 12 a 30 anos de prisão, superiores a leis que já existem no Brasil e poderiam ser usadas para tipificar crimes englobados na Lei Antiterrorismo.

 “O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”, diz o artigo segundo da Lei.

 “Em épocas de crise, precarização do emprego, precarização dos serviços públicos, esta lei vem para cercear e evitar manifestações. A Lei servirá de instrumento para o Ministério Público, Poder Judiciário e Legislativo, ou seja, para as esferas de repressão institucionalizadas. É o controle social”, afirma Daniela Cristina Rabaioli, advogada popular integrante da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap/SC) e militante do Movimento Sem Terra.

 “Grupo de juristas avaliam que esta Lei é muito aberta, cabendo uma vasta interpretação. O objetivo é a desqualificação e deslegitimação dos movimentos. Por exemplo, diante das diversas formas que os movimentos sociais adotam para pressionar os órgãos públicos na implementação de políticas, como caracterizar o que será considerado terrorismo?”, avalia a advogada. Uma questão relevante são os ditos “atos  preparatórios” que “mesmo que a ação não seja consumada, a pessoa pode ser enquadrada na Lei por ter participado da organização de determinada ação”, completa Daniela.

 A advogada recorda que uma das principais motivações para a proposta da Lei foi a pressão de um organismo internacional,  o GAFI (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo). O GAFI foi criando em 1989 para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento de terrorismo, por iniciativa dos países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), da qual o Brasil faz parte. 

A implementação das suas recomendações no Brasil fica a cargo do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão submetido ao Ministério da Fazenda. Ou seja, “os interesses que aparentemente seriam para evitar ataques terroristas nos megaeventos a exemplo das Olimpíadas, que teriam levado ao projeto de lei ter tramitado em regime de urgência no Congresso, têm como pano de fundo questões econômicas. O não cumprimento das diretrizes do GAFI poderia levar à inclusão do Brasil em uma espécie de lista que indicaria alto risco nas transações financeiras”, reforça Daniela. 

 “Nos últimos anos, vimos um aumento na criminalização dos movimentos sociais, usando como justificativa leis que são manipuladas de acordo com a necessidade de controle do Estado e dos interesses de quem ele realmente representa. As violações de direitos humanos não seguem a lei, como foi o caso de Rafael Braga, preso nas jornadas de junho de 2013 por portar uma garrafa de pinho sol, que, comprovadamente, não tinha combustível, mas mesmo assim ele ficou preso. Também é o caso agora das denúncias de violência policial e remoções forçadas na cidade olímpica”, observa o Movimento Passe Livre Floripa, que falou à revista Previsão. “A luta por direitos sociais, a resistência à ações que culminam em perdas de direitos e a busca por justiça social vão continuar. O uso dessas formas de poder, só tendem a aumentar a nossa resistência nas ruas. Quanto mais visível se tornar a opressão, mais pessoas se indignarão com as injustiças”, defende o MPL Floripa.
 
“A classe trabalhadora nunca teve paz nesse País”

 “Entendemos que a Lei Antiterrorismo é mais uma tentativa de cercear a livre organização e reivindicação dos trabalhadores. Embora, por pressão dos movimentos organizados, a Câmara dos Deputados tenha retirado do texto da lei a parte que citava os movimentos sociais e políticos, isso não garante que a Lei não possa ser usada contra a livre manifestação dos trabalhadores”, diz Heloisa Helena Pereira, dirigente do SindSaúde e da Intersindical.

 “Vivemos um momento bastante grave da conjuntura e de intensificação da luta de classes. Nesse contexto, a criminalização dos movimentos sociais também se intensifica e, encontra nesta Lei, o arcabouço jurídico necessário ao grande capital, para intimidar e reprimir ainda mais seus opositores”, reforça Heloisa.

 “A classificação de terrorismo como ‘atos cometidos com a finalidade de provocar terror social”’ ou que atentem contra a “‘paz pública’ é algo bastante vago. A quem serve caracterizar o atual estado de coisas como ‘paz pública’? Que paz tem os trabalhadores e trabalhadoras em suas casas ou nas ruas das periferias do País? A classe trabalhadora nunca teve paz nesse País, pois a vida é de luta cotidiana pela sobrevivência e contra a exploração de classe e suas sequelas”.
 
Retrocesso no direito de manifestação

 “Esta Lei é um grande retrocesso no direito de manifestação e de organização da classe trabalhadora e da juventude. É o maior retrocesso no País desde o cerceamento das liberdades democráticas com a ditadura militar. Isso foi feito pelo governo de Dilma e do PT com o apoio do PMDB, do PSDB e de todos os reacionários de plantão do Congresso Nacional. O mesmo PT que hoje se diz vítima de um golpe, mas que no bem da verdade, o verdadeiro golpe ele ajudou a dar com a Lei Antiterrorismo”, afirma Daniel Silveira, da CSP-Conlutas. “O PT deixou como herança inúmeros ataques na saúde, educação, previdência social e em diversas outras áreas sociais e agora também esse retrocesso nos direitos democráticos que será utilizado quando necessário pelo atual governo Temer”, completa.

 “O que garante que uma greve considerada ilegal pela justiça ou considerada como tendo uma reivindicação não enquadrada com ‘o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais’, ou que adquira uma postura radicalizada como uma ocupação, não vire crime de terrorismo? Nada! Podemos confiar na justiça? Não”, alerta Daniel.

 “Desde os protestos de junho de 2013, que foi acompanhado por um importante ascenso grevista, os movimentos recentes de mulheres, ocupações de escolas por secundaristas, primeiras ocupações de fábricas por operários, como a da MABE, e incluindo os importantes ascensos de luta contra governos estaduais, como vimos no Paraná e no Rio de Janeiro, vivemos junto em resposta uma escalada da criminalização dos movimentos. O pacote de medidas exigido pela crise econômica para não prejudicar as taxas de lucro dos bancos e grandes empresas é muito amargo para os trabalhadores e a juventude. Os governos de plantão estão dispostos a aplicá-lo e sabem que vão ter respostas do movimento de massas. Por isso, se armam com uma legislação antidemocrática”, enfatiza Daniel. “Acreditamos que não existe outro caminho a não ser exigirmos a revogação dessa Lei. Não tem como melhorar algo que não tem nada de positivo”, finaliza.