segunda-feira, 26 de junho de 2023

Beth Nogueira, repórter

 

Foto: Rosane Lima

Beth Nogueira, nascida em Pelotas, fez grande parte do seu caminho como jornalista em Florianópolis, SC. Repórter, redatora, editora, sempre foi reconhecida entre os colegas por sua firmeza, tranquilidade, cultura e tenacidade. Guria insistente e persistente tem grande apreço pela língua portuguesa e pela informação bem checada. Ela é a oitava entrevistada do Projeto Repórteres SC. 

Beth começou sua carreira ainda estudante de jornalismo atuando como repórter de rádio e foi nas rondas matinais ao vivo que aprendeu a dar valor à reportagem, esse processo profundo de colher a informação e depois lapidá-la em texto garantindo a universalidade dos fatos. Em Santa Catarina passou pela sucursal do Santa, depois pelo Jornal O Estado e Diário Catarinense, além de produzir os encartes estaduais da Revista Veja e outras tantas publicações.

Ela entrou no jornalismo a partir de cálculos bem racionais, não gostava de matemática e fazia boas redações. Assim, entre tantas coisa na área de Humanas, o jornalismo calhou. Ao longo de sua história na área foi aprendendo os macetes e hoje se decepciona um pouco com a qualidade do jornalismo praticado. Aos jovens que iniciam carreira ele recomenda que leiam muito, que tenham curiosidade em aprender e sejam capazes de conhecer os temas antes de fazer entrevistas, porque isso enriquece o texto. 

Com tantas memórias para contar Beth esqueceu de falar na entrevista sobre o seu papel na luta sindical, dentro da categoria dos jornalistas. Mas, é bom que se saiba, ela atuou na retomada do Sindicato dos Jornalistas pela esquerda e fez parte de várias diretorias, sempre buscando o melhor para os colegas. Quando seu nome é pronunciado não há quem não tenha uma boa lembrança cheia de carinho e respeito. 

A Beth é essa mulher decidida, persistente e atenta. Conheçam sua história. 


sábado, 24 de junho de 2023

Vídeo traz imagens da primeira ocupação organizada em Santa Catarina

Texto de Miriam Santini de Abreu

A jornalista Elaine Tavares, do blog Revista Pobres & Nojentas, conseguiu recuperar imagens inéditas da mobilização que levou às primeiras ocupações organizadas em Santa Catarina. A filmagem foi provavelmente feita pelo fotógrafo Lúcio Giovanella, falecido em 2017. Nela aparecem pessoas fundamentais na luta por moradia em Santa Catarina, como a arquiteta Elisa Jorge, o arquiteto Loureci Ribeiro, o padre Vilson Groh, a irmã Ivone Perassa e o ex-vereador Lázaro Bregue Daniel.

As ocupações dos anos 1990 são analisadas em uma série de 13 entrevistas do Projeto Escritos em Movimento, feitas pela jornalista Míriam Santini de Abreu e pelo jornalista Rubens Lopes e disponíveis em http://escritosemmovimento.blogspot.com

Nos anos 1980, a articulação nacional pela reforma urbana que o país vivia tomou corpo em Florianópolis. Em 14 de setembro de 1984, cerca de 40 pessoas acamparam na frente do Palácio do Governo de Santa Catarina, exigindo o direito à moradia, em uma articulação que pela primeira vez visibilizou os sem-teto como um movimento.

Na edição daquele dia, a notícia sobre a ocupação recebeu, no jornal O Estado, o título “Grupo de desempregados vai ao Palácio pedir auxílio”. O texto, na sua condição de registro inaugural de um movimento então recém-iniciado, realça aspectos daquele período histórico, como a condição de ex-lavradores dos ocupantes, e suas reivindicações, estreitamente relacionadas com a impossibilidade do viver cotidiano, com o qual o Estado, em relação àquelas pessoas, não queria se comprometer:

Desesperados e revoltados com sua situação, um grupo de 20 pessoas foi, ontem pela manhã, até o Palácio do Governo pedir ajuda ao Governador Esperidião Amin. São ex-lavradores vindos do interior do Estado que não têm casa, emprego e alimentos, e que no fim do seu êxodo não encontraram maneira de sobreviver na Capital. 

[...]

Não encontrando emprego na Capital (...), estas famílias levaram uma série de reivindicações ao Governador: um lugar para morar; um pouco de madeira para construir seus barracos (...); emprego na Comcap, Prefeitura ou DNER ou qualquer outro lugar; escola para crianças; assistência médica e alimentação para recomeçar a vida.

[...]

O Chefe da Casa Civil mostrou-se surpreso com a lista de pedidos afirmando que “o Governo não pode resolver seus problemas. Ajudamos vocês, mas amanhã vêm outras pessoas pedindo casa e comida. O que eu posso fazer é encaminhá-los à Secretaria de Desenvolvimento Social para serem cadastrados para que encontre uma solução. “Explicou ainda que a reivindicação é difícil de atender, pois afinal, é um exagero querer escola, assistência médica e casas. Nós não temos condições de dar nada disso. Vocês não deveria (sic) ter saído de onde moravam sem emprego certo e casas. Por isso acho que agora o problema é de vocês”. Nesse instante, Assis Filho [Chefe da Casa Civil] foi ajudado pelo Chefe da Casa Militar, Coronel Saulo Nunes de Souza que afirmou: “Vocês não estão sendo orientados pelos padres, então mandem a Igreja dividir suas terras. Vão pedir um lugar nas terras do Bispo de Chapecó, Dom José Gomes porque o Estado não tem. 

[...] (GRUPO... O Estado, 14 set. 1983, p. 2). [Uso das aspas como no original]

Seis anos depois, em julho de 1990, o movimento coordenou a primeira ocupação organizada de terras na capital catarinense, em um terreno público às margens da Via Expressa – ligação rodoviária entre a BR-101 e a Ilha – onde hoje está o bairro Monte Cristo, na porção continental, que foi chamada de Ocupação Novo Horizonte. Segundo o professor Francisco Canella, os conflitos, que inicialmente aconteciam de forma mais isolada, foram adquirindo maior organicidade quando as lideranças de diferentes  localidades  passaram  a  se organizar:

As ações passaram a ser mais e mais conjugadas ao esforço de atores ligados à Igreja Católica (pastorais e CEBs) de organizar esses moradores pobres. Esses atores da Igreja, que possuíam grande inserção junto aos moradores dos bairros onde se desenrolavam os conflitos, funcionavam efetivamente como mediadores, pois faziam a ligação desses moradores com outros setores da sociedade (tais como universidade, advogados, militantes de outros movimentos, sindicatos) que através da imprensa, divulgavam sua causa e pressionavam a prefeitura. Com forte influência do discurso da Teologia da Libertação, focado na justiça social, o movimento assumiu um caráter politicamente progressista e, em pouco tempo, passou a protagonizar ações de enfrentamento com a prefeitura e outros órgãos públicos. Numa postura mais agressiva, superando a mera resistência às ações de despejo, o grupo que se organizava em torno do CAPROM [Centro de Apoio e Promoção do Migrante] fez a opção pelas ocupações organizadas (CANELLA, 2015, p. 223-4).

Apresentou-se então, explica o professor Lino Peres, naquele contexto/período, um processo de ocupação territorial para garantir de forma imediata a terra e as condições mínimas de habitabilidade diante da impossibilidade de se ter acesso, pelas vias formais, à moradia. No primeiro momento, a ocupação se dá de forma irregular, pela auto-construção da moradia, em que o imediato e urgente são a regularização da terra e o acesso ao trabalho e, em segundo lugar, aos serviços urbanos mais cotidianos. No segundo momento, quando ocorre a regularização da terra ou desaparece o perigo imediato de despejo, a infraestrutura e os serviços são vistos e tratados de forma diferente, já como processos consolidados, assim como a moradia:

A moradia começa a ser entendida como pertencimento, lugar de identificação psicossocial, onde a necessidade de melhoria definitiva das condições de habitabilidade cobra sentido ambiental, estético e construtivo, claro que regidos pela disponibilidade de recursos; a partir daí, são progressivos (PERES, 1994, p. 622). 

No terceiro momento, a preocupação com a melhoria urbana e da moradia ocupa um lugar central; no quarto, o assentamento auto-construído tende a ser incorporadao à malha urbana e pouco a pouco a área em questão já não é mais considerada marginal pelo Estado e as elites e passa a integrar a cidade. Esse é o caso das comunidades do Monte Cristo, bairro onde ocorreu a ocupação mostrada no vídeo.

Aquela ocupação histórica de 1990 teve, além da cobertura do jornalismo tradicional, também a de um veículo importante naquele período, o Jornal das Comunidades,, que enfatizou, na chamada de capa, sob a manchete “OCUPAÇÃO”, a ideia de resistência diante de uma vida cotidiana onde o uso pleno da cidade é impedido:

Cem famílias sem terra, sem teto e sem medo escreveram um pedaço de História, com as próprias mãos, na madrugada fria de 28 para 29 de julho. Ocuparam um terreno baldio da Cohab, no Pasto do Gado às margens da Via Expressa, em Florianópolis. Foi a primeira ocupação organizada de áreas urbanas de Santa Catarina. E eles querem fincar pé naquela terra. 

– Somos nós que construímos esta cidade, mas até agora não nos deram o direito de morar dignamente. Por isso, decidimos: OCUPAR, RESISTIR E CONSTRUIR.

A ocupação é a última saída para os 40 mil sem-teto da Capital, que vivem no sufoco do aluguel, no aperto dos cortiços e sob a ameaça dos despejos (OCUPAÇÃO, jul./ago. 1990, p. 1).

Do Jornal das Comunidades, publicação da então Coordenação da Comissão de Associações de Moradores de Florianópolis, há oito edições impressas entre maio de 1989 e dezembro de 1990. A tiragem era de 3 mil exemplares distribuídos em comunidades do Maciço do Morro da Cruz e em bairros onde havia ocupações de famílias de baixa renda.

Nos anos seguintes, novas ocupações ocorreram, processo que perdeu força a partir de 1993, em função de divisões internas do movimento e das expectativas criadas com a eleição e gestão da Frente Popular (PPS, PT, PCdoB, PCB, PSB, PDT, PSDB e PV) em Florianópolis, entre 1993 a 1996. 

Nas duas décadas seguintes, o crescimento populacional de Florianópolis foi acompanhado também pela agudização do chamado déficit habitacional,. É neste contexto que 2012 marca o que o professor Francisco Canella define como o segundo ciclo de ocupações organizadas na área conurbada de Florianópolis (com São José, Biguaçu e Palhoça), com a 1) Ocupação Contestado, no município de São José, em novembro de 2012; 2) Ocupação Palmares, na Serrinha, localizada no Maciço do Morro da Cruz, em Florianópolis, em 2013; 3) Ocupação Amarildo de Souza, no bairro da Vargem Pequena, Norte da Ilha de Santa Catarina, a maior delas, em 2013. 

Atualmente, há uma série de outras ocupações na região, com milhares de pessoas na luta por moradia em uma realidade na qual os imóveis para comprar ou alugar estão entre os mais caros do país. Por isso a importância do vídeo recuperado e divulgado pela jornalista Elaine Tavares, expressando um momento singular de luta coletiva em Florianópolis que conquistou a moradia.

Fontes:

CANELLA, Francisco.  Cidade turística, cidade de migrantes: movimento dos sem-teto e representações sociais em Florianópolis (1989 - 2015). Revista Libertas On-Line (Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade de Juiz de Fora - MG). v. 15, n. 2, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/libertas/article/view/18457 Acesso em: 23 jun. 2023.

CANELLA, Francisco. O movimento dos sem-teto em Florianópolis: mudanças no perfil dos atores e práticas (1990 – 2013). Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 50, n. 2, p. 268-288, dez. 2016. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-4582.2016v50n2p268/33925. Acesso em: 23 jun. 2023. 

GRUPO DE DESEMPREGADOS VAI AO PALÁCIO PEDIR AUXÍLIO. O Estado. Florianópolis (SC), 14 set. 1984, p. 2.

OCUPAÇÃO. Jornal das Comunidades. Florianópolis (SC), jul./ago. 1990, nº 6, p. 1.

PERES, Lino Fernando Bragança. Crisis de un patron de desarrollo territorial y su impacto urbano-habitacional en Brasil (1964-1992): la punta del iceberg: los “sin-techo” en la region de Florianópolis, SC. Tesis apresentada à Facultad de Arquitectura  da Universidad Nacional Autonoma de Mexico. Mexico, 1994.

PERES, Lino Fernando Bragança. Da crise do padrão habitacional de grande escala à expansão das periferias urbanas: os sem-teto como a ponta do iceberg do processo de segregação e exclusão sócio-espacial. In: Encontro Nacional da Anpur, 6, 1995, Brasília. Anais... Brasília: ANPUR, 1995. p. 106-125. Disponível em: http://anpur.org.br/project/anais-do-vi-encontro/. Acesso em: 23 jun. 2023.


quarta-feira, 21 de junho de 2023

Beth Nogueira é a oitava entrevistada do Projeto Repórteres SC

 








O primeiro dia de inverno recebeu a jornalista Beth Nogueira para mais uma edição do projeto Repórteres SC. Na esplanada da Catedral, com um leve ventinho gelado, Beth contou de sua infância em Pelotas, dos tempos de introspecção grudada em revistas e livros e da sua escolha pelo jornalismo. Ela começou na profissão nos anos 1970, em uma revista/agência chamada Jack Rubens, quando ainda era estudante. Depois, conseguiu emprego numa rádio e foi neste veículo que começou a vida de repórter, pegando ainda um bom tempo da ditadura.

Em Santa Catarina seu primeiro trabalho foi no bom e velho Santa (atuou na sucursal), passando depois pelo O Estado e Diário Catarinense. De personalidade firme e algo teimosa, sua marca registrada sempre foi justamente a capacidade não aceitar tudo como verdade. Sempre há que investigar. No Diário, fazia o trabalho de redatora e subeditora, funções que praticamente nem existem mais no jornalismo. 

Beth falou de um tempo de ouro do jornalismo, no qual o trabalho em equipe fazia toda a diferença. Também ressaltou a importância de se oferecer ao leitor um texto preciso, bem escrito e com as informações corretas. Meticulosa, sempre deu o seu melhor. Ao logo de toda a sua caminhada no jornalismo ainda ela ainda fez assessoria e produziu várias outras publicações. Beth contou histórias e se emocionou ao lembrar toda a beleza que é a trajetória de uma vida.  

As fotos são de Rosane Lima e a filmagem de Felipe Maciel Martínez.