domingo, 31 de maio de 2009

A Serra em mim X – Paraty produto?







Cantos de Paraty

Míriam Santini de Abreu

Um mal-estar, quase uma irritação, cresceu em mim feito uma onda no primeiro dia em Paraty, no sul do Rio de Janeiro. O motivo foi a forma como tudo ali, especialmente no Centro Histórico, é organizado de forma a provocar uma certa impressão em quem chega. A impressão de se estar em um cenário, e não na vida real. A isso se somava o fato de, naquele dias de fevereiro, a cidade abrigar o Bourbon Festival Paraty, com jazz, blues e soul, com bandas do Brasil e dos Estados Unidos. Havia muito turista na cidade, boa parte desembarcada de navios vindos do exterior. Foi no segundo dia que consegui me desvencilhar daquela primeria impressão, até porque, no segundo dia, a gente já se sente um pouco da cidade, e cumprimenta até o atendente do supermercado.


Ouvi muito em Paraty observações sobre o tipo de turista que a cidade deseja. Nada diferente do que se houve em Florianópolis, que, na ótica do governador Luiz Henrique da Silveira, só deveria ser destino de quem têm muito dinheiro para gastar. Também em Paraty o “trade turístico” quer atrair europeus, asiáticos e norte-americanos. A justificativa é que a cidade histórica, que foi descoberta nos anos 1980, recebeu gente demais, o que afetou a infra-estrutura e a manutenção do patrimônio histórico. Então, a idéia agora é “selecionar” o turista.


Isso faz emergir uma série de questões, porque dá somente a quem tem muito dinheiro a possibilidade de desejar ver, estar, sentir, caminhar “al di là”, o que está depois dos lugares visíveis, o que está além do além.


O fato é que esse desejo, que é da raça, é do humano, quando apropriado pelos tentáculos do sistema capitalista, vira, como tudo o mais, mercadoria.

***

Por isso hoje se diferencia o turista – que “conhece” toda a Europa em 10 dias - do viajante, que imerge no lugar outro onde está. Mas pesquisei e descobri que mesmo essa diferenciação já foi apropriada pelo mercado. O artigo de Ana Selva Castelo Branco Albinati, “NO SERTÃO E VEREDAS DE GUIMARÃES ROSA: O ESTÉTICO NA LITERATURA E O ESTÉTICO NO TURISMO”, disponível em
http://www.turismo.pucminas.br/r1n1/artigo_12.pdf , revela como isso se dá. Ela cita Ana Fani Carlos ao dizer que “o turismo não proporciona o conhecimento do lugar, mas sim o seu reconhecimento através de imagens selecionadas que se tornam ícones, que representam o lugar, o que significa um empobrecimento violento da própria experimentação estética à qual o turista se propõe. Como fenômeno de massa, a viagem de turismo só pode se organizar de forma `industrial`, em série, transportando para o lazer os mesmos princípios de racionalização da qual pretensamente se quer fugir. Vende-se, na verdade, um certo modo de ver [...] Esse empobrecimento da experiência estética proporcionada pela atividade turística é objeto de reação por parte daqueles que querem, porque podem, se distinguir da massa de turistas, reclamando para si o título de viajantes, cuja métrica é a experimentação diferenciada do lugar”.

A autora observa que tal diferenciação foi retratada por Cecília Meireles em Crônica de viagens, da qual destaca o ensaio Roma, turistas e viajantes: “Grande é a diferença entre o turista e o viajante. O primeiro é uma criatura feliz, que parte por esse mundo com a sua máquina fotográfica a tiracolo, o guia no bolso, um sucinto vocabulário entre os dentes: seu destino é caminhar pela superfície das coisas, como do mundo, com a curiosidade suficiente para passar de um ponto a outro, olhando o que lhe apontam, comprando o que lhe agrada, expedindo muitos postais, tudo com uma agradável fluidez, sem apego nem compromisso, uma vez que já sabe, por experiência, que há sempre uma paisagem por detrás da outra, e o dia seguinte lhe dará tantas surpresas quanto a véspera. O viajante é criatura menos feliz, de movimentos mais vagarosos, todo enredado em afetos, querendo morar em cada coisa, descer à origem de tudo, amar loucamente cada aspecto do caminho, desde as pedras mais toscas às mais sublimadas almas do passado, do presente e até do futuro – um futuro que ele nem conhecerá”.


Outro autor citado por Ana Selva Castelo Branco Albinati é Hans Enzensberger, que chama a atenção para as raízes espirituais do turismo moderno no romantismo do século XIX: “a busca da liberdade em uma sociedade progressivamente racionalizada identificada pelos românticos na vida fora das regras, na natureza idealizada e na nostalgia da história foi apropriada pela atividade turística. No entanto, estas imagens que traduzem o anseio de liberdade, ao serem apropriadas são pervertidas pela lógica comercial da atividade turística, gerando assim a sua contradição mais própria que é a necessária falseação do produto oferecido: o não-lugar, a não-liberdade, a não-fruição, a não-autenticidade, etc”.


O mercado passou a oferecer, então, o chamado turismo alternativo, buscando capturar pessoas que desejam viajar, mas não querem fazê-lo na perspectiva do turista comum. Albinati faz a crítica a isso: “Dito assim, de forma provocativa, o que se quer ressaltar é a impropriedade de se pensar um turismo alternativo a não ser como mais um segmento no interior do mercado de turismo. O turismo alternativo não tem condições de se apresentar como alternativa ao turismo convencional no sentido de substituí-lo ou negá-lo, mas tão somente de ser incorporado como um segmento que atende a um público específico, provavelmente mais sofisticado, mais sensível, mais intelectualizado, e evidentemente, que possa pagar. Dessa forma, uma opção de turismo que se apresente como uma recuperação do sentido da viagem contém dois aspectos a serem repensados: primeiro, o fato de que não tem condições de ser alternativo no sentido de eliminar ou superar o turismo convencional, e em segundo lugar, a legitimidade dessa alteridade turista-viajante que não é absoluta e que recai no preconceito de que apenas alguns são suficientemente capazes, sensíveis e cultos para vivenciar a viagem. Reescrevendo Sartre: os turistas são os outros”.

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O fato é que aparece um estranhamento quando calha de a gente poder ir além do além, especialmente para lugares que viraram produto. Talvez a palavra que melhor possa definir esse desejo de também ir além do que se espera do turista e do viajante seja a que designa o viandante, diz a jornalista Elaine Tavares. Seguir a pé pelos caminhos, sabedor de que viajar e viver não são gestos precisos. Ou então a gente pode ser apenas andarilho. Mas, para isso, haveríamos de partir apenas com um embornal e um cajado, sem reservas em hotéis nem passagens garantidas, e, à noite, parar num lugar qualquer, acomodar o corpo cansado e bradar, como fazia o jornalista Marcos Faerman: - Estalajadeiro!!!

A Serra em mim IX – FlânerieParaty

Em Paraty, flâneur, apenas.

sábado, 30 de maio de 2009

Nós em duas línguas

Míriam Santini de Abreu
Chove em Florianópolis nesta noite de sábado, e sei que muitos amigos queridos estão na faina diária de produção de textos. O Raul Fitipaldi tem faina dupla, porque traduz textos nossos para o espanhol, como dá para conferir na página do Portal Desacato (clique no logotipo na coluna da direita). Assim vamos ao mundo virtual em duas línguas. Muito nojento!

A Serra em mim VIII – Paraty

Igreja de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito

Sala da pousada no Largo do Rosário

Míriam Santini de Abreu

Uma parte fugidia da minha alma, eu a encontrei em Paraty [RJ] no quente fevereiro. Desde então não se passa dia sem que eu me deseje lá, toda líquida na baía que a banha, toda sólida na maciça Serra da Bocaina, sob a qual Paraty adormece e amanhece.

***
A pousada em que eu e Pepe pousamos era mui cheia de anos, localizada no Largo do Rosário, parte do Centro Histórico. A dona era uma professora aposentada que – contou-nos ela – ia para a escola a cavalo, e tinha a fama – contaram-nos outros – de a mais severa mestra de Paraty. Deu-nos a chave do quarto e da pousada e disse: - Fiquem à vontade.
Chovia quando, já noite, a cidade ficou totalmente às escuras. Pousada vazia, apenas nós de hóspedes, e a nossa professora não havia ainda chegado em casa. Saímos às ruas com um velho guarda-chuva e, numa esquina, paramos. Será que havíamos flagrado Paraty numa curva do tempo, séculos atrás, ainda iluminada por lampiões? Quase nada se via, a não ser as velas nos bares e restaurantes, e as vozes animadas e expectantes.
- E a luz?!
E então ela veio. Animamo-nos, e nossos pés molhados nos levaram para as ruelas estreitas e pararam na frente da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, onde havia missa. Construção de 1725 inicialmente feita para os escravos. Eu estava em um estado numinoso, também porque, num dos bancos atrás de mim, sentara-se uma velha mulher, pequena, de cabelo branco e espesso, o rosto sulcado, vestida com uma saia longa e uma blusinha branca. Eu a olhava e ela retribuía o olhar, com um sorrisinho cúmplice. Na noite seguinte eu e Pepe voltamos à igreja para a missa e ela novamente estava lá, desta vez perdida em si mesma.

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Com aquela mulher fiquei eu, mansa e ardentemente presa em Paraty.

A Serra em mim VII – Paraty


Míriam Santini de Abreu

Espelhos me assustam e me fascinam. Mirando-se neste velho espelho numa antiga fazenda de Paraty, quantas mulheres terão se penteado, sorrido, chorado, envelhecido?

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Para que uma conferência não seja apenas uma cenoura

Leia artigo de Raul Fitipaldi em http://revistapobresenojentas.wordpress.com/

Meus homens do Passo Fundo

Elaine Tavares
Eles eram quatro, como os cavaleiros do apocalipse: Conquista, guerra, fome e morte. Cada um deles com seu furacão interior. Um era tormenta, outro fúria, um era riso e outro doçura. Nos dias e noites de Passo Fundo, no interior do Rio Grande, eram meu esteio, minha casa, meu amor. Ora me protegiam, ora me colocavam a perder. Cerveja, música, aventuras, vinho, trabalho, futebol, rancheiras. Éramos siameses de cinco cabeças. Aonde um ia, os outros iam atrás. Kapa, Gilmar, Bozó e Gildo. Irmãos, pais, amigos, amores. Sem eles, a vida era gris.
Pois então eu fui embora fazer faculdade. Outro estado, outro lugar. Eles ficaram no Passo Fundo, torcendo para que tudo me sorrisse. Porque eram assim. Só queriam que eu fosse feliz. Por isso ninguém ficou triste. A vida passou, os anos escoaram pelo ralo do tempo e a gente não mais se viu. Mas, no fundo do peito aquele amor imenso sempre ficou igual. Eles eram meus príncipes, meus furiosos cavaleiros, e viviam em mim.
Dia destes, passados 22 anos, eu voltei a Passo Fundo. Levava um frio na espinha, um medo gigante, de que não mais fôssemos os mesmos. De que algo se tivesse quebrado. E foi assim, suando frio que esperei o Gilmar em frente à biblioteca da UPF. Até que o vi, caminhando seu passo cadenciado, magrinho, do jeito como sempre fora. Lá no meio da rua ele abriu os braços e eu soube que tudo era como antes. A dobra do tempo não acontecera. Aninhada em seu peito eu encontrava o velho irmão, o companheiro. A mesma ternura, a mesma cumplicidade, a mesma intimidade.
Quando veio a noite, trouxe com ela o Kapa, meu príncipe, e o Bozó, amado. Tudo igual. Nada mudara. O mesmo abraço, o mesmo beijo, a mesma sensação de completo aconchego. Não havia espaço para o medo. Os anos não haviam apagado aquilo que nós éramos. Só o Gildo não apareceu, perdido que anda por outras plagas deste grande país. Mas os meus amigos ali estavam, mais velhos é certo, com o mesmo profundo e “imorrível” amor. E na noite fresca , aninhados na casa do Gilmar, entre suas delicadas lembranças, nós quatro festejamos – com o macarrão da Rosângela e o bom vinho gaúcho - aquilo que segurou o tempo devorador de gente: o amor verdadeiro que sempre sentimos um pelo outro. Hoje, frente ao mar do Campeche eu agradeço aos deuses, porque um dia me levaram a Passo Fundo e me fizeram encontrar esses homens lindos, que me fizeram melhor!
Aos meus cavaleiros, todo meu amor!

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Professor colombiano é preso no México

Elaine Tavares

Enquanto a mídia entreguista faz alarde sobre as ações de governos como de Hugo Chávez, na Venezuela, e Rafael Correa, no Equador, que se dispuseram a dar um freio ao sistema de propaganda do sistema promovido pela mídia comercial dos seus referidos países, praticamente nada fala da clara tendência fascista de países como México e Colômbia, que têm promovido impunemente o terrorismo de estado. Tanto no governo de Calderón como no de Uribe, o processo de criminalização dos movimentos sociais se agiganta, quando não ocorrem assassinatos e desaparições.

A última ação protagonizada pelos dois países envolve um estudante colombiano que fazia pós-graduação na UNAM, México: o sociólogo Miguel Angel Beltrán. Pois este jovem foi sumariamente preso e – em tempo recorde – deportado para a Colômbia sob a acusação de ter “ligações” com as FARCs e Raul Reys, o líder guerrilheiro morto em uma ação orquestrada pelos Estados Unidos. Segundo autoridades mexicanas, as informações do “envolvimento” do sociólogo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia foram prestadas pelo governo colombiano com quem o país tem estreita colaboração. Isso mostra o quanto o velho sistema inaugurado pelos Estados Unidos de espionagem e delação dos lutadores sociais continua mais vivo do que nunca. A doutrina da contra-insurgência inaugurada nos anos 60 para “caçar comunistas” segue a pleno vapor, passando inclusive por cima de todas as leis nacionais e internacionais. A criminalização das lutas sociais hoje é o substituto legítimo da caçada comunista dos tempos da guerra fria.

A prisão

A detenção - e deportação - de Miguel Angel se deu no momento em que ele foi renovar seus papéis no setor de migração. Segundo dirigentes do Instituto Nacional de Migração mexicano, a prisão se deu porque o sociólogo resistiu à expulsão. O que eles não disseram é que ao se apresentar com um advogado da UNAM para dar entrada aos trâmites de renovação do visto, no bairro de Polanco, Miguel foi imediatamente separado do profissional e levado para um bairro vizinho onde ficou incomunicável, sem poder fazer sequer uma chamada telefônica, o que configura, no dizer da professora Raquel Sosa, orientadora do sociólogo na UNAM, “uma grave violação dos direitos humanos por parte dos governos de ambos os países”.

Todo esse trâmite se deu em poucas horas e no dia seguinte o sociólogo Miguel Angel já estava num avião rumo a Bogotá. E, ao contrário do que disseram as autoridades mexicanas, na Colômbia a polícia afirmava que a prisão tinha sido feita graças a “valiosa cooperação” que existe entre os dois países para coibir delitos. As acusações que pesam sobre o sociólogo são a de ser muito chegado a Raul Reys e de administrar recursos para ações terroristas. As provas – dizem – estão no mui famoso computador que se salvou “por milagre” na ação em que acabou morto o líder das FARC.

Miguel Angel Beltrán é professor da Universidade Nacional da Colômbia e já havia feito seu doutorado no México com uma tese sobre o movimento de libertação nacional de Lázaro Cárdenas. Atualmente fazia um pós-doutorado enfocando a sucessão presidencial no México em 1933-1934. Estar afinado com as questões sociais e políticas da América Latina foi “a prova” apresentada de que o professor é perigoso e subversivo. Já para sua orientadora na UNAM, Miguel nada mais é do que uma pessoa totalmente dedicada à investigação acadêmica, não estando ligado a nenhuma atividade política.

As conseqüências

Não é de hoje que a imprensa internacional alternativa vem divulgando as ações de terrorismo de estado intensificadas pelo governo de Álvaro Uribe na Colômbia. Além da sistemática atuação dos grupos paramilitares e das milícias do narcotráfico contra camponeses e lideranças sociais, há um ataque metódico contra todo e qualquer pensamento crítico, o que torna os universitários e intelectuais figuras altamente “perigosas” para o regime de exceção deste país, ocupado pelos marines estadunidenses em parceria com a elite entreguista.

Segundo os colegas de Beltrán no México, o professor está sendo perseguido por ter tido um passado de luta no seu país. Quando jovem foi militante da União Patriótica, uma organização de esquerda praticamente exterminada nos anos 80 pelos governos-marionetes de plantão. Hoje, mesmo com a vida totalmente entregue aos estudos e ao ensino, o sociólogo segue sendo estigmatizado, tal qual outros intelectuais do país, sendo perseguido por sua visão crítica, acusado de terrorista. É que na Colômbia ocupada, qualquer um que não pense como o governo quer que pense, imediatamente é rotulado de terrorista.

Para quem não sabe, a luta anticapitalista e pela libertação da Colômbia existe desde o início dos anos 50, quando vários grupos se armaram para defender a pátria jogada num caos político pela ação da direita, com o assassinato de Jorge Gaitán, então candidato presidencial. Desde aí, o país vem sendo governado por governos títeres dos Estados Unidos que seguem a ferro e fogo a política de extermínio de qualquer dissidência crítica. Ainda assim, vários grupos insurgentes seguem resistindo, armados, numa luta que está longe do fim. A Colômbia hoje é um espaço geográfico estratégico na geopolítica estadunidense uma vez que faz fronteira com a Venezuela, o Equador e A Amazônia brasileira.

Não é sem razão que o governo de Álvaro Uribe segue a cartilha contra-insurgente dos Estados Unidos que tem como ponto principal a aniquilação total do inimigo. E isso pressupõe não só a destruição política, mas da vida mesma. No primeiro mandato de Uribe a ação anti-insurgente ficou mais focada no movimento sindical e camponês. Agora, o ataque está sendo contra a universidade, contra os centros de pensamento crítico. O fato de Beltrán ter pautado suas investigações nos movimentos sociais latino-americanos e no próprio confronto armado da Colômbia o tornou um inimigo a ser destruído.

Resta agora ao movimento popular latino-americano iniciar mais uma cruzada em defesa do pensamento crítico e, mais, voltar os olhos para a Colômbia, tão perto e tão longe das preocupações solidárias.

A piscina

Arthur Tress

A janela do quarto onde durmo continua deitada para a piscina aberta da mansão dos Hoopers, e a visibilidade de tudo que passa seca minha retina. E, agora, aqui, estou preso à mansão dos Hoopers, principalmente preso a essa mulher que mergulha sua nudez na piscina e verifica se a janela aberta é a do meu quarto.

Às vezes durmo mal e sonho que bato no prato de lentilhas com o pano cheio d'água. É desde a mesma véspera do nada que me preocupo com as pedras que ardem, e o caso real de haver um mar pensativo, quando se dá, é insignificante, mas descerra a porta maciça, e a solidão repete-se, e eu desaprendo a sofrer. Os meus hábitos são do silêncio, nunca dos deuses nem de Homero, que escutou que um mar é água sobre água que se move.

Escuto cismas da serpente corcunda que insiste em cravar suas garras em minhas brânquias. Escuto a chuva que lava os telhados, mas agora, deitado na cama, o que é isso que esboça no inciput fervente um cacto difícil de definir? A idéia de uma obrigação qualquer me desconcerta: ir ao banheiro escovar os dentes; tratar junto do açougueiro uma coisa que é pedir a carne para o bife; esperar na estação de trem essa moça tão depressiva, que maquia defuntos para apaziguar os pensamentos de um dia.

Retorno ao quarto que deita para a piscina da mansão dos Hoopers. O céu enfia-se pelos ouvidos, pelas narinas, pela boca e, estirado de novo aqui na cama do meu quarto absurdo, escuto a idéia de que sou pó e ao pó voltarei mas prefiro voltar para os eflúvios da noite. Esvaziado de toda alegria, sou forçado a um contato com a brisa que afunda na fronte dos que andam à beira-mar.

O meu corpo adormece nessa praia, enquanto as folhas da palmeira pairam sombras no mar de gelo. Afasto-me da essência da sombra e, nessa cama improvisada sob o guarda-sol, penso que o imaterial rege o material e reconstrói o osso de Trakl e o jardim que Wittgenstein cuidou no mosteiro da Basiléia. Rente ao mar e sob o guarda-sol, desconsolado e anônimo, escrevo palavras para salvar o alfabeto das conchas; lavo-me em ar de tumba para tocar um inferno suspenso no pensamento. A chuva não perturba as linhas das marisqueiras que ondulam na praia Brava.

Quantas vezes julguei ver a luz no beco e, nas ruas de pedra com sobrados altos, o que apenas vislumbro são virgens em flor à sombra de cellos de Brahms e, diante do copo de água, eu passo as horas a cismar. Acordo e pulo a janela do quarto, para observar a prosa serena dessa praia Brava — o céu definitivo sempre esteve aqui, entre as coisas naturais — e ali, no areal, finco o guarda-sol, medito que as cordas dos violoncelos em vibração cumprem o seu dever primitivo: soam!

A janela do quarto onde durmo deita para a piscina da mansão dos Hoopers; deita a janela, também, para a imensa manhã, onde o vento não se ouve, passa pelas folhas das vinhas, talvez nem se perceba o vento e Homero, que não existe mais, quem sabe sinta essa aragem mais que nós. Sentado à janela, contemplo essa coisa nenhuma que é o quintal com laranjas lá fora.


Fernando José Karl

Quatro apontamentos sobre a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom)

Leia artigo de Míriam Santini de Abreu em http://revistapobresenojentas.wordpress.com/

terça-feira, 26 de maio de 2009

O submundo das cidades


Míriam Santini de Abreu
Saio de casa de manhã, mas antes levo as sacolas de lixo até a lixeira do condomínio. De repente, salta de lá um rato. Eu berro, ele se assusta e depois de muito esforço consegue fugir por um buraco no piso da garagem.

Início da noite, chuvarada em Floripa, e eu, na Rua Deodoro, vejo um homem cair num bueiro bem na frente da Casa Coelho. Provavelmente o bueiro entupiu e alguém teve a brilhante idéia de tirar a tampa sem lembrar de também sinalizar o buraco.

Corri para acudir o homem, que ficou submerso da cintura para baixo na água suja. Devia ter uns 55 anos. Estava com um moça, tão pasma quanto eu e ele com o fato. Seguiram os dois, e eu e outra mulher colocamos a tampa de volta, coberta por alguns sacos de lixo.

Eu tenho uns pavores relacionados a bueiros e bocas-de-lobo em geral. Deve ter um pouco a ver com "Alligator", um filme dos anos 80, onde um filhote de jacaré crescia na tubulação abaixo da cidade e comia o que encontrava pela frente.

O rato fugido através dos subterrâneos do meu condomínio e o bueiro aberto em uma movimentada rua da Capital me fizeram lembrar do submundo tão próximo de nós, onde se escondem criaturas que tememos e onde se acumulam as sobras do nosso perdulário modo de vida. As chuvaradas trazem tudo à tona.

Dias desses acompanhei a limpeza da rede do condomínio. O trabalhador que fez o serviço sumiu no buraco, de onde tirou coisas que os moradores descartam sem cuidado, como fraldas, absorventes, preservativos, entupindo assim o encanamento.

Em muitos lugares o submundo já é o mundo. E quando todo o mundo for o submundo?

segunda-feira, 25 de maio de 2009

50 anos da revolução cubana

De 10 a 13 de junho, será realizada em Florianópolis a “XVII Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba - 50 anos da revolução cubana”, no Auditório da Assembléia Legislativa. Os temas abordados serão: Bloqueio Econômico; Luta pela Liberação dos Cincos Heróis; e Cooperação Brasil - Cuba. Informações: (48) 3025.2991/99419446 ou ainda pelo endereço eletrônico xviiconvencaocuba@gmail.com. Confira também em http://www.convencao2009.blogspot.com/. Realização: Associação Cultural José Martí de Santa Catarina. Programação completa: http://cubaviva.com.br/v1/?p=68

Fazer a batalha das idéias é papel dos sindicatos

Em um mundo mergulhado na crise, um dos principais papéis do movimento sindical é fazer a batalha das idéias para esclarecer e mobilizar a população. Esta foi uma das afirmações do professor Waldir José Rampinelli, do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que falou sobre o contexto econômico e os reflexos para os Servidores Públicos Federais em Seminário promovido pelo SINTRAJUSC no dia 16 de maio.
Ele fez uma análise histórica das crises do capitalismo, deixando claro que a mais recente, que eclodiu em 2008, não é apenas financeira, como querem fazer crer análises mais rasas: “Os Sindicatos não podem ficar vendo a crise de braços cruzados. A crise não é apenas financeira; se fosse, bastaria injetar dinheiro, e já se injetou muito. É uma crise política, econômica, cultural, ecológica, alimentar, energética, então é crise da estrutura”.
Nesse contexto, disse o professor, os trabalhadores estão desorganizados. Há um e outro ato de protesto, mas faltam propostas efetivas de superação da situação atual. Para isso, então, as lutas precisam ser coordenadas, principalmente porque, nas crises, a tendência é sempre transferir o custo para os pobres. O Estado transfere o custo para o servidor, o patrão para o trabalhador. “Então, quem acredita que pode haver outro sistema tem que fazer a luta contra o capitalismo”, conclamou Rampinelli.
Ele destacou que 80% da América Latina está fora do mercado capitalista, com populações sobrevivendo com menos de um dólar por dia. Em muitos países, como na Argentina, o governo está revertendo as privatizações, que transformaram bens e serviços públicos em mercadorias cada vez mais caras. Na farra neoliberal o Estado era execrado e se ouvia coisas do tipo “Quem vai mal que feche as portas” ou “Quem não tem competência que não se estabeleça”. Agora que grandes capitalistas fracassaram, é no Estado que vão pedir socorro. “A Venezuela e a Bolívia nacionalizaram e todo o mundo falou mal; agora Estados Unidos, Inglaterra, França nacionalizam e ninguém fala nada”, ironizou o palestrante.
A fragilidade da democracia representativa também foi um dos temas abordados por Rampinelli. Ele disse que é preciso trilhar o caminho da democracia participativa e ampliar o uso de instrumentos como os referendos e a consulta popular. Citou o exemplo da Venezuela, onde há o referendo revocatório, figura jurídica que permite revogar o mandato do presidente da República.
Para o palestrante, a lutas também devem ser pela reforma tributária, para que se penalizem os ricos, pela reforma agrária, pelo fortalecimento da integração regional: “Ou construímos saídas para melhorar o mundo ou os donos do mundo, o banqueiros, o complexo militar-industrial, os grandes empresários, vão sair por cima da crise e mais uma vez jogar a conta para os trabalhadores”.

Veja entrevista com o professor Waldir Rampinelli no endereço do SINTRAJUSC no You Tube,
http://www.youtube.com/sintrajusc

Jardins erráticos









Míriam Santini de Abreu

Quando era pequena, eu adorava deitar sobre um gramado de trevos que havia perto de casa e mastigar as azedinhas que vicejavam por ali. Meu jardim perfeito sempre foi assim, errático, selvagem, com ervas entrelaçadas. Meu amigo Isaac, conhecedor da sabedoria indígena, uma vez me disse: - Minha amiga Míriam, não há quem dome a pujança da Mata Atlântica!
Nas fotos estão os frutos, flores e temperos do jardim de minha tia Cide. Sálvia, salsa, laranjinha-doce, caqui, lanterninha-chinesa e videiras. Doces e erráticos.

domingo, 24 de maio de 2009

O cachorrinho do café


Míriam Santini de Abreu
- Fiz um cachorrinho pra ti!
Eu adoro capuccino e, no Centro de Florianópolis, servem um que vem com desenhos delicados, um alto-relevo adocicado de creme. Naquele fim de tarde eu recebia o meu cachorrinho, mas já bebi flores e frutos. A jovem atendente conta que é a "latte arte", em que o leite vaporizado despejado sobre a bebida forma tons claros e escuros. São 17 desenhos diferentes. A arte ela aprendeu com o proprietário do Café. Mais bonito do que os desenhos é o sorriso de prazer dela quando coloca a xícara na frente da gente e anuncia o desenho escolhido.

sábado, 23 de maio de 2009

Projeto com 163 palavras ameaça serviços públicos na nova onda de privatizações

Míriam Santini de Abreu
A pressão do movimento sindical conseguiu adiar por 60 dias a votação do PLP-92/2007, que institui a fundação estatal de direito privado e está na Câmara dos Deputados. Este tipo de fundação é uma nova forma de privatização, e o PLP-92/2007 nomeia os Hospitais Universitários como os primeiros alvos. Se o projeto – que tem apenas 163 palavras - for aprovado, os HUs, que são hospitais-escola, poderão ser administrados por empresas privadas, com cobrança de serviços, e não mais pelo SUS.
Além dos HUs, o projeto permite que as tais fundações sejam instituídas nas áreas de saúde, educação, assistência social, cultura, desporto, ciência e tecnologia, meio ambiente, previdência complementar do servidor público, comunicação social e turismo nacional.
No Congresso do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Catarina, realizado em abril, a professora e pesquisadora da UFRJ Sara Granemann afirmou que a fundação estatal de direito privado integra a nova onda de privatização do bem público. Como nas etapas anteriores, “as privatizações são elementos para o capital conseguir novos espaços para se expandir”. A ordem é transformar serviços públicos em mercadorias para quem pode pagar, fazendo do Estado, ironizou Granemann, um campo fertilíssimo de bons negócios. Para os trabalhadores, isso significa mudanças nas relações de trabalho e redução de direitos.
A primeira onda de privatizações foi a partir de 1992, atingindo o parque produtivo que fornecia matéria-prima a baixo custo. Foi o caso da Companhia Siderúrgica Nacional e da Vale do Rio Doce. A segunda leva se deu a partir de 1998, com a privatização da infra-estrutura. O mercado abocanhou redes de telefonia, de abastecimento de água, estradas e instituições financeiras. Agora é a vez do fundo público, o conjunto de recursos arrecadados pelo Estado através dos impostos.
Só que, para botar as mãos nesse dinheiro, que não é empresa nem infra-estrutura, o mercado precisa de novas formas de privatização. Então, para drenar recursos para negócios privados, apareceram a Parceria Público-Privada (PPP), a Organização Social (OS), a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e a fundação estatal de direito privado. Elas significam, para os trabalhadores, desmonte do corpo técnico do serviço público, com alteração dos contratos de trabalho. Contratados por OSCIPs, por exemplo, são celetistas, e não estatutários. O mesmo valerá para as fundações estatais.
Segundo Granemann, o PLP-92/2007 baseia-se no Plano Diretor de Reforma do Estado (PDRE), criado pelo ex-ministro Bresser Pereira durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso. O discurso é velho. Basta ler o documento “FUNDAÇÃO ESTATAL - Metas, gestão profissional e direitos preservado”, divulgado pelos Ministérios da Saúde e do Planejamento, Orçamento e Gestão em agosto de 2007. Ele diz o seguinte: “... o Projeto FUNDAÇÃO ESTATAL surgiu da eminente necessidade de dotar o Governo de agilidade e eficácia no atendimento das demandas sociais do País. A essência da FUNDAÇÃO ESTATAL é aperfeiçoar a gestão dos serviços públicos e melhorar o atendimento do Estado em áreas prioritariamente sociais”.
As PPPs ficaram com a parte mais farta do butim, os contratos com uso do fundo público usados nas grandes obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que Granemann chama de Plano de Acumulação Capitalista. O valor dos contratos das PPPs tem que ficar acima dos vinte milhões de reais. Já as OSCIPs podem se regalar com fundos públicos em áreas tão diversas como assistência social, cultura, educação, saúde, meio ambiente e uma difusa “promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais”. As fundações estatais de direito privado, se aprovadas, irão aprofundar essas formas de privatização. Por isso o Movimento Unificado contra as Privatizações - Mucap - está conclamando os lutadores sociais a impedir a aprovação do projeto na Câmara.

Leia mais:

Artigo de Sara Granemann sobre a fundação estatal de direito privado
http://www.fasubra.org.br/siteAsp/download/CED-0005.pdf
PPPs
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/Lei/L11079.htm
OSCIPs
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9790.htm
OSs
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9637.htm
Fundação estatal de direito privado
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/483713.pdf

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A pitonisa

Julia Margaret Cameron, 1867

Fernando Karl

Sonho que sou uma tempestade perfeita lá no alto, mas, cá embaixo, próximo do cotidiano de um copo d'água e de uma folha que cai, sei que pareço mais a um pequeno sopro de chuva na vidraça e aprendi, nesses dias em que reverencio uma planta bravia que eu chamo de A., aprendi que de ar sou e me interessa muito o que a pitonisa pronuncia perto da veneziana por onde posso, ainda, espiar a restinga, sim, eu aqui neste hotel Continental à beira do azul-mar-grosso-de-sal, em pleno século V dos leões transparentes, eu, durante a sagração dos oráculos, sou aquele que escuto atentamente a pitonisa consagrada, a mesma que pronuncia tudo e tudo sabe e devasta um quarteirão com apenas um suspiro seu ou um andar pelas tábuas do quarto. E, quando anoitece nas grutas, nos pulmões e nos sentimentos indecisos, a pitonisa se desnuda até da pele nua e, agora, a planta bravia que eu chamo A. tem, sob a pele nua, uma cútis de Palmolive e sonha que a tempestade guarda entre as coxas uma claridade que não é deste mundo nem do outro. Ela enche os terraços de músicas, de buracos, de árias, de legiões: sua língua não passa de ar, mas um ar que deleita até mesmo aqueles que sorvem cianureto porque têm nostalgia das noites molhadas quando um corpo penetra num corpo alheio: água na areia. Mesmo se eu tivesse a alma rasa e inquieta, a pitonisa viria pra chorar uma estrela em meu tímpano, e também ela viria pra revelar que a única coisa que existe neste mundo é uma sereia de cabelo azul, e este cabelo azul traz à tona um saber vasto e profundo, para enfim aprendemos que só escapamos do pó se estivermos atentos à respiração da planta bravia A.: porque diante dela curva-se o que em nós apodrece e, se o desejo for mais fundo no escurento, e se nada temermos da tempestade, a tempestade estará em nós sonhando, e quanto mais no alto formos a chuva, mais acordamos do sonho e penetramos no hall do hotel Continental pra descansar naquela cama com aquela pitonisa agarrada à planta bravia A. que pronuncia o oráculo delicado: não somos nada – as palavras – mais fortes que cada um de nós!

Tem coisas que só um cobrador pode fazer por você!

Míriam Santini de Abreu
Eu detesto o transporte coletivo de Florianópolis porque nele está singularizada toda a mesquinharia da prefeitura e dos empresários do setor. Mas eu também adoro o transporte coletivo porque nele está representada também a universalidade. Hoje uma moça ocupou o banco ao lado do meu, e em minutos: 1 - ela elogiou a bonequinha de pano presa à minha bolsa da Pobres & Nojentas; 2 - eu dei a bonequinha a ela; 3 - ela contou que fazia flores artificiais tão perfeitas que se pareciam com as reais e colocou nome e telefone num pedacinho de papel para possível encomenda; 4 - dei um cartão e um exemplar da revista a ela; 5 - ela pediu se dava para enviar um texto sobre artesanato para a próxima edição. Éramos amigas íntimas! A vizinha de banco mostrou até um presente comprado para a mãe, um colar de pérolas com um delicado broche em formato de flor.
- É para ver se ela se anima.
- Anda deprimida, ela? - pergunto.
- Não... Um pouco chateada com umas coisas...
No transporte coletivo a gente também percebe: tem coisas que só um cobrador pode fazer por você! A artesã estava carregada de pacotes, e, em minutos, o cobrador, da linha Monte Cristo, assim procedeu: 1 - eu passo na catraca saudada com um "boa noite, tudo bem?" vindo dele; 2 - a mesma saudação recebe a artesã, que tem a ajuda dele para fazer os pacotes passarem também; 3 - ele ouve o pedido de uma mulher lá fora, "passa o meu cartão para a minha amiga?", passa e devolve a ela o cartão, esticando-se todo na janela apertada. E por fim dá um "tchau" quando desembarco!
Certa vez, na linha Floresta, o motorista começou a cantar uma música do Roberto Carlos, Obrigado Senhor. Os passageiros se olharam surpresos. Aí o cobrador também engrossou o coro. E de repente todos nós acompanhávamos: - Obrigadu senhor, agradeçu obrigadu senhor! Mais uma vez... E no final caiu todo mundo na risada!

Conferência Nacional de Comunicação – desafios e limites

"O que significa democratizar a comunicação no bojo de um Estado capitalista, em que o mando efetivamente não está na mão dos legisladores ou do governo federal? Como democratizar um campo de ação de um Estado que é dirigido, em última instância, pelo capital monopólico?"
Leia artigo completo da jornalista Elaine Tavares, intitulado Conferência Nacional de Comunicação – desafios e limites, no blog da Pobres Teórica, http://revistapobresenojentas.wordpress.com

Movimentos lançam gibi sobre a Defensoria Pública


Durante a audiência pública que discutiu a Defensoria Pública em Santa Catarina foi lançado um Gibi explicativo sobre o tema. O traço é do renomado jornalista e chargista ZéDassilva. O objetivo do Movimento Pró Defensoria Pública é colher 45 mil assinatura e apresentar um projeto de iniciativa popular na Assembléia Legislativa. Santa Catarina é a único Estado que ainda não possui esse importante instrumento. Veja o gibi na íntegra no blog do colega Josemar Sehnem, de onde também foi extraído o parágrafo acima:

http://ajornalar.blogspot.com/2009/05/gibi-da-defensoria-publica.html

terça-feira, 19 de maio de 2009

Defensoria Pública, direito ignorado em Santa Catarina

Nesta terça-feira, 19, foi realizada Audiência Pública na Assembléia Legislativa para a criação da Defensoria Pública em Santa Catarina, único estado do país onde não existe esta estrutura, prevista na Constituição de 1988. Andam asssim as coisas: o governo estadual ignora a lei federal por ação, quando aprovou um código de meio ambiente inconstitucional, e por omissão, ao não cumprir a obrigação legal de criar a Defensoria Pública. Há alguns anos foi sancionada uma lei que não atende o que exige a Constituição. O Movimento pela Criação da Defensoria Pública no Estado de Santa Catarina, formado por uma série de entidades, tem página na internet na qual a situação está explicada. A Defensoria atende as camadas empobrecidas da população, alvo bem distante dos interesses do governo.
Veja entrevista com a professora da UnoChapecó Maria Aparecida Caovilla, do Movimento pela Criação da Defensoria Pública no Estado de Santa Catarina, em

Florianópolis no terceiro dia da Criação

"Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi."
Dormia por ali um gigante de pedra, tentando, desde o início do Tempo, encontrar o Sentido e gravá-lo com a Palavra. E, num átimo, revelou-se a ele o segredo da Criação. Mas eis que surge um barquinho branco, deslizando manhoso na água. Distraiu-se o gigante. E desde então tenta lembrar-se da Resposta.

Olhares sobre a Índia

Ricardo Machado, cujas fotos foram publicadas na mais recente edição de P&N, abre exposição em Blumenau no dia 26 de maio.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

WTTC e a venda do litoral catarinense

Míriam Santini de Abreu
E então se foram os homens de terno que vieram a Santa Catarina para o "WTTC", no qual se mediu e pesou o que o estado tem a oferecer de "belezas naturais" para entregar ao mercado de luxo. Os meios de comunicação da RBS lamberam a cria até não mais poder. Nas entrelinhas, o horror. O prefeito de Florianópolis, Dário Berger, sugeriu ao Lula a edição de uma medida provisória fixando rito sumário aos órgãos ambientais, nos processos de licenciamento, para "incentivar obras de interesse público e emergenciais". Ah, ah, ah!!! Obras de interesse público!?

A Fraternidade é Vermelha

Míriam Santini de Abreu
Vi novamente “A Fraternidade é Vermelha”, conclusão da belíssima Trilogia das Cores, do cineasta polonês Krzysztof Kieslowski. A primeira vez foi em 1995, num cinema no centro de Porto Alegre. Será que ainda existe? Virou igreja? Pois o filme de Kieslowski é uma oração. Saí da sessão pisando em estrelas. Irène Jacob, a protagonista, tem a beleza de uma nebulosa. Ela sorri e a gente é que fica radiante. Passados 14 anos, o filme faz os meus sentidos gorgolejarem ainda mais. Kieslowski trouxe fogo ao mundo, e seu fogo continua ardendo.

domingo, 17 de maio de 2009

Moralização do espaço urbano?

Por Ricardo Machado*

Um fenômeno da modernidade foi a expansão crescente da vida urbana. Desde o século XIX, este movimento tem sido quase ininterrupto em todas as partes do mundo. No entanto, a cidade moderna caracterizava-se pela intensidade da vida pública. A rua era o espaço de múltiplas sociabilidades no mundo do trabalho, do lazer e das relações políticas. As vivências múltiplas e contato com a diversidade da rua moderna foram construídas em oposição do contato com seus iguais na vida privada. Nas cidades modernas a rua era um espaço fundamental de construção da cidadania, pois era na rua que se tomava contato com as diferenças e eram ali que estavam evidenciados os conflitos econômicos e de valores estéticos.
No entanto, nas últimas décadas vivemos um momento de ruptura em relação ao conceito de vida urbana. Cada vez mais vivenciamos uma privatização do espaço público e a busca de relações essencialmente mediadas pelo domínio privado. Por isso, observamos o esvaziamento do público na medida em que se valorizam vivências em centros comerciais fechados (chamados de Shoppings), pelo automóvel, pelos condomínios fechados, pelos clubes recreativos etc. As ruas perderam sua ênfase na relação, para valorizar somente a mobilidade no espaço. Assim, a cidade deixou de ser uma experiência pública e de contato com a diferença para ser segregacionista, tornando a população ainda mais dividida socialmente e simbolicamente. Com isto cria-se um ser humano pautado em uma subjetividade cada vez mais centrada em si mesmo, com medo da diferença, e consequentemente, medo da vida pública. É este medo que tem feito pedir cada vez mais controle, repressão e vigília sobre a já restrita vida pública que ainda temos em nossas cidades.
Este movimento pode ser claramente observado nos temas debatidos pelo poder legislativo blumenauense sobre as formas de uso do espaço público. Este processo de moralização da vida urbana, que divide a sociedade entre pessoas de “bem” e de “mau”, que fala do retorno da família às ruas, não permitirá o aumento da vida urbana, mas ao contrário, criará uma relação ainda mais discriminatória, segregacionista, e consequentemente, ainda mais doentia.
É preciso voltar às ruas, para que possamos fazer um uso público do espaço público. Mas estou certo que não precisamos de mais medidas controladoras e repressoras sobre as formas de uso do espaço. Ao invés disso, precisamos ocupar estes espaços, reconhecendo que os diferentes grupos fazem apropriações distintas do conceito de urbanidade.
Desconfiemos deste “homem de bem”, pois se trata da forma mais cínica de trazer à público os preconceitos de classe e estéticos. É para ele que construímos os pilares da cultura do medo e do enclausuramento.

* Historiador e Professor da FURB

ABAIXO INFORMAÇÕES RETIRADAS DO BLOG DO VEREADOR FÁBIO FIDLER
12 de Maio de 2009
24ª sessão: Fiedler solicita apoio a projeto
No dia em que apresentou o Projeto de Lei Complementar que proíbe o consumo de bebidas alcoólicas em praças e paques municipais, o vereador Fábio Fiedler (DEM) utilizou seu espaço na tribuna para explicar pontos da proposta e solicitar apoio dos demais parlamentares.FAMÍLIA Para Fiedler, o objetivo do projeto é preservar a família blumenauense. “É garantir que o cidadão de bem, aquele que leva a sua família aos parques e praças, possa fazer bom uso destes locais e não seja constrangido e molestado por quem faz mau uso dos espaços”, explicou.

Disponível em:
http://ffvereador.blogspot.com/

O senhor Buda

Fernando Karl
o senhor Buda não reverencia nenhum Deus
nem crê na alma
nem no paraíso
o senhor Buda tinha sempre a palavra "sunyata" ("vazio", em japonês) na ponta da língua: "sunyata", ao contrário do oco da morte, não dá medo, antes é uma estratégia oriental pra lá de magnífica: tornar-se "sunyata" ou "vazio", por exemplo, para não ser atingido pelo sabre da finitude, pela corrupta vox dos políticos, pela gripe suína etc.
o que há de oco numa xícara é "sunyata", e isto é belo como o Taj Mahal.
"sunyata" --- com a tessitura de átomos levíssimos --- dá aparência de ser "vazio", mas é pleno de invisível, de angélico prana.
outro dia li que o prana não é o ar nem o oxigênio, mas matéria fina de toda certeza. prana: sopro vital, alento.
a palavra também é matéria fina de toda certeza e sua origem é a mesma que a do fogo.
e Shakespeare disse: "Se a palavra é sopro e sopro é vida".
e já pronunciou Kant: "Devemos aprender a sermos invisíveis com mais humildade".

Otávio Rocha, RS





O Parque da Gruta, na vila de Otávio Rocha, perto de Caxias do Sul, RS, tem cascata, gruta natural e uma estátua de Nossa Senhora das Graças. Nos arredores, os parreirais estão avermelhados. Valia ir ao Google saber o motivo, mas, com ou sem explicação científica, as uvas nascerão.


Uma luz no convento


Míriam Santini de Abreu
Em Caxias do Sul (RS), minha família mora em um beco, e a vista do alto dele é esta aí em cima. Pois coisa que eu amava era, nos dias de puro sol, vislumbrar, lá longe, o Convento das Carmelitas Descalças, no fundo da foto. Na noite da véspera de Natal, as luzes se acendem para a celebração, e do beco eu observo as janelas altas repletas de luz. E agora está. Um esqueleto de prédio roubou o que, desde criança, era a minha iluminura. Também inventaram de fazer uma rua bem próximo de casa para facilitar o acesso dos automóveis à entrada Sul da cidade. Parece que no próximo Natal só verei bonecos vermelhos de papai noel pendurados nas janelas do prédio novo.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Farra do turismo em Santa Catarina

Elaine Tavares
O presidente Lula esteve em Santa Catarina recepcionando um seleto grupo de mega-empresários que veio para um obscuro fórum de turismo chamado de Congresso do Conselho Mundial de Viagem e Turismo. A idéia de um encontro na ilha, em Florianópolis, partiu da monopólica Rede Brasil Sul, que sugeriu ao governador trazer gente do turismo para promover o estado. Foi feito. Com a ajuda do governo federal, representado pela senadora Ideli Salvatti, do governo estadual e também do municipal, foram amealhados cerca de sete milhões de reais para garantir aos empresários tudo de bom e do melhor. Hospedados no Costão do Santinho, do também mega empresário Marcondes de Mattos, eles comeram, beberam e tramaram “grandes empreendimentos” turísticos para Santa Catarina à custa do dinheiro público. Não bastasse isso, ainda passearam no jatinho do governador, também pago com dinheiro público, por sobre regiões do estado onde poderiam “investir”.
No mesmo dia em que o evento acontecia, agricultores de todo o Estado faziam mobilização na capital, pedindo recursos ao governo para minimizar os efeitos da seca na região oeste. Coincidentemente as entidades que traziam os agricultores para protestar eram as mesmas que, semanas antes, mobilizaram mais de mil produtores no oeste para aplaudir o Código Ambiental, aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado. Este código, construído pelo executivo, promove mais destruição ambiental que causa mais mudanças no clima, sendo portando causa da falta de chuva na região. Papo de louco? Não, é o bom e velho “realismo mágico” da nossa terra, que de mágico nada tem.
Para se ter uma idéia dos absurdos, no mesmo dia em quem rolava o evento milionário no mega hotel de Marcondes de Matos (empresário acusado de construir um campo de golfe com licenças ambientais falsificadas), o governador falava ao povo catarinense pelo seu órgão oficial, a RBS. O repórter, sem qualquer espírito crítico pergunta quais os benefícios desta reunião de turismo. Ao que o governador responde que vai geral muita coisa boa para o povo catarinense porque os empresários iriam trazer grandes empreendimentos para cá e que, com isso ajudariam a preservar a natureza, além de gerarem empregos. “Temos aqui no estado um grande volume de mata atlântica, e isso é muito bom para o turismo”. De novo o absurdo. Este governo foi o que, segundo pesquisas oficiais, mais desmatou a mata atlântica e que, com esse novo código aprovado, vai poder desmatar muito mais.
Pois, ainda se não bastasse a “farra dos dólares”, gasta com os gigantes do turismo mundial, ainda teve a desastrada presença do presidente Lula que, querendo ser engraçado para justificar o seu atraso aos “ocupadíssimos” homens do business, protagonizou a cena mais degradante. Ao mendigar os investimentos e fazendo propaganda da “primeiromundice” de Santa Catarina, disse que aqui tínhamos um estado rico, com estrutura, o que era bom, pois “os turistas não gostam de miséria. Caso contrário o Haiti seria o paraíso”.
Ora, além de ofender as gentes deste aguerrido país, o presidente Lula mostrou que não tem a menor vergonha de atuar como um capacho dos Estados Unidos na desastrada ocupação do Haiti, onde o exército brasileiro comanda as forças “de paz” da ONU.
E, assim, entre a fartura criminosa de dinheiro público - num estado que ainda não garantiu moradia para os desabrigados de Blumenau e volta as costas aos agricultores premidos pela seca – e a desavergonhada presença do presidente se prestando ao papel ridículo de animador de platéia, a vida em Santa Catarina vai seguindo. Para coroar com chave de ouro toda esta festança de dinheiro público, a população de Florianópolis vai receber, “de graça”, do braço midiático do poder no estado, a RBS, um show do Roberto Carlos. Para esse evento, que deve distrair a consciência das gentes enquanto o governo busca fazer de Florianópolis uma nova Dubai, a empresa siamesa da Globo devastou árvores no aterro sul, bem no espírito “preservação da natureza”. Mas, conforme diz em seu jornal “Diário Catarinense”, tudo vai ser devidamente replantado.
O que se espera, para que esta semana de horror e realismo nada mágico não fique pior, é que o “rei” não termine seu show cantando um de seus clássicos que clama pela proteção das baleias, que é uma espécie de hino à proteção ambiental. Aí sim, haverão apenas duas saídas para os lutadores deste estado. Ou saem pelo aterro afora gritando “Jesus Cristo, eu estou aqui”, em coro com Roberto, esperando ser esturricado com um raio. Ou começam a preparar a revolução. Alguém arrisca uma aposta?

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Ilha da Magia é porto, mas da nau de garapuvus



Acima: plenário lotado na audiência sobre o Plano Diretor Participativo na Câmara de Vereadores de Florianópolis; abaixo, panfletagem na frente da Catedral, centro da Capital, sob a chuva


Míriam Santini de Abreu, jornalista

“Dinheiro, volte
Eu estou bem, cara, mantenha suas mãos fora do meu monte
Dinheiro, é um sucesso
Mas não me venha com essa bobagem
Estou no grupo de viagem de primeira classe e alta fidelidade
E acho que preciso de um jatinho”

Money, Pink Floyd

E então aportaram em Florianópolis os homens de terno preto, nos jatinhos e limusines, para conferir a veracidade da carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei D. Manuel, todos a bordo da nau WTTC:

Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!

Aportaram no Costão do Santinho, onde pedras adornadas com misteriosas pinturas rupestres vigiam o mar. Até este sábado, 16, irão mesclar conversas e acepipes enquanto traçam o futuro da Ilha de Santa Catarina e de todo o litoral catarinense. Parte da conta foi paga com dinheiro público, R$ 6,5 milhões, e será – alardeiam – compensada pela “mídia internacional”. O carro-chefe dos impressos do Grupo RBS no Estado, o Diário Catarinense, há uma semana conta em detalhes como será dividido o excelente butim, com o qual também irão se regalar governantes e empresários locais:

Edição de 10 de maio: 37 projetos, somando R$ 12 bilhões, irão transformar Santa Catarina em destino internacional: marinas, ecoresorts em praias “paradisíacas”, campos de golfe. Um dos homens de terno preto profetizou: “Estamos em recessão e temos que procurar por lugares que têm potencial e um valor de futuro”. Na capa da mesma edição, o título “Desolação” referia-se à seca que atinge o Planalto e o Oeste Catarinense.

Edição de 11 de maio: outro homem de terno preto lamenta que haja tanta “burocracia” e “insegurança jurídica” no Brasil impedindo o licenciamento dos empreendimentos. Preocupante, segundo ele, também é a atuação do Ministério Público, que impediria “avanços na área de investimentos estrangeiros e afasta os grandes investidores”. Um dos empreendimentos é em Governador Celso Ramos, que custará R$ 2,5 bilhões, gerando presumivelmente 10 mil empregos diretos e 15 mil indiretos num município que tem cerca de 12 mil habitantes.

Edição de 12 de maio: reportagem afirma que o maior número de empregos gerados no setor destina-se a ocupações de faxineira, recepcionista, camareira, cozinheira, garçom, barman e auxiliar de cozinha.


Edição de 13 de maio: Florianópolis, dizem, precisa de uma “intenção estratégica”, assim como Dubai, um dos Emirados árabes. Ali, na cidade plantada no meio do deserto, erguida com dinheiro do petróleo, clientes especiais podem escolher, a preços de R$ 20 milhões a R$ 133 milhões, 14 modelos de luxo de minissubmarinos construídos nos Emirados, com um alcance de aproximadamente 5.500 km. Nesta mesma edição, um texto de apenas uma coluna fala do fim do Plano Diretor Participativo de Florianópolis.
Edição de 14 de maio: esportistas, empresários e políticos da nau WTTC juntam-se para angariar recursos para uma tal de Fundação Amazônia Sustentável. Um dos homens de terno preto diz que eles irão chamar a atenção de todos “para a necessidade de preservar a maior floresta tropical do mundo”. A página na internet revela que os co-fundadores da tal Fundação são o governo do estado do Amazonas e o banco Bradesco, a mantenedora é a Coca-Cola e o parceiro é a rede de hotéis Marriott. A Cola-Cola está cada vez mais afoita na cruzada para privatizar fontes de água mundo afora. Na Amazônia, nada melhor que manter uma fundação com a chancela do governo do estado. Entre os objetivos da Fundação Amazônia Sustentável estão:
“. Promover a edição, publicação e distribuição de livros, revistas e outras formas de divulgação, bem como apoiar a realização de congressos, seminários, simpósios, exposições e demais eventos de interesse técnico-científico;
. Oferecer condições para que a iniciativa privada possa contar com instrumentos adequados de co-participação na programação de pesquisas e no apoio a programas e projetos de interesse das áreas de meio ambiente, recursos hídricos, biodiversidade e desenvolvimento sustentável.”

Ah, a boa Parceria Público-Privada, com um toque de aval científico!

O conteúdo que foi alvo da breve análise acima, sobre as mais recentes edições do DC a respeito da nau do WTTC, se repete no A Notícia, de Joinville, no Jornal de SC, em Blumenau, no Hora, em Florianópolis, além das rádios, internet e na onipresente programação local e regional da RBS TV. A discussão feita pelo Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina sobre o oligopólio da RBS no Estado, que é alvo de Ação Civil Pública no Ministério Público Federal, mostrou os reflexos disto. O Grupo praticamente monopoliza o discurso de e sobre Santa Catarina, e saiu do intestino da rede gaúcha, nos seus Painéis RBS, a idéia de fazer a nau do WTTC aportar em Santa Catarina.
O corolário disso está em dois fatos recentes no Estado. Na edição de 6 de maio, uma reportagem no DC discorre sobre as medidas adotados pelo governo do Estado contra a seca que arrasa o Planalto e o Oeste Catarinense. E quais são?
1.incentivar a construção de cisternas, poços e açudes; 2.criar um comitê de ação para combater a estiagem e seus efeitos; 3.monitorar a chuva, os rios e as águas subterrâneas; 4.liberar R$ 1 milhão (!) para a contratação de empresas para a distribuição de água.
Detalhe: a conta da construção de cisternas, poços e açudes ficará para quem “aderir à iniciativa”.
É de imaginar a equipe de governo a matutar sobre como convencer a chuva malvada a cair, enquanto aguardava, ansiosa, a vinda da nau do WTTC.
Agricultores que se endividaram para construir chiqueiros e aviários e assim atender o agronegócio estão com a produção parada. Estudos mostram que, nos últimos nove anos, sete foram de estiagem. A falta de chuva não é novidade; o desequilíbrio ambiental também não. E a resposta estrutural que o governo do Estado dá é sancionar, em abril, o Código Ambiental, que vai ao encontro da necessidade de lucro cada vez maior, especialmente da cadeia do agronegócio. O jornal da Assembléia Legislativa de 30 de abril registra a visita da comitiva parlamentar catarinense à Câmara dos Deputados e ao Senado para defender a nova lei ambiental, alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Na foto, deputados, em seus ternos chiques em volta de uma mesa, são o retrato macilento da penúria da política.
Que grande orquestração, este Código Ambiental sob medida para “os negócios”, essa nau do WTTC à cata de ouro, prata ou outra coisa de metal ou ferro, esse discurso hegemônico da mídia RBSiana que vende a paisagem e se importa tão pouco com as pessoas!
Basta relembrar a célebre entrevista do governador Luiz Henrique da Silveira na TVBV, no qual ele desfia suas recorrentes reclamações acerca de qualquer iniciativa, movimento ou discurso que se contraponha ao que ele planeja para Santa Catarina. Em certo trecho LHS afirma: “Agora você me diz: e a favela do Siri? Do lado do campo de golfe que não querem deixar o Fernando Marcondes (de Mattos, dono do Costão do Santinho Resort) fazer? Por que não se proíbe a proliferação de favelas, que jogam, me permita a expressão irada, cocô para a praia, para provocar doenças nas nossas crianças? Por que não se atua nisso aí para impedir? Né? A favela pode poluir a praia! Agora um resort, um hotel, um campo de golfe para atrair turista e gerar emprego e renda não pode!”
Isso está em http://video.google.com/videoplay?docid=-8286208201407673708 A favela à qual o governador de Santa Catarina se refere é retratada, assim com a luta de seus moradores, na mais recente edição da revista bimestral Pobres & Nojentas.
Fica a critério de cada um analisar os sentidos que o discurso de Luiz Henrique da Silveira provoca. Mas a prática está escancarada, e jorra inesgotável daquele pavilhão construído no Costão do Santinho, inspirado nas arenas da Grécia, onde as escotilhas da nau do WTTC deram passagem à piratas bem-vestidos e com cabeças-de-planilha.
Por tudo isso é que, com gosto, fotografei o Plenário lotado da Câmara de Vereadores de Florianópolis na audiência pública que, nesta quinta-feira, 14 de maio, discutiu o golpe que o prefeito Dário Berger está aplicando para barrar o Plano Diretor Participativo da Capital. Gente reunida ali, em noite de chuva, para dizer NÃO! Acesse
http://www.youtube.com/user/SindiJornalistasSC para saber mais sobre o assunto.

Pero Vaz de Caminha disse na Carta a El Rei D. Manuel: E cerca da noite nós volvemos para as naus com nossa lenha.
Ao se desvanecer esta frente fria no outono ilhéu, embarcarão, também, os piratas da nau do WTTC. Mas a lenha que tomaram de nós há 500 anos pode ter ficado mais forte. Os garapuvus de Desterro, árvores-gente-canoa, não vão se desprender da terra assim tão facilmente...

Casa de Menandro

Edward_Dimsdale


Fernando Karl

Logo se espalha um suave vento e as cortinas começam a dançar. A serenidade de um verso latino. Na casa de Menandro angst morre nas pedras. Eu escuto orvalho no olho do peixe que paira o aquário da casa antiga, casa antiga que os vendavais circundam. Uma ramagem de sutis idílios faz sombra na parede branca da casa de Menandro. O sol marinho dá nas calhas e nas venezianas. Menandro desce os degraus de pedras soltas, nos galhos do salgueiro vai deixando blusa, calça, sapatos, chapéu, cachimbo.

Núcleo Gestor Municipal denuncia a prefeitura por interromper e atrasar o Plano Diretor Participativo

Nesta quinta-feira, 14, tem panfletagem na frente da Catedral, em Florianópolis, e Audiência Pública na Câmara de Vereadores sobre o Plano Diretor.
Desafiando a suspensão unilateral imposta pelo Prefeito Dário Berger ao processo de elaboração do Plano Diretor, muitos dos 13 núcleos distritais criados para elaborar o plano continuam se reunindo: o Núcleo Gestor Municipal do Plano Diretor Participativo – NGPDP - fez reuniões auto-convocadas e pediu que a Prefeitura retomasse o processo. A decisão do prefeito está em claro conflito com as leis federais que determinam que o planejamento e a gestão urbana sejam amplamente participativos.
A Prefeitura mandou desmontar as bases distritais utilizadas intensivamente pelas comunidades para seus trabalhos e reuniões. Mas muitos núcleos negaram-se a entregar as chaves como o IPUF exigiu.
O prefeito indicou no começo do ano que pretende mandar o Plano Diretor pronto para a Câmara Municipal até julho, mas o Núcleo Gestor autoconvocado lembra que isto será impossível sem o amplo envolvimento das comunidades em cada etapa do processo, que é exigido por lei. As comunidades querem terminar o processo o mais breve possível, mas com a plena troca de idéias e informações necessárias, para que o processo seja legítimo, democrático e participativo como manda a lei.
Nos últimos dois anos, centenas de reuniões comunitárias foram realizadas em 13 núcleos distritais e outros 8 sub-núcleos, a fim de elaborar um Plano Diretor para a cidade. Todas as regiões realizaram audiências públicas distritais em fins de 2007 e no ano passado para aprovar diretrizes para o plano, mas nenhuma Audiência Municipal foi convocada para aprovar as diretrizes ou considerar o planejamento da cidade como um todo, sendo que o processo de elaboração do PDP está apenas na metade. Durante esses dois anos e meio, a Prefeitura também não dotou o PDP de orçamento específico para que pudesse deslanchar e culminar com a elaboração do projeto de lei, o qual, diante do cronograma deliberado pelo Núcleo Gestor, já estaria agora em discussão na Câmara Municipal.
A prefeitura suspendeu os trabalhos do Núcleo Gestor Municipal após as eleições de 2008, e mandou fechar os núcleos distritais no começo deste ano, deixando as comunidades, e a sociedade civil em geral, sem voz no processo e sem informação sobre o Plano Diretor.
O rompimento do processo participativo claramente viola leis federais como o Estatuto da Cidade e a resolução 25 do Conselho das Cidades, que determinam:
A coordenação do processo participativo de elaboração do Plano Diretor deve ser compartilhada, por meio da efetiva participação de poder público e da sociedade civil, em todas as etapas do processo, desde a elaboração até a definição dos mecanismos para a tomada de decisões.
O Núcleo Gestor Municipal foi criado pelo município em 2006 para fazer essa coordenação, e é composto por representantes do governo, da sociedade civil e dos núcleos distritais. Apesar das exigências federais e do fato de que o IPUF coordenou dezenas de reuniões em 2008, o prefeito está argumentando que o decreto municipal que criou o Núcleo Gestor expirou no fim de 2007.
No início do ano passado, o Núcleo Gestor também aprovou uma resolução pedindo uma moratória no licenciamento de projetos com grande impacto, até a aprovação do novo plano diretor. Esta resolução foi referendada posteriormente na Audiência Pública Municipal de apresentação de diretrizes, realizada no Clube 12, em julho de 2008. A medida, quase igual a uma proposta feita pela prefeitura para o bairro do Itacorubi, busca evitar pressão excessiva sobre a capacidade de infraestrutura da cidade, para que grandes mudanças irreversíveis ocorram antes que o Plano Diretor Participativo esteja pronto. Mas a prefeitura não enviou a resolução para a Câmara, nem muito menos implementou o que ela propunha.

Perguntas básicas sobre Planejamento Participativo

1. Como deve funcionar a participação?

O Estatuto da Cidade, lei federal 10.257/01, determina: 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.
Para regulamentar a lei, a resolução no. 25, do Conselho das Cidades federal determina: Art.4º No processo participativo de elaboração do plano diretor, a publicidade (...) deverá conter os seguintes requisitos: I – ampla comunicação pública, em linguagem acessível, através dos meios de comunicação social de massa disponíveis; II- ciência do cronograma e dos locais das reuniões, da apresentação dos estudos e propostas sobre o plano diretor com antecedência de no mínimo 15 dias; III- publicação e divulgação dos resultados dos debates e das propostas adotadas nas diversas etapas do processo;
Art.5º A organização do processo participativo deverá garantir a diversidade, nos seguintes termos: I – realização dos debates por segmentos sociais, por temas e por divisões territoriais, tais como bairros, distritos, setores entre outros; II -garantia da alternância dos locais de discussão.

Pergunta 2. Houve "ampla comunicação pública" (...) "quanto aos documentos e informações produzidos"?

A prefeitura não apresentou diagnósticos ou propostas formais para o Núcleo Gestor Municipal ou para os distritos. A divulgação do processo do PDP, pela Prefeitura foi um desastre. Por exemplo, a cartilha de sensibilização e mobilização for apenas distribuída em meados de 2008, quando deveria ser a primeira peça a ser produzida em fins de 2006.

Pergunta 3. Por que democracia participativa se temos democracia representativa?

Você sabia que a soma dos votos recebidos por todos os vereadores eleitos na cidade não chegam a representar 20% dos 301.000 eleitores de Florianópolis? Oitenta por cento da cidade não tem seu candidato eleito na Câmara Municipal! O próprio prefeito foi eleito por somente 41% desses eleitores. Claro que as pessoas eleitas ganham legitimidade e poder, mas a Constituição e o Estatuto da Cidade determinam que a sociedade tem o direto de participar diretamente na gestão e planejamento da cidade. A qualidade e a legitimidade política das diretrizes produzidas por via das discussões distritais com ampla participação das comunidades e dos diferentes movimentos sociais e entidades de classe é muito superior às definições tomadas entre quatro paredes por meia dúzia de técnicos, forma tradicional como eram produzidos os planos diretores anteriormente.

Comissão de Comunicação e Mobilização

Leia artigo sobre o assunto:

O golpe do Prefeito itinerante no Plano Diretor Participativo

Carlos Magno, do Fórum da Cidade

O PDP é uma conquista da Sociedade civil organizada de Florianópolis, mais do que isso é uma quase imposição desta frente à legitimidade e legalidade do mesmo.
O PDP nada mais é que um processo de planejamento participativo e está claramente definido no Estatuto das Cidades como o principal instrumento do Planejamento Urbano e visa à efetivação do direito a cidade e a seu final deve se consubstanciar numa lei municipal, que organizara o crescimento e o funcionamento da cidade. É no Plano que está o projeto da cidade que queremos. Ele diz quais os objetivos a serem alcançados, em cada área da cidade e, para viabilizá-los, identifica instrumentos urbanísticos e ações estratégicas que devem ser implementadas. Ele orienta as prioridades de investimentos da cidade, ou seja, indica as obras estruturais que devem ser realizadas. No Plano Diretor são regulamentados os instrumentos criados pelo Estatuto da Cidade, que possibilitam um avanço da Reforma Urbana com justiça social. Define coletivamente o uso e ocupação do solo bem como a agenda real da cidade.
O Concidades (Conselho Nacional das Cidades) através, principalmente, das resoluções de números, 13, 25 e 34 regulamentou, definindo os critérios, conteúdo mínimo e demais orientações e recomendações para que o Plano Diretor, atendendo ao Estatuto da Cidade, seja efetivamente democrático e participativo.
A cidade é o palco onde todos os atores sociais devem estabelecer um pacto social de modo a garantir o equânime usufruto dos bens e serviços disponíveis no espaço urbano, cabendo a cada cidadão igual responsabilidade no processo decisório de elaboração do Plano Diretor.
O PDP, assim como as audiências públicas, os plebiscitos, os referendos, o orçamento participativo, as conferências e os congressos da cidade e o Conselho da Cidade são espaços de exercício da democracia direta, participativa. Esses mecanismos de aperfeiçoamento democrático, consagrados a partir da Constituição de 88 e regulamentados pelo Estatuto das Cidades precisam ser consagrados, respeitados e exercitados em nossa cidade, pois representam uma evolução da democracia com o efetivo controle social.
Para garantir o processo foi criado o Núcleo Gestor do PDP, órgão colegiado definido a partir de audiências públicas para coordenar o processo, definindo em conjunto a metodologia do Plano Diretor.
Essas são as regras, esse é o acordo isso é que determina a lei. A dissolução unilateral do Núcleo gestor pelo executivo municipal, com o fechamento das bases distritais, é uma violência contra a democracia, mais do que isso ao Estado Democrático de Direito. O Núcleo Gestor é o fiador do processo e cabe a ele, junto com o chefe do poder executivo, entregar à Câmara o projeto de lei. A partir daí pode se transformar em Conselho da Cidade para acompanhar a tramitação do mesmo e ser o órgão de fiscalização da sociedade e do poder púbico para que os ditames do PDP sejam cumpridos.
Que democracia de ocasião, oportunista, casuística é essa? Até antes das eleições o processo participativo era propalado, propagandeado, papagaiado como uma grande mudança, como exemplo de participação popular. Tão logo terminam as eleições, eleito, o prefeito e nova Câmara decreta-se o fim do núcleo e desconsidera-se todas as deliberações deste, definidas antes das eleições.
Democracia é antes de tudo um valor político e a par das definições e dos discursos deve se consubstanciar em atos concretos em atitudes coerentes. Nossa frágil e jovem democracia local começava a trazer a tona os verdadeiros anseios da população e isso fica claro pela análise das diretrizes e demandas populares elencadas nos 13 distritos e oito subdistritos. Elas apontam mudanças e a principal, a que garante todas as outras é a participação popular na definição e controle das políticas urbanas. É justamente isso que mais incomoda e assusta aqueles que sempre fizeram da cidade um “espaço de oportunidades”, na verdade, um cassino no qual especulam com o solo urbano, sempre ganham, enquanto a maioria só vê piorar sua qualidade de vida.
O executivo agora está com pressa...! Três meses para findar o Plano Diretor! Quanto cinismo! Iniciou o processo em agosto de 2006, quando o prazo legal para a entrega do Plano Diretor se encerrava em 10 de outubro do mesmo ano. Levou um ano para montar as bases distritais, nunca colocou no orçamento municipal recurso exclusivo para o PDP. Não contratou equipe técnica exclusiva para o trabalho. Sucateou o Instituto de Planejamento Urbano. Não articulou plano de mídia. E o prefeito nunca foi ao rádio ou a televisão conclamar a população para participar do PDP.
Está claro que as contas de campanha dos patrocinadores (aqueles que sempre querem ganhar) está sendo cobrada, afinal o nosso itinerante prefeito tem a possibilidade bastante real de perda de mandato já no mês de junho.
Essa atitude do prefeito Dário Berger é uma agressão à cidadania ativa de Florianópolis, é um total desrespeito e uma traição a todos aqueles que acreditaram e foram parceiros do executivo. Essa atitude é um golpe, é um verdadeiro estelionato político impetrado contra a sociedade civil.
Afora estes aspectos éticos e políticos recaem ainda sobre o executivo o ônus de estar cometendo um ato ilegal, que certamente lhe será cobrado nas instâncias jurídicas cabíveis caso sua decisão de cassação da cidadania florianopolitana persista.