Míriam Santini de Abreu
Eu detesto o transporte coletivo de Florianópolis porque nele está singularizada toda a mesquinharia da prefeitura e dos empresários do setor. Mas eu também adoro o transporte coletivo porque nele está representada também a universalidade. Hoje uma moça ocupou o banco ao lado do meu, e em minutos: 1 - ela elogiou a bonequinha de pano presa à minha bolsa da Pobres & Nojentas; 2 - eu dei a bonequinha a ela; 3 - ela contou que fazia flores artificiais tão perfeitas que se pareciam com as reais e colocou nome e telefone num pedacinho de papel para possível encomenda; 4 - dei um cartão e um exemplar da revista a ela; 5 - ela pediu se dava para enviar um texto sobre artesanato para a próxima edição. Éramos amigas íntimas! A vizinha de banco mostrou até um presente comprado para a mãe, um colar de pérolas com um delicado broche em formato de flor.
- É para ver se ela se anima.
- Anda deprimida, ela? - pergunto.
- Não... Um pouco chateada com umas coisas...
No transporte coletivo a gente também percebe: tem coisas que só um cobrador pode fazer por você! A artesã estava carregada de pacotes, e, em minutos, o cobrador, da linha Monte Cristo, assim procedeu: 1 - eu passo na catraca saudada com um "boa noite, tudo bem?" vindo dele; 2 - a mesma saudação recebe a artesã, que tem a ajuda dele para fazer os pacotes passarem também; 3 - ele ouve o pedido de uma mulher lá fora, "passa o meu cartão para a minha amiga?", passa e devolve a ela o cartão, esticando-se todo na janela apertada. E por fim dá um "tchau" quando desembarco!
Certa vez, na linha Floresta, o motorista começou a cantar uma música do Roberto Carlos, Obrigado Senhor. Os passageiros se olharam surpresos. Aí o cobrador também engrossou o coro. E de repente todos nós acompanhávamos: - Obrigadu senhor, agradeçu obrigadu senhor! Mais uma vez... E no final caiu todo mundo na risada!
4 comentários:
mimi, tu consegue ver poesia em tudo!!! só pode ser de outro mundo!!!
JG
Um colar de pérolas tua escritura, Míriam. Sacia a sede, mata o sórdido, dá sopro às narinas cada palavra que pronuncias.
Tens um atributo admirável: a compaixão pelo mínimo, pelo esquecido, e isto é de uma delicadeza inominável.
Karl
Viva os cobradores, trabalhadores que, a despeito de tudo, ainda encontram forças para serem humanos...
Miriqui! No meu ônibus Restinga Velha ainda não consigo observar eventos semelhantes a estes. Talvez até ocorram, mas passam em branco ao meu olhar. Só tu!
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