Fátima Lacerda (Agência Petroleira de Notícias)
O prefeito do Rio pretende cercar 13 favelas da Zona Sul, a pretexto de defender o meio ambiente, impedindo que continuem a crescer. Mas a consulta popular feita pela Associação de Moradores da Rocinha no último sábado, 2, uma das comunidades escolhidas pelo prefeito Eduardo Paes, revelou que a população local não quer saber de muro, apesar de muitas informações desencontradas que circulam na mídia. Dos 1184 moradores que participaram do plebiscito realizado no último sábado, 1111 disseram “não” ao muro, contra apenas 56 “sim”, enquanto 6 anularam o voto. O prefeito carioca desconfia do resultado, acusa “manipulação política”, conforme matéria divulgada em O Globo. O mais lógico seria desconfiar da forma como foi conduzida a pesquisa anterior, feita pelo Datafolha, indicando que os moradores da Rocinha estavam divididos e induzindo o leitor a acreditar que “os mais pobres eram favoráveis à construção do muro em torno da favela”. A pesquisa do Datafolha apontou “empate técnico”.
O presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Antônio Ferreira (Xaolin), lembra o significado simbólico dos muros idealizados pelo prefeito que parece sofrer de miopia, já que não consegue enxergar além do seleto grupo social de onde provem e para quem governa. Xaolin ensina: “O muro tem um significado simbólico de separação. No caso da cidade, ele isola os mais pobres, vetando o acesso à floresta. Nós também temos o direito de acessar a mata e todo o resto da cidade livremente. O muro não impede novas construções. Ele dá força ao preconceito. Além disso, esse projeto foi imposto de cima para baixo e não houve diálogo nenhum”. (depoimento extraído do Correio da Cidadania). Na mesma linha de raciocínio, o presidente da Federação das Favelas do Estado do Rio de Janeiro/Faferj, Rossino de Castro, pergunta, perplexo: "Querem transformar as comunidades em guetos?" A atitude dos moradores da Rocinha e demais, que deverão participar do ato convocado pela Faferj, desconcerta o plano das elites. Em 1989, o mundo saudava a derrubada de um muro, o de Berlim. A luta de Nelson Mandela e tantos outros contra os muros do apartheid, na África do Sul, durou cinco décadas, até que o regime de segregação racial fosse derrubado oficialmente, em 1993. Mas a humanidade não caminha em linha reta. Vive em permanente queda de braço.
O capitalismo neoliberal reforçou novamente as muralhas, reinventando justificativas para encobrir a velha luta de classes. Ariel Sharon levantou, em 2000, o Muro da Cisjordânia que, mesmo sentenciado pelo Tribunal de Justiça de Haia (2004), continua de pé, mantendo os palestinos isolados como num campo de concentração. Com oito metros de altura, é duas vezes mais alto que o Muro de Berlim e quinze vezes mais longo. Os muros que separam os Estados Unidos do México começaram a ser construídos em 1994, com George Bush, o pai. Apesar das polêmicas que a obra gerou, em 2006, o Congresso estadunidense aprova a construção de novos muros “de segurança”, que impressionam pela tecnologia agregada: barreiras de contenção, iluminação de altíssima intensidade, detectores antipessoais de movimentos, sensores eletrônicos, rádios, policiamento ostensivo, helicópteros com armamentos separam as fronteiras de San Diego-Tijuana, Arizona, Novo México, Texas...E o que dizer do Muro de Marrocos, símbolo da ocupação marroquina no Saara Ocidental? E dos arames farpados que “protegem” da imigração as cidades espanholas de Ceuta e Melilla? Qual é a diferença entre esses muros da vergonha e os muros do Eduardo Paes? A retórica, talvez. Mas, essencialmente, a diferença é nenhuma. Conter o crescimento de favelas com muros, atribuir aos pobres a responsabilidade pela destruição das matas que restam (a maior parte já foi destruída por séculos de dominação branca); culpar, punir quem fica de fora das políticas públicas, é fazer uma aposta na guerra. É desafiar os povos segredados que, como reação natural, tenderão a ocupar mais. Sr. Prefeito, fica um apelo: que tal fazer diferente? Ouvir o que as comunidades têm a dizer e tentar governar para todos os cariocas? Nesse debate, a posição mais sensata, mais inteligente, mais civilizada é a dos moradores das favelas que só querem ser ouvidos, respeitados, integrados à cidade. No caso da Rocinha, os moradores sugerem, como alternativa ao muro, um anel viário que começaria no Morro Dois Irmãos, cercando a comunidade pela mata, já apelidadas de ‘ecotrilhas’. A idéia construir uma trilha pavimentada que serviria como área de esporte e lazer para quem vive na Rocinha, na Gávea, em São Conrado. O controle seria feito pelo poder público, por meio da guarda municipal comunitária e da guarda florestal.A favela quer negociar. Mas para ser ouvida, tem que demonstrar força. Fica o chamado: Santa Marta, Rocinha, Pedra Branca, Chácara do Céu, Parque da Cidade, Benjamin Constant, Morro dos Cabritos, Ladeira dos Tabajaras, Morro da Babilônia, Chapéu Mangueira, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho, Vidigal, Providência e tantas outras e todos os humanistas, sejam de que partido for. Amanhã, quarta-feira, 6 de maio, às 15 horas, compareçam ao ato em frente à Federação das Favelas do Rio de Janeiro, na Praça da República, 24, no centro, Rio de Janeiro.
Abaixo a política dos muros e dos campos de concentração! Que tal inverter o discurso dominante e começar a cobrar uma política séria de habitação popular. Será que o projeto anunciado pelo presidente Lula vai mesmo sair do papel ou ficará restrito às boas intenções? Urge que sociedade se mobilize para derrubar os muros da segregação e do preconceito. www.apn.org.br
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