sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Apareceu a margarida...

Míriam Santini de Abreu

P.S. Ontem, quinta-feira, começou a circular o anteprojeto de lei do Plano Diretor, em versão sem a totalidade dos anexos necessários. Obtive uma cópia agorinha, mas o anteprojeto ainda não está no site da prefeitura, ao menos não nas notícias nem no link específico do Plano Diretor. 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Florianópolis planejada... em linhas gerais OU o golpe do Plano Diretor


Míriam Santini de Abreu

Desde o início da semana a imprensa jaz sob a propaganda do governo Cesar Souza Jr. de “apresentar as linhas gerais do Plano Diretor”, depois de sete anos e “1,5 mil reuniões”. Para engolir um factoide desses, é provável que os jornalistas não tenham participado de nenhuma delas. O fato, sobre o qual parece não ter havido questionamento por parte de jornalistas, é: onde está a última versão do anteprojeto? É aquela de março de 2012? Qual é?

No site da prefeitura até agora não está. Os jornalistas, chequei, receberam um arquivo com diretrizes, e com isso se contentaram. Não sei se algum lembrou de perguntar sobre o texto, aquele que a prefeitura vai levar para as tais 40 oficinas distritais e temáticas. Saberiam, se tivessem perguntado, o óbvio: a prefeitura vai mais uma vez apresentar “linhas gerais”, com se “linhas gerais” definissem o desenvolvimento urbano da Capital. Não serão “linhas gerais” a desembarcar na Câmara de Vereadores em outubro, conforme anúncio do prefeito.

Quem de fato leu a última versão do anteprojeto foi o pessoal do Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo, que ontem recebeu uma missiva eletrônica da Superintendência do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis iniciada assim: “... vimos informar que o Governo Municipal, no cumprimento de suas atribuições e com o único intuito de cumprir seus compromissos públicos, passa a assumir diretamente, em contato permanente com a sociedade, a apresentação do novo projeto de Plano Diretor proposto para a cidade”. Com isso, o Núcleo Gestor foi dispensado.

Ora, e quem é o Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo? São representantes dos distritos da Capital que, desde 2006, lutam para que o crescimento da Capital não fique sujeito apenas à especulação imobiliária. Que, desde lá, representam moradores que se reúnem, debatem e definem diretrizes para suas comunidades. Que se debruçaram sobre a mais recente, de 118 páginas, e as outras versões do anteprojeto, para participar das “1,5 mil reuniões”.

Ao longo desses anos, o Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo conseguiu fazer o que a prefeitura, nessa administração e na passada, decidiu não enfrentar: colocar o tema do Plano Diretor em debate na sociedade. Se dependesse da prefeitura, isso nem iria acontecer. Na gestão Dário Berger, mais de um ano escorreu para que se montassem as bases distritais. A prefeitura nunca colocou no orçamento municipal recurso exclusivo para o Plano Diretor Participativo nem contratou equipe técnica exclusiva para o trabalho. Só neste ano o Instituto de Planejamento Urbano, o IPUF, mereceu alguma atenção, depois de anos sucateado. E nem Dário nem Cesar Souza articularam plano de mídia para conversar com a população sobre o Plano Diretor. As administrações se limitaram a colocar uns anúncios pagos na imprensa.

O Plano Diretor Participativo é o principal instrumento do Planejamento Urbano para efetivar o direito à cidade, definindo os objetivos a serem alcançados em cada área e os instrumentos urbanísticos e ações estratégicas que devem ser implementadas. Mas falar de Plano Diretor é como falar de Edital de licitação para o transporte coletivo, outra seara pela qual a prefeitura vai enveredar com mais um golpe contra a população. São temas áridos. Envolvem conceitos, definições. Cada palavra tem um sentido em disputa, porque as palavras valem. Elas autorizam, proíbem. Significam dinheiro, possibilidades, lucros. Podem significar a garantia de uma cidade possível, onde viver não seja uma experiência angustiante. Mas quem se debruça para pensar sobre isso? Quem informa o que acontece? Quem ajuda os cidadãos a decidir? Certamente não essa prefeitura.

Que se veja o Plano de Ocupação do Solo, por exemplo, que divide a cidade em zonas. Cada zona pode ser ocupada de uma forma, com um certo índice de aproveitamento, dependendo do que diz o Plano Diretor. Abrir mão de saber disso e, principalmente, decidir, cobra um preço alto.

Casa em encosta sujeita a deslizamento, ruas e rodovias mal-feitas, sem acostamento, passeios, ciclovias, edificações em áreas de preservação permanente, ruas imensas, estreitas, que tem nome, mas não tem água nem luz, trânsito prioritário para veículos, e não pedestres.  Quem mora em Florianópolis reconhece esse diagnóstico e reclama dele. Mas não necessariamente faz a ponte entre esses problemas e o fato de o Plano Diretor ser o instrumento legal por excelência para ordenar a cidade.

A prefeitura diz que irá convidar “todos para um inédito calendário de reuniões, consultas e audiências públicas, composto de cerca de 40 Oficinas Distritais em 21 localidades de todo o município, um número equivalente de reuniões técnicas com aproximadamente duas dezenas das entidades públicas e privadas representativas de todas as regiões e categorias sociais da cidade, além de cinco Oficinas Técnicas Regionais (Centro, Continente, Norte, Sul e Leste)”. Diz que isso irá “ampliar o número e a representatividade dos partícipes envolvidos com a construção do Plano Diretor”. Sim, mas que peso terão essas oficinas distritais e temáticas na definição do Plano? Terão peso de Audiência Pública? O resultado das oficinas será contemplado no Plano? E de que forma os participantes terão acesso ao anteprojeto, onde não há “linhas gerais”, e sim o que realmente importa, os mapas, os percentuais, as possibilidades de uso? Por que a prefeitura insiste em não usar o resultado de sete anos de debates produzidos nos distritos?

Aqui vale lembrar a Superintendência do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, que mencionou a necessidade de a prefeitura cumprir “seus compromissos públicos” e assim atropelar o Núcleo Gestor. Seriam compromissos com qual público? Há anos os moradores de Florianópolis organizados nos distritos dizem o que querem. Há anos o Plano Diretor não anda. O município agora diz que contratará quatro profissionais “de renome nacional e internacional” para consultoria em áreas específicas do Plano. Será que eles têm mais a dizer sobre a Capital do que quem vive, trabalha, estuda, pesquisa aqui? Renome é garantia de quê? Ora, e a falta de sintonia na prefeitura é tão grande que as diferentes áreas não conseguem se entender nem mesmo sobre o uso de um ponto da Capital, o Aterro da Baía Sul, para o qual toda a semana aparece um projeto novo.

A prefeitura anunciou hoje os principais pontos do Plano Diretor. Seria risível se não fosse trágico! Nem o mais tresloucado defensor de espigões nem o mais empedernido ambientalista nem o mais vendido colunista nem o mais desinformado jornalista seriam contrários a tamanha generalização (veja no final do texto)! A questão é como, para quem, de que forma, em que índices, em que zonas “preservar”, “proteger”, “valorizar”, “equilibrar”!
Sabe-se que há prefeituras que encomendam o Plano Diretor. Vem prontinho, ao gosto dos apoiadores das campanhas eleitorais. Em Florianópolis, a gestão Berger quis fazer isso. Contratou uma empresa argentina. Mas, aqui, se disse não. A capital já foi abocanhada de todos os lados pela especulação imobiliária. Não faltou naco, lote, área, restinga, praia, morro para violentar. E todo o dia vendem a patacoada de Florianópolis como destino turístico, para o visitante encontrar, na temporada, caos no trânsito, falta de água e luz, problemas de saneamento e por aí vai. Só não é pior – em termos urbanísticos, porque há que se reconhecer a beleza paisagística da Ilha, infelizmente mais arborizada do que a “árvore neural” do “trade” turístico - porque “ecochatos”, gestores públicos sérios, promotores, procuradores usam a lei para barrar investidas sem qualquer limite.

São esses os tratados como “vândalos”, “atrasados”, pela mesma mídia que, todos os dias, noticia as desgraças provocadas pelo mau uso da cidade, pela falta de fiscalização, pela corrupção. As bocas alugadas que dizem o que os donos e candidatos a dono da cidade não ousam dizer, enquanto circulam onde o poder circula para também se lambuzar nele.
A versão mais recente do anteprojeto do Plano Diretor tem 118 páginas. Não se conhece publicamente ainda a versão que a prefeitura, suponha-se, irá levar para as alardeadas oficinas. Quem luta há sete anos não vai parar. Quem não luta deve começar já. E ler. O resultado, se a população ficar de fora, será desastroso: lucro e boa vida para uns poucos e prejuízos para a maioria.

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Principais pontos do Plano Diretor anunciados pela prefeitura:

Preservação do meio ambiente com fiscalização efetiva
Proteção das encostas
Valorização de conjuntos urbanos de valor cultural
Preservação das paisagens
Criar centros no município para evitar conflitos de vizinhança
Construção de núcleos urbanos planejados
Equilíbrio na ocupação do solo
Soluções integradas de mobilidade urbana
Desenvolvimento da SC-401
Uso da Ponte Hercílio Luz para o transporte coletivo e criação de parques e decks no seu entorno
Recuperação das conexões marítimas
Criação de parques urbanos centrais, como no Aterro da Baía Sul e no Aterro Continental Sul
Requalificação Urbana do Centro Histórico
Vivências nas Vias Expressas

sábado, 21 de setembro de 2013

“Yo soy Kihili”






Por elaine tavares  - jornalista em Florianópolis

Ali estava ela, no palco, a dizer poesia. Magrinha, roupas coloridas e um chapéu estranho. Parecia mais uma maga, uma sacerdotisa de algum credo antigo. Depois, como se não bastassem os versos falados, cantou, canções camponesas, grito primal. Feiticeira, encantou cada um daqueles que se reuniam no ginásio de esportes da fria Sucre, capital administrativa da Bolívia. Ali estava para discutir os rumos desta Abya Yala rebelde e originária.

Seu nome judeu é Ruth Zafra, mas ela não é mulher para deixar que alguém lhe imponha algo. É fêmea livre. Então, crescida, decidiu seu novo nome, que vem das entranhas da terra ancestral. “Yo soy Kihili Kunturpillku”, repete, orgulhosa de sua descendência autóctone, do povo chimarrón, “que nunca se deixou escravizar”. A idade, não diz, mas garante que é do tempo em que a guerra era nos sopapos. Vive pelos caminhos de “nuestra América”, fazendo poemas, antecipando o tempo novo, que virá.

Kihili não é mulher para ser narrada. Ela se diz a si mesma e são delas as palavras que a contam. Mulher-povo, cantadeira, contadora de histórias, filha dileta de Abya Yala. Uma criatura para ser guardada nas retinas. Magrinha como um bambu. Forte como a tormenta. Kihili.

“Eu creio que nasci no limite de tudo. Nasci na fronteira entre Colômbia e Venezuela e no limite entre o norte de Santander e Guajira. E sempre estive no limite das coisas boas e más. Minha família, já naquela época, coisa impensável, não era católica, nem conservadora, nem liberal. Meu pai era um livre pensador, um socialista, um marxista estruturado, um homem vertical, quando a palavra vertical não era pejorativa. Ele tinha uma máxima filosófica que aplicava o tempo todo: o único objetivo de uma pessoa na vida deve consistir em ser irrepreensível.

Ele dizia, “aos meus filhos educo sem ódio e sem medo”. Então, no dia em que cumpri três anos, ele pôs a mão na minha cabeça e disse à minha mãe: “de amanhã em diante vamos ensiná-la a ler e escrever”. De tal maneira que aos quatro anos eu já escrevia e lia criticamente. Todos os dias fazia 20 linhas sobre o editorial do jornal El Tiempo. E nunca deixei de fazer essa tarefa. Por isso digo com muito prazer, e menos com orgulho, que eu não possuo nada nesta terra que não possa carregar nos meus ombros. Mas ainda assim sinto que sou a mulher mais rica do mundo. Sou opulenta porque a base da minha riqueza é que meus pais jamais me mentiram.

Eu venho de um lugar onde se diz a verdade às crianças desde o momento em que começa a perguntar. Se um garoto está aprendendo a caminhar e cai, todos olham para o outro lado. E se por acaso ele chora porque não olharam para ele, o que está mais perto pergunta:  “Que aconteceu?” A criança chora contando que caiu. Então este adulto responde: “Ah, sim? Então da próxima vez tenha mais cuidado e olhe bem onde vai colocar os pés para não cair outra vez”. É assim que nos educam para a vida. As mães dizem: “Eu cortei o cordão umbilical dos meus filhos na hora em que os pari”. Nenhuma mãe põe seus filhos sob a saia, eles nasceram para a vida, então têm de ser formados para a vida. Têm que aprender, sofrer os golpes, porque a vida não é feita de hem-hem-hem. Por isso sinto pena da geração de hoje em dia. Os pais fazem de tudo porque se sentem culpados e dedicam todo seu tempo a conseguir dinheiro para pagar o psicólogo do filho que tem problemas.

Mas eu prefiro falar do que há de bom. Eu cresci com uma disciplina incrível. E só para ilustrar. Houve há pouco tempo um concurso para escolher qual a palavra mais bonita da nossa língua e terminaram declarando como tal um conceito. A palavra mais bonita da nossa língua é “inverosimilitud”. Ah, que palavra! Então eu me criei com uma disciplina inverossímil. Mas a disciplina não era imposta. Meu pai jamais faltou à mesa, e ali se abençoava a comida sempre. Minha mãe era uma mulher muito religiosa, muito protestante, evangélica. Segundo ela, a mulher devia viver com a cabeça baixa, coberta, não falar em voz alta, em público. Bom, eu sou o seu karma.

Ela sofreu muito comigo porque queria que seu primogênito tivesse sido varão. E nasci eu. Por isso meu pai me criou assim. Até os cinco anos já havia escutado e lido os contos para crianças de todas as culturas da terra. Porque nós tínhamos apenas dois pares de sapato, o do aniversário e o do colégio. No natal ganhávamos um jogo e era tudo. Lembro de uma situação em que, aos cinco anos, ganhei uma boneca e minha irmã menor começou a chorar porque a queria. A minha mãe interveio dizendo: ela é pequena, dê-lhe a boneca. Então eu fui até meu pai e disse: Não quero mais ganhar brinquedos a partir de agora, eu quero livros. Então, toda a poupança do ano era para a feira de livros de Bogotá, que apresentava quase 36 hectares de livros.

Assim, minha casa vivia abarrotada de livros. Eu me criei numa biblioteca de 18 mil exemplares. O maior quarto da casa era para a biblioteca e a casa estava cheia de livros por todos os lados. Tínhamos um dicionário ilustrado da Academia Real da Língua feito com tinta chinesa, era gigantesco e pesava muitos quilos. Ele vivia aberto, mas para passar suas folhas tínhamos de lavar as mãos e seca-las com uma toalha branca que ficava ali perto só para esse ritual. Era uma disciplina incrível.

Vou resumir a minha infância. Dos cinco aos seis anos li todos os livros sagrados da terra, versão para crianças, que incluía “As mil e uma noites”, “O anel dos Nibelungos” etc... Dos seis aos sete li toda a novelística. Nunca vou esquecer “A Mãe”, de Máximo Gorki, “Guerra e Paz”, toda a obra de Dostoievski, de Tolstoi. Li todos os grandes, porque meu pai era assim, ele dava o exemplo e eu tinha disciplina, lia e lia e lia. E minha mãe, num determinado momento, começou a dizer que aquilo não era uma virtude e sim um vício e passou a esconder os livros. Dos sete anos aos oito eu já lia Lênin e logo me enfrentei com Freud. Aos nove eu lia Nietzsche e meu pai pediu que eu esperasse um pouco, até os 16 anos, para ler Kant. Mas, eu também lia muita literatura religiosa. E a poesia? Ah, esta, desde o ventre da minha mãe até o dia de hoje. Poesia? Toda a que se me apareça.

Aos sete anos, não sei o que aconteceu, mas eu chorei. E meu pai logo me disse: Imagine que aconteça uma catástrofe, que não haja sobreviventes mais que um grupo de crianças de pouca idade e uns três ou quatro velhos, tu serias capaz de pegar essa gente e ir adiante, e fazer dessa gente um povo de homens e mulheres livres? Imagine você! Isso aos meus sete anos, de maneira que aos dez eu estava preparada para isso. E já havia lido tudo sobre o Yoga, e todos os grandes livros filosóficos e sagrados, toda a lenda e mitologia dos povos. Assim que aos 12 anos, o rio Arauca (a morte) chegou a meu pai e eu fiquei a primogênita de seis irmãos. Assim, aos 13 anos eu era a rádio-jornalista licenciada mais jovem do meu país. Até os dezoito anos levei três salários para casa, fiz o que fariam três homens e levei meus irmãos para frente. Todos eles são doutores, têm mais de um título, carros, casa, fazendas, tratores. A única que não têm nada e é a analfabeta da família, sem títulos, sou eu. É uma glória pra mim dizer isso: Não tenho nada. Jamais tive poupança, conta bancária, nada. O que tenho é a poesia, a música e o que sei dentro de mim”.

Esta é Kihili. Aquela que não tendo nada, tem o mundo, e o amor de todos aqueles que cruzam seu caminho bendito!

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O "trade" turístico e os "beach clubs"

Míriam  Santini de Abreu

A polêmica dos “beach clubs”, pelos quais o “trade” turístico está romaria para evitar a demolição, faz lembrar o que aconteceu com o Bar do Seu Chico, no Campeche, derrubado em 2010 por determinação judicial. O motivo foi estar em área de preservação permanente. No caso dos “beach clubs”, os motivos são invasão de área de marinha, de área de preservação permanente, poluição sonora, hídrica, desmatamento e invasão de calçadão.

O Bar do Seu Chico, de madeira e palha, era ponto de encontro do povo crítico do Campeche. Os “beach clubs” são ponto de encontro do povo rico. Vão dizer que a comparação, por esse ponto de vista, é ranço com rico. Bom, então, no caso da derrubada do Bar do Seu Chico, quando não houve nenhum choro nos veículos do Grupo RBS, era ranço em relação a gente que pensa e fica ruminando coisas lá no Campeche.

Curioso é o “tread” turístico usar como argumento, na defesa dos “beach clubs”, a história e importância do turismo para a Capital. Dizem que "não é verdade que Florianópolis se sente incomodada com os bares e restaurantes da cidade, menos ainda com os turistas que nos visitam. Pesquisas apontam que mais de 80% das pessoas gostam e aprovam o turismo", cita o texto elaborado pelo “trade”. Primeiro, os “beach clubs” representam todos os bares e restaurantes da cidade? Segundo, que relação os b.c. têm com a aprovação do turismo e a atividade em si?

A resposta é a visão que esse povo do “trade” turístico tem de turismo. É uma visão completamente descolada da cidade. É turismo por ele mesmo, e só. Cita, o pessoal do t.t. a história e importância do turismo para a Capital. Que história e qual importância? Turismo como e onde?

Final de semana passado estive no Rio Vermelho. A rodovia principal liga as praias do Norte à Lagoa da Conceição. Só mesmo São Cristóvão para livrar os motoristas de atropelar pedestres em uma rodovia que praticamente não tem acostamento. Ali, onde deveria haver uma longa ciclovia, mal foi planejado lugar para o pedestre. As ruas laterais à rodovia são longas e há as que terminam no nada, sem placa para avisar. É uma entropia em grau máximo num dos acessos principais às praias do Norte.

Se efetivamente levasse em conta a história e importância do turismo para a Capital, o t.t. certamente faria a mesma peregrinação por obras de saneamento, fornecimento de água e, num plano ainda maior, por um Plano Diretor que, de fato, pensasse na cidade com um todo, não focando somente no que é de interesse de redutos nas praias mais badaladas.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O 20 de setembro

É sempre bom que se relembre o fato de que gauchismo não é algo que se incorpore só por se ter nascido no Rio Grande do Sul, um dos estados mais ao sul da federação brasileira. O gauchismo é, a meu juízo, um jeito de viver daqueles que cresceram na “campanha”, um espaço geográfico que toma parte do Rio Grande, Argentina e Uruguai. É o caminho cheio de horizontes, o descampado tomado pelo vento minuano, as sangas, o rio Uruguai e as emas. É coisa entranhada no corpo, com cheiro de tosquia, bosta de vaca e cavalo. É sentimento de imensidão e vertigens, típico daqueles que vivem nas bordas, veredas, hoje fronteiriças, mas que até 500 anos atrás eram estradas livres dos povos minuano, tapes e charrua, a gente originária que povoava o lugar antes da chegada dos espanhóis e portugueses.

Por isso que quando chega o 20 de setembro - data em que no Rio Grande se comemora o dia do gaúcho - eu me permito vibrar à custa desse gauchismo que vive em mim, nascido, como eu, na barranca do rio Uruguai. Esse rio atávico, essa veia larga, de onde, desde guriazinha, já observava, reverente, os balseiros, os pescadores e as lavadeiras na faina diária. Conhecedora da história da Revolução Farroupilha, aprendida bem antes de aprender a andar, sei muito bem que a revolta gaudéria do 1835 foi um levante de fazendeiros, de homens ricos, liberais, que buscavam um brecha na fechada economia colonial. Igualmente sei que, junto com eles, lutaram na guerra independentista os lanceiros negros, tropas formadas por escravos que se jogaram na guerra almejando sua própria liberdade. É certo que foram enganados e traídos pelos generais, mas como negar a eles a reverência por toda a bravura que empreenderam nos dez anos de existência da república farrapa? Também é importante lembrar a ação libertária e generosa dos índios charrua, que tinham passado para o lado de cá do rio depois da traição de Salsipuedes, na Banda Oriental, e que assumiram a causa revolucionária, colocando nas batalhas o seu corpo em oblação. E, como eles, também os minuano e os guarani. Ainda há que se lembra das gentes simples, os paisanos livres, que avançavam na batalha, incitados pelos ventos de transformação que vinham desde a parte de cima da América, desde os anos 20, com Bolívar, e depois com os vizinhos San Martín (da Argentina) e o grande Artigas ( da Banda Oriental).

Em nome de toda essa gente que se moveu na revolução é que se deve reforçar que os fazendeiros oportunistas não semearam no vazio. Havia toda uma terra já arada de desejos de vida plena, livre e cheia de bênçãos. E foi nessa senda que os seguiram a gente maragata, na pureza e na valentia. Mas não dá para esquecer que muitos dos que se bateram em combate nos campos do sul não estavam movidos nem pela pureza, muito menos pelas demandas de Bento e sua gente. Alguns tinham bem claro que havia uma guerra dentro da guerra e que haveria de chegar a hora em que os "generais" do latifúndio também haveriam de ser derrubados. Homens e mulheres que morreram nas batalhas, creio eu, talvez muito pouco se importassem com o mercado do charque ou com possibilidades de arrancar uma ou outra coisa do governo imperial. Muitos estavam firmemente empenhados da vontade de construir uma república, um novo jeito de organizar a vida. Sabiam das grandes guerras já travadas em toda a América, cujas histórias se contavam nos galpões, nas noites frias de minuano. E, quem já pode percorrer aquelas campanhas nas noites de inverno, sabe que, por vezes, dá até para ouvir as risadas de pé de fogo, e os sonhos verbalizados por aqueles valentes que se jogaram, em farrapos, na aventura de tecer um grande meio-dia.

E é esse povo de coragem que eu reverencio no 20 de setembro. Que me importa Bento Gonçalves, Canabarro, Almeida, Neto ou outros generais do latifúndio. Eles seguem sendo desvelados pela história nas suas vilanias, traições e cobiças. No 20 de setembro eu cevo o mate pelas gentes simples, pelos valentes que embarcaram na grande aventura da liberdade. Homens e mulheres, irmãos e irmãs de Bartolina, Micaela, Tupac Amaru, Tupac Catari, Bolívar, Manuela, Artigas, Juana Azurduy.  É essa procissão de gente que eu vejo passar diante dos meus olhos gaudérios. E é para eles que tiro respeitosamente o chapéu, porque ajudaram, com seus corpos, a palmilhar essa estrada ainda inconclusa da nossa independência como povo e como nação.

Digam o que disserem, eu faço cerimônias no 20 de setembro. Canto canções, acendo incensos e agradeço. Não aos fazendeiros que acabaram se achicando em acordos econômicos ao fim de 10 anos de luta, mas aos verdadeiros protagonistas dessa saga histórica que, repetidamente, acende em mim os candeeiros da paixão. Viva o povo farroupilha! Brancos, negros, índios, essa gente valente que fez o Rio Grande ser o que é.

Fórum da Bacia do Itacorubi fará atividades no Dia Mundial Sem Carro

O Fórum da Bacia do Itacorubi informa e convida:

Dia Mundial Sem Carro 2013=> movimento criado na Europa em 1997 e que se espalhou pelo mundo como uma data para as pessoas refletirem sobre o uso excessivo do veículo individual motorizado. É um dia para as pessoas utilizarem ônibus, bicicletas, caminhadas e formas sustentáveis de deslocamento para chegar ao seu destino.

6ª feira - Eventos na UFSC e Domingo no Trapiche Beiramar

-6ª feira, dia 20/09, das 10h às 18h, acontecerá a “IIª Circunferências sobre Mobilidade e Acessibilidade Urbanas”, na Praça da Cidadania, em frente à Reitoria da UFSC.

Uma estrutura criativa, formada por 12 circunferências, estará montada na Praça da Cidadania, em frente à Reitoria/UFSC, propiciando aos visitantes visualizar os projetos de mobilidade em elaboração, ver exposições, ouvir e debater com especialistas, assistir a vídeos e conhecer ferramentas para melhorar sua mobilidade cotidiana na cidade.

Serão apresentados:

- Painéis com os Projetos do Termo de Ajuste de Conduta - TAC da Fazendinha: Parque Linear do Córrego Grande;

- Apresentação das 3 propostas de alargamento da Rua Deputado Antônio Edú Vieira: PMF, GEMURB e da Comunidade do Pantanal.

-Domingo, dia 22/09, das 10 às 18 horas, acontecerá a “Maratona Intermodal”, no Trapiche da Beira Mar.

Os moradores da Grande Florianópolis serão desafiados a percorrer o trajeto da sua casa até o Trapiche da Beiramar de forma sustentável, utilizando ao menos três diferentes meios de transporte: é a Maratona Intermodal.

Aqueles que utilizarem o maior número de modalidades sustentáveis e forem mais criativos serão premiados pela organização ao final do evento.

A entrega dos prêmios será realizada no Trapiche da Avenida Beiramar Norte, às 18 horas.

Observação: é necessário documentar o trajeto percorrido com fotos ou vídeo para participar. A ideia é mostrar que é possível mudar os hábitos em prol da mobilidade sustentável.


As inscrições poderão se feitas no hotsite da RITMOS ou no local, a partir das 10 da manhã. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Comércio de ser humano

Míriam Santini de Abreu

A Câmara de Vereadores de Florianópolis aprovou, em primeira votação e por maioria, o Projeto de Lei 14901/2012, que dispõe sobre a contratação de idosos aposentados por micro ou pequena empresa. O projeto tem que ir a segunda votação. Com dois artigos, o projeto diz que a empresa e o empregado estarão isentos da contribuição prevista nos artigos 20 e 22 da Lei 8.212/1991. Essa lei é federal e trata da organização da Seguridade Social. Mas é de se ressaltar o que está no parágrafo único do Projeto de Lei que passou na Câmara: “A relação de emprego prevista nesta lei não acarreta nenhum benefício ou serviço da seguridade social”.

Para resumir: o idoso irá trabalhar sem descontar para a Previdência Social, o que varia de 8% a 11% sobre o salário, e a empresa deixará de pagar os 20% por elas devidos, por lei, sobre o total das remunerações pagas. Além disso, o idoso não terá direito a mais nada fora o salário, porque o parágrafo único deixa claro que não haverá nenhum benefício a mais.

É de se estranhar o fato de tal projeto ir a votação no Plenário da Câmara. Ele é inconstitucional. A justificativa no texto foi a de que é preciso aproveitar a experiência acumulada pelos trabalhadores com mais de 60 anos, já aposentados, “em benefício da viabilização de pequenas iniciativas empresariais”. E isso porque é alto o “percentual de encerramento de pequenas empresas, em função do despreparo de incipientes”. Ou seja, a impressão é a de que o projeto, de dois artigos em nove linhas, quer enfrentar duas realidades, a baixa aposentadoria da maior parte dos brasileiros e as condições precárias de educação enfrentadas pelos jovens - tendo reflexos no mercado de trabalho -, com uma solução: que o aposentado volte a trabalhar, e sem benefícios.

Como os ditos benefícios que eles irão receber não são citados, presume-se que se referem a transporte, refeição, eventualmente plano de saúde. Com o salário apenas, o aposentado praticamente pagaria para ir trabalhar, se precisar de ônibus, e também para comer.

A Procuradoria Geral da Câmara posicionou-se pela existência de óbice constitucional na matéria, afirmando que é privativa da União a competência para legislar sobre seguridade social: “quem não tem competência para instituir o recolhimento, não detém competência para propor sua isenção”. A assessoria da Comissão de Orçamento, Finanças e Tributação da Câmara também se manifestou de forma contrária ao projeto, que apresenta “vício de competência”.

Projeto de precarização

A aprovação do projeto em âmbito municipal se dá em meio a uma luta nacional contra o Projeto de Lei 4.330, de autoria do deputado Sandro Mabel (PR-GO), que prevê a terceirização de todas as atividades e funções de qualquer empresa, pública ou privada. O PL vai abrir as portas para precarização ainda maior das condições de trabalho.

A votação deste projeto foi suspensa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados e no dia 18 uma comissão geral irá discutir o projeto. O tema é tão grave que até mesmo 19 dos 26 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) manifestaram-se, em documento, contra o projeto, que provocará uma “gravíssima lesão social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários” contra os trabalhadores. O documento foi enviado ao deputado Décio Lima (PT-SC), presidente da Comissão de Constituição e Justiça.

Os ministros alertaram para o “rebaixamento dramático da remuneração contratual de milhões” de trabalhadores, com reflexos negativos diretos no mercado de trabalho e de consumo. O Coleprecor, entidade que reúne os presidentes e corregedores dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho, apoiou o documento dos ministros do TST. A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) também se posicionou contrária ao PL, sustentando que a aprovação do projeto romperá a rede de proteção trabalhista consolidada com a Constituição de 1988. Além da redução da renda, os ministros afirmam ainda que a aprovação do PL trará “severo problema fiscal ao Estado”, devido à diminuição substantiva da arrecadação tributária e previdenciária. O documento diz ainda que o Sistema Único de Saúde e o INSS ficarão sobrecarregados, já que as ocorrências de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais são mais frequentes entre trabalhadores terceirizados.

O juiz do trabalho Jorge Luiz Souto Maior , em artigo intitulado “Terceirização elimina responsabilidade social do capital”, alerta: “Os protagonistas do PL 4.330 tentam vender a ideia de que estão fazendo um bem para os trabalhadores. No entanto, estão tentando justificar e minimizar todas as maldades já cometidas pela terceirização ao longo dos 20 anos em que se instituiu no cenário das relações de trabalho no Brasil, desde quando foi incentivada pela Súmula 331, do TST, em 1993, tendo servido ao aumento vertiginoso da precarização das condições de trabalho”.

Na terceirização como modelo de produção, diz Souto Maior, “a grande empresa não contrata empregados, contrata contratantes e estes, uma vez contratados, ou contratam trabalhadores dentro de uma perspectiva temporária, não permitindo sequer a formação de um vínculo jurídico que possa ter alguma evolução, ou contratam outros contratantes, instaurando-se uma rede de subcontratações que provoca, na essência, uma desvinculação física e jurídica entre o capital e o trabalho”. Isso torna mais difícil a efetivação dos direitos trabalhistas, “pois o empregador aparente, aquele que se apresenta de forma imediata na relação com o trabalho, é, quase sempre, desprovido de capacidade econômica ou, ao menos, possui um capital bastante reduzido se comparado com aquele da empresa que o contratou”.

A legislação atual, como já visto, permite a terceirização - que já corre solta no país -, em apenas quatro hipóteses: contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário, contração de serviços de vigilância, de serviços de conservação e limpeza, e de atividades-meio, mas condicionada a regras.

A diferença entre atividade-meio e atividade-fim é importante para entender o impacto do projeto. A atividade-fim é a finalidade principal da empresa. Pela lei, uma empresa de ônibus, por exemplo, não pode contratar motoristas autônomos, porque sua atividade-fim é o transporte coletivo. As atividades-meio são caracterizadas como as de limpeza, a segurança e a manutenção patrimonial, tirando as empresas criadas com esse objetivo. Mas não é tão simples: em outro artigo, Souto Maior questiona: a limpeza em um hospital, que é atividade fundamental para a saúde dos pacientes, pode ser considerada apenas atividade-meio?

Aos “hipossuficientes”, mais terceirização

O empresariado está contente da vida com o projeto de Mabel. Uma certa Central Brasileira do Setor de Serviços avaliou como “absurda” a tomada de posição dos ministros do STF: “Mas uma vez, mostra-se cristalino o fato de juízes se confundirem com preceito da CLT na proteção ao hipossuficiente, pois, mesmo em face da validade do diploma, eles deveriam ser neutros, não parciais e panfletários”, diz a nota. “Hipossuficiente” é o estado daqueles que sobrevivem com o mínimo de condições financeiras e os miseráveis, estado que vai se ampliar com a terceirização.

O presidente da Anamatra, Paulo Schmidt, em notícia divulgada na imprensa, alertou que “não há qualquer menção no texto à restrição da terceirização na atividade principal da empresa. Na prática, a terceirização vai ocorrer em qualquer etapa da cadeia produtiva e no futuro vamos ter empresas sem empregados”. A última versão do projeto mencionou até mesmo empresas especializadas em terceirizar.

Estudo de 2011 da CUT e do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que o trabalhador terceirizado fica 2,6 anos a menos no emprego, tem uma jornada de três horas a mais semanalmente e ganha 27% a menos. A cada 10 acidentes de trabalho, oito ocorrem entre terceirizados. O Tribunal Superior do Trabalho também divulgou em seu portal um estudo sobre as empresas com processo julgados nos tribunais trabalhistas brasileiros. Das 20 primeiras do ranking, seis são do setor de terceirização de mão de obra.

Nesse cenário, a aprovação, pela Câmara de Florianópolis, do projeto que isenta de contribuição a empresa que contrata idoso, revela como a lógica da precarização do trabalho está na pauta dos empresários e também impregna o fazer legislativo. A ideia de “aproveitar a experiência” dos idosos mascara mais uma tentativa de sugar o que der dos trabalhadores ao menor custo possível. O projeto de Mabel vai ainda mais além, rasgando todos os direitos consolidados. O juiz Souto Maior resume bem o que vai acontecer se o projeto for aprovado: a formação de uma espécie de shopping center fabril, onde o objeto principal de comércio é o próprio ser humano.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

O novo edital dos transportes foi uma decepção geral







por elaine tavares

A Prefeitura Municipal de Florianópolis chamou uma audiência pública para essa segunda-feira, oito horas da manhã, na qual discutiria a nova proposta para o transporte coletivo e o projeto de licitação das empresas. A audiência se fez sem maiores chamamentos públicos, sem mobilização das comunidades e, por conta disso, com muito pouca presença de usuários do sistema. Afinal, a maioria dos trabalhadores está no trabalho a essa hora da manhã. Ainda assim, representantes de entidades e alguns usuários se fizeram presente e fizeram suas reivindicações.

O representante da prefeitura, Domingos Bonin, abriu sua fala mostrando tabelas que mostram como o número de passageiros no transporte coletivo diminuiu de 2008 (4 milhões e 700 mil) para cá (4 milhões e 400 mil), observando que essa diminuição começou pouco depois da implantação do sistema integrado de ônibus. O que não é novidade, uma vez que a integração, em vez de melhorar, piorou a vida dos usuários, principalmente daqueles que moram nos bairros mais afastados do centro que agora precisam usar três veículos diferentes para chegar em casa. Além disso, com a integração também o tempo de percurso aumentou significativamente, ocupando muito mais vida das gentes. Trajetos que levavam 40 minutos, hoje são feitos em duas horas e meia, com trânsito bom. Ele também mostrou que apesar da diminuição do número de passageiros, aumentou o quilômetro percorrido bem como a frota de ônibus ( de 359 em 2006 para 436 em 2013). Logo, argumentou que um dos desafios da prefeitura é justamente baixar o preço da tarifa, apenas dos números que revelam o aumento do custo do sistema.

Apresentados os números, Bonin falou cerca de uma hora sobre as novidades do novo sistema de transporte pensado pela prefeitura. Segundo ele, Florianópolis terá uma dos mais modernos do país, totalmente informatizado, com informações on line para usuários, trabalhadores do sistema e operadores. "O foco de tudo é o usuário e nossa intenção é diminuir o tempo nos terminais e o tempo do trajeto". Para isso será criado um Centro Integrado de Gestão que vai comandar todo o sistema, inclusive com os novos modais que forem se agregando. Todas as informações serão disponibilizadas via internet e os usuários poderão acompanhar o ônibus através de aplicativos nos tablets e smartfones. Rotas, horários, tempo de chegadas, atrasos, enfim, tudo estará disponível na tela de quem tiver a sorte de ter um equipamento eletrônico. Os que não tiverem poderão ter as informações nos painéis que ficarão nos terminais e também nos pontos de ônibus.

Ainda segundo Bonin, o sistema integrado terá como se comunicar com o motorista, informando sobre situação do trânsito e outras situações de emergência e é a prefeitura quem vai comandar toda a operação. Barin salientou que com, essa novidade, a licitação vai ter em conta todo o sistema e não só as linhas. Também deixou claro que o novo edital dá mais poder ao poder concedente, no caso, a prefeitura, de intervir no sistema em caso de paralisação envolvendo os trabalhadores.

A apresentação que apontou as maravilhas das inovações tecnológicas do novos sistema frustrou os usuários e representantes de movimentos sociais que estavam na audiência, uma vez que  quando a conversa chegou no ponto que realmente interessava, como o traçado das linhas, os trajetos, a lógica da integração, Borin remeteu o tema a alguns anexos da lei, que não forma mostrados, apenas citados. E por aí acabou a fala, sem qualquer menção aos problemas reais vividos pela população.

O representante da UFSC, Werner Kraus, foi o primeiro a se manifestar e alertou à prefeitura sobre o fato de que a população precisa tomar conhecimento do projeto inteiro. Salientou que a modernização do sistema vem em boa hora, mas o que realmente importa é o desenho das linhas e toda a problemática que envolve a integração. Sugeriu que esse debate não ficasse só nessa reunião e que a população tivesse mais tempo para conhecer o edital, para poder opinar sobre ele. Os representantes do movimento Passe Livre, bem como várias outras lideranças políticas da cidade se manifestaram alegando que é chegada a hora de o sistema se municipalizar, afinal, essa é uma luta histórica e os problemas que hoje a cidade vive estão intimamente ligados ao fato de que esse serviço público está na mão da iniciativa privada, e aos empresários o que está em primeiro lugar é o lucro, não o bem estar dos usuários. Também foi sugerido que a prefeitura avance para a lógica da tarifa zero, uma realidade em muitas cidades do Brasil e de outros países. 

Causa muito constrangimento em quem sofre o transporte coletivo todos os dias observar que quem pensa o sistema não sabe como ele é no cotidiano, não vive a realidade das filas quilométricas, da integração ineficiente, do absurdo das demoras de trajeto. São decisões tecnocratas, totalmente desconectadas da realidade das ruas. Foi lembrado que ao usuário não basta saber, pelo tablet, onde está o ônibus e todas as demais maravilhas da tecnologia de informação que foram cantadas na apresentação. O que realmente importa é que o sistema funcione, que não se tenha o monopólio das linhas, que a integração seja eficiente, que o tempo do percurso diminua consideravelmente e que a cidade inteira se modifique para o uso do transporte coletivo em vez do carro. Sem isso, não adiantará de nada um Centro de Gestão ultra moderno.

Também foi solicitado que a prefeitura disponibilizasse o restante do projeto, os tais anexos que só foram nominados, mas não explicitados, para que se pudesse ter uma visão geral da proposta no que realmente importa ao usuário. De resto, a audiência foi uma grande decepção para os que usam o sistema, porque não foi possível saber o que está reservado à cidade. Ficou acertado uma nova audiência para a semana que vem, na qual, espera-se, sejam apresentados os anexos e todos possam discutir o sistema real.

No que diz respeito à repercussão da audiência na mídia comercial, foi tão superficial como a própria apresentação do edital. A maioria dos comentaristas se limitou a reproduzir as loas sobre a "maravilha tecnológica" que foi apresentada, e também o destaque para  o fato de que a prefeitura será mais dura contra a paralisação de trabalhadores. Nenhuma novidade, é claro. Nos jornais, nada que pudesse realmente informar ao público sobre o sistema real. Seguimos então, reféns das informações não prestadas.

Agora, é esperar que a prefeitura libere o conteúdo total da proposta para que se possa ter uma análise clara do que muda ou não. 

sábado, 7 de setembro de 2013

A desmilitarização das polícias e a luta de classes


Por Marcela Cornelli

As mobilizações que seguem no País desde junho trouxeram à tona a discussão sobre a desmilitarização das polícias. A repressão à manifestação do Movimento Passe Livre em São Paulo em junho repercutiu em todo o País, sensibilizando a sociedade, e desencadeou as lutas nas ruas com o lema “Não é só por 20 centavos”. Por outro lado, movimentos sociais ligados ao movimento negro e às Mães de Maio, entre outros, principalmente no Rio de Janeiro, gritavam “Na favela as balas não são de borracha”, chamando a atenção para as chacinas e mortes de jovens negros e pobres nos morros pela polícia.

Vista por muitos como herança da ditadura militar no País, a Polícia Militar como está estruturada hoje existe como força auxiliar às Forças Armadas, tem treinamento militar e identifica o “inimigo” como pobre, negro e favelado. Além disso, é submetida à Justiça Militar e não ao julgamento pela Justiça comum. A desmilitarização vem ganhando espaço na sociedade e até mesmo entre os Praças. Estes também são prejudicados em seus direitos trabalhistas e de organização sindical pela militarização das polícias. Até o Corpo de Bombeiros é militarizado no Brasil. Também heranças da ditadura temos a Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar (Rota) e o Batalhão de Choque. Em países como os Estados Unidos e Inglaterra as polícias são 100% civis. A desmilitarização, que não significa acabar com a polícia armada e de farda, pode não ser a única solução para a atuação violenta das PMs que acabam servindo como braço direito do sistema capitalista, tomando partido contra aos trabalhadores na luta de classes, mas é um debate que merece toda a atenção por parte do movimento sindical e dos partidos de esquerda. Afinal cada vez mais os movimentos sindical e social são criminalizados nas ruas.

“Eu sou favorável à desmilitarização. Não vejo justificativa lógica para um sistema militar em uma instituição que presta um serviço de natureza civil, de segurança pública. O militarismo nas polícias serve a interesses de pequenos grupos, elitistas, e prejudica a prestação de um serviço público de qualidade por estas instituições, uma vez que retira dos policiais e bombeiros alguns direitos civis e políticos, como liberdade de expressão, filiação partidária e sindical, entre outros”, defende o soldado da PM, especialista em segurança pública e coordenador de imprensa da Associação de Praças do Estado de Santa Catarina (Aprasc), Everson Henning.

Everson que é também jornalista e mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal em Santa Catarina (Ufsc), conta que a Aprasc já fez campanha com o slogan “Desmilitarização Já!”, em 2009 e 2010. Ele lembra que, na época, aconteciam os debates da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública e os Praças enfrentavam um duro embate com o Governo Estadual e com o comando da PM. “Sofremos duros golpes na Justiça Militar e na Corregedoria da PM, resultando na exclusão de 22 Praças e em milhares de processos administrativos e judiciais contra os diretores e apoiadores da Aprasc. Mas a campanha foi efêmera, talvez mais como resposta às agressões que estávamos sofrendo. Nunca fizemos um debate amplo com a categoria e acreditamos que o assunto divide muito a opinião dos Praças”, ponderou.

O soldado explica que desmilitarização não significa retirar a farda, nem acabar com o serviço de natureza ostensiva, a hierarquia e a disciplina. “No caso específico das PMs e Bombeiros, desmilitarizar passa pela alteração da Constituição Federal, retirando a vinculação dessas corporações com as Forças Armadas, fim das Justiças Militares Estaduais e substituição dos regulamentos disciplinares por códigos de ética”, diz.

Desmilitarizar resolve o problema da repressão?

Para Everson , o ideário militar, de “combater o inimigo” contribui para a atuação mais violenta da PM nas manifestações populares e a herança da ditadura militar de 1964 também deve ser considerada, pois naquele período a PM foi utilizada para combater o povo que se manifestava exigindo democracia. “Mas não podemos ter uma visão ingênua de que somente a desmilitarização será capaz de produzir uma Polícia Cidadã, até porque vemos diariamente casos de abusos, torturas e repressões por parte de policiais civis, agentes penitenciários e outros agentes do Estado que não são militares. A desmilitarização é um começo, necessário, para a construção dessa Polícia Cidadã, mais próxima do povo e com os esforços mais voltados à segurança pública de fato e não à manutenção da ‘ordem’”, defende. Para o dirigente da Aprasc, a desmilitarização só vai regularizar o que já acontece na prática. Desde meados da década de 1990, os Praças das PMs e Bombeiros estão se manifestando nas ruas, organizando paralisações e movimentos. “Nossa categoria perdeu o medo e a manutenção das restrições atuaisdo sistema militar só vai contribuir para acirrar ainda mais as contradições internas das instituições e causar conflitos cada vez mais graves.

Desmilitarizar é uma necessidade de o próprio Estado manter a ‘ordem’ e evitar que o barril de pólvora dos quartéis exploda de vez. Os praças não aceitam mais o tratamento que recebiam no século passado, os gritos por liberdade e dignidade já ultrapassaram os muros dos quartéis e não vamos mais retroceder, mesmo com prisões, ameaças e processos a nossa luta vai continuar”. Everson fala que na sociedade civil a recepção desta discussão tem sido boa, desde as camadas mais populares até as camadas médias, acadêmicos, intelectuais e militantes. “Ainda enfrentamos resistência nos quartéis e inclusive entre os Praças, que, paradoxalmente, são as primeiras e maiores vítimas. Parece contraditório, mas é preciso entender que muitos policiais e bombeiros militares foram treinados sob o ideário militar. Além disso, entra também uma questão de corporativismo, ou seja, desmilitarizar significa acabar com a instituição e acabar inclusive com a própria condição de “praça”. É uma mudança muito grande.

Acredito que por isso causa essas reações negativas em alguns companheiros de caserna”. Tramitam hoje no Congresso Nacional propostas de emendas constitucionais que tratam da desmilitarização. “A PEC 102 do senador Blairo Maggi abre um caminho importante, mas para ocorrer a desmilitarização de fato é necessário um projeto de lei que seja bem explícito no que diz respeito ao fim das justiças militares estaduais e também ao fim da vinculação com as Forças Arma-das. O texto da PEC 102 apenas ‘faculta à União e aos Estados a adoção de polícia única’. Ou seja, a PEC 102 pode, mas não necessariamente vai levar à desmilitarização”, opina o soldado.