quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Senador de identidade nova


Míriam Santini de Abreu

Fazia meses que não víamos o Senador. Pensamos nós: ele deve estar em campanha. Pois eis que nesta quinta topo com ele na frente do Angeloni da Rio Branco. Cumprimentou-me e falou de suas relações com Al Capone, de quem locou um cassino em Las Vegas. E, para minha alegria, ele conseguiu uma carteira de identidade nova em folha!
O caso é o seguinte: o Senador usava uma fotocópia velha de uma identidade há muito perdida para dar confiabilidade a todos os seus manifestos. Mas precisava de um original. Ligamos para o cartório em Lauro Muller, mas informaram que o nome do nosso Senador não constava nos arquivos de lá.
Pois alguém conseguiu apurar que sim. O Senador, em visita ao nosso serviço nessa tarde, logo depois do encontro no Angeloni, contou que uma certa pessoa deu a ele 200,00 para ir a Lauro Muller obter a certidão de nascimento (ele conseguiu!). Depois, bastou fazer o RG em Florianópolis. Que alegria a do nosso Senador!
Agora ele tem um novo desejo: ir ao Rio, São Paulo e Brasília levar seus manifestos. Em Brasília, quer encontrar a cúpula do Superior Tribunal de Recursos (!) porque, segundo ele, recursos são o mais importante, têm poder, mais do que Dilma Rousseff. A presidenta, disse ele, é muita boazinha, muito articulada, ajudou muito professores “caidinhos” da UFSC (sim, ele disse “caidinhos”), mas não chega à altura do Superior Tribunal de Recursos.
Perguntamos se não bastava Brasília, mas ele diz que chegar assim, sem mais, na capital federal, sem passar por Rio e São Paulo, vai tirar todo o impacto de sua visita. Já planejou levar várias sacolas com seus manifestos e documentos. Agora, concluiu o Senador, falta apenas dinheiro.

Demais, o Senador!

Resgate da cultura negra, debate e homenagem à militante e diretor da Fenasps no 20 de novembro em Florianópolis

Por Marcela Cornelli

Para marcar o Dia Nacional da Consciência Negra, entidades sindicais realizaram no dia 20 de novembro, diversas atividades culturais e políticas em Florianópolis. Pela manhã, foram realizadas atividades em frente à Catedral Metropolitana, no Centro da Capital, com apresentação de grupos de dança e hip-hop. Também foram distribuídas cartilhas sobre a anemia falciforme, alertando para as especificidades da saúde da população negra.
À noite, movimentos sindicais e sociais e estudantes se reuniram para participar do debate “O Negro na telenovela brasileira”, com o professor do Departamento de Estudos Sociais da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Ivo Pereira de Queiroz, também militante do Movimento Negro Unificado (MNU).

A ideia de colonialidade
“São 400 anos de racismo e dominação e de desprezo às culturas e saberes da população negra. O primeiro trabalhador do Brasil foi o negro. 12 milhões de vidas foram gastas para construir o Brasil e agora reclamam que o garoto negro quer uma cadeira na universidade”, disse o professor Ivo Pereira de Queiroz.  “A ‘colonialidade’ ficou”, defende o professor, referindo-se à dominação de ideias e preconceitos que permanecem até hoje desde a época do colonialismo. “As pessoas morrem, mas as ideias permanecem nas mentes, corações e nas instituições”.

“Eles já fizeram o contrato com e para quem vão governar”
Na opinião do professor, “hoje vivemos em uma sociedade de aparências e quem produz fica do lado de fora. É uma sociedade do consumo e da alienação. Os valores e tradições são regulados pela colonialidade. No governo não é diferente. Os governantes eleitos foram financiados pelas mesmas empresas. Eles já fizeram o contrato com e para quem vão governar”.

O negro e as mulheres na TV
“Na TV as mulheres são transformadas em coisas. Há racismo e inferiorização da gente negra. A mulher negra sofre ainda mais. Há o estereótipo de que a mulher branca é para casar e para cozinhar e a mulata para fornicar”, diz o professor. “Por isso, a lei que deu mais direitos às empregadas domésticas foi tão combatida. A colonialidade está no imaginário como se fosse um vírus. No desenho animado, por exemplo, a cor do mal é sempre escura”.
O professor citou o exemplo de vários atores negros que tiveram papéis na TV associados ao consumo do álcool, sem dentes e engraçados e/ou mal tinham falas no seu papel, na maioria das vezes retratados como empregadas domésticas, motoristas e/ou seguranças da elite branca. Para o professor, houve algumas mudanças, isso graças à pressão dos movimentos negros, porém ainda estamos muito aquém do necessário. “Até discutem a maior participação de negros nas novelas, por exemplo, mas não discutem o conteúdo”.  As TVs visam o consumo e não avançam em determinadas questões para não desagradar o público e consequentemente seus patrocinadores. “Dependendo do que o público pensa eles mudam o enredo”, observou Queiroz.

O monopólio das comunicações
“O monopólio das TVs é tão naturalizado. Não se pode ser inocente, tudo tem um propósito, uma intencionalidade. Desmistificar o consumo das ideias é sadio. Precisamos aprender a ficar resistentes ao que os meios de comunicação nos mostram como verdades”.

O papel dos sindicatos
“A injustiça social só desaparecerá quando vencermos a injustiça entre as classes”, enfatizou o professor. Para ele, dentro desta perspectiva o papel do sindicato é fundamental na discussão com os trabalhadores e as pautas sindicais devem avançar para além das discussões das categorias. Se isso não for feito não haverá mudanças.

Homenagem ao Diretor da Fenasps e do movimento negro
Ao final do debate foi feito menção e homenagem, pelo movimento negro de Santa Catarina e por todos os presentes, ao militante do movimento negro do Rio de Janeiro, Manoel Crispim Clemente Flores, servidor do INSS e ex-dirigente da Fenasps, do Sindsprev/RJ e da coordenação nacional da CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular), que faleceu nesta quarta-feira, 5 de novembro, vítima de um acidente de carro. Crispim dedicou sua vida à luta dos trabalhadores da seguridade social, ao combate à discriminação racial e à construção de uma sociedade com justiça social.

Participam da organização dos eventos no dia 20 de novembro em Florianópolis as seguintes entidades: Sindes, Sindprevs/SC, Sinte, Sinergia, Sintrasem, Sintrafesc e o Movimento Negro Unificado (MNU).

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Celebração do Dia do Saci

Atividade realizada na Esquina Democrática, em Florianópolis, no dia 31 de outubro de 2014. O Dia do Saci é celebrado desde há 11 anos na cidade, numa promoção da Revista Pobres e Nojentas, com o apoio do Sintufsc, Sintrajusc, Sindprevs e Sinergia.


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

A luta pelo HU

Estudantes, sindicalistas, populares, Fórum Catarinense em defesa do SUS, gente de todo o tipo que defende o Hospital Universitário totalmente público se reuniram, nesse dia 30 de setembro, na reitoria da UFSC, para acompanhar a sessão do Conselho que iria debater o tema. O assunto HU foi tirado da pauta, mas a luta se fez. Veja como foi.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Encontro do Cavalo Marinho com o Boi de Mamão: um Brasil que se descobre!










































Por Marlon Assef

Um verdadeiro reconhecimento de tradições populares e uma troca de saberes. Assim será o encontro do grupo de Cavalo Marinho Estrela Brilhante, de Pernambuco, com o Boi de Mamão Arreda Boi, da Barra da Lagoa, que acontece a partir desta quarta-feira (10).  A iniciativa que reúne dois expoentes dos folguedos de Boi, uma das tradições populares mais tradicionais do país, vai promover uma aproximação de pernambucanos e catarinenses em torno da cultura popular e seus desafios .  “Será uma oportunidade única de mostrar em Santa Catarina toda a riqueza do Cavalo Marinho, que é um genuíno representante da cultura popular nordestina, ao mesmo tempo em que iremos trocar referências e saberes com o Boi de Mamão da Ilha”, enfatiza João Tragtenberg, coordenador do projeto em Pernambuco.

Além de promover um riquíssimo encontro de duas manifestações populares, o projeto também propõe uma reflexão sobre os rumos da arte de rua e da cultura popular, especialmente em Florianópolis. “Ao mesmo tempo em que aprendemos os passos e as cantorias dessa dança popular que é o cavalo marinho, vamos refletir sobre a importância de políticas públicas que valorizem os espaços de rua como um lugar de todos, que deve estar aberto para as mais diversas manifestações da cultura”, diz o educador Nado Gonçalves, coordenador do Ponto de Cultura Arreda Boi, anfitrião do encontro na Barra da Lagoa.

Na primeira parte do encontro, patrocinado pelo Fundo de Cultura de Pernambuco, três oficineiros do Estrela Brilhante – Nice Rodrigues e seus filhos Natan e Totó da Rebeca – compartilham os encantos do Cavalo Marinho em oficinas no Centro Comunitário da Barra da Lagoa.  Depois, será a vez de 19 integrantes do Estrela Brilhante chegarem na ilha para apresentações em escolas e espaços públicos da Barra da Lagoa.  Nesse meio tempo, acontece um show com o grupo Rabequinha Gemedeira, na Casa de Noca, com a apresentação de ritmos nordestinos como o Côco de Roda, Ciranda e Forró. A abertura do show será do Arreda Boi.

Para completar a integração cultural, em outubro a turma do Arreda Boi leva para Pernambuco toda a tradição do boi de mamão da Barra da Lagoa, em oficinas e apresentações em locais públicos de Condado, o pequeno município da zona da mata onde nasceu a tradição do Cavalo Marinho.


Programação:
Dias 10, 11 e 12 set – Oficinas de construção de instrumentos, estandartes, música e dança, entre integrantes do Cavalo Marinho Estrela Brilhante e o grupo de Boi de Mamão Arreda Boi, na Barra da Lagoa.
Dia 13 set -  Oficina do Estrela Brilhante aberta ao público, no Centro Comunitário da Barra da Lagoa, das 8h30 às 12h. Ingressos a R$ 20,00.
Dia 14 set – Show a partir das 18h, com o grupo pernambucano Rabequinha Gemedeira, na Casa de Noca (Lagoa da Conceição). Abertura do boi de mamão Arreda Boi. Ingressos a R$ 10,00.
Dia 25 set – Apresentação do Estrela Brilhante na Escola da Barra da Lagoa, às 20h.
Dia 26 set – Apresentação do Estrela Brilhante na Praça dos Pescadores da Barra da Lagoa, das 19h às 24h.

Contatos para entrevistas.
João Tragtenberg - (81) 9928-5632
Nado Gonçalves –  8408-4161 / 3238-2656
Marlon Aseff (Assessoria de Imprensa) – 9906-1268

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Albeneir - ídolo do Figueirense

A produção da Pobres e Nojentas esteve no Estádio Orlando Scapelli, entrevistando o ídolo maior do clube: Albeneir Marques. Esse jogador excepcional, homem generoso e gigante, não só no tamanho, mas também na capacidade de superar todos os obstáculos dessa vida. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Cotas sim! Por quê?

Por Marcela Cornelli

Moro em uma comunidade pobre do Maciço do Morro da Cruz, trabalhava em uma rede de supermercados e, quando meu filho mais velho tinha 9 anos, voltei a estudar. Com as cotas pude entrar na universidade. Ao pedir as contas do meu emprego fui questionada: ‘mas você já não tinha um emprego?’, ‘o que está fazendo agora?’ Agora não carrego mais caixas. Vivo de bolsa. Sou estudante. Até para meu marido não foi fácil explicar que eu não iria mais trabalhar, iria estudar. Esta é a difícil condição da mulher, negra e pobre na nossa sociedade”, conta Luciana de Freitas Silveira estudante cotista de Ciências Sociais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), militante do Movimento Negro Unificado (MNU) e do 4P - Poder para o Povo Preto/UFSC. A história de Luciana se repete Brasil afora. Com a instituição das cotas nas universidades em 2003, um passo importante para grandes mudanças foi dado.

“As cotas estão dentro de um projeto maior: as políticas de ações afirmativas. Quem precisa se afirmar? Os grupos sociais e/ou étnicos que foram historicamente excluídos, em virtude do processo de modernização da sociedade que é excludente, como apontam estudos. No caso brasileiro, os africanos escravizados e as sociedades indígenas foram as ‘vítimas preferenciais’, pois durante muito tempo foram vistos pelos colonizadores e seus descendentes como seres inferiores intelectual e fisicamente”, aponta o professor da Universidade Federal de Pernambuco, José Bento Rosa da Silva.

“As cotas étnicas nas universidades são reivindicações que remontam a década de 40 e 50. É bom lembrar que outros países já estabeleceram cotas, como os EUA, a partir da luta pelos direitos civis dos negros nos anos 60. E o que foi a criação do Estado de Israel em 1948? Uma espécie de reparação pelo que os judeus sofreram no decorrer da segunda guerra mundial. Portanto, temos precedentes de ações afirmativas, de ações reparadoras. As cotas são isso também na história contemporânea”, resume o professor José Bento.

“Os negros foram expropriados e sequestrados para trabalhar em outras nações. A população negra ficou excluída de todas as políticas que pudesse levá-la a um processo de igualdade. Por isso, se exige a reparação e direitos fundamentais como saúde, educação e habitação, que lhes foram negados nestes anos de história. As cotas são parte desta reparação”, diz Maria de Lourdes Mina, Lurdinha, militante do Movimento Negro Unificado (MNU).

Lurdinha lembra que 52,8% da população brasileira é negra e que as cotas vão atender cerca de 12% desta população. “Uma parcela ínfima. As cotas vêm para minimizar a desigualdade e promover parte da equidade. Vamos ter um país que promove a igualdade e discute com a sociedade as desigualdades existentes”.

“Um amigo me disse outro dia que antes, ao andar pela UFSC, não avistava negros. Estamos nos vendo mais dentro da universidade. É o negro se empoderando na universidade e isso assusta porque não se tem um debate mais profundo, ou por desconhecimento ou por medo. Quando me apresento como cotista, há um silêncio na sala. Ninguém quer debater a importância disso, nem o professor, nem os demais alunos. Ainda há muito preconceito racial que é estrutural no meio acadêmico”, opina Luciana.

“Os estudantes cotistas sofrem com o preconceito, principalmente em algumas regiões mais conservadoras do Estado”, diz Ticiane Caldas de Abreu, estudante cotista do curso de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Ticiane trabalha em um projeto em várias regiões de Santa Catarina que tem o objetivo de ajudar os alunos cotistas pedagógica e psicologicamente. Ela também acredita nas cotas como forma de reparação dos anos de desigualdade racial e social. “Na sociedade brasileira, a desigualdade social também tem cor, por isso, não podemos abandonar o discurso de raça no conceito de desigualdade social”.

Como manter o sistema de meritocracia, se não fomos tratados de forma igual? Quando o negro foi liberto, não lhe foi dado qualquer condição de trabalho. Como os negros eram considerados mercadorias, a lei os tratou como mercadorias. Mesmo libertos, trabalhavam em troco de comida e não tinham acesso à educação, reforça Wilson Martins Lalau, representante do Sinergia.

Historicamente, o Movimento Negro Unificado defende a reparação. África foi espoliada. Os europeus usurparam do povo africano peças de arte e diamantes que dariam para matar a fome do Continente. Os reflexos desta usurpação e do racismo pelos povos ocidentais europeus na África deixaram marcas até hoje. O que se vê nas grandes cidades é que a maior vítima de crimes, violência e das ações da polícia é a população negra, bem como a que tem menos acesso à saúde, educação de qualidade e, consequentemente, aos melhores empregos, diz Lalau.

Até então qual era o papel do negro na sociedade? O lugar do negro era no chão de fábrica, na cozinha. Sempre fomos vistos na condição de empregados e agora estamos nas universidades, reforça Lurdinha.

No entanto, para Lalau, apesar do sistema de cotas aprovados, o Brasil não tem uma política de fato de combate ao racismo. Exemplo disso é a Lei 10.639 que institui o ensino sobre a história da África nas escolas e até então não foi implementada. Enquanto não houver um ensino que comece a trabalhar estas questões na educação do país, não vamos avançar mais. Na sua opinião, quando os movimentos tentam se organizar para lutar, a exemplo também do movimento indígena, há uma forte criminalização dos mesmos por parte dos governos, o que impede também que a lute avance.

Cotas no serviço público também são formas de reparação
Além das cotas nas universidades, foi aprovada neste ano a lei que institui cotas nos serviços públicos. Para Lurdinha, as cotas nos serviços públicos são um avanço apesar de serem restritas ao executivo, deixando o legislativo e o judiciário de fora. Ainda há muito pelo que lutar. Já o professor José Bento, lembra que estes grupos não entrarão sem concurso público, mas será um concurso dentro da sua especificidade, dentro do pressuposto de tratar diferentemente os diferentes, até porque, os diferentes geralmente são tratados como desiguais, socialmente falando. Então as cotas visam suprimir as desigualdades, não as diferenças humanas.

No Estado de Santa Catarina andamos a passos lentos
Em Santa Catarina, não há uma política para a população negra.  Há poucas oportunidades para as crianças pobres e negras. Em Florianópolis, cinco colégios que atendiam a esta parcela da população foram fechados, a exemplo do Celso Ramos e do Antonieta. Foram fechados de forma intencional, impossibilitando estas crianças que ali estudavam de acessar a educação pública, diz Lurdinha. Ela lembra que os movimentos sociais e sindicais defendem outras bandeiras além das cotas, como o fim da violência policial e o genocídio da população negra e indígena no país e a titulação das terras das comunidades quilombolas. É um enfrentamento direto com os latifundiários, com o agronegócio, com grandes empreiteiras que querem as terras para construir grandes empreendimentos.

Só vamos mudar esta realidade através da educação. Quem hoje no país tem uma educação mais crítica, que compreenda as relações de poder, que debata outro modelo de sociedade? Sem uma educação com senso crítico da sociedade em que vivemos, não se pode fazer mudanças profundas, reflete Lurdinha.

O professor José Bento também avalia que solução está na educação. É preciso educar para outras maneiras de conceber e ver o mundo. O modelo ocidental, capitalista não dá conta das nossas diversidades. É preciso elaborar outras epistemologias, outras maneiras de conhecer e conceber a sociedade e a vida do ser humano. Isso pode se fazer com políticas macro e micro, ou seja, nos sindicatos, associações, entidades de classe, movimentos sociais, etc., finaliza.

Fonte: Revista Previsão nº 7  agosto 2014

sábado, 10 de maio de 2014

A memória perdida dos rios desaparecidos

Rio da Bulha engolido sob a boca-de-lobo

Rio do Carreirão no único trecho visível em local público

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Eu tenho 21 graus de miopia e, mesmo com lente de contato - de um tipo que não corrige os outros 3 graus de astigmatismo – enxergo mal. Lembrando do belo dito de Eduardo Galeano, preciso que as pessoas me ajudem a enxergar. É impressionante a quantidade de coisas que passam batido pelo meu registro visual. E neste sábado, 10 de maio, muita gente me ajudou a enxergar coisas que eu nunca tinha visto. Participei da 5◦ Caminhada Jane Jacobs Floripa, unindo-me a umas 30 pessoas que não ficaram com medo da chuva. Jacobs, a jornalista, escritora e ativista política, autora do belo livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”, deve ter sorrido.
Começou já na Avenida Hercílio Luz, onde pela primeira vez vi o mural “A Festa”, do artista plástico Rodrigo de Haro, na fachada do Clube 12. Nunca havia enxergado aquela obra! E depois, ao longo da caminhada, foi a vez de enxergar os rios que diferentes administrações enterraram sob lajes porque deles não quiseram cuidar. Fomos descobrir os rios da Bulha e do Carreirão, aquele o primeiro a abastecer a antiga Desterro, e em 1922 canalizado para a abertura da Avenida do Saneamento, hoje a avenida Hercílio Luz. Ah, a memória perdida dos rios... Do Rio da Bulha ouvi o murmúrio, as águas engolidas passando sob uma boca-de-lobo.
Depois me ajudaram a enxergar o Rio do Carreirão, na Presidente Coutinho, no trecho entre a Esteves Júnior e a Gama d’Eça. Passei algumas vezes por aquele local e nunca havia notado o único trecho desse rio ainda visível em local público. Fora esse, o rio só pode ser visto atrás da Casa Rosa, e agora é mais uma vez vítima da gula imobiliária do... Ministério Público de Santa Catarina! Essa história é muito bem contada em artigo do arquiteto Gustavo Pires de Andrade Neto (veja abaixo) e virou alvo de uma CPI na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (http://www.deputadojailson.com.br/noticias/1605/cpi--para-o-bem-do-ministerio-publico).
Em outro trecho, dentro da área do Exército na Bocaiúva, sobrou visível, do antigo traçado, apenas uma antiga ponte metálica. E por fim enxerguei o ponto exato das águas da Baía Norte onde esse rio tão importante para a antiga Desterro encontra o mar, depois de ter o trajeto e as águas violadas pelo descaso.
Bela iniciativa, a Caminhada Jane Jacobs Floripa, para nos ajudar a enxergar a cidade pela qual passamos e da qual às vezes tão pouco percebemos, e as obras, como o enterro dos rios, que ainda vão afetar a vida de todos nós.

VEJA O VÍDEO DA CAMINHADA EM:


O “riacho da Malária”, o Ministério Público e os 123 milhões de reais

Gustavo Pires de Andrade Neto, arquiteto

“Riacho da Malária”, rio do Carreirão, ou canal da Rio Branco, são diferentes nomes de um antigo curso d’água que por décadas passou tranquilo pelo centro de Florianópolis. Sua existência já era reconhecida no Plano da Vila de Desterro de 1777 e o seu percurso ganhou mais precisão na Planta Topográfica de 1876: nascia em algum lugar próximo ao atual Ceisa Center e era o coletor natural das águas que seguem pela Gama d’Eça até a Casa do Barão, onde se desviavam até passar pela Travessa Carreirão e desembocar no mar.

A cidade foi sendo urbanizada e o riacho, canalizado. Os curiosos que queiram conhecer o Rio do Carreirão ainda podem vê-lo passar a céu aberto espremido entre edifícios da rua Presidente Coutinho, entre a rua Esteves Júnior e Avenida Gama d’Eça, ou talvez nos fundos de um imóvel na travessa de mesmo nome, próxima à avenida Beira Mar.

Hoje, este mesmo riacho que cruzava as chácaras da elite local de outrora, está no centro de uma polêmica que relaciona questões ambientais e urbanísticas, a defesa do interesse coletivo e suspeitas de corrupção por parte da Prefeitura de Florianópolis e do Ministério Público de Santa Catarina. Tal riacho cruzava o quintal arborizado da “Casa Rosa”, na Avenida Bocaiúva, onde um edifício comercial, ainda a ser construído, foi comprado pelo MP pelo valor de 123 milhões de reais.

A polêmica se deve basicamente a irregularidades no licenciamento da obra e ao escandaloso valor de compra, envolvendo questões técnicas e políticas: suspeita de superfaturamento; alto custo do imóvel; compra sem licitação; licença de construção expedida no “apagar das luzes” do governo Dário, em desacordo com estudo ambiental da Floram (que nem chegou a ser concluído); corte de dezenas de árvores; desvio de curso d’água; falta de aprovação dos departamentos de patrimônio histórico antes do início das obras; etc.

Uma CPI acaba de ser criada na Assembleia Legislativa e deve investigar a compra do imóvel pelo Ministério Público. A investigação sobre o MP, inédita no Brasil, tenta pôr luz sobre pontos obscuros da negociação: valores de referência do m2 superestimados; potencial construtivo sobredimensionado; dúvidas sobre a data da formalização da compra (oficialmente do final de 2012, mas há indícios de que negociações ocorriam pelo menos desde 2010). Segundo notícia veiculada pelo Jornal Diário Catarinense de 7 de maio, o próprio Conselho Nacional do MP suspendeu o contrato com a construtora e os pagamentos, o que supõe que o processo de compra do imóvel poderá ser revisto. No entanto, a obra não foi paralisada.

Algumas questões urbanístico-ambientais do projeto aprovado, por outro lado, permanecem obscuras e não se extinguirão até que a Prefeitura suspenda (de novo) a licença de construção. Vamos nos concentrar em algumas destas questões e contrastá-las com o projeto aprovado no final de 2012. O resultado é impressionante. O projeto não apenas subverte pareceres ambientais e de proteção ao patrimônio contrários à obra, como transcende as próprias solicitações da construtora manifestadas à Prefeitura, indo além do analisado tecnicamente e do discutido juridicamente. Vejamos alguns casos.

A polêmica “rio x esgoto” – Uma guerra de nomenclaturas esteve presente em todas as fases do licenciamento. Enquanto a Floram adotava o nome “Canal da Rio Branco” nos seus estudos e sempre exigiu o afastamento de no mínimo 15m em cada margem do curso d’água (com apoio do próprio Ministério Público, à época), a construtora em todos os documentos técnicos se referia ao canal como “esgoto” ou fazia alusão à alcunha “Riacho da Malária”. Assumindo que um rio deve ser protegido e ter as suas margens não-edificáveis (o que fatalmente reduziria o potencial construtivo e os lucros esperados com o empreendimento), o primeiro argumento da construtora foi negar o reconhecimento de que aquele fosse um rio. Após o embargo judicial que suspendeu a obra, a defesa da construtora misturaria este argumento com outro, o de que o rio em questão se encontraria antropizado. Tanto se fosse um esgoto ou um rio vítima da urbanização voraz da cidade, a construtora defendia que o canal da Rio Branco não merecia ser protegido.

Da simples cobertura do canal ao desvio do curso d’água – Mesmo aceitando o (ambíguo) argumento da construtora, o seu pedido inicialmente manifestado à Prefeitura não corresponde ao que se vê no projeto aprovado. O solicitado e analisado (objeto tanto de parecer técnico privado quanto do inconcluso estudo da Floram), era a simples “cobertura do canal”, mantendo a sua seção de 2m de largura e também solicitava a dispensa do afastamento de 15m. O projeto, no entanto, vai muito além. O projeto desvia o canal (que continua pelo terreno vizinho, atual quartel do exército, onde se vê nos jardins da frente as lajes de concreto que cobrem o canal, os antigos pontilhões de alvenaria que o cruzavam e até mesmo uma antiga ponte de ferro) e encaminha as suas águas diretamente para a rede de esgotos na avenida Bocaiúva, passando em seção fechada (reduzida a 1,5m), pela lateral do primeiro subsolo, como se pode ver no corte do projeto do edifício. Tal medida deve-se a necessidades do layout do projeto arquitetônico. Para viabilizar a construção de três subsolos de garagem, as águas enclausuradas não poderiam passar perpendiculares ao edifício, mas ao seu lado. Ou seja, não satisfeita com poder desconsiderar afastamentos, a construtora pretende desviar as suas águas e conectá-lo ao esgoto (enquanto a conexão não fica pronta, a obra utiliza uma bomba para retirar água que continua chegando pelo córrego e a armazena em três grandes reservatórios). Juridicamente, a questão fundamental é que os pareceres técnicos usados pela construtora (de 2010 e 2011), se referiam a questões específicas solicitadas previamente (cobertura do rio e dispensa de afastamento) e não ao desvio do riacho e conexão à rede de esgoto, algo novo que surgiu no projeto aprovado e que não foi objeto de análise dos estudos de impacto ambiental.

De curso d’água a esgoto: os riscos – Além da irregularidade jurídica, a licença concedida sem base em estudo técnico apropriado traz riscos ao esgotamento hidro-sanitário da região. O Canal da Rio Branco faz a drenagem de uma área de cerca de 370 mil m2 do centro de Florianópolis, o que supõe um enorme volume de água nos dias de chuva. A conexão de águas pluviais ao esgoto pode provocar um colapso da rede. Se há suporte para tal, deve ser feito um estudo neste sentido que o comprove. Mas, como vimos, este tema não foi previsto pelos estudos feitos em 2010 e 2011. Curiosamente, a solução é inversa à típica ilegalidade cometida em Florianópolis de se conectar esgotos ao coletor de águas pluviais. Neste caso, consentida pelo município, que aprovando o projeto, acabou por decretar a extinção do riacho.

O direito de construir x a função social da propriedade: a questão de fundo – Caso fosse respeitado o afastamento de 15m em cada margem do rio, como determinado na Lei nº 6.766 /79, o potencial construtivo do terreno seria bastante limitado, o que teria como efeito direto a redução dos lucros esperados pela construtora com o negócio, como já foi dito. Cabe lembrar um outro tipo de afastamento que incide e limitaria o projeto: o afastamento de 20m desde a fachada dos fundos da Casa Rosa, um bem tombado. É esse o afastamento mínimo exigido, de acordo com os pareceres dos órgãos de patrimônio histórico consultados. Tal afastamento, não é seguido no Termo de Compromisso assinado entre o município e a construtora. O termo alega questões de volumetria para estabelecer que o novo edifício esteja no mesmo alinhamento dos edifícios da Casa do Barão, o que resultaria em um afastamento de apenas 10m entre os fundos da Casa Rosa e a fachada do novo edifício. É absurdo que o município tenha proposto que um critério menos restritivo tenha se sobreposto ao mais restritivo (de patrimônio histórico). Se fosse respeitado o afastamento de 20m e mantido o gabarito, isso implicaria em uma redução da área de todas as lajes do empreendimento, com grande impacto sobre o valor geral de venda do imóvel. O potencial construtivo do imóvel poderia estar sobredimensionado também de acordo com outros critérios. Cabe lembrar que os estudos de viabilidade realizados em 2005 permitiam um potencial construtivo de 12 mil m2 para o terreno e que o projeto aprovado em 2012 prevê uma área construída de 20 mil m2. O que se vê é que o direito de construir do proprietário prevaleceu em todos os casos, em detrimento do meio ambiente e da proteção ao patrimônio histórico. Não deveria ser assim. A função social da propriedade, regulamentada pelo Estatuto da Cidade, implica ônus ao proprietário, como restrições de exercício do direito de construir. Foi garantida na Constituição justamente para promover o aproveitamento racional e eficiente, com a adequada utilização dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente. A função social é inerente ao exercício da propriedade.

Tanta polêmica deveria servir a uma reflexão mais ampla sobre urbanismo e meio ambiente, que não se limite a “permitir” ou “proibir” a construção do edifício, ou à “compra” ou “não compra” pelo MP. É lícito que a construtora recorra ao caráter antropizado do rio como argumento para flexibilizar as restrições ambientais. O papel dos rios urbanos, muitos deles “invisíveis”, debaixo de ruas e edifícios, é uma discussão pendente que, no entanto, deve ser coletiva e liderada pelo poder público, e não manipulada para auferir ganhos imobiliários privados. Sem uma política de macrodrenagem em Florianópolis e um Plano Diretor para os cursos d’água, os critérios para as decisões e os parâmetros para ocupação serão sempre arbitrários, pontuais e sujeitos a variações, de acordo com a persuasão do poder econômico e a complacência do município.


Quem deveria mediar o debate entre a sociedade, o município e a legislação ambiental? Quem defende o interesse coletivo difuso em um caso como este? Como é sabido, o papel cabe em grande parte ao Ministério Público. Advogado e réu, neste caso, colocando-nos diante de uma equação atípica. No entanto, já sabemos que sem atender ao interesse público, o desenvolvimento imobiliário privado segue a sua própria lógica. Busca a todo custo maximizar o potencial construtivo dos seus empreendimentos, ainda que o resultado empobreça as cidades... e transforme os rios em esgotos.

domingo, 27 de abril de 2014

Terra aprisionada: quilombolas proibidos de plantar fazem Ato em São Roque, no Sul de SC


Míriam Santini de Abreu, jornalista
Fotos: Marcela Cornelli 


A Comunidade Quilombola São Roque realizou neste sábado, dia 26 de abril, um ato simbólico de ocupação de uma terra que era para ser dela, mas na qual ela não pode trabalhar. Os moradores, que vivem na localidade de Pedra Branca, em Praia Grande, sul do estado, roçaram o terreno e neste domingo semeiam hortaliças nele. Os dois gestos são uma resposta à pressão do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), que assinou Termo de Compromisso com a comunidade, mas voltou atrás no ano passado. Com o impasse, os moradores não podem plantar ali para se alimentar, sob pena de cometer crime ambiental.

Cerca de 36% do território quilombola, já delimitado pelo Incra, está sobreposto ao dos Parques Nacionais de Aparados da Serra e da Serra Geral. Por isso é preciso regulamentar o uso e o manejo da terra e dos recursos naturais. É isso que as famílias tentam fazer desde a década passada. Já são 18 Termos de Compromisso, um interminável vai-e-vem, e nenhuma resposta concreta para garantir a subsistência das famílias. É um processo de dar esperança para depois tirá-la. Essa dificuldade levou ao outro gesto feito neste sábado, o de devolução de sementes ao governo.

Há três anos a comunidade, através de um edital do governo federal, recebeu 200 sacas de sementes de milho e feijão. Mas a validade venceu, porque as famílias foram proibidas de plantar. Os grãos sem aproveitamento, deixados ontem na frente do Posto de Informações e Controle do ICMBio, também simbolizam a resistência às tentativas de expulsar as famílias do lugar.

A situação parecia se resolver no início de 2013, quando a presidência do ICMBio assinou mais um Termo de Compromisso com a comunidade. Mas, em 20 de maio, o presidente do órgão suspendeu o processo e alegou não reconhecer a sua própria assinatura no documento. O fato levou o Ministério Público Federal a abrir uma Ação de Execução (nº 5009890-88.2013.404.7204) contra o ICMBio para fazer valer o documento. Mas o Instituto mantém sua posição e continua a criminalizar os moradores. A expectativa agora é pelo julgamento do caso, que está na subseção da Justiça Federal em Criciúma.



Área mínima

Representantes de quatro comunidades remanescentes de quilombos e lideranças do movimento popular e sindical apoiaram ontem a luta das cerca de 30 famílias que vivem na Pedra Branca, em São Roque. Depois de um almoço comunitário, todos foram até a área pleiteada no Termo de Compromisso descumprido pelo ICMBio, de 41,5 hectares. Isso representa 0,0001% da área total dos dois parques e permitiria o plantio e a garantia de subsistência. Mesmo assim, não podem usá-la.

No Ato feito depois da roça do terreno, os moradores esclareceram que ali, muitos anos atrás, já se plantava para subsistência. A mata com o tempo se regenerou até o chamado estágio médio, e a lei diz que, sendo até esse estágio, as comunidades tradicionais assim reconhecidas podem fazer o manejo. Era isso que o Termo, aceito e agora negado pelo ICMBio, garantia.

Maria de Lourdes Mina, da coordenação estadual do Movimento Negro Unificado (MNU), que desde os anos 2000 atua pelos direitos da comunidade, lembrou que há mais de um século, por sua forma de lidar com a natureza, a comunidade de São Roque é que preserva aquele lugar. Os dois parques só foram criados depois, a partir dos anos 1970. “Essa área que foi definida para uso dos quilombolas no Termo de Compromisso só se regenerou porque a comunidade respeitou a lei, e agora os seus direitos não são reconhecidos”, disse Mina.



Sem direito de plantar

A comunidade está fazendo um Abaixo-Assinado contra a posição intransigente do ICMBio, por entender que o rigor usado contra os quilombolas não se aplica aos grandes e médios proprietários da região e nem, de forma generalizada, aos de Santa Catarina e do país, caracterizando racismo ambiental. Já foi sugerido que as famílias saiam dos parques, e elas são constantemente acusadas de prejudicar a conservação da Mata Atlântica. Os estudos antropológicos feitos na área e os relatos dos moradores revelam que os quilombolas são alvos de constrangimentos morais, físicos e econômicos. A avaliação de Maria de Lourdes Mina é que nunca houve tantos ataques aos quilombolas como agora, mas também é certo: nunca eles haviam se organizado tanto para defender seus direitos.

No caso de São Roque, a ocupação tem cerca de 180 anos, ligada à economia escravagista na região entre os Campos de Cima da Serra e a planície costeira entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. No interior, onde estão as escarpas, vales e cânions da Serra Geral, praticava-se a pecuária extensiva, e na planície irrigada pelos rios que descem a serra se faziam, como hoje, os cultivos.

O relatório antropológico feito em 2006 por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em convênio com o Incra, é que caracterizou a identidade, historicidade e territorialidade dos quilombolas com a terra onde vivem. E ela é linda. Uma grande pedra branca se destaca entre os rochões vizinhos, com grandes porções de floresta e paisagens que atraem visitantes o ano todo. Mas os quilombolas enfrentam interesses econômicos e setores do movimento ambientalista, dentro e fora do governo, que querem gerir os parques nacionais e defendem a preservação da natureza sem qualquer presença humana, mesmo que o próprio governo federal tenha garantido a titulação das terras aos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Apesar de estarem ali desde antes da criação dos parques e de terem uma relação ancestral com a terra, eles precisam de auxílio para garantir a subsistência. As cerca de 30 famílias que vivem hoje na localidade têm moradias precárias, algumas sem energia elétrica e com dificuldade de acesso. Recebem multas se plantarem, e até mesmo se deixarem cachorros entrarem no parque. Um morador foi multado em 2 mil reais por esse motivo. Para sobreviver, uma das alternativas é ser diarista em terras alheias.

Marcio da Silva Oliveira, 25 anos, cuja família mora na comunidade, teve que parar de estudar na sétima série e hoje trabalha no plantio de fumo e bananeiras em São João do Sul. “Eu quero plantar feijão, milho, verdura, esse tipo de coisa, mas se tivesse terra só da gente seria bem melhor”, diz o jovem.

Genito da Silva, 63 anos, que mora na Praia Grande, para onde se mudou depois que uma enchente na região arrasou a casa de seu falecido pai, atesta: “Aqui é o seguinte: se planta um quilo de feijão, colhe um saco de feijão, 60 quilos. Aipim e batata, nem se fala. A terra é boa. Aqui, trabalhou, tem o que comer, não passa mais fome”.

Enquanto aguarda a decisão da Justiça Federal em Criciúma, o povo de São Roque vai lutar, porque não pode mais viver da doação de cestas de alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), se tem onde plantar. Vilson Omar da Silva, de 56 anos, em um discurso emocionado, disse que os quilombolas estão impedidos de manter sua forma de vida e sua cultura naquelas terras, mas o território é deles, de muitos anos. E não poder plantar é como estar exilado da terra sob os próprios pés. O Ato deste final de semana mostra que resistir significa nunca mais ter que destruir sementes porque a terra foi aprisionada.



Veja vídeos sobre o Ato de sábado na página da Pobres & Nojentas no YouTube:

A liberdade da terra: Ato no Quilombo de São Roque (SC) em 26 de abril de 2014

Ato denunciou racismo ambiental do ICMBio e a difícil situação da comunidade.



A liberdade da terra:




A liberdade dos homens:




A história da luta:




Com sementes, sem terra:



















segunda-feira, 14 de abril de 2014

Encontrando Johnny Depp

Durante a décima edição das Jornadas Bolivarianas, encontramos o ator Douglas May, que é sósia de Johnny Depp. Na entrevista ele conta como se encontrou com esse personagem e fala de seu interesse pela política.


quinta-feira, 3 de abril de 2014

Caminhada por memória, verdade e justiça

Veja como foi, em Florianópolis, a caminhada que lembrou o golpe civil-militar de 1964. Dia 01 de abril de 2014.


terça-feira, 1 de abril de 2014

Para que jamais se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

Nesta terça-feira, 1º de abril, haverá Caminhada para lembrar os 50 anos do golpe civil-militar no Brasil e para repudiar todas as atrocidades cometidas na ditadura militar.
A concentração será na sede da União Catarinense dos Estudantes, na Rua Álvaro de Carvalho, nº 246, no Centro de Florianópolis, onde, às 16h, haverá mostra de cinema e exposição fotográfica. Às 17 horas a caminhada seguirá seu percurso e fará paradas em frente ao prédio da Farmácia Catarinense, onde era a livraria Anita Garibaldi, do PCB, e onde a repressão, em 1964, retirou os livros e os queimou na calçada; no Prédio da antiga FAED, onde funcionava o Centro de Informações da Marinha, base da repressão em Santa Catarina (CENIMAR); no Museu Cruz e Sousa, antigo palácio do Governo do Estado; encerrando as atividades na Esquina Democrática, no Centro da Capital, que tem sido um marco das manifestações desde os anos 1980. 

Para que jamais se esqueça. Para que nunca mais aconteça.
http://issuu.com/camilarodrigues86/docs/jornal-50_anos_do_golpe

terça-feira, 18 de março de 2014

Profeta para além do mundo



Texto e fotos: Míriam Santini de Abreu


O Seu Claico aparece no local onde trabalho quase todos os dias. Magro, olhos azuis intensos, calça e camiseta impregnadas de cheiro de suor, ele acumula uma quantidade imensa de papéis em diferentes pastas. Nós o chamamos de Senador, porque ele se auto-nomeou líder político nacional de um ou de vários partidos no Senado. O que sei de Seu Claico, além do sobrenome, Xavier Fernandes, é o nome dos pais e da rua e bairro onde ele mora na Capital, além do fato de ter um irmão. Ah, e a cidade onde ele nasceu, em SC.
Isso porque, sempre que chega, Seu Claico pede que carimbemos um ou mais textos seus e que façamos uma ou duas cópias desses exemplares, nos quais ele anexa sua carteira de identidade. Nota-se que o Senador, que está sempre a caminhar no Centro de Florianópolis e no campus da Universidade Federal, passa por vários órgãos públicos, e sempre há alguém que digita os escritos feitos à caneta, em letra espinhenta que se alastra nas linhas.  
Num deles, Seu Claico se auto-denomina técnico de futebol da Seleção Brasileira e lista suas contribuições ao futebol brasileiro e mundial, como: a bola leve profissional, as joelheiras acolchoadas, o apito profissional e as luvas para jogadores.
Em outro ofício, o Senador se auto-intitula chefe de segurança da UFSC e criador da Otasa (Organização dos Tratados do Atlântico Sul-Americano). Num parágrafo, ele acrescenta: “Eu, Claico [...] sou o criador das luzes a laser, do adubo orgânico, do macro-computador, do telefone com tela das cintas plásticas, as armas a laser, do aero-brazer, do carro do futuro, da linguagem comum para computação mundial, da imagem e som para computação mundial, dos telões, dos vidros planos, dos vidros impermeáveis, dos aços impermeáveis, do freezer, das agulhas a laser, da enceradeira que encera e lustra, enfim, ALELUIA, outras coisas”. Em outra carta, a Otasa vira uma organização dos trabalhadores do Atlântico Sul.
Dia desses, quando ele esteve aqui para fazer umas cópias e carimbar vários ofícios, pedi um cargo (uma carta revela que em 2012 ele me indicou, em ofício, vereadora, com mais umas três dezenas de nomes, incluindo o de Lygia Fagundes Telles e de um certo Beto Leão do Beco):
- Mas eu já te nomeei!
- Para quê?
- Para o STF!
- Mas Seu Claico... Eu vou ficar entediada no STF!
- Entediada?
- É... O dia inteiro trancada lá naqueles gabinetes! Que horror!
- Ah, tu não quer ficar entediada? Então pega a tua pasta ali e vai lá para fora, para a rua, porque tem um monte de problemas pra resolver!

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Muitos dos escritos do Senador são de sua lavra. Ele chega, cumprimenta (outro dia o cumprimento foi: “a bruxa tá solta!”. Houve uma tarde em que abriu a porta e anunciou: - Tem gente morando em cavernas aqui na cidade!), pede um cafezinho, senta e começa a escrever, sem parar de murmurar para si mesmo. Outros textos, que ele pede para reproduzir, já vêm digitados. Também seriam dele, e apenas digitados por seus colaboradores em órgãos públicos e entidades municipais, estaduais e federais, como revelam os carimbos nas folhas?
Carta dele de 2012, como diretor da UNICEF, mostra ser oportuno discutir, em nível mundial, a situação da criançada no mundo, nesses termos.
Outra de 2012, uma Nota Oficial, anuncia o casamento do Senador com uma certa senhora, cujo nome omito porque é conhecida na cidade. Ela decidiu, diz a nota, assumir um compromisso social com o cantor e compositor Clássico Fernandes, ou Claico Fernandes. Enlace matrimonial na Catedral da Sé e recepção no Clube Paulistano e no Iate Clube do Rio de Janeiro.
Há uma carta escrita por ele, à caneta, curiosa. O assunto é a denúncia do ex-presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, que reclama de ofensas e calúnias propagadas pelo Senador e exige da Justiça Internacional dez trilhões de libras esterlinas.
- Eu acho ser um direito do Ressuscitado! – escreve o Senador.
Na carta ele se defende junto à Suprema Corte Internacional, especificamente ao Juiz Federal Paul Gallotti, se auto-intitula um vagabundo por morar onde mora (cita rua e bairro) e conclui:
“Até parece uma piada, morador de Barraco no Brasil é obrigado a pagar 10 trilhões de libras esterlinas a morador do bairro de Boston em New York em USA”.
Não localizei a segunda página desta carta no monte que guardo, de quase uns dez centímetros de altura, de ofícios entregues a mim pelo Senador. Mas encontrei uma carta já digitada, como o mesmo conteúdo, que assim termina:
“Sua Excelência, se observa o absurdo do assunto, uma vez que se o citado vagabundo tivesse dinheiro iria morar numa mansão, isso até parece piada”.

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O Senador, que se proclama O Dominador das Mídias, já oficiou no interesse da comunicação, como em uma carta de dezembro de 2010: “A liminar jurídica trata-se de agradecer Sua Excelência, a Senhora Presidenta da República, Dra. Dilma Roussef, pelo fato de confirmar aquilo que é de direito com relação à minha solicitação de concessão nos meios de comunicação de rádio e televisão convencional e em TV a cabo via satélite para o mundo bem como o direito de evitar o jornal do Claico e a revista do Claico em edição nacional e mundial, uma vez que eu me preocupo com o verdadeiro jornalismo e que, inclusive, por causa disso, já fiz algumas denúncias na Justiça Federal de Santa Catarina (cita o endereço), uma vez que meu conceito com relação à verdade contraria os interesses de terceiros”.

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Mais um diálogo com o Senador em dia de visita onde trabalho:
- Como vai a senhora?
- Bem, Senador, e o senhor?
- Bem, sempre me reinventando.
- Reinventando?
- Claro, todos os dias a gente tem que tem emoções e pensamentos novos.

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Quem digitar “Carta do Claico” na internet irá encontrar um blog que lançou a campanha “Em Busca das Cartas Perdidas” para fazer um compêndio sobre a vida e trajetória do Senador. Ele volta e meia pede que a gente consulte novidades sobre seus ofícios na internet, e recentemente passou a carregar consigo um pendrive com arquivos das cartas.
Foi nesse blog que encontrei um fato surreal sobre o resultado das andanças do Senador na cidade. Está no Diário da Justiça de Santa Catarina, Ano XLVI, Número 11.283, de 24 de setembro de 2003. Há um Despacho do Tribunal Pleno em Mandado de Segurança da Capital, no qual o impetrante é Claico Xavier Fernandes e impetrados o Governador do Estado e prefeito e vice de Florianópolis, São José e Palhoça.
O Juiz Relator inicia o Despacho indeferindo a “peça”, assim mesmo, citada entre aspas, “eis que se trata de um mero manuscrito disforme, ininteligível e sem qualquer sentido, nominado apenas como mandado de segurança”. O Juiz Relator menciona ainda o fato de a petição inicial não ter sido subscrita por advogado, mas pelo próprio impetrante, que já teria, conforme consulta no SAJ – Sistema de Automação do Judiciário, impetrado “outros mandados de segurança com pedidos teratológicos e desarrazoados”.
O Juiz Relator cita a decisão proferida em outro Mandado de Segurança, que por sua vez menciona um terceiro (!) no qual o impetrante é o mesmo, o Senador. A decisão é no sentido de o Poder Judiciário não perder mais tempo “com essas heresias, tanto doutrinárias como religiosas”, citando ainda que o impetrante não tem registro na Ordem dos Advogados do Brasil. Abaixo transcrevemos um trecho usado pelo Juiz Relator, citando um colega, para indeferir a petição inicial do Senador contra o governador e os prefeitos:
“Ora, do relato acima realizado, vê-se claramente a heresia do pedido formulado por Claico Xavier Fernandes, que em franco desrespeito para com o Poder Judiciário, tirando lugar de outros feitos que em seu lugar poderiam ser deslindados. É inadmissível que resida em juízo piada transvestida em processo que da simples tentativa de leitura ofenderia qualquer leigo, quiçá um julgador (?), que tem como função primordial a pacificação social, e não a apreciação da galhofa posta em juízo”.

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No Mandado de Segurança impetrado no Judiciário estadual, o Senador se apresenta como “Senhor do Brasil Profeta Claico Fernandes do Universo Entidade Animal e Espiritual, Maior e Forte do Reino Unido Profeta Claico Fernandes do Brasil por ordem do Criador da Espiritualidade e do Cosmos e do Olimpo”.
Lembrei de um trecho do Evangelho de Tomé, no qual Jesus diz:

“Vim pôr Fogo ao mundo
e eis que hei de preservá-lo,
até que arda.”

O Nosso Profeta não veio buscar a pacificação social.



P.s: só um repórter-fotográfico de fato para retratar o Senador! Ele fez questão de posar para a foto que fiz, showman das mídias que é, como afirmam algumas de suas cartas.