segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Blog de colega

O colega jornalista Osíris Duarte inaugurou seu blog, o http://www.palavraodoosi.blogspot.com. Faz uma visita!

O Rosto de um Impostor

Raul Fitipaldi

Antes de iniciar este artigo acabo de lhe escrever ao amigo David Romero Ellner, diretor da Rádio Globo Honduras lhe comunicando minha felicidade pelo fato do verdadeiro rosto do impostor Oscar Arias ter vindo à luz. A história desse canalha peão do Império se estampa para sempre, e seu cinismo ordinário se declara, com seu apoio às Eleições Fraudulentas e Criminosas em Honduras. Esse é o trapaceiro Oscar Arias.

O Prêmio Nobel, essa ficção moral, está para isso. Para que um sátrapa desta estirpe possa ventilar suas mentiras em nome do que não acredita, daquilo para o qual não serve, e que a serviço da guerra, do ódio e do crime, chame à paz dos cemitérios. São os altos funcionários das oligarquias e do capital transnacional os que falam de paz na CNN, na Rede Globo, no El País de Espanha, são os modeladores de opinião do neoliberalismo, do conservadorismo, do modelo que a muita custa nossos valentes povos de Abya Yala estão quebrando, passo a passo, assembléia a assembléia, lei a lei, voto a voto.

O Império já não tem peões sobrando. Gasta suas últimas fichas nos indecorosos alunos da CEPAL, do BID, da OMC, da antiga Escola da Morte das Américas, nos Vermes de Miami, nos delinqüentes de colarinho branco. Traça seus planos macabros com os titulares e o banco daquelas bestas já largamente identificadas, no time dirigido pelo coach John Negroponte e seus forwards Biilie Joya Améndola, Otto Reich, Roger Noriega, e o maior de todos, Luis Posada Carriles.

Piores todos estes que os piores ditadores, pois, são os seus mandantes, são os que descem o polegar contra o povo, são os criminosos que vivem da guerra, do terror e da morte. Oscar Arias justifica suas existência social e política como puddle festeiro desta elite grotesca em decadência. Oscar Arias, Enrique Iglesias, Carmona Stanga, Gonzalo Sánchez de Losada, Fox, Toledo, Alan García, Vargas Llosa, os trôpegos fantasmas de um imperialismo moribundo, porém, por isolado e encurralado, mais violento, mais grosseiro, mais perigoso, mais inumano.

Oscar Arias, uma garra do imperialismo. Agora está mais claro, que bom, outro cadáver político da reação.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Árvore milionária e um Feliz Natal... pra quem?

Por Elaine Tavares - jornalista

Já vem chegando o Natal e, nas ruas da cidade, já se pode notar aquele agitar frenético das promoções, dos descontos e das liquidações. Tudo para alavancar as comprar e fazer o comércio aumentar o seu bolo de lucros. As gentes já circulam irrequietas, fazendo cálculos para gastar o décimo terceiro com alguma coisa que o desejo vem consumindo desde há meses e que, com a crise, não conseguiram comprar. Agora, quem sabe em 24 vezes... Há uma pressa louca em consumir, buscar presentes para amigos secretos, nem tão secretos, amores, filhos etc... E a nave capitalista vai, estraçalhando as finanças de gente que já ganha tão pouco. Mas, fazer o quê? A pedagogia da sedução metralha pela televisão todos os sonhos de consumo. Mais-valia ideológica sugando o sangue do povo.

Nestes dias, quase ninguém mais se lembra de que o natal é o dia sagrado do aniversário de Jesus, na crença cristã. Dia de oração, de momentos contemplativos. O Papai Noel só entrou na parada bem depois, em 1931, quando a Coca-Cola decidiu usar uma linda história de um bispo turco que distribuía presentes aos pobres nesta época do ano – São Nicolau – para aquecer as vendas. Colocaram nele uma roupa vermelha, as cores da empresa e difundiram a lenda do bom velhinho. Desde então, a figura do menininho Jesus começou a perder espaço diante da sanha pelos presentes.

A cidade de Florianópolis tem como tradição encher suas ruas de luzes no natal, assim como grande parte das cidades do mundo ocidental/cristão. O povo gosta, fica bonito. Mas as gentes se esquecem que isso custa dinheiro, e muito, um dinheiro que de algum lugar sai. É o caso da proposta da construção de uma árvore de natal gigante, de 60 metros, toda em alumínio, que será “oferecida” ao povo nas festas deste ano. O contrato está no Diário Oficial do Município do dia 16 de novembro. É uma árvore-palco que abrigará as festanças do dia de natal. A bichinha custará a bagatela de três milhões e setecentos mil reais. Uma dinheirama. A pergunta é: vale a pena isso aí?

Esta semana eu fui ao posto de saúde do Morro das Pedras marcar um dentista. A atendente disse: “não tem. Só no ano que vem, talvez... O contrato da dentista acabou e a prefeitura não contratou outro”. A moça da limpeza que trabalha na UFSC e mora na periferia também vai ter de passar o natal com o dente doendo. No posto de saúde aonde vai tampouco tem dentista. “E ainda vou ter de usar o meu décimo - terceiro pra fazer um ultrassom. Espero há um ano, mas a doença não”.

Bom, agora o povo de Florianópolis pelo menos sabe. Não há verba para contratar dentistas, mas há para fazer uma árvore natal gigante que será desmontada dias depois. Três milhões e setecentos mil garantiriam dentistas aos postos de saúde por anos seguidos. Mas não, é Natal. E há que dar circo ao povo. Aprenderam com os romanos que é assim que tem de ser para se manter no poder. Eu, cá na minha insignificância penso que temos de ter circo sim, mas também saúde e educação.

E todos os dias, as gentes ficam nas filas esperando vaga para aliviar a dor. Já naturalizaram a miséria, como outro dia na fila do posto. “Tinham de por um abrigo aqui pra gente não ficar no sol”, disse uma senhora, triste por estar mais de uma hora em pé, no tempo”. E eu a bufar: “Não tinha era que ter fila, minha querida. Isso é um direito da gente”. E ela, perplexa: “Mas... É mesmo!” E assim vamos...!

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Enfim, sou uma mulher de cabelos brancos!


Por Janice Miranda, de Santo Amaro da Imperatriz


O que era para ser apenas mais uma ida ao cabeleireiro, apenas mais um corte de cabelo (coisa comuníssima em minha vida, pois vivo mudando o visual, como dizem os amigos), acabou se transformando na descoberta da década - pelo menos para mim. Com as madeixas já curtas, decidi que o verão pedia ainda mais frescor e menos frescura. Sentada na cadeira do meu cabeleireiro, sentenciei: "Corta 'tudo', Serginho, deixa bem curtinho!". Relutante, porque é adepto dos cabelões, ele foi se empolgando e num bailado magistral com a tesoura deixou meu cabelo virgem, sem nenhum vestígio de tintura (coisa incomum, no meu caso). O resultado ficou perfeito! Feliz, fui para casa.

Minha filha Mahara elogiou a nova cor e perguntou qual era. Expliquei que não havia tintura nenhuma, que era a cor natural do meu cabelo, mas que já havia marcado uma "pintura" para a semana seguinte. Do alto de sua doçura e curiosidade muito próprias, a minha pequena veio de perto conferir. Recebi um ultimato: a cor estava ótima e eu não deveria "pintar" coisa nenhuma. Fiquei mais feliz ainda e decidi deixar que o couro cabeludo respirasse e eu, curtisse meu tom. De frente para o espelho e com aquela imperdoável (quase maldita) luz especial para maquiagem em meu rosto, veio a notícia. "Mamãe, achei um cabelo branco em você. Ih, achei outros aqui atrás. Mãe, tá cheio!".

Fiquei paralisada, em choque. Perguntei várias vezes se minha filha tinha certeza. Para alguns pode parecer bobagem, faniquito feminino, sei lá. Afinal, uma mulher de 43 anos, como eu, ia querer o quê? Um dia, o cabelo branco ia "pintar". Mas o fato é que até agora, a maioria das pessoas tem me dado (naqueles chutes chatos e fora de hora, em que algum engraçadinho tenta adivinhar a idade da gente), pelo menos, de sete a dez anos menos do que o que está lá, bonitinho, na carteira de identidade. Com o cabelo branco, não vai ter jogo. A média de apostas vai baixar, tenho certeza. Ai, ai.

Uma das primeiras coisas que vislumbrei foi minha irmã, tirando sarro, dizendo que agora eu a entenderia. Mais velha, ela vive tentando me explicar que não pode deixar os cabelos crescerem, sem as pinceladas mágicas das tinturas, porque... tem muitos cabelos brancos, fica horrível receber os pais na escola daquele jeito e coisa e tal. E que eu não a entendo, porque não tenho cabelos brancos. Bem, talvez, agora, eu a entenda.

Fiquei um tempão na frente do espelho, tentando encontrar os até então desconhecidos fios brancos. Sim, porque eles são muitos e estavam bem escondidinhos, só esperando para me dar o bote. Comecei a matutar no significado daquilo, quem sabe na mensagem que a vida quisesse, gentilmente, me mostrar. Certamente, um momento de transição.

Afastada do meu trabalho profissional, por questões de saúde, vejo com alegria, que o faro e a curiosidade de jornalista não me abandonaram. Mesmo que a atual situação não me permita ficar um tempão teclando no computador (o que afinal, vamos falar a verdade, não é saudável para ninguém), as informações não têm se perdido. Tenho alimentado minha mente e meu espírito com sede de aprendiz, de estudante.

As constantes visitas à biblioteca pública municipal foram gratificantes. Resgatei um tempo precioso. Devorei Gabriel García Márquez, Jorge Amado, Shakespeare, Mário de Andrade até Shirley Maclaine. Livros sobre como organizar sua casa e ser feliz (foi bom ver que não preciso disso para sorrir), como se adaptar bem a diversos ambientes de trabalho (parei na metade, porque o que importa no final é vivenciar), nada escapou, nem aquelas receitas esdrúxulas, com ingredientes caríssimos, que a gente nunca faz porque acha (e é) um absurdo o que se tem que pagar.

Nesse período consegui acompanhar minha sensível e amada filha Mahara também num momento de transição. Ir para uma nova escola, passar da quarta para a quinta série, ver que a querida "tia" ficou para trás e perceber que os dez novos professores não estão tão preocupados com o joelho machucado no recreio ou se têm duas, três provas no mesmo dia. Vi surgir uma poetisa, uma bailarina em flor, uma menina moça adorável.

Reconheci, por todos os poros da minha casa, nas coisas que parecem mínimas (mínimas o quê!) o quanto há de felicidade em minha vida. Deito todas as noites na minha cama e vejo, agora com mais clareza ainda, a meu lado, um companheiro ímpar de jornada. Amigo na medida certa, professor firme e ao mesmo tempo zeloso, amante sem medida, sempre à busca do sorriso mais escondido, do desejo impublicável. Estive por perto para ver seu crescimento profissional, merecido, pelo respeito e humanidade com que conduz sua vida. Sou plena, hoje eu sei, pelos vinte anos de total cumplicidade e amor que sempre permearam minha relação, com meu parceiro de vida, meu Príncipe George Willians.

Olha só quantas coisas boas, uns simples e até há pouco, escondidos fios de cabelos brancos fizeram eu enxergar. Sou amada, mãe, jornalista, tenho família e queridos amigos, uma casa linda (porque cheia de felicidade!), leio feito doida, não deixo maltratar bicho, quero ser ouvida e respeitada, busco um mundo melhor, quero vida. Que legal, sou uma mulher de cabelos brancos!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

QUEM TEM DIREITO AOS DIREITOS HUMANOS?

Por Li Travassos, de Florianópolis

Várias declarações de direitos reverteram naquela que, universal, foi adotada em 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Esta, que proclama os direitos civis, políticos e econômicos dos seres humanos, intitula-se – como suas precedentes da França e Inglaterra – Declaração dos Direitos do Homem. Na França, ao menos a primeira Declaração, de 1789, intitulada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, tinha este sentido estrito – eram direitos dos quais as mulheres eram excluídas. E vale lembrar que, na primeira tentativa de democracia do mundo, na Grécia que escravizava os povos mais fracos, no final do século VI, somente são tidos como cidadãos os homens (no sentido de sexo masculino) adultos e livres.
Vale também lembrar que, no Brasil, assim como nos Estados Unidos, foram escravizadas pessoas negras, arrancadas do Continente Africano, e que nossas terras foram colonizadas ao custo do sangue aborígene. A humanidade de mulheres, de "loucos", de negros, de índios e mesmo das pessoas pobres já foi questionada – foram considerados "sem alma" pela Igreja Católica, que assim justificava e liberava todo tipo de violência contra eles, mesmo que esta violência resultasse em sua morte. Quanto aos homossexuais, já foram considerados criminosos, perdendo seus direitos quando seu "desvio" era comprovado. Menores de idade não são tidos como cidadãos. Assim, "quem tem direito aos direitos humanos" é uma pergunta silenciosa que se repete a cada vez que é necessária uma luta específica pelos direitos de cada uma destas parcelas da humanidade – pois há quem pareça não lhes creditar direito algum.
Por tudo isso, acaba não causando estranheza a ninguém a existência de pessoas na aparentemente eterna luta pelos direitos das mulheres, dos negros, dos índios, dos homossexuais, das crianças, das "pessoas em sofrimento psíquico ²" e dos miseráveis... Mas estas lutas denunciam, de alguma maneira, o enraizamento do macho branco, rico (e adulto) no poder. Senão haveria apenas uma luta: a luta pelos Direitos Humanos. Porque os Direitos Humanos não são direitos que nos damos, enquanto pessoas, diante de outros animais. Não são direitos em relação aos vegetais. Nem aos minerais muito menos. Os Direitos Humanos são uma tentativa de garantir os direitos de pessoas em relação a outras pessoas.
Mas – e aqui é preciso prestar atenção – embora os Direitos Humanos falem, no geral, dos direitos de todas as pessoas, e de que não se pode fazer diferença entre elas, há especificidades nos grupos acima citados, que exigem lutas específicas por seus direitos. Mulheres são diferentes, quanto mais não seja na questão reprodutiva, e por uma maior fragilidade física. Os negros foram tratados como diferentes por tanto tempo, que acabaram ficando diferentes mesmo – diferentes em suas possibilidades de estudar, de crescer profissionalmente... Os índios são diferentes, e é preciso que se preserve esta diferença, porque se trata de uma riqueza cultural que não deve ser perdida. Crianças e adolescentes são diferentes, pois são mais frágeis, e estão em processo de formação – física e psicologicamente falando – e são, em maior ou menor medida, dependentes. Aqueles que vivem na mais absoluta miséria são diferentes por não terem acesso a nada daquilo que é necessário à dignidade humana – e não são, de imediato, capazes de conquistar tais coisas sozinhos. E as pessoas em sofrimento psíquico são diferentes porque dependem, em certa medida, de uma ajuda profissional para lidar com este sofrimento.
Mas de quem estas pessoas todas são diferentes? Do homem, heterossexual, adulto, branco, rico e psiquicamente "saudável". Este então é o monstro que deve ser enfrentado? Logicamente não. Há pessoas ótimas que se encaixam em todas as categorias acima citadas. Pessoas responsáveis inclusive por diminuir as desigualdades entre os seres humanos. Porque é disto que se trata: de diminuir as desigualdades sem, contudo, esquecer as diferenças. Ou então as mulheres, os negros, os índios, os homossexuais, as crianças, os pobres e os "loucos" estarão sempre na condição de "humanos de menos", com direitos desiguais.
Talvez chegue o momento em que possamos ter apenas uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, com seções que contemplem o que há de específico em alguns grupos humanos (como as mulheres, por exemplo). Até lá, teremos que continuar lutando em prol da inclusão de todos os seres humanos no rol destes seres humanos que têm seus direitos garantidos.
Por isso, na luta pelos direitos das mulheres no Brasil, foi necessário criar uma lei. Uma lei para tentar diminuir a mortalidade feminina em função da violência doméstica. Para tentar diminuir as vítimas da violência doméstica. Para normatizar a situação dos agressores. Esta Lei tem o nome de Maria da Penha. Nome de uma mulher que ficou paraplégica em função da violência doméstica, e que se tornou um símbolo da luta pelo fim da violência contra a mulher. Mas como no Brasil nem tudo que é lei é seguido como lei, foi criado, em SC, o FÓRUM ESTADUAL PELA IMPLANTAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA.
Dia 25 de novembro é o DIA INTERNACIONAL PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Por isso, no dia 24 de novembro, terça feira, o Fórum estará realizando uma série de atividades, conforme programação abaixo, para cobrar ações do Governo do Estado na implementação da lei, e para aumentar a consciência e o entendimento de todas as mulheres e homens comprometidos com os Direitos Humanos de todas as pessoas. Participe! Venha somar sua força a esta luta!
1. Este texto foi adaptado de outro, da mesma autora, que foi lido na Câmara dos Vereadores de Florianópolis em 7/03/2005, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher (8 de Março), representando as seguintes entidades: CEDIM, CEPA, CRESS e CRP.
2. Termo politicamente correto atual para designar as pessoas com distúrbios psíquicos graves, que antes chamávamos de psicóticos, ou de doentes mentais, e que o povo chama de loucos. Temo que mudar a nominação não mude em absoluto a relação da sociedade com estas pessoas.

ATIVIDADES PROPOSTAS PELO FÓRUM ESTADUAL PELA IMPLANTAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA, NO DIA 24/11/2009, AUDITÓRIO ANTONIETA DE BARROS, ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SC:
09:00 h – Audiência Pública – A Implementação da Lei Maria da Penha em SC.
13:30 h – Seminário
– Palestras seguidas de debate:
 Preconceitos de gênero como geradores da violência doméstica
Li Travassos – Graduação em Psicologia pela UFPR em 1987. Mestrado em Psicologia pela UFSC em 2003, com o tema: Mulher, História, Psicanálise.
 A cultura da discriminação e violência: pensando estratégias de discriminação
Samantha Buglione – Mestrado em Direito. Doutorado em Ciências Humanas. Professora de Direito e Bioética na graduação e no mestrado em Gestão de Políticas Públicas da UNIVALI. Coordenadora do CLADEM Brasil.
– Discussão das diretrizes do Fórum em 2010
– Caminhada em direção à Catedral, depois até a Esquina Democrática (Felipe Schmidt com Deodoro), onde haverá um Ato Público.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Um ano da tragédia em Blumenau

Por Elaine Tavares - jornalista

Em novembro de 2009 completou um ano da grande chuva que fez Blumenau derreter. Uma tragédia anunciada, visto que várias pesquisas e estudos de professores da FURB há muito denunciavam a fragilidade dos terrenos nas partes da cidade em que os morros desabaram. Mas, enfim, a desgraça baixou e mais de cinco mil pessoas ficaram sem suas casas, isso sem contar os que perderam sua vida. Boa parte destas pessoas acabou levada para abrigos e todas esperavam que suas vidas voltassem ao normal, afinal, não foi pequena a ajuda que as gentes brasileiras deram aos desabrigados de Blumenau. Mas, o que aconteceu foi bem diferente e um número muito grande de famílias ainda não tem um lar.

No dia 21 de novembro, um sábado, enquanto o prefeito da cidade, João Paulo Kleinubing, dava entrevista nos meios de comunicação de massa, falando da beleza da obra de reconstrução feita pela sua gestão, a cidade real se manifestava em frente à catedral, tentando mostrar para a população que passava apressada para as compras, que há uma verdade escondida e que não aparece no jornal.

Quem passa pela área dos pavilhões da PROEB vê como a prefeitura foi eficaz na limpeza e na reconstrução. Tudo está bonito. “Na verdade, a grande massa do dinheiro foi para os empresários, donos das cervejarias, para o atendimento aos turistas na Oktoberfest. As pessoas mesmo de Blumenau, as que sofreram com o desastre e não tem renda suficiente para recomeçar ou parentes ricos, estão ainda nos abrigos”, diz uma professora da Furb. “E tem mais, esse povo não vai na Oktober. Esta é uma festa para turistas”.

Uma artéria importantíssima da cidade como a Rua das Missões está há um ano com uma imensa cratera e tudo o que foi feito pela administração foi uma marcação com cones para que os carros não caiam no abismo. “A gente pobre segue como sempre foi. Abandonada”.

Na manifestação do Movimento dos Atingidos pelo Desastre participaram famílias desabrigadas de Blumenau, de Gaspar e Ilhota. E o que se pode notar é o desespero de não ver sua voz expressa com o mesmo destaque que a dos empresários e político. “Por favor, não esquece de falar aí na tua reportagem sobre o pessoal de Gaspar, a gente tá abandonado lá”, pedia um jovem pai, massacrado pela idéia de que nunca mais vai poder ter sua casinha de volta. “Era simples, mas era minha”.

Os representantes do MAD falaram da área de ocupação, em Blumenau, onde estão as famílias que se recusaram a ficar nos abrigos, uma vez que lá, sequer podiam se manifestar sem ser reprimidas pela vigilância da prefeitura. “Nós estamos ali na ocupação, todos os dias, resistindo, denunciando, ajudando as famílias desabrigadas, passando informações, organizando. A gente só pára este movimento quando a última casa for entregue ao último desabrigado”. Segundo os membros do MAD, restam ainda mais de 1500 pessoas sem casa e sem qualquer ajuda da prefeitura. Tudo é muito lento para os pobres. As prioridades são sempre para áreas mais visadas pelo turismo. Os abrigos provisórios vão se eternizando e as pessoas que lá vivem sequer podem fazer reuniões. São proibidas.

Os jornais que circulam em Blumenau como o Santa e o DC, ambos da RBS, deram destaque às obras de reconstrução da cidade, mostrando em infográficos tudo o que já foi refeito. Mas, como é natural em veículos que não praticam o jornalismo e sim a propaganda, as obras que aparecem como realizações da prefeitura são na sua maioria conclusões de obras já orçadas do governo federal. Tudo é computado como reconstrução do desastre, mas muito pouco do que está ali é coisa voltada para os desabrigados. Estes continuam tendo de se organizar coletivamente, com o apoio de sindicatos e alguns poucos políticos. Quem se atreve a andar pela Blumenau real imediatamente vê que o que dizem os jornais é só uma visão do poder. As famílias humildes que se concentraram em frente à catedral naquele sábado de chuva, com suas faixas e suas dores, precisam, além de lutar pelos seus direitos, enfrentar a terrível indiferença que já começa a se sentir por parte dos que voltaram à vida normal.

No geral, aqueles que conseguiram se reerguer seguem com suas vidas e, massacrados pela desinformação dos jornais, acreditam que os que ainda estão nos abrigos é porque não se esforçam o suficiente. Numa cidade onde o conceito de trabalho faz parte da vida como uma segunda pele, esta idéia de que os desabrigados precisam mais é trabalhar, fica visível no rosto dos passantes que, muitas vezes se recusam até de pegar um panfleto.

E assim segue a vida nesta cidade de festas de outubro, chope e bandinha. Mas, nas suas entranhas se move um povo que não pretende desistir. O desastre, com toda a sua dor, trouxe também o germe da luta para o vale. E isso já se espalha, lento, mas seguro!

Veja o vídeo do ato do dia 21. http://www.youtube.com/watch?v=mR-O1mrfgao

Leia a matéria sobre o desastre em 2008 –

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Mundo dos Repórteres

Míriam Santini de Abreu

O jornalismo que desaloja é o jornalismo da reportagem. Tenho lido textos sobre a prática do jornalismo desde que foi publicado o acórdão que selou o fim da exigência do diploma nessa área para o exercício da profissão. Na quarta, dia 18, falou-se sobre o assunto em um seminário do qual participei como palestrante promovido pelo Instituto do Meio Ambiente da Bahia. Houve quem defendesse e quem reprovasse a decisão, com argumentos mais ou menos consistentes.
Mas acabo de ler uma reportagem no Le Monde Diplomatique de novembro e mais uma vez percebo que a reportagem, que cada vez mais perde espaço para noticiazinhas nos jornais e revistas, é o que distingue o trabalho jornalístico de qualquer outra atividade de escrita que se proponha a interpretar o mundo.
No acórdão do STF está escrito que “o jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada”. Ora, liberdade de expressão é direito humano fundamental, e não atividade. E o jornalismo tanto é uma profissão quanto uma forma de interpretação da realidade.
Essa forma de interpretação pressupõe teoria e prática, e a prática que expressa com mais riqueza interpretativa, narrativa, a realidade, do ponto de vista jornalístico, é a reportagem. E o repórter, de todas as funções que um jornalista pode exercer, por sua vez é o que mais traz em si o caldo fumegante da prática jornalística.
Estão a se crer jornalistas todos os que agora talvez possam verter seus textos nas páginas dos jornais e revistas. Antes já podiam... Estão a escrever cartas, crônicas, artigos, resenhas, talvez até pequenas notícias. Mas, diabos, quero ver se escrevem reportagens! Porque basta o domínio da língua portuguesa e um pensar raso, mediano ou profundo sobre o mundo para se sentar na frente do computador e dar pitacos sobre o governo, a crise, o mais recente lançamento literário, quem deu para quem no mundo dos ricos e famosos, o apagão, a Copa. Mas reportagem é outra coisa!
A que li no Le Monde Diplomatique fala sobre as “maquiladoras” no México, nome das fábricas que recebem peças, montam os produtos e os reenviam aos Estados Unidos. Fosse o texto escrito por alguém da Universidade, do Mundo dos Negócios, do Mundo dos Profissionais Liberais, do Mundo dos Consultores, teriam escrito algo mais ou menos denso, mais ou menos crítico, alinhavando estatísticas, percentuais, algumas frases feitas, um histórico sobre como as “maquiladoras” se instalaram no país. Se o escrevente fosse um cabeça-de-planilha, como diz o Nassif, certamente elogiaria a vitalidade do setor para aquele país e em como emprega milhares de pessoas. Um escrevente com olhar menos viciado pela balela neoliberal falaria sobre a forma como os trabalhadores são tratados, a miséria que recebem, o impacto ambiental e a falta de compromisso com condições dignas de trabalho. Mas tudo com base em um discurso universal, válido, respeitadas as diferenças, para situações mais ou menos semelhantes no sórdido mundo das corporações. E para escrever de um modo ou de outro, bastaria dar uma boa varredura na internet ou, no caso de escrevente mais sério, ter ido in loco verificar o que lá se passa. Escrever sobre isso seria emitir uma opinião sobre o assunto, consolidando a liberdade de expressão, e sem precisar levantar da cadeira!
Mas, caralho!, a jornalista Anne Vigna, a repórter Anne Vigna, foi até lá fazer reportagem. E como é isso, perguntam? A-ha! A repórter leu sobre o assunto, foi até o México, esteve em “maquiladoras”, ouviu trabalhadores, sindicalistas, representantes dos empresários e do governo, especialistas da Universidade. Apresentou estatísticas. Descreveu ambientes, situações e pessoas.
Sabemos, por ela, que uma operária foi suspensa por dois dias porque fez uma peça ruim entre as 700 que produz em um dia. Ela recebe o equivalente a 98 reais por semana. Também sabemos que a fila de trabalhadores na frente das “maquiladoras” começa a se formar perto das cinco da manhã, e as pessoas temem reclamar do que quer que seja por medo de não conseguir uma das vagas . A repórter conversou com operários sobre as graves doenças que desenvolvem os que trabalham com chumbo, elemento que vai nas baterias de equipamentos eletrônicos. Trabalhadores que não podem falar ou ir ao banheiro durante o expediente, e que passam até 10 horas seguidas em pé. As 8 mil toneladas de chumbo enterradas sob uma capa de concreto para não continuar a poluir a natureza. Ah, a pujante economia proporcionada pelo acordo que o México fez com os Estados Unidos...
Anne Vigna em nenhum momento expressa sua opinião sobre o que vê e ouve. Mas toda a forma de construir a reportagem – como fazem os grandes repórteres – deixa escorrer do texto uma lava. Uma lava que desce por canais formados por domínio das técnicas narrativas, por capacidade descritiva, inúmeras informações precisas e – sim, isso é evidente no texto – um amor profundo pelo ser humano que sofre. E o que Anne faz ao final do texto é perfeito, porque ela cede a uma das operárias que entrevistou a frase que conclui a reportagem. E essa frase aponta o que diz o geógrafo Milton Santos, para quem os portadores do futuro são os “homens lentos”, os empobrecidos. O sumo do pensamento de Milton está naquela frase final, dita por uma operária demitida depois de ter sido sugada por 25 anos e não ter recebido seus direitos trabalhistas.
Essa lava que Anne deixa jorrar de sua reportagem é o jornalismo que desaloja.
Deixemos que esse povo da Universidade, do Mundo dos Negócios, do Mundo dos Profissionais Liberais, do Mundo dos Consultores, fale sua verdade nos jornais e revistas. Mas Reportagem, a forma por excelência de o Jornalismo interpretar o mundo, é coisa para o Mundo dos Repórteres.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Sete pontos sobre o acórdão do STF e o jornalismo

Por Elaine Tavares - jornalista

Quando o mundo feudal europeu caiu, após mais de mil anos de existência, não foi por acaso. Esse processo foi fruto de uma profunda revolução levada pela classe burguesa em ascensão. Mais tarde, essa mesma classe trouxe à luz outros sistemas de organizar a vida – o mercantilismo e o capitalismo – que, com as invasões de território pós 1492, foram trazidos também para o que hoje chamamos de América Latina (ou Abya Yala), nosso espaço geográfico de existência. O capitalismo, depois de mais uma revolução tecnológica, nominada como revolução industrial, cresceu, ficou forte e passou por diversas crises, mas sempre sobrevivendo. Hoje, ele se expressa como imperialismo, que é o tempo em que a livre concorrência (proposta do capitalismo mercantilista) é substituída pelo monopólio.
Leia artigo na íntegra no sítio: http://www.iela.ufsc.br/?page=noticia&id=1154

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Consciência de classe

Por Elaine Tavares - jornalista

Florianópolis tem suas delícias, mas também abismos. Um deles é o transporte coletivo. Incrível como os políticos de plantão conseguem piorá-lo, quando se pensa que isso seria impossível. Pois agora inventaram de cortar horários. E os argumentos? Ah, os argumentos... São singelos: existem horários em que há menos gente circulando, logo há que ter menos ônibus. Lição de lógica. Assim, diminuem-se ainda mais os custos para os empresários, porque afinal, eles sofrem muito para manter suas frotas.

Bueno, mas se a lógica do serviço público é essa – e temos de lembrar sempre que o transporte coletivo é um serviço público – então teríamos de aplicá-la em todos os níveis. Assim, a partir de agora, os estados deveriam cortar a água nas residências no horário das 15 às 18h. É que nestas horas tem pouca gente usando água. E também deveriam cortar a luz entre 10 e 17h, pois parece que aí também tem menos gente usando a energia elétrica. E assim por diante...

O mais incrível destas decisões esdrúxulas da prefeitura de Floripa é que elas não provocam rebelião. Engraçado que outro dia, quando os motoristas de ônibus paralisaram algumas horas para reivindicar a permanência de seus colegas cobradores no emprego, teve gente que, indignada com os trabalhadores, chegou a destruir catracas no terminal. Gente tomada de ódio pelos motoristas, “esse povo irresponsável”.

Mas, contra o empresariado e os políticos que nos deixam horas e horas mofando nos terminais nestes dias de calor infernal, ninguém diz nada. Ninguém quebra catraca ou incendeia ônibus. Bom, parece mais fácil explodir contra os iguais. Outro dia peguei um ônibus, destes que não têm janela – o que é um atentado à vida. E o ar não funcionava. Tirando eu e outra mulher que bradávamos, ninguém dizia um ai. E fomos todos sufocando até o Rio Tavares. Eu havia conclamado o povo para ir falar com o fiscal, mas quando o ônibus parou, saíram todos correndo. Só eu fui pedir ao fiscal que não deixasse sair o ônibus, pois estava sem ar. Uma voz solitária e inútil.

Ele mentiu. Disse que ia tirar de circulação. Eu entrei no ônibus do Castanheira e quando vi lá estava o ônibus, indo para o ponto do Rio Tavares direto. Sai correndo, mas não deu tempo de impedir. As pessoas ficaram rindo de mim. Eu perdi meu ônibus e tive de esperar mais 30 minutos pelo outro. E as gentes de cabeça baixa, fingindo não perceber que aquilo que devia ser um direito lhes é negado todos os dias. Eu me indigno, mas não desisto. Um dia, quem sabe, os trabalhadores entendem o que é consciência de classe, que é essa coisa de saber o lugar que ocupamos no mundo.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A energia está no sol

Entrevista com o genial sociólogo Gilberto Vasconcellos. Para fruir.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O povo Mapuche segue em luta

Por Elaine Tavares – jornalista

Pouca gente sabe, mas existe um povo que nunca foi conquistado pelos espanhóis aqui na América Latina. Com a chegada dos brancos europeus, civilizações complexas foram dizimadas, estados foram destruídos, nacionalidades extintas. Mas, o povo que habitava as margens dos rios Biobío e Toltén, no que é hoje o sul do Chile, nunca se deixou vencer, nem mesmo pelos incas que, antes da dominação espanhola, também chegaram a conformar o império do Tawantinsuyo.

Ao longo de 300 anos de invasão européia, este povo guerreiro enfrentou com valentia e audácia a fúria dos espanhóis até ser reconhecido como um estado autônomo dentro do imenso território conquistado. São os Mapuche, palavra que designa “gente da terra”, na língua mapudungun. Nestes séculos todos em que reinaram Espanha e Portugal aqui por estas terras, os mapuche resistiram altivamente a qualquer investida, chegando a usar, com sucesso, táticas de espionagem bastante eficazes. Além disso, incorporaram as novidades das forças produtivas inimigas para fortalecer a sua defesa.

Pois esta gente única, hoje segue em pé de guerra, agora contra o estado chileno que tem atuado como opressor e também contra as transnacionais que invadem seu território. Nunca vencidos, os mapuche enfrentam com a mesma dignidade ancestral, os novos desafios que se apresentam. Saber da sua história é o primeiro passo para compreender suas demandas político/econômico/culturais e adentrar pelas intricadas trilhas de Abya Yala (nome dado pelos originários ao que os brancos chamam de América Latina).

Luan-Taru – o grande herói mapuche
Assim que desembarcaram na parte leste do que hoje é América do Sul os espanhóis iniciaram suas guerras de conquista e destruição, derrotando primeiramente os incas. A região mapuche, mais ao sul, logo passou a ser também espaço da cobiça. Muitas foram as batalhas entre eles e os invasores. Numa dessas escaramuças, em 1546, um menino mapuche, filho do lonko (guia do povo) local, foi capturado pelas tropas inimigas. Seu nome era Luan-Taro, de luan (guanaco) e de taro (conhecida ave de rapina da região), que na língua mapundungun queria dizer “veloz”. Ele tinha pouco mais de 11 anos e foi levado para servir ao comandante Pedro Valdívia. Durante muito tempo participou das batalhas, cuidou dos cavalos, fez-se ginete e aprendeu táticas militares. Por não saber pronunciar direito seu nome os espanhóis o chamaram Lautaro. Seus olhos escuros observavam todas as atrocidades que as tropas de Valdívia cometiam contra seu povo. Ele se fazia mudo e aprendia mais e mais.

No ano de 1552 Luan-Taru montou num cavalo e deu de rédea pelo campo afora. Os espanhóis não fizeram caso, era só mais uma fuga de “índio”. Só que este não iria apenas escapulir e sumir da vista dos espanhóis. Ele imediatamente se apresentou diante dos chefes mapuche e ofereceu-se para ensiná-los a lutar. Mostrou o cavalo – até então desconhecido pelos originários – ensinou a montar e a tal ponto que os mapuche tornaram este animal quase como uma parte do seu ser. Usaram a vantagem do inimigo a seu favor, transformando-se em centauros, quase invencíveis sobre o cavalo. Luan-taru ainda os ensinava a lutar em campo aberto, introduzia novas armas, mostrava as técnicas de guerra aprendidas com os espanhóis e usava cada uma delas para enfrentá-los em pé de igualdade. Tamanha foi a liderança deste jovem mapuche que em pouco tempo era escolhido como o Toqui (chefe máximo na guerra).

Tornado líder das batalhas, Luan-taru ensinou a técnica do batalhão, da retirada estratégica e ainda criou um eficaz sistema de espionagem que envolvia crianças, velhos e mulheres. Eles eram introduzidos no contexto espanhol como traidores do povo mapuche, loucos, bêbados ou servos e, fingindo não entender o idioma, arrebanhavam informações importantes que eram repassadas por um também engenhoso sistema de sinais enviado através dos ramos das árvores. Foi por conta da sabedoria militar de Luan-taru que o próprio Valdívia caiu prisioneiro dos mapuche pouco tempo depois. Sob a liderança do jovem Toqui, os mapuche enfrentaram por anos, sem fraquejar, as tropas espanholas. A palavra de ordem que movia as gentes era o seu grito de guerra: “Adiante, mapuches, vamos tomar Madrid”. Ele não chegou a Madrid, mas tampouco foi vencido em batalha. Sua morte se deu num acampamento perto do Rio Maule. Luan-taru descansava nos braços da sua mulher, Guacolda, numa tenda de campanha. Emboscado por uma pequena tropa liderada por Francisco de Villagra, ele foi surpreendido e transpassado por uma lança, no ano de 1557. O jovem Toqui encantou, mas a luta mapuche não acabou. Como um verdadeiro mestre ele havia ensinado seu povo, e a resistência seguiu pelos 300 anos afora.

Os mapuche e o estado chileno
A luta do povo Mapuche não foi em vão. Diante de um continente dominado, a Espanha obrigou-se a aceitar a autonomia desta nacionalidade, sendo traçadas, inclusive, fronteiras territoriais bem claras. O “wall mapu”, território e também espaço sagrado dos mapuche, permaneceu intacto até que chegaram as guerras de independência. Durante este processo os mapuche foram, por várias vezes, mostrados como exemplo, inclusive por Bernardo O´Higgins, um dos grandes heróis da independência do Chile, que falava fluentemente o mapudungun. Mas, com o passar do tempo, e já sem a presença de O´Higgins, a nação mapuche teve de enfrentar a saga capitalista que começava a se expressar nos estados-nacionais criados pós independência. Depois de uma década de conflitos, estabelece-se o conservadorismo no Chile, e os ideais de Bolívar são esquecidos. Descobre-se a riqueza do cobre e do trigo. Em 1861 o liberalismo se instala e duas décadas depois havia “modernizado” o país a partir da exploração do cobre e do salitre. Neste período inicia-se uma campanha agressiva de “nacionalização” do Chile, e a proposta era a de incluir todas as diferenças no conceito único de “chileno”, daí o processo que ficou conhecido como “pacificação da Araucanía”, região onde viviam quase duzentos mil mapuche.

Este foi um período conturbado, com inclusive a presença de um francês na área do Arauco, que havia se autoproclamado rei. Aquele era, portanto, um espaço conflagrado e o governo decidiu iniciar um trabalho de colonização, criando cidades, abrindo estradas, levando escolas e hospitais. Mas, neste movimento, a república chilena jamais reconheceu os mapuches como um povo autônomo, que tinha sua própria cosmovisão e sua forma original de organizar a vida. Considerava-os “araucanos”, simples moradores daquele espaço de terra e acreditava que todos deveriam se unificar sob a mesma bandeira. Não houve conversa nem respeito.

Neste meio tempo, em 1879 o Chile trava com a Bolívia a Guerra do Pacífico, por conta das minas de salitre. O ouro branco era responsável por quase 75% dos ingressos financeiros do país. . Não bastasse isso, se registrou a existência de ouro nas terras do sul, o que tornou ainda mais aguda a ocupação do território mapuche. Assim, a chamada pacificação acabou sendo uma guerra suja e significou justamente a invasão do “wall mapu” por hordas de aventureiros e de colonos enviados pelo governo que tomavam terra, gado e expulsavam violentamente as famílias. Então, aproveitando que o exército nacional estava envolvido na guerra do pacífico, os mapuche se levantaram em rebelião. Mas, com o fim da guerra com a Bolívia, o exército voltou seus olhos para a região mapuche e recomeçou a ocupação. Durante muito tempo o povo resistiu, mas no ano de 1881 os mapuche foram finalmente vencidos e incorporados à república chilena, perdendo o estatuto de comunidade autônoma. A partir daí os originários foram colocados em “reduções”, e suas terras ancestrais passaram para as mãos dos colonos brancos enviados para “civilizar” um espaço territorial que desde os tempos imemoriais estivera sob o domínio do povo mapuche. Este mesmo processo de colonização também foi encaminhado no lado argentino, para onde se estendia o wall pamu.

A resistência mapuche
Desde a derrota diante do exército chileno em 1881, os mapuche seguiram resistindo na intenção de recuperar seu território, porque para este povo, o território não é apenas a terra. Ele significa uma unidade física e cosmológica, onde coabitam seres humanos, bichos, matas, rios, deuses, enfim, é muito mais do que a idéia de propriedade privada imposta pelo capitalismo. No vídeo “El despojo”, fala um mapuche: “Os deuses habitam esse lugar, e nós nos sentimos protegidos pela paisagem. O território não é só terra, é herança cultural. Da terra vem a araucária, que nos foi dada por deus, dela vem o pinhão que recolhemos e que nos permite viver. É nossa riqueza”. Há uma relação profunda entre a vida mapuche e os deuses que habitam o wall mapu. “Eles se comunicam através do sonho e assim nós sabemos se o verão vai ser bom se a colheita será farta, se o inverno vem rigoroso”. Sem wall mapu os mapuche perdem essa ligação. Um pouco da compreensão desta realidade foi conseguida durante o governo de Salvador Allende, que iniciou um processo de Reforma Agrária no qual respeitava a lógica mapuche de organização da vida, fincada na comunidade. Mas, a ditadura militar chilena, que inicia em 1974, com o golpe liderado por Augusto Pinochet, promove mais uma divisão das terras comunitárias que se havia conseguido ao longo dos anos de luta. Não bastasse isso, a região da Araucanía, a exemplo do que passou a acontecer também no sul do Brasil, se transforma em espaço da plantação do pinus, matando as araucárias. E as personagens nefastas que vão tomando conta da terra mapuche são as transnacionais do campo do reflorestamento. Heresia pura. A terra que dá o pinhão, a unidade sagrada, é rompida em nome do lucro e da “plantation”.

Em resposta a essa política da ditadura a luta mapuche se organiza de forma mais orgânica e começam os movimentos pela recuperação do território e pela auto-determinação que eles lograram manter ao longo de mais de 300 anos, em pleno domínio espanhol. Nos anos 90, com a instituição do Aukin Wallpamu Ngulam (Conselho de Todas as Terras – espaço de organização e governo do povo mapuche) esta nacionalidade inaugura nova onda de mobilização com a ocupação das empresas transnacionais de reflorestamento e de energia, incêndio das plantações, passeatas, ocupações de prédios públicos. Uma reação radical que os coloca hoje sob a Lei de Segurança Nacional e os denomina “terroristas”. O estado chileno, sob o comando de uma ex-ativista de esquerda, sequer deu fim a esta lei arbitrária da ditadura de Pinochet. Os militantes mapuche, quando presos em algumas destas ações que visam a recuperação e a proteção do seu território, são presos como bandidos e ainda está longe de o estado chileno compreender a dimensão do que seja a nacionalidade mapuche e o que significa para esse povo manter seu espaço original.

A luta hoje
Conforme conta o professor de história e militante da causa mapuche, Bóris Ramírez, a luta hoje está amparada em três grandes eixos: recuperação do território ancestral, autodeterminação e fim da discriminação pelo Estado. E o que se vê no sul do Chile é um enfrentamento entre o estado e o povo, num contexto de completa militarização da região da Araucanía e criminalização do movimento, no qual os mapuche em luta são presos, torturados ou assassinados sob a denominação de “terroristas”. É a completa inversão da história. Aqueles que são os donos da terra – que foram roubados e espoliados – são os que agora se tornam os vilões por quererem de volta o que sempre lhes pertenceu. Mas, no Chile, o racismo é uma doença endêmica e só agora, com as lutas do povo mapuche avançando para dentro das cidades, onde estão muitos dos membros desta nacionalidade, é que este tema começa a ser desvelado. Desde os tempos da chamada “pacificação” os winka (os brancos) consideram que é legítimo colonizar as terras dos “índios”, porque, afinal, para eles, aquele povo que se manteve autônomo por tanto tempo nesta América dominada, não deve nem ser humano. “O racismo é uma coisa bem séria no Chile. Custa muito reconhecer a mestiçagem, e há muita discriminação contra peruanos e equatorianos. É uma contradição porque na escola se usa muito a história dos mapuche como um povo guerreiro que resistiu ao império espanhol, mas, por outro lado, essa imagem fica só no passado. Hoje, os mapuche são apontados como bêbados, vadios e sequer são reconhecidos como cidadãos chilenos, uma vez que qualquer ação deles não é julgada pela lei ordinária, e sim pela Lei de Segurança Nacional”, conta Bóris.

Outra contradição é que o governo finalmente assinou o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que define os direitos dos povos originários e de outros grupos que se constituem uma identidade própria, como os quilombolas, mas apesar disso segue tratando os mapuche como bandidos. “Seria necessário uma redefinição constitucional para que esta questão se resolvesse pelo menos do ponto de vista do direito. Porque a Constituição chilena não os reconhece como um povo originário, que tem direito a autodeterminação”.

Reconhecidos ou não pelo governo chileno, para os mapuche a luta segue. E, hoje, o que era uma batalha dentro das fronteiras do estado-nação, já tomou outras dimensões. Os principais embates da nacionalidade mapuche são contra as grandes empresas florestais e a as hidrelétricas, a maioria propriedade de empresas estrangeiras, uma vez que no Chile, o processo neoliberal foi levado às últimas consequências. Então, a luta assume proporções gigantescas porque o enfrentamento é com o próprio capital, que se expressa ali na região através destas empresas cujos donos estão em lugares não sabidos. Não é sem razão que, praticamente todos os dias, tenha algum mapuche sendo preso ou assassinado. É a razão da força se impondo tal qual nos tempos coloniais.

As relações com os demais movimentos sociais
A luta dos mapuche até bem pouco tempo era uma coisa meio fechada, resolvida entre eles. Pudera, fica difícil confiar nos winka (brancos). A própria esquerda também tem visões muito diferenciadas sobre a questão indígena. Há quem defenda a integração, outros a “guetização”, o que torna o diálogo bem mais difícil. O novo movimento originário que se expressa em Abya Yala com mais vigor desde o final dos anos 80 não quer mais este paternalismo fingido que vigorou por décadas nos países, com os originários sendo tutelados em reservas, e também não querem essa proposta de “branqueamento” que se expressa na idéia de “integração”. Os originários querem o direito de viver nas suas terras, de acordo com sua cultura e seguindo outras formas de organização da vida. Daí a proposta dos estados plurinacionais, que em nada quer dizer separatismo como querem fazer crer os racistas que não aceitam a idéia de que um povo possa ter mantido ao longo de todos estes anos sua identidade originária.

No Chile, hoje, os mapuche já conseguiram sair de suas fronteiras e estabelecer parcerias políticas. Vários movimentos sociais apóiam a luta originária e nos episódios de prisão ou assassinato, se manifestam, dão suporte e denunciam internacionalmente. Além disso, participam ativamente das marchas e protestos que o povo mapuche organiza para se fazer visível a um país que insiste em não reconhecê-lo. Mas, segundo Ramírez, esta parte da esquerda organizada ainda é muito pequena no Chile, embora contribua muito ao levar a discussão para o reduto winka.

A organização dos mapuche avança agora no rumo da Argentina, o que torna o assunto ainda mais complexo, por sair das fronteiras do estado-nacional. É que a região de Neuquén, no país vizinho, faz parte do território ancestral, o wall mapu, e os mapuche que ali vivem igualmente se sentem parte da mesma nacionalidade. Não é à toa que esta aproximação seja vista como um “perigo” pelos governantes dos dois países, incapazes de compreender a nova configuração do mundo abyayálico. Os povos originários não entendem o mundo como um espaço esquadrinhado artificialmente pelo povo conquistador. Eles vivenciam seu território como espaço unitário de corpo/terra/espírito/deuses. As fronteiras são outras. E a proposta de autodeterminação é a única possível para estas nacionalidades que se encontram firmemente organizadas num tronco comum de cultura. Eles não buscam se separar do estado-nação onde estão fincados, mas exigem que este estado os reconheça como nacionalidade autônoma, capaz de gerir seus destinos e também de atuar em sintonia com os interesses de todo o povo chileno e argentino. Entender isso é dar um passo para o futuro. A América Latina não pode mais ser a mesma que foi fundada hegemonicamente pelos criollos com as guerras de independência. Assim como muitos estados-nação estão refundando suas repúblicas, tais como a Venezuela, o Equador e a Bolívia, também o continente precisa se refazer. Abya Yala reclama seu lugar. E o povo mapuche está fazendo sua parte nesta nova conformação. Das entranhas da Araucanía ouve-se o grito mapuche de Luan-taru e todos os outros heróis tombados: pulchetun... pulchetun... Esta palavra, na língua dos “hombres de la tierra”, quer dizer: faça deslizar a flecha mensageira. E lá vai ela, rasgando as fronteiras, constituindo a terra do esplendor.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Centro de Recreação E.T


Pobres e Nojentas em tarde de descontração no centro de Recreação E.T. Lugar perfeito para quem está sofrendo mal de amor, solidão, medo, angústia. É só chegar e tudo passa. Não é a ilha de caras, é claro. Mas, na ilha de Meiembipe, é o melhor lugar para se ficar.

domingo, 1 de novembro de 2009

Lentamente, ao sol

Elaine Tavares
Finalmente o sol. Queimando, esquentando, ardendo. Saio de um lugar ruim, cabeça fervendo. Caminho a esmo pelo centro de Florianópolis, olhando as pessoas e pensando na fragilidade da vida. Tão pouco tempo temos neste planeta azul. O tempo da gente comparado ao tempo histórico da raça é um grão de areia. Vou repassando nossa insignificância individual, enquanto percebo nas caras que passam por mim a urgência dos tempos modernos. Toda a gente tem pressa demais. Eu também, tal qual o coelho da terra encantada de Alice. “Não tenho tempo... não tenho tempo”. E o tempo, como já falou Einstein é tão relativo. Tempo do relógio? Tempo da natureza? Tempo biológico? Qual deles vamos seguir?...
Naquela tarde de quinta-feira meu tempo era o interior. Misteriosamente estava lento. Lembrei de Milton Santos, o nosso grande geógrafo, que dizia: “O futuro será dos homens lentos”. Ele era um mestre, deveria estar com a razão. Talvez seja mesmo hora de diminuir o ritmo, fazer como no poema... “Se eu tivesse que viver de novo tomaria mais banho de chuva, brincaria com barquinhos de papel, daria mais risada, ficaria mais tempo com os amigos...” Ah estes pensares outonais!
O sol seguia sua órbita escaldante. Melhor mesmo era tomar um chope. Três horas da tarde, depois de um dia inteiro enfrentando aparelhos estranhos. Sim, eu tinha direito. “Querido, um chope bem gelado!” O líquido dourado caiu, redondo, e na minha frente seguia o frenesi das pessoas. O mercado fica bem na boca do terminal urbano, por onde passam mais de 200 mil almas por dia, em desvairada carreira, correndo atrás do tempo, que escapa, fugidio. O dia escorria e eu ali, pensando no tempo. Então fui ao banheiro. E no mercado isso é algo surreal. Para se chegar lá é preciso pegar um elevador que nos leva ao primeiro andar. Não há escadas, portanto, sem escapatória. Entra-se, aperta-se o botão e o elevadorzinho de ferro vai subindo, numa assustadora lentidão. E ali, presa na gaiola branca, fica-se a mercê daquele arrastado subir. Perde-se totalmente o controle sobre o tempo. O controle é da máquina. Prisioneiros somos.
Então entendi. A vida é um presente, um momento único. Cada instante vivido nunca mais vai voltar. Por isso se faz necessária a lentidão. Sorver os segundos, saborear cada instante. O viver é sopro, já se apaga. Nesta tarde de verão atrasado, nada mais nos resta a não ser um aceno curto e a frase pagã; “querido, traz mais um!”...