segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Um ano da tragédia em Blumenau

Por Elaine Tavares - jornalista

Em novembro de 2009 completou um ano da grande chuva que fez Blumenau derreter. Uma tragédia anunciada, visto que várias pesquisas e estudos de professores da FURB há muito denunciavam a fragilidade dos terrenos nas partes da cidade em que os morros desabaram. Mas, enfim, a desgraça baixou e mais de cinco mil pessoas ficaram sem suas casas, isso sem contar os que perderam sua vida. Boa parte destas pessoas acabou levada para abrigos e todas esperavam que suas vidas voltassem ao normal, afinal, não foi pequena a ajuda que as gentes brasileiras deram aos desabrigados de Blumenau. Mas, o que aconteceu foi bem diferente e um número muito grande de famílias ainda não tem um lar.

No dia 21 de novembro, um sábado, enquanto o prefeito da cidade, João Paulo Kleinubing, dava entrevista nos meios de comunicação de massa, falando da beleza da obra de reconstrução feita pela sua gestão, a cidade real se manifestava em frente à catedral, tentando mostrar para a população que passava apressada para as compras, que há uma verdade escondida e que não aparece no jornal.

Quem passa pela área dos pavilhões da PROEB vê como a prefeitura foi eficaz na limpeza e na reconstrução. Tudo está bonito. “Na verdade, a grande massa do dinheiro foi para os empresários, donos das cervejarias, para o atendimento aos turistas na Oktoberfest. As pessoas mesmo de Blumenau, as que sofreram com o desastre e não tem renda suficiente para recomeçar ou parentes ricos, estão ainda nos abrigos”, diz uma professora da Furb. “E tem mais, esse povo não vai na Oktober. Esta é uma festa para turistas”.

Uma artéria importantíssima da cidade como a Rua das Missões está há um ano com uma imensa cratera e tudo o que foi feito pela administração foi uma marcação com cones para que os carros não caiam no abismo. “A gente pobre segue como sempre foi. Abandonada”.

Na manifestação do Movimento dos Atingidos pelo Desastre participaram famílias desabrigadas de Blumenau, de Gaspar e Ilhota. E o que se pode notar é o desespero de não ver sua voz expressa com o mesmo destaque que a dos empresários e político. “Por favor, não esquece de falar aí na tua reportagem sobre o pessoal de Gaspar, a gente tá abandonado lá”, pedia um jovem pai, massacrado pela idéia de que nunca mais vai poder ter sua casinha de volta. “Era simples, mas era minha”.

Os representantes do MAD falaram da área de ocupação, em Blumenau, onde estão as famílias que se recusaram a ficar nos abrigos, uma vez que lá, sequer podiam se manifestar sem ser reprimidas pela vigilância da prefeitura. “Nós estamos ali na ocupação, todos os dias, resistindo, denunciando, ajudando as famílias desabrigadas, passando informações, organizando. A gente só pára este movimento quando a última casa for entregue ao último desabrigado”. Segundo os membros do MAD, restam ainda mais de 1500 pessoas sem casa e sem qualquer ajuda da prefeitura. Tudo é muito lento para os pobres. As prioridades são sempre para áreas mais visadas pelo turismo. Os abrigos provisórios vão se eternizando e as pessoas que lá vivem sequer podem fazer reuniões. São proibidas.

Os jornais que circulam em Blumenau como o Santa e o DC, ambos da RBS, deram destaque às obras de reconstrução da cidade, mostrando em infográficos tudo o que já foi refeito. Mas, como é natural em veículos que não praticam o jornalismo e sim a propaganda, as obras que aparecem como realizações da prefeitura são na sua maioria conclusões de obras já orçadas do governo federal. Tudo é computado como reconstrução do desastre, mas muito pouco do que está ali é coisa voltada para os desabrigados. Estes continuam tendo de se organizar coletivamente, com o apoio de sindicatos e alguns poucos políticos. Quem se atreve a andar pela Blumenau real imediatamente vê que o que dizem os jornais é só uma visão do poder. As famílias humildes que se concentraram em frente à catedral naquele sábado de chuva, com suas faixas e suas dores, precisam, além de lutar pelos seus direitos, enfrentar a terrível indiferença que já começa a se sentir por parte dos que voltaram à vida normal.

No geral, aqueles que conseguiram se reerguer seguem com suas vidas e, massacrados pela desinformação dos jornais, acreditam que os que ainda estão nos abrigos é porque não se esforçam o suficiente. Numa cidade onde o conceito de trabalho faz parte da vida como uma segunda pele, esta idéia de que os desabrigados precisam mais é trabalhar, fica visível no rosto dos passantes que, muitas vezes se recusam até de pegar um panfleto.

E assim segue a vida nesta cidade de festas de outubro, chope e bandinha. Mas, nas suas entranhas se move um povo que não pretende desistir. O desastre, com toda a sua dor, trouxe também o germe da luta para o vale. E isso já se espalha, lento, mas seguro!

Veja o vídeo do ato do dia 21. http://www.youtube.com/watch?v=mR-O1mrfgao

Leia a matéria sobre o desastre em 2008 –

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