segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Iara na cascata do Matias





Míriam Santini de Abreu
Entardecia e às margens da cascata do Matias, em São Pedro de Alcântara (SC), ouvi a melodia da Iara. Estava num canto de pedra, penteando os cabelos negros. Belezalendadamataimemorial. Veja em:

Dá vontade de ser abelha


Floripa ferve, sol quente, gente às pressas comprando. No Largo da Alfândega, os cheiros da feira livre deixam a gente cheia de apetites: salame, queijos, pêssegos, ameixa. E há flores, jasmim de entontecer, brancura aveludada. Dá vontade de ser abelha.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Que venha o jornalismo

Por Elaine Tavares – jornalista

O Jornalismo no Brasil é uma vergonha. Quase tudo o que se vê na TV ou se lê nos jornais e revistas semanais pouco tem a ver com a vida das gentes. As fontes são as oficiais e raros são os que se aventuram pelas estradas vicinais, poeirentas, da vida real. Melhor é ficar no gabinete, nas salas acarpetadas, com ar condicionado, a sorver cafezinho e ouvir, reverente, a voz do poder. Isso dá muito mais lucro. Pode colocar um jornalista nas graças dos que mandam. Isso significa verbas adicionais e fama.. Quem não quer?

O ser humano normal sonha com isso. Trabalhar na Globo, aparecer em rede nacional, ser reconhecido no supermercado. E, de quebra, ainda ter uma boa poupança para os tempos difíceis. Para isso, só vale uma regra: não brigar com o poder. Servilismo, servidão. Dar murro em ponta de faca pra quê? Bobagens de quem não tem família para sustentar.

Pois o jornalista iraquiano Muntadar al-Zeidi fez o improvável. Ele não escreveu qualquer matéria, não ficou perdido entre anotações, não usou câmera escondida, não foi para frente de batalha, não mergulhou em documentos, sequer narrou a vida desgraçada dos seus compatriotas, acossados pela ganância estadunidense. Ele apenas arremessou um sapato contra o rei. Numa situação absolutamente normótica, quando os jornalistas se aglomeram para fazer perguntas idiotas a um energúmeno completo como é o presidente estadunidense, sem que absolutamente seja aventada qualquer possibilidade de um questionamento embaraçoso paro o poder, o homem, jornalista, explodiu.

Não era terrorista, nem homem-bomba, nem nada. Só uma pessoa, cansada de servir àquele que nada mais era do que um gangster de terceira classe. Mas que, por tanto tempo nos píncaros da gloria, comandando o exército mais poderoso da terra, havia de ser temido. E assim, não bastando ter destruído toda a cultura do Iraque, matado sua gente, destruído sua auto-estima, massacrado sua honra, ainda se deu ao luxo de ir dizer “goodbay” . Tripudiava , pisoteava, humilhava um pouco mais aquele povo que até hoje, passados cinco anos, ainda morre pelo simples fato de ser o que é.

O jornalista não ouviu os dois lados, não contou histórias, não checou informações. Ainda assim merece ganhar todos os prêmios do mundo. E por quê? Porque num tempo em que o normal é servir ao poder ele disse: Não! Sem armas, mas sem medo, ele usou o que mais prosaico se poderia usar, o sapato. E, num ato de digna raiva o arremessou contra o boneco estadunidense, que tal e qual um estúpido, ria sem entender a grandeza do gesto. O jovem iraquiano que aos gritos de “cachorro”, tentou atingir o presidente do país mais armado da terra, ficará eterno ao protagonizar uma hora histórica. No lugar improvável, entre os serviçais, ele se levantou e arremessou o sapato. Um gesto pueril, inglório, tolo, mas que redimiu parte da humanidade.

Não é sem razão que pelo mundo todo seu gesto ingênuo esteja sendo saudado como a maravilha das maravilhas. Porque no planeta dos escravos de Jó teve um que decidiu sair da casinha do jornalismo cortesão e dizer ao mundo a palavra aprisionada: “cachorro!”, que, pensando bem, é uma ofensa contra esses lindos animais. Vai-te para o inferno George Bush, porque, como já dizia Ali Primera “hermano de mi pátria usted no es”.

Foi bonito, foi redentor, mas, e agora? Será diferente com Obama? É diferente dos demais carrascos? Trará paz ao mundo? Acabará com Guantánamo? Findará a tortura? Deixará de ingerir sobre a vida das gentes nos países que têm riquezas para eles roubarem? Duvido muitíssimo!

O bravo jornalista do Iraque enfrentou a ira dos deuses e está a receber aplausos de todos os cantos do mundo. Legal, isso é bom. Mas, quisera eu que os coleguinhas do mundo todo principiassem a realizar o insólito, tal qual o iraquiano, não atirando sapatos, mas narrando a vida, a vida mesma, essa que escorre pelos dedos da história real e que não encontra espaço para se expressar.

Sim, foi orgástico ver o sapato voando. Talvez fosse tudo o que aquele homem pudesse fazer. Mas nós, aqui na terrinha, podemos mais do que um sapato no ar. Nós podemos contar da vida, dos podres do poder, da dominação. Nós podemos narrar o horror do cotidiano e mais, nós podemos anunciar a boa nova. Outras formas há de se viver no mundo. Boas e bonitas. Os atiradores de sapatos são bem vindos, sim, mas é chegada a hora dos Jeremias a insistir contra todo o bom senso: “ainda hão de nascer flores neste lugar”. Viva o jornalista iraquiano que arremessou os sapatos, mas vivam também os loucos que, a despeito de tudo, jogam a merda do capital no ventilador. Eles não aparecem em rede nacional, mas estão aí, insistindo e lutando. Há mais sapatos voando por aí do que pode sonhar nossa vã filosofia!

sábado, 13 de dezembro de 2008

Pobres em Salvador





A bibliotecária documentalista Maria Guilhermina Cunha Salasário, que trabalha no Sindicato dos Previdenciários em Santa Catarina, Sindprevs-SC – apoiador cultural da revista Pobres & Nojentas, participou do evento “14 dias de ativismo na WEB pelo fim da violência contra a mulher”. Gui, como a chamamos, levou a Salvador kits com um exemplar da Pobres e Nojentas, um exemplar da Pobres Teórica sobre jornalismo em sindicato, um exemplar do livro Mulheres da Chico, um exemplar da Revista sobre os 20 anos do Sindprevs e outro do jornal Previsão, do sindicato, com textos sobre gênero, violência contra a mulher e orientação e diversidade sexual. As fotos foram feitas pela Gui, pela bibliotecária e ativista do MARIA MULHER Maria Noelci e por Maria de Fátima, também ativista. Gui está de camiseta verde.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Des-conhecendo

Elaine Tavares
Ontem encontrei uma mulher que jamais vira. Não sei se por conta destas correrias da vida, quando a gente não pára mais para olhar. Então, na tarde de sol quente, naquela hora morta em que parece que o mundo inteiro dorme, ela veio, mansinho. Seu rosto, estranho, em princípio me assustou. Depois, fui absorvendo cada detalhe. A cara, vincada de pequenas rugas não tinha ansiedade. Era como se cada um daqueles riscos fosse uma dessas cicatrizes que gostamos de lembrar, por uma traquinagem de infância ou por conta de evocar boas memórias.
A mulher que me olhava, serena, já não tinha mais pressa, mas seguia encarando o mundo com olhos de fogo. Os braços estavam flácidos, as pernas já não tinham a firmeza de antes, mas os pés continuavam a seguir na mesma velha direção traçada anos-luz antes. Os olhos míopes não viam distâncias, mas não precisava, contou. As realidades que sonhara ainda não tinham se feito fatos, e ela continuava abrindo caminhos. A amargura da juventude tinha se dissipado e toda aquela tristeza que acumulara por esperanças mal havidas se esvaíra por entre os anos. A mulher estava mais madura.
Não era bonita, não tinha glamour, subsumia entre as gentes. Pessoa comum, ínfima, vazia de segredos. Ainda assim me tomava a atenção. Alguma coisa no jeito de rir, de manear a cabeça, de apertar os olhos, era quase familiar. O cabelo, comprido e mal cuidado, branqueava, mas ela não se importava. Bom demais se sentir madurar, como fruta, sem cair do pé. “É hora da doçura”.
Na modorra da tarde, ali estávamos, ela e eu, frente-a-frente. “Já não há medo de findar”, disse, espreguiçando, lânguida como gata. “Nenhuma conta a prestar, só o viver, lento, devagar”. Corpo gasto, coração fraco, cabeça cheia de vontades. Ânima! Espírito livre, navio sem âncora. Ah, deliciosa sensação de não ser premente. “Somos nada” – disse –“o sonho de uma vaca”. E gargalhou, faunica!
Eu fui embora, mas ela ficou no espelho...

Mulheres de 38

Míriam Santini de Abreu

Há umas três semanas fui a um show do Queen cover. Estávamos eu, Pepe, Ju, Má e George. Ju há uns oito anos não saía de casa para uma noitada dessas. Sábado passado eu, Pepe, Má e George fomos ao Bar Drakkar, na Lagoa da Conceição, ouvir a Immigrant tocar clássicos do rock. Lugarzinho surreal. Não dou detalhes porque não enxergo direito, e estava tudo meio penumbroso. Fila para entrar, o ar-condicionado no teto virado numa cachoeira, sem lugar para sentar, mas então estava eu com 18 anos de novo, cabelo pintado de cor cenoura, camiseta do Desacato, botas impermeáveis e jeans justo, justo. O Pepe catou dois drinques, um o Pirata Espacial. Estávamos ali, como disse o George, para provar bebidas estranhas. Saímos lá por duas da madrugada, a aragem fresca envolvendo o corpo. Eu não via a Lagoa desde que as bruxas andavam soltas por ali. Muito tempo. Pedimos xis num bar, espio o cardápio, um deles com carne de soja. Tenho calafrios só de olhar bife de xis feito com guisado. Mas Pepe se espanta: - Carne de soja? Ah, ah, ah!!! – Vê lá dois de carne de verdade!
Agora, enquanto a nossa programação roqueira não oferece novos atrativos, nos preparamos, com caminhada e corrida, para subir o monte Cambirela, ponto culminante da Grande Florianópolis.
Bueno... Que há para se dizer? Prendam as mulheres de 38! Elas enlouqueceram!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Que discutirão essas pombas?

Míriam Santini de Abreu
O Centro de Floripa é delas. Dia desses, mal entrei na pastelaria do Kekos e uma quase me atropelou. O meu grito foi motivo de risadas de quem presenciou a cena. Numa tarde meio brumosa as flagrei em assembléia no semáforo em frente à Catedral. Que discutirão essas pombas?

Nós no Rio!




Rosangela Bion de Assis, da equipe de P&N, foi uma das convidadas a participar do 14º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, NPC, realizado no Rio de Janeiro. Rô fez parte da Mesa "Experiência da Comunicação", no dia 22 de novembro, que discutiu o papel dos jornais e jornalistas sindicais na disputa da hegemonia. Participaram também: Ana Cristina, jornalista do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Adelmo Andrade, Diretor de Imprensa do Sindicato dos Bancários de Salvador, Cláudia Santiago, Jornalista do NPC e Feterj, Rosane Vargas, jornalista do Sintrajufe RS e Silvio Berengani, jornalista dos metalúrgicos do ABC. Rô levou ao NPC a Pobres Teórica sobre jornalismo em sindicato, a P&N número 15 e o livro de poesias Transparente Demais, escrito por ela.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

“Antes eco-chato que eco-burro”

Por Elaine Tavares – jornalista

“Tudo o que acontece à Terra – acontece aos filhos da Terra. O homem não teceu a teia da vida – ele é meramente um fio dela. O que quer que ele faça à teia, ele faz a si mesmo”.
Chefe Seatlle

Por todo o estado o clima é de desolação. No vale do Itajaí as famílias contabilizam mortos e estragos. Nunca se viu tanta destruição. Mas, ao contrário do que a televisão tem dito, toda a tragédia não se deve exclusivamente às chuvas que caíram muito mais do que o normal nesta época do ano. Há que buscar as causas humanas, as omissões e ações indevidas. Nos espaços do saber as vozes se levantam indignadas: tudo isso já havia sido anunciado no início da década de 80, quando Blumenau ficou sob as águas. Muitos estudos foram feitos, precauções forma anunciadas e nada se cumpriu. Além disso, a destruição sistemática da floresta amazônica acaba tendo implicações viscerais com o que aconteceu em Santa Catarina e o que ainda pode ocorrer em outros lugares do país.
Segundo estudos divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, a floresta que toma conta do norte do Brasil é a responsável pela precipitação de chuvas no país e em toda América Latina, assim, o que acontece com ela afeta a todos, indiscriminadamente. Por isso é que os gritos de movimentos ambientalistas contra a destruição - que segue a passos largos via madeireiros, plantadores de soja, criadores de gado, etc... - não devem ser considerados como “histerias” de eco-chatos. As chuvas em Santa Catarina e a seca no Rio Grande e Argentina são exemplos do que a devastação da floresta pode causar. Documento divulgado por professores de várias universidades do Estado de Santa Catarina alerta para esta questão e insiste: não foi apenas o fenômeno atmosférico de precipitações que acontece nos meses do final do ano. É certo que este foi atípico. Em todo o mês de novembro caiu 1.001,7 milímetros, o equivalente a seis meses de precipitação e no final de semana fatídico teve-se a metade disso. Mas há mais coisas a se dizer.
Uma fala de Blumenau
Passado o pior momento, começam agora as tentativas de explicação. Em Blumenau, entre os estudiosos do meio ambiente, ferve uma grande indignação. É que já se fala na contratação de técnicos de São Paulo e até da Alemanha para realizar levantamentos sobre as áreas atingidas. É como isso já não existisse há 30 anos e como se ali, na boa e velha FURB, não houvesse gente capacitada para dar respostas. Tanto tem que os professores ligados ao Centro de Operações do Sistema de Alerta da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí Açu, o CEOPS, já haviam alertado as autoridades sobre a enchente. “Receberam como resposta que não estava chovendo em Rio do Sul, daí não haver perigo. Talvez porque ninguém esperasse que fosse chover tanto”, diz Rudi Ricardo Laps, professor da FURB na área da ecologia e também integrante da Acaprena – Associação Catarinense de Preservação da Natureza, uma das mais antigas do país.
É Rudi quem lembra o trabalho realizado por um professor da FURB e outro do Paraná há 30 anos, bem antes da última grande enchente. No levantamento feito estão muito bem demarcadas as áreas que deviam ser reservadas para a preservação e que jamais poderiam ser parceladas. Dentre estas áreas, muitas são as que ficaram sob as águas e tiveram deslizamentos, como a rua José Reuter, por exemplo, na qual morreram sete pessoas. O trabalho também mapeia o sul da cidade como uma região de córregos, importante manancial de água, que deveria ter sido protegido. Também orienta a prefeitura sobre a instabilidade geológica da região, apontando como inadequado o crescimento da cidade para aquela direção. O estudo feito acabou gerando um decreto municipal, o 1567, de 05 de julho de 1980, que normatizava a ocupação.
Mas, apesar de ser lei, este decreto acabou sendo reiteradas vezes maculado. Rudi conta de um loteamento feito numa região de morro, com declividade acima de 30 graus, portanto fora das normas de segurança, de propriedade de Adelino Batista. Na época, a Acaprena se manifestou contra o parcelamento da terra, entrou com ação, mas não conseguiu vencer. Adelino vendeu o morro a um vereador da cidade, Arlindo de Franceschi (PSDB) e ele deu seguimento ao loteamento. “Essa região foi agora devastada, assim como também o jardim Marabá, que igualmente deveria continuar sendo uma Área de Preservação Permanente. Na época todos foram coniventes, juízes, vereadores, autoridades e todos tinham ciência de que a região sul tinha que ter sido preservada. E não se trata de só salvar os bichos e plantas, como dizem os que nos criticam, mas de salvar as pessoas, como ficou provado agora.”
Os ricos subiram o morro
Outro problema candente no espaço de Blumenau foi a ocupação desenfreada dos morros pela classe média. Ocorre que a enchente de 1983 deixou uma marca profunda nos moradores do centro da cidade. Naqueles dias a água subiu 16 metros e a cidade ficou praticamente submersa. O medo de que isso fosse se repetir levou as pessoas que tinham condição a comprar terra nos morros. A lógica era simples. Se a água tinha invadido a baixada, nos morros não subiria. Então, esta região da cidade passou a ser ocupada. O solo que já era geologicamente frágil ficou mexido e não resistiu às condições anômalas de chuva do mês de novembro e do fatídico fim de semana de 8/9. “Foi incrível, mas a gente podia ver as piscinas caindo dos morros junto com as casas. Uma cena terrível”, diz Rudi.
O morro do Baú, tremendamente atingido pelos deslizamentos também é um exemplo concreto do que pode fazer uma ação anti-preservacionista. Apesar de ser uma Área de Preservação Permanente, o morro do Baú foi, nos últimos anos, seguidamente violentado sem que nada fosse feito para impedir. Durante esse processo de invasão, de retirada ilegal de madeira, de surrupio do palmito (importante cobertura natural da região), as entidades de luta ambiental fizeram denúncias, gritaram, espernearam. Mas, eram ridicularizados como os “eco-chatos”, os que queriam travar o progresso. Não foram ouvidos. Agora, os mesmos políticos que fizeram vistas grossas a estas denúncias aparecem como “os comovidos”, oferecendo cestas básicas aos desabrigados. No mínimo, fariseus.
O código
Não bastasse todo o descaso com os estudos e denúncias feitas por ambientalistas e pesquisadores agora o governo de Luis Henrique da Silveira pretende aprovar, em caráter emergencial, um novo Código Ambiental, que foi totalmente alterado sem levar em conta as sugestões dadas pelas entidades durante o processo participativo de construção do documento. “Não é à toa que Luis Henrique recebeu o Prêmio Porco da Federação das Entidades Ambientalistas Catarinenses e é chamado de o exterminador do futuro, porque ele está destruindo a educação, a cultura e o ambiente”, dispara Rudi Laps. Segundo ele, o documento que tramita na Assembléia tem problemas seríssimos como a diminuição das Áreas de Preservação Permanentes nas margens de rios e nos topos dos morros. “Existe uma lei federal que estabelece os 30 graus de declive, a metragem das margens dos rios que não podem ser tocadas. O Itajaí Açu, por exemplo, teria que ter intocados até 100 metros das margens. Mas quem fiscaliza? Quem aceita isso? Só que esta é uma lei federal e o Código em debate pretende burlar essa lei”.
Outro problema apontado no código é o fato de ele condicionar a implementação de novas unidades de conservação estaduais à Assembléia Legislativa. Conforme Rudi, sendo assim, novas áreas não deverão criadas, pois todos sabem muito bem os interesses que são defendidos pelos deputados e como tudo isso pode virar uma batalha de barganhas e corrupção. “Eles também poderão revisar a lei de proteção à Serra do Tabuleiro o que pode trazer a tragédia para Florianópolis. Afinal, se aquela área for degradas, a capital pode ficar sem água”.
O professor da FURB conta que um dia antes da chuva torrencial que detonou a tragédia ele estava na estrada em uma viagem de estudos com os alunos e puderam notar, no caminho entre a cidade de Torres e Blumenau qual era a situação dos rios diante da chuva que caia. “Nós fomos observando os rios e todos eles estavam açoriados, lodosos, barrentos. Já o rio Massiambu, que descia do alto da Serra do Tabuleiro estava limpo. Foi impressionante porque a aula prática acabou perfeita. Os alunos puderam ver o que pode significar um lugar preservado”. A mesma relação Rudi faz com o Parque Nacional da Serra do Itajaí, outro espaço de preservação que, diante de toda a tragédia que se abateu sobre a região, permaneceu intacto. A lição está aí, estourando na cara. Só não vê quem não quer ou é mal intencionado.
O futuro
Para os ambientalistas e pesquisadores de Blumenau o amanhã segue sendo muito conhecido. Não há necessidade de o prefeito trazer gente de fora da cidade para fazer estudos.. O poder público sabe muito bem quais são as áreas de solo instável e, conforme o professor, nenhum solo instável torna-se estável em 30 anos. Aqueles espaços onde aconteceram os deslizamentos seguem sendo de risco. “O que se pode fazer é, isto sim, um estudo para ver se surgiram novas áreas de instabilidade geológica”.
O fato é que ninguém pode dizer que não foi avisado da tragédia. Na semana anterior às grandes chuvas, o conhecido ambientalista blumenauense Lauro Eduardo Bacca, um dos fundadores da Acaprena, escreveu um artigo no jornal comentando o primeiro deslizamento de terra que havia ocorrido no morro Coripós. “A desgraça está anunciada”, disse ele, profético. E foi o que aconteceu. Na semana seguinte, as regiões já apontadas no plano diretor da cidade como não parceláveis, vieram abaixo. Portanto, avisos não faltaram.
Mas, o fato é que toda esta discussão acaba não chegando ao povo, às gentes simples que compram terras em loteamentos ilegais ou em espaços degradados, passíveis da desgraça. Até porque a mídia, cortesão do poder, raramente dá espaço para as denúncias dos ambientalistas. E, as pessoas, na verdade, não têm muita escolha. Diante da transformação da terra em mercadoria, só podem fincar suas casas onde o bolso alcança. Então, tampouco se pode reputar a culpa aos pobres que se metem em lugares de risco. Para eles não há alternativas. Os que devem ser cobrados e punidos são os que se apropriam das terras e as loteiam, sabendo de todos os riscos. No geral, estes, não são pobres. São os mesmos especuladores de sempre, basta seguir o rastro nos cartórios da cidade. Muitos deles têm sobrenomes chiques, são políticos, autoridades, enfim...
Agora, as cidades iniciam seu processo de reconstrução. Doações chegam de todos os lugares deste Brasil solidário e, no mais das vezes, escapam do controle. Muito do dinheiro doado pode não chegar e o que chegar sabe-se lá para o quê será usado. Além disso, no caso de Blumenau, o poder público terá de tomar medidas drásticas como a retirada gradual de todas as famílias que vivem nestas áreas impróprias - o que significa praticamente todo o sul da cidade - cerca de quatro mil pessoas. Isso requer uma mudança radical e cara. Mas, segundo os estudiosos é absolutamente necessária. “Os solos da parte sul precisam ser preservados, são frágeis. A cidade só pode crescer para o norte onde os solos são um pouco melhores”, insiste Rudi Laps.
Além disso, a cidade precisa investir em fiscalização. Não basta ter leis que regulamentem a ocupação do solo. Há que estar atento, ter controle. A Fatma, que é um órgão ambiental do Estado, está sucateada, faltam trabalhadores. Na cidade de Blumenau o efetivo da Polícia Ambiental é de apenas oito homens. Isso tem de mudar. Ou as pessoas entendem de uma vez por todas que suas vidas têm ligações viscerais com a vida do planeta, ou momentos trágicos como estes que viveu o Estado se repetirão. E esta não é uma receita apenas dos chamados eco-chatos - que de chatos não têm nada – é também preocupação de profissionais como os engenheiros, arquitetos, biólogos, enfim, todos os que, de uma maneira ou de outra, estudam estas questões. “Antes ser um eco-chato do que um eco-burro”, diz o ambientalista Lauro Bacca. Mais do que nunca, ele tem razão.
E, no brutal mundo capitalista, enquanto as famílias que perderam gentes e bens - por conta da vileza dos especuladores de plantão que burlaram todas as leis - tentam encontrar um caminho para seguir vivendo, as municipalidades iniciam a chamada “reconstrução”, muitas vezes se valendo de empresas já especialmente preparadas para os “desastres”. Em casos assim, de tragédias anunciadas e guerras sem razão, também já se tem muito claro que são os que sairão ganhando. Neste sistema do capital tem um tipo de gente que nunca perde.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Mulheres da Chico I








Na primeira foto, Janice, Marcela, Rosângela, Míriam e Elaine, da equipe da P&N, com as autoras
Na segunda foto, sentadas, todas as autoras: Daniele, Maria, Sara, Catarina, Lídia e Janete. Em pé, as irmãs catequistas franciscanas e a equipe da Casa Chico Mendes


Noite quente, suavizada por uvas, morangos, fatias de melancia, pêssegos e ameixas espalhados sobre as mesas. Às 19 horas começaram a chegar os amigos queridos. Foi o lançamento do livro "Mulheres da Chico", no hall da reitoria da UFSC, em Florianópolis, na primeira segunda-feira de dezembro. As autoras deram entrevistas, autógrafos, relataram o processo que deu origem ao livro.

Inspiradas na obra “Mulheres de Cabul”, da premiada fotógrafa inglesa Harriet Logan, Catarina Francisca de Souza, Daniele Braga Silveira, Janete Osvaldina Marques, Lídia Almeida, Maria do Carmo Apolinário e Jussara Fátima dos Santos, a Sara, moradoras na Chico Mendes, bairro Monte Cristo, na capital catarinense, enfrentaram o desafio de fazer um livro sobre suas experiências.

O livro, editado pela Companhia dos Loucos, que também edita a revista bimestral Pobres & Nojentas, conta histórias de lutas, desafios, de momentos tristes e de alegria, de fantasias e desejos. A organização do livro foi feita pela educadora Sandra C. Ribes, com fotografias de Sônia Vill e projeto gráfico e diagramação de Sandra Werle e Marcela Cornelli.

Mulheres da Chico II






















sábado, 29 de novembro de 2008

As chuvas em Santa Catarina

Por Elaine Tavares - jornalista

As chuvas que caem a três meses seguidos em Santa Catarina acabaram se transformando em tragédia. E, no meio da dor de milhares de famílias que perderam pessoas e coisas me vêm a mente o célebre debate entre Voltaire e Rousseau, feito através de escritos, pouco depois do terremoto de Lisboa, ocorrido em 1755. Naquela tragédia européia morreram mais de 100 mil pessoas, a cidade ficou destruída e os grandes pensadores da época – que eram os que formavam opinião, tal qual hoje a mídia - erguiam os braços aos céus dizendo que era uma fatalidade, obra da providência divina. Voltaire ironizava esta idéia de que o terremoto fosse um castigo de deus e colocava a culpa na natureza. Já Rousseau, mostrava as causas sociais do desastre e apontava: “20 mil casas de seis ou sete andares foram construídas. O homem deveria tê-las feito menores e mais dispersas”. Para ele, era a civilização humana a culpada pelos males que se abatiam sobre ela. Rousseau inocentava assim, a deus e a natureza e lembrava que havia sido a idéia insana de muitos lisboetas de protegerem seus pertences que os levara – muitos – à morte.

Pois em Santa Catarina estamos nesse embate. O mundo literalmente desabou sobre nossas cabeças. Na região do vale do Itajaí os morros vieram abaixo, soterrando casas e gentes. As construções humanas se esmigalharam como se fossem folhas de papel, mostrando a fragilidade da raça. Algumas cidades foram inteiramente invadidas pelas águas dos rios e o desespero tomou conta de mais de um milhão de pessoas atingidas pela catástrofe. Como na Lisboa do século 18 não há aqui nada de providência divina. Se deus é bondade, não permitiria tanta dor. Eu que creio num deus minúsculo, que é apenas rede onde descansamos a dor, o eximo deste caso.

A grande mídia exibe os argumentos de Voltaire. A chuva é a grande vilã. Não fosse ela nada teria acontecido. Ninguém fala que a chuva é coisa natural e que desde que o mundo é mundo ela cai, ora mais, ora menos. O que se diz é que os morros caíram por conta dela, que os rios subiram por conta dela e quando, de noite, ela volta, insistente, as gentes a maldizem e a temem.

Eu tendo a fazer uma leitura roussoniana. A chuva é coisa bendita. Ela vem para trazer vida, nunca morte. Se hoje, junto com ela vem a ceifadora, há que se buscar outros culpados. Afinal de contas, porque os rios transbordam? Que fizeram com eles os homens que habitam suas margens? E os morros que desabam, não teriam sido revirados para a plantação de tubos da gigantesca obra do gasoduto, tão denunciada por ambientalistas e estudiosos no início dos anos 90. Pois naqueles dias eram chamados de loucos, os eco-chatos, os anti-progresso, os que impediam o desenvolvimento.

As enchentes e os deslizamentos que cobriram de dor Santa Catarina não são obra do acaso ou da ira de um deus vingativo. Elas são o resultado da incapacidade dos homens em perceber que são parte da natureza, membros vivos da Pachamama, da mãe Gaia. Mas qual, isso é conversa de naturebas, falsos hipppies, inconseqüentes, os que vivem falando de socialismo, cooperação, vida simples e integrada com a natureza. A tragédia que se abate sobre o vale do Itajaí e outras tantas regiões do estado já estava anunciada. Desde sempre.. Vinha sendo prevista por aqueles a quem as pessoas denominam “os arautos da desgraça”. Os que vêem defeito em tudo, que questionam cada obra faraônica, cada plano diretor mal planejado, cada ação irracional do sistema capitalista.

Basta que se dê uma espiada nos relatórios elaborados por estudiosos e ambientalistas, estes que nunca são ouvidos pelos governantes. As obras de prevenção sempre são caras demais e nunca saem do papel. Ás vezes se faz uma concessão aqui ou ali, mas no geral, as grandes saídas são esquecidas nas gavetas, até que venha uma nova tragédia.

Por isso me entristece um pouco ver toda essa comoção que imediatamente toma conta das pessoas em todos os lugares. Os comitês de ajuda, as doações de comida e roupas, as lágrimas de piedade. Não que eu ache que isso não é necessário.. Sim, é. As pessoas precisam comer agora, aqui. Mas o povo de Santa Catarina não precisa só deste breve momento de musculação de consciência que vai durar enquanto a mídia centrar seus holofotes na região. A gente deste estado vai precisar de todo esse povo na hora de empreender a luta por obras de prevenção, na hora em que tiver de abrir mão de algumas benesses do progresso e do desenvolvimento para garantir que coisas assim nunca mais aconteçam.

Cá com meus botões eu temo que tudo isso siga seu ciclo perverso. O mundo todo de olho no estado por um mês ou dois e, depois, o esquecimento. As famílias que perderam gente, acomodam sua dor. Os que perderam coisas, recuperam. E a vida segue, enquanto nos palácios os governantes contratam empreiteiros para a reconstrução. Os mesmos de sempre levarão os lucros. Os que nada têm agradecerão por estarem vivos e os remediados se levantarão outra vez. Até quem venha um ciclone, outra chuva, um tsunami e tudo recomece na roda insana.

Talvez, a grande tragédia não seja a chuva, mas essa absurda incapacidade que grande parte das gentes têm de compreender que as catástrofes são faturas da nossa construção histórica, na nossa forma de organizar a vida, do desejo de dominar a natureza, da nossa ânsia de acumular riqueza. Não é à toa que enquanto o mundo todo ora por nós, o governo do estado trame a aprovação – em caráter de emergência – de um novo código florestal que tem como princípio básico a destruição da natureza. Se efetivamente precisamos de lágrimas e comoção, que seja por isso. E que todos possam se unir na luta contra esse projeto tanto quanto estão mobilizados para a ajuda às vítimas. Como já dizia o velho Marx, é sempre bom que a gente possa ver para além da aparência. Eu, otimista incurável, acredito que Santa Catarina vai lutar.

Para além das chuvas

Vale a pena conhecer a visão do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC sobre o que acontece em Santa Catarina:
O caos de cidades inteiras embaixo d’água e o drama das famílias trabalhadoras que perdem de uma só vez quase tudo o que têm, quando não a própria vida, são a face mais terrível e visível de um desastre que atinge pelo menos 1,5 milhão de catarinenses.
Os números malditos não param de aumentar: mais de 78.000 desabrigados e desalojados, pelo menos uma centena de mortos, dezenas de desaparecidos. Fora o que ainda não se “contabilizou” nas estatísticas fatais que depois, em geral, não revertem em ações concretas de prevenção para evitar os desastres ou reduzir o impacto do que não se pode prevenir.
Esta tragédia poderia ser evitada? Essa é a pergunta que não pára de gritar em dezenas de vozes que se levantam país afora?
Santa Catarina já passou por situações semelhantes, particularmente nas enchentes de 1983 e1984. Aspectos climáticos e geológicos favorecem a ocorrência deste tipo de fenômeno no litoral de nosso estado, particularmente na região do Vale do Itajaí.
Exatamente por isso, caberia ao poder público criar as condições para prevenir novos desastres, diminuindo os efeitos potenciais das chuvas. É mais do que evidente que isso não foi feito. Como também, a depender dos governos que aí estão, novas tragédias como esta infelizmente tenderão a se repetir.
Os projetos de engenharia necessários à prevenção de novos desastres na região de Blumenau são velhos conhecidos que nunca saíram do papel. Além disso, o desmatamento segue, deixando as terras mais propícias a deslizamentos. Com dinheiro na mão, qualquer empresário compra licenças ambientais para seus empreendimentos especulativos na região litorânea. E investigações abertas para averiguar operações do tipo da malfadada Moeda Verde acabam fazendo água para todos os lados. Ou, quando muito, punem os mais de baixo. Os de cima são inclusive premiados e reeleitos para cargos públicos.
Agora, para piorar, Luiz Henrique quer aprovar a toque de caixa um novo Código Ambiental (PL 0238.0/2008), que autoriza a total destruição dos ecossistemas em Santa Catarina. Maior destruição ambiental, maior aquecimento global, terreno fértil para a ocorrência das chamadas “catástrofes naturais” contemporâneas.
Diversos prefeitos vêm passando uma frágil camada de asfalto nas ruas – vendidos em propagandas enganosas que falam das maravilhas do “tapete preto” para a vida da comunidade. Essas “cascas” mal feitas e caras, sem o devido sistema de escoamento, de forma irresponsável e eleitoreira só podem acentuar um resultado. Enchentes! E o que dizer do saneamento básico? Santa Catarina tem um dos piores índices nessa área frente às demais regiões do Brasil, que também não são exemplo para ninguém. Com as chuvas, os rios carregados de dejetos se mesclam às águas das chuvas, invadem as ruas e residências, e multiplicam os problemas de saúde pública.
O crescimento dos latifúndios frente à ausência de uma reforma agrária séria há décadas vem empurrando as famílias de camponeses para as cidades grandes. Como faltam oportunidades dignas de trabalho, essa gente se une à periferia local. São milhões de pessoas vivendo nas encostas, em moradias improvisadas. Aí estão as vítimas mais sofridas dos atuais deslizamentos de terra – principal causa das mortes até o momento. Os programas de moradia popular não passam de peças publicitárias em campanhas eleitorais.
O sistema de saúde para socorrer as vítimas é precarizado, graças a uma política consciente de desmonte do SUS, o Sistema Único da Saúde. E para piorar, agora a crise econômica está sendo a desculpa para cortar ainda mais as já minguadas verbas para as áreas sociais.
Nos cem dias de chuva praticamente ininterrupta que antecederam o caos atual, nenhum esquema de emergência foi preparado para lidar com a situação que se avizinhava. Agora, os mesmos governantes responsáveis pelo absurdo em que chegamos se transfiguram nos “heróis da salvação” frente às câmeras.
Mas basta uma análise comparativa para perceber que nem a gravidade da situação atual serve para inverter a lógica até aqui colocada. As verbas do governo federal para combater as enchentes equivalem a 1% dos R$ 160 bilhões que foram recentemente entregues aos banqueiros pelo mesmo governo de uma só vez. Os equipamentos e o pessoal das Forças Armadas deslocadas para Santa Catarina nem se comparam à maquinaria de guerra e aos 1.200 homens do exército brasileiro enviados para manter a sangrenta ocupação do Haiti.
Portanto, diferentemente do que faz parecer a grande imprensa, as atuais enchentes não são uma mera fatalidade com origem em fenômenos climáticos. Trata-se de mais um triste capítulo da crise social, econômica, moral e ambiental que nos assola enquanto humanidade. Seus responsáveis estão sequinhos, em suas mansões e Palácios, calculando os próximos lucros que terão com a miséria alheia.
A comoção frente a esta terrível tragédia causa uma forte onda de solidariedade, com milhares de trabalhadores voluntários e doações vindas de diversas partes do país. Nós, do Sindicato dos Trabalhadores da UFSc, nos juntamos a essa corrente. Doamos cestas básicas e chamamos toda a sociedade civil a doar alimentos não perecíveis, roupas, cobertores, utensílios domésticos, medicamentos e materiais médicos, etc. Faremos o que está ao nosso alcance para ajudar as vítimas do flagelo.
Porém, nos podemos nos eximir de uma manifestação política centrada nos princípios éticos que nos sustentam. E, para que não se repitam tragédias como esta, nosso trabalho será ainda maior, e permanente: a luta pela transformação social profunda, socialista, pelo fim da exploração do homem pelo homem. Os sucessivos espetáculos de horror com que nos deparamos a cada dia são a prova definitiva da falência do modelo social capitalista para resolver os dilemas profundos e até as questões mais básicas da humanidade.

Coordenação do Sintufsc – Sindicato de Luta

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Relembrando Ned Ludd

Por Elaine Tavares - jornalista

Conta a história que o movimento ludita, que chegou ao auge em 1811, teve seu início quando um simples operário inglês chamado Ned Ludd, estressado com as constantes reprimendas de seu patrão por conta da lentidão do trabalho, destruiu uma máquina de tricotar meias na fábrica onde trabalhava. Em pouco tempo ele virou uma espécie de herói nacional e, desde então, seu nome passou a ser usado como símbolo da luta contra a modernização do processo produtivo. É que naqueles dias, ao final do século 18, a Inglaterra vivia a transição entre o processo de manufatura e a industrialização. As máquinas principiavam seu reinado e, ao contrário do que se imaginava, de que iriam permitir mais tempo livre aos trabalhadores, elas desempregavam e exigiam muito mais tempo de trabalho, sangue e suor. Era a voragem do capitalismo que chegava para ficar.

Pois a imagem de Nedd Ludd me veio à cabeça nesta semana quando vi na televisão duas notícias incríveis. Uma delas dizia que o governo dos Estados Unidos estava tirando dos seus cofres a fabulosa quantia de 4,6 trilhões de dólares – o que equivale a um terço do seu PIB – para socorrer os bancos. A outra era a de que o presidente do Brasil, Luis Inácio, iria exortar aos brasileiros para que consumissem mais, evitando assim, a crise. Em meio ao barulho da chuva torrencial que caia no meu Campeche, eu quedei estupefata. E me deu aquela vontade irrefreável – a mesma que deve ter dado em Ned lá naquele 1779 - de sair por aí quebrando tudo.

O sistema capitalista que se solidificou com a revolução industrial trouxe com ele, não só as máquinas que infernizaram os luditas, mas também a promessa de que se cada um trabalhasse muito, iria “chegar lá”, o que numa linguagem metafórica queria dizer, ter uma vida farta, digna, plena. As máquinas reduziriam o tempo de trabalho, haveria mais horas para ficar à toa, criando cultura, plantando árvores, criando filhos. E as gentes, sedentas e famintas de mudanças e de graça, acorreram em festa. Mas, por trás do véu de belezas evocadas pelo sistema esconde-se a feia cara de um processo de organização da vida em que para que um viva, outro tenha de morrer.

É o que acontece agora com os desdobramentos da chamada crise. Os bancos, os empresários, os donos do dinheiro do mundo, quebraram a cara na ciranda financeira. Os que viviam por aí arrotando receitas sobre como governar, como tratar a educação, a política, a economia, faliram. Estamparam em todo o planeta sua incompetência. Luditas ao contrário, destruíram eles mesmos seus maquinários de exploração. Certo? Não! Ledo engano. Os incompetentes do sistema financeiro, em vez de serem desmascarados tal qual o rei que precisou de um menino a gritar: o rei está nu, foram premiados. Receberam do Estado, este mesmo - o que eles diziam que tinha de sair do processo, deixando o mercado controlar-se a si mesmo - bilhões de dólares para salvar-se. E pronto. Estão salvos.

No dominó mundial, empresários de outras nacionalidades também começam a chamar pelo “pai-estado”. O mercado capitalista, é certo, nunca viveu sem ele. Os governos nada mais são do que máquinas controladas a serviço do capital. Só que agora desmascarou, desvelou a verdade. No Brasil, o governo de Luis Inácio já injetou dinheiro nas montadoras, no agronegócio, e em outros setores da vida econômica. “Há que salvar o mercado”. E, não bastasse isso, incita o povo a consumir. É preciso que as pessoas comprem muito para que o mercado permaneça aquecido, senão a economia quebra.

Assim, a culpa de qualquer coisa que venha a acontecer com o mercado será das gentes. Não compraram o suficiente. Não importa que não tenham dinheiro. O governo providencia crédito bancário e, assim, engorda ainda mais os bancos, que aplicam juros sobre juros. Ah, o mercado, pobrezinho, precisa muito de nós.

Na máquina de ilusões que é a televisão, a gente vê os soldadinhos do sistema a inocular o germe da fé nas cabeças cansadas que assistem o jornal. Em meio às tragédias, ouvem a segura voz do locutor a dizer que, por aqui, não haverá crise. Basta que as gentes se ponham a comprar. Esta é a solução. E veja bem, vem aí o natal. Pode haver melhor hora? Ninguém fala da crise real, que provoca a miséria, a fome, a migração desesperada. Ninguém mostra que o que está em xeque é o modelo de desenvolvimento que o capitalismo empreendeu. Essa voracidade de riqueza e progresso que, na verdade, é só para poucos. Às maiorias, restam as migalhas do banquete.

Por isso que me vem à mente o operário inglês lá do século 18. Chego a vê-lo, debruçado sobre a máquina de fiar meias, a matutar. Ele deve ter descoberto a verdade sobre o sistema, as máquinas, o capitalismo nascente. Mas, sozinho no condado, incapaz de fazer ver ao seu companheiro, fez o que podia fazer: quebrou a máquina. Reação impotente de um homem só. E nós, a comer bolachas em frente à TV, produzindo mais valia ideológica, o que podemos fazer? Há que quebrar a máquina, a grande máquina do capital. Não sozinhos, como Ludd, mas em comunhão, coletivamente, construindo o mundo novo. Um mundo em que todos possam viver de maneira farta, plena e digna. A promessa não cumprida do capitalismo. Mas, para isso, antes, é preciso que todos vejam! O rei está nu!

Depois disso, resta empreender a longa caminhada até um outro modo de organizar a vida, que alguns de nós chamamos de socialismo, mas que pode até ter outro nome, desde que mantenha os princípios de riquezas repartidas, vida comunitária e harmonia com a natureza. Um sonho, uma utopia, um desejo... Mas que pode acontecer, se a gente quiser. Basta apostar na organização, real e concreta. Assim, nos armemos com a indignação de Ludd e a provocação de Marx: “trabalhadores do mundo, uni-vos”.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Mulheres da Chico Mendes lançam livro


No dia 1º de dezembro (segunda-feira), às 19 horas, no saguão da reitoria da UFSC, mulheres da comunidade Chico Mendes lançam o livro "Mulheres da Chico".

Inspiradas na obra “Mulheres de Cabul”, da premiada fotógrafa inglesa Harriet Logan, Catarina Francisca de Souza, Daniele Braga Silveira, Janete Osvaldina Marques, Lídia Almeida, Maria do Carmos Apolinário e Jussara Fátima dos Santos, a Sara, enfrentaram o desafio de fazer um livro sobre suas experiências.

Localizada no bairro Monte Cristo, em Florianópolis, a comunidade Chico Mendes é resultado de uma ocupação de terra realizada em 1990 por diversas famílias, na sua grande maioria oriundas do interior do Estado. Desde então os moradores da comunidade tecem uma história de luta e resistência. E foi neste contexto que as mulheres da Chico se encontraram, cresceram e amadureceram juntas.

O livro, editado pela Companhia dos Loucos, que também edita a revista bimestral Pobres & Nojentas, conta histórias de lutas, desafios, de momentos tristes e de alegria, de fantasias e desejos. A organização do livro foi feita pela educadora Sandra C. Ribes, com fotografias de Sônia Vill e projeto gráfico e diagramação de Sandra Werle e Marcela Cornelli. Os depoimentos das mulheres foram gravados em fitas e depois redigidos e editados por Sandra Ribes. Antes de conseguirem apoio das jornalistas da revista Pobres & Nojentas, que circula há três anos em Florianópolis, Sandra e as mulheres bateram de porta em porta de grandes empresas da Capital. Mas seu pedido de apoio sempre foi negado.

Agora, concretizando o sonho de conseguirem publicar o livro, elas querem compartilhar com outras pessoas suas histórias, a luta pela valorização das mulheres e o resgate da auto-estima de quem sempre teve que lutar e enfrentar preconceitos na família e na sociedade.


Iniciativa tem apoio da Casa Chico Mendes

Fundada por educadores, a Casa Chico Mendes acompanhou o pro­ces­so de ocupação da comu­nidade, com ações voltadas às crianças, adolescentes, jovens e famílias, com o objetivo de possibilitar a vivência de experiências que contribuam para a humanização das relações, o res­gate da auto-estima e a cons­trução da cidadania, atuando nas áreas da Educação, dos Direitos Humanos, da Cidadania e da Cultura. Foi em meio a esse processo que se formou o Grupo de Mulheres Tecendo Vida – integrado pelas autoras - que nasceu há mais de dez anos, com a proposta de oportunizar encontros para diálogo sobre vivências, assim como trocar informação e formação quanto aos instrumentais a serem utilizados no acesso aos direitos de cidadania.

O lançamento do livro tem o apoio do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC, SINTUFSC, e da Letra Editorial.


Lançamento do livro Mulheres da Chico (Cia. dos Loucos, 40 páginas)

Dia 1º de dezembro de 2008

Hora: 19 horas

Local: saguão da Reitoria da UFSC

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Valemos também por onde moramos

Míriam Santini de Abreu

Perto da meia-noite de segunda para terça-feira e a chuva continua. Tenho ouvido muito, nestes dias, frase como: “Mas essa gente! Olha onde moram!”, “Por que não escolhem outro lugar para construir a casa!”, “Também... que vai morar perto de rio e em morro quer mesmo é se incomodar!”. Sempre pergunto:
- Quantas pessoas você conhece que moram no lugar onde desejam?
Porque o lugar de morar, para a grande maioria, não é opção. Mesmo quem tem condições para financiar um apartamento ou casa nem sempre pode escolher o bairro, a rua desejada. Quem mora de aluguel menos ainda, porque o valor pago tem que caber no orçamento. E quem está em beira de rio ou em morro não o faz por opção. Optar, neste mundo, é para poucos. Milton Santos, em seu livro O Espaço do Cidadão, diz isso melhor do que eu:

“Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade (tempo, freqüência, preço), independentes de sua própria condição. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mesma formação, até mesmo o mesmo salário têm valor diferente segundo o lugar em que vivem: as oportunidades não são a mesmas. Por isso, a possibilidade de ser mais, ou menos, cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está. Enquanto um lugar vem a ser condição de sua pobreza, um outro lugar poderia, no mesmo momento histórico, facilitar o acesso àqueles bens e serviços que lhe são teoricamente devidos, mas que, de fato, lhe faltam.”

Valemos também pelo lugar onde moramos. Mas a possibilidade de escolha é para poucos.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Oração


Fernando Karl

ESTA É A CONFIANÇA QUE TEMOS EM DEUS: SE LHE PEDIMOS ALGUMA COISA, SEGUNDO A SUA VONTADE, ELE NOS OUVE.(1 João 5, 14)


Pés de ouro equilibram-se em peixes. Inciput erat verbum: no princípio era a palavra. A palavra é clarabóia sobre o pensamento escuro. Jesus cita as antigas escrituras para sugerir que somos deuses. Na fonte fria lavar cabelos, lavar cabelos na fonte fria. Pés de pluma equilibram-se em águas. Tenho confiança em Deus e a Ele peço três coisas, segundo a Sua vontade:

--- a força da criança

--- a força da poesia

--- a força da música
Foto de Cartier Bresson

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Pobres teórica: mais uma ousadia

Elaine Tavares, jornalista

Estas criaturas insuportáveis que andam por aí rasgando a vida com a força de suas mãos, não param. No início inventaram a revista impressa Pobres e Nojentas. Um projeto difícil. Primeiro por conta do nome, meio intragável. Ninguém quer se identificar com o Pobres e o Nojentas às vezes fica confuso. É uma revista que precisa se explicar. Até descobrirem que é uma provocação já passou a hora da venda. Mas, as nojentas não se importam. Empinam seus narizes e seguem, na estrada, rompendo os preconceitos, o asco, a indiferença. Depois, incansáveis, inventaram o blog. Espaço para fotos, comentários, crônicas, enfim, coisas de gente que não aceita a condição que o sistema do capital lhe impõe. Empobrecidas, sim, mas não amebas.

Aí veio a idéia de teorizar sobre o jornalismo, olha que coisa mais intolerável. Um povo que nem está na academia! Como assim, não? Tá, não estamos na academia, mas temos a padaria, e é lá que nos sentamos a conversar sobre esse pensar/fazer. Nestes encontros fomos percebendo que as pesquisas e os textos teóricos que dormem nas universidades estão mesmo dormidos, inertes, não se encarnam na vida dos que escrevem e constroem mundos. “Vamos fazer uma Pobres teórica?” A pergunta já se respondeu a si própria. Siiiiiiiim! Então, as nojentas inventaram o blog teórico, que logo passou a receber colaborações. Tem muita gente que não é doutor da universidade, mas pensa e formula coisas incríveis.

Então, agora, aí está mais uma heresia das Pobres e Nojentas. Uma revista impressa que discute o jornalismo no seu aspecto teórico. É que a gente entende, como Paulo Freire, que o pensar e o fazer são coisas que devem ter o mesmo peso e precisam acontecer juntas. Nossa experiência com a Pobres mostra que se não houvesse esse momento de discussão teórica que fazemos na padaria ou na casa de alguém, a gente não ia crescendo coletivamente como grupo e como jornalistas. Mas, a cada debate, vamos ficando mais seguras do texto e da práxis. Com isso, avançamos, e tiramos o jornalismo da tumba.

Este pequeno caderno de estréia da Pobres Teórica fala sobre o jornalismo que se faz nos sindicatos. Arriscamos dizer que este é um espaço privilegiado para se fazer jornalismo mesmo, não propaganda, não texto chapa-branca, jornalismo de verdade como ensina Adelmo Genro Filho. Para isso, levantamos algumas questões teóricas e mostramos algumas práticas. É nosso jeito de romper também a barreira do saber institucionalizado. Quem disse que se pensa só na universidade? Não, as pessoas que pensam, o fazem em qualquer lugar!

Preço: R$ 6,50 (incluindo despesa com Correio)

Encomendas:
revistapobresenojentas@gmail.com

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Assembléia das Pombas

Sob o céu pesado de Floripa, reuniu-se a Executiva da classe das pombas para assembléia geral ordinária. Na pauta, como trazer o sol de volta à Ilha. Esperamos que a enviada à terra retorne com um ramo de oliveira.

Chocalho Maracá


J. não sai de casa sem o chocalho maracá dos guarani na bolsa. No local onde trabalha, quando a tensão é grande, ela dá uma boa chacoalhada para atrair forças poderosas e boas.

Semana da Consciência Negra




O Largo da Alfândega, em Florianópolis, está fervendo na semana de 18 a 22, Semana da Consciência Negra, com programação à tarde e à noite. Acima, Vera, da diretoria do Sindprevs-SC, chiquérrima com a camiseta de Pobres e Nojentas. Na foto do meio, Vera, a secretária geral do sindicato, Fátima (em pé), e Ivonete, funcionária da entidade.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Os ganhos com o pré-sal precisam ficar no Brasil

Rosangela Bion de Assis

A Constituição de 1988 garantiu o monopólio do petróleo no Brasil, mas Fernando Henrique Cardoso mudou a Constituição e permitiu que as reservas do país sejam compradas por empresas privadas. Isso passou a ser uma grande ameaça para a soberania do Brasil após a descoberta do petróleo do pré-sal, que elevou o Brasil a quarto país do mundo em reservas. Fernando Siqueira, Diretor de Comunicação da Aepet (Associação dos engenheiros da Petrobrás) fez o alerta durante o 1° Seminário Estadual contra as Privatizações e em Defesa da Soberania, realizado dia 28 de outubro (Dia do Servidor Público), no Plenarinho Alesc (Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina) em Florianópolis. O seminário marcou a retomada do Mucap (Movimento Unificado Contra a Privatização) na organização da luta conjunta de várias entidades, incluindo o Sindprevs/SC, para evitar a venda do que ainda resta do Serviço Público.

Siqueira explicou que depois da alteração da Constituição, realizada no governo FHC, o artigo 60 passou a permitir que as empresas que exploram o petróleo passem a ser donas das reservas que exploram. “Fernando Henrique praticou um crime de lesa pátria, ele fez todo o jogo do capital”, concluiu o engenheiro. Também a participação do país no produto da lavra, ou seja, do que é extraído do poço de petróleo, tem que ser elevado. Siqueira explicou que enquanto os países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) recebem entre 85 e 95% de lucro líquido, no Brasil o lucro líquido é de cerca de 50%. Os meios de comunicação praticamente não tocam nesse assunto, mas é importante que todos os trabalhadores entendam que esses recursos devem ficar no Brasil para serem usados na redução das desigualdades sociais.
É por isso que o presidente Hugo Chavez desperta a ira do outros países, afirmou Fernando Siqueira, “ele defende com determinação os interesses de seu país, enquanto outros agem como se fossem empregados dos Estados Unidos.”

Para onde vão os lucros?

Hoje o petróleo é a fonte de energia que move 90% do transporte mundial, além de gerar outros três mil subprodutos. Mas é uma fonte esgotável e a próxima safra só acontecerá daqui a 10 milhões de anos, alertou Siqueira. “O mundo acomodou-se perigosamente ao petróleo e para substituí-lo seria preciso uns 30 anos de pesquisa”. Com o petróleo descoberto no pré-sal brasileiro, as reservas do Brasil foram multiplicadas por seis e o país ganhou mais tempo para pesquisar formas de substituir o petróleo. Mas será que o governo usará esse tempo com responsabilidade? E será que a população miserável e excluída será beneficiada com os recursos advindos do petróleo? Afinal, o mundo está repleto de países em que a riqueza gerada pelas reservas de petróleo não é revertida em qualidade de vida para os seus povos.

Com o pré-sal o Brasil inaugurou uma nova concepção de reserva, declarou o diretor da Aepet. Após 30 anos de pesquisas da Petrobrás foram confirmadas a existência de petróleo e de gás natural abaixo da camada de dois quilômetros de sal, na região litorânea entre os estados de Santa Catarina e o Espírito Santo. Para Siqueira, a Petrobrás é hoje a empresa mais capacitada do mundo para explorar essas reservas. “É a empresa com mais experiência em explorações em águas profundas.”

Isso acontece num momento em que todas as reservas mundiais estão próximas de uma queda vertiginosa de produção. O engenheiro declarou que todas as reservas mundiais estão condenadas a acabar em 42 anos. “Os Estados Unidos só possuem reservas para mais três anos e as empresas que durante 150 anos demarcaram o mercado da exploração do petróleo no mundo, da forma mais suja possível, agora estão condenadas a desaparecer.” Siqueira não tem dúvida de que a reativação da quarta frota americana esse ano, tenha relação com a descoberta do pré-sal no Brasil.
Siqueira declarou que “o modelo ideal, defendido pelos trabalhadores da Petrobrás, é aquele que garanta a propriedade do petróleo para a União, ou seja, para o povo brasileiro.”

A origem do pré-sal

O pré-sal é fruto da separação dos continentes africano e sul americano, iniciada há 160 milhões de anos. Este afastamento se deu, segundo a teoria, de Sul para Norte. Na fenda inicial que se formou foram acumulados detritos orgânicos de alta qualidade, trazidos pelos rios, formando uma rocha geradora de petróleo. Normalmente quando esses detritos orgânicos, sob ação de microorganismos, se transformam em petróleo, a rocha geradora se rompe pelo aumento da pressão e da temperatura e o petróleo migra para a superfície. Se ele encontra uma rocha no caminho que o retenha, está formado o reservatório convencional. Mas a maior parte se perde por evaporação e biodegradação.
No caso do pré-sal foi diferente. A camada de sal com média de dois quilômetros de espessura, formada pela evaporação do mar confinado na fenda inicial, depositou-se sobre a rocha geradora e impediu que o petróleo migrasse para a superfície. Fonte: aepet.org.br

Alteração no marco regulatório do setor de petróleo

O marco regulatório atual é uma excrescência jurídica. A lei do petróleo, além de inconstitucional, é intrinsecamente ilegal. Os seus artigos 3º, 4º e 21 seguem a Constituição de 1988 e estabelecem que as jazidas de petróleo e o produto da lavra pertencem à União Federal. Mas o artigo 26, fruto da pressão dos lobbies internacionais sobre o Congresso Nacional, dá a propriedade do petróleo a quem produzir, afrontando a Constituição e os próprios artigos da Lei 9.478/97. Além disto, o artigo 23 estabelece que o contrato para a produção seja de concessão. Esse tipo de contrato é o pior de todos, pois dá a propriedade a quem produz o petróleo. Fonte: aepet.org.br

domingo, 16 de novembro de 2008

Eu barbarizo na lua cheia

Míriam Santini de Abreu

- Mini-conto sonhado -

Chove há milênios. Nada mais sei do sol, de sua substância. Sou um ser da chuva, a ela me submeto. E então, na quinta de novembro, a lua engravidou. E eu... agora inevitável filha da chuva, fui semeada também pela lua cheia. Encharcaram-me as duas. A roupa pesou, o espírito pesou, e deixei tudo pelo caminho.
Não só eu. Estávamos, T. e P., numa taberna de esquina, a chuva inflexível lá fora, a lua parindo estranhos desejos. Os três assim, assim... num quê fazer. Famintos, sentados com os cotovelos apoiados no balcão, nosso pedido soou estranho, e R., ex-dono da taberna – que ele vendeu, certamente também grávido de estranhos desejos – serviu-nos o que quis. Vieram acompanhamentos e três bifes gigantescos, um pouco sangrentos, macios. Mulheres acostumam-se com carne a sangrar.
P. confessa que está farto da Babilônia. Quer se entregar ao mar e aos peixes. Quer pescar. Já é um pescador de homens, respondemos, mas ele insiste em jogar o anzol em águas menos traiçoeiras. T. então sonda-lhe a sorte, as cartas sobre o balcão gasto, e pressente um jardim de delícias. T. é uma maga poderosa, digo a P. E fica ele, com aquele sorriso de sabedorias antigas, enquanto T. embaralha as cartas.
R. espia o gesto e, rápido, recolhe os pratos para dar lugar aos nossos feitiços: - Ella es una bruja! – exclama.
Saímos de lá, daquela taberna tomada por um espírito medievo, e fomos à vida, tomando caminhos molhados. Cruzo numa esquina com um homem que segura uma gaiola coberta por panos brancos. Noutra me invade um cheiro de jasmim, e, espio, por trás de uma cerca, o arbusto repleto de fragrâncias.
A lua encharca-me hora a hora. Na sexta, danço madrugada adentro; no sábado, subo a correnteza com um salmão; no domingo, assassino uma filha. Eu barbarizo na lua cheia. Cibeli Cambuci escreveu isso: “Todos nós queremos um Deus imigrante em nosso corpo”. Esse Deus que imigra entrou em mim rugindo, sedento de águas não-bebidas em desertos secos, encharcando-se da água da chuva que desce sem parar dos meus cântaros. Como negar-lhe a saciedade?

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Camiseta da Pobres!

A Pobres está cada vez mais nojentinha! A equipe começou a vender camisetas com o novo logo da revista, desenhado por Eduardo Schmitz. Em breve também estará à venda a revista Pobres & Nojentas Teórica, sobre jornalismo em sindicato. Aguarde!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Pobres & Nojentas chega ao número 15!

A equipe de P&N começou a distribuir nesta semana os exemplares da edição 15 da revista, cuja matéria de capa trata da privatização da saúde. Compre a sua na banca da Catedral e na UFSC!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Balada para céu e pedra

Fernando Karl
Sonhei a pedra do sonho,
estava rachada com vozes
que vinham de arcas-de-ferro.
Misturadas ao vento,
cada uma das vozes,
vozes fisgando aguaçais,
fisgando poços, rosas, sais,
que sonham na pedra do sonho.
Mais antigos que palavras:
aguaçais, poços, rosas,
sais desvelados por olho
que sonham pedras que sonham
céus nunca vistos no céu

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Convite de P&N e Portal Desacato

A equipe da revista Pobres & Nojentas e do Portal Desacato apresentam:

“BALADA DO POBRECATO”
Sarau de Palavras Andarilhas


Quando nos encontramos?
Na sexta-feira, 14 de novembro de 2008


Onde nos encontramos?
No SINERGIA
Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis. Rua Lacerda Coutinho, 149. Centro - Florianópolis


A que horas é o encontro?
Às 19 h


Que trabalhos e autores serão apresentados?
Bel Gomes - Contações
Dino Gillioli – Cem Poemas
Luiz Alberto Correa – Osso da Palavra – LANÇAMENTO!
Rosângela Bion de Assis – Transparente Demais
Sigval Schaitel – Um Dia de Chuva
Videopoemas: s, ParaísoPeriProblema e PoemA SúbitO de
Aline Maciel
Olhar fotográfico: Viagem e Escrita de Vanessa Suzane Elias
Nota musical de Daniel Soares
Lançamento da Pobres & Nojentas No. 15
Serviremos doces, salgados, sucos e chás
Ingresso livre!
Apoio Cultural:
Sinergia – Pobres & Nojentas – Coletivo Pela Soberania Comunicacional

www.pobresenojentas.blogspot.com
www.desacato.info

“Abram as janelas que a negra cheira mal!”

Por Koldo Campos Sagaseta, do País Basco - Fonte: Portal Desacato
São tão ingratos os emigrantes aos que fizeram o favor de acolher no Estado espanhol, que nem sequer se preocupam de imitar as clássicas e higiênicas maneiras de quem os recebe, por sinal, com os braços abertos, e andam por aí, faltando com o respeito, de qualquer jeito, sem escovar os dentes nem aliviar os sovacos, contaminando com suas pestilências naturais os mais insignes espaços do país. Em sua lastimável ingratidão chegaram até a expor seus fétidos eflúvios os próprios tribunais de justiça, os mais imaculados espaços do reino espanhol cuja fragrância, a mesma que se exala desde o fundo das becas, é fama não conhece nem nunca se viu envolvida em assuntos que cheiram mal.
No juizado de Logroño, o fiscal Eduardo Peña, pouco antes que entrasse na sala uma nigeriana que seria julgada por um caso de violência familiar, teve a boa idéia de fazer uma solicitação: “Abram as janelas, que a negra cheira mal!”
A pesar da prudência do pedido, dada a pestilência do contexto, nem só fica o agradecimento ao fiscal Peña pela adoção de tão sensatas medidas preventivas que evitaram na augusta sala vômitos ou desmaios, senão que foi sancionado pelo fiscal superior da região, Juan Calparsoro, com uma… admoestação. Sei que alguns pensarão que se trata de uma falta leve que não requer sanção, e que podia ter sido pior se não coincidissem com sua pituitária os critérios de seu superior, mas é lastimável que em lugar de galardoar em público reconhecimento a iniciativa do fiscal, tenha sido submetido à indignidade de uma admoestação.
A mulher tinha passado dois dias trancada em um calabouço da polícia sem que lhe permitissem se limpar e tal circunstância tinha sido revelada ao fiscal por um funcionário do juizado. Inteirado do fato o diligente fiscal Peña, mesmo que fosse um pretexto da negra ou fosse verdade, como representante da justiça, o único que lhe competia fazer era pedir que abrissem as janelas “que a negra cheira mal”. E assim foi feito.
Agora só falta que a cidadania, animada pelo exemplo de tão pulcros e higiênicos representantes, exija que em todas as audiências e tribunais, além das janelas, também se abram as portas, que a justiça cheira mal. Mais do que isso, fede.
Versão em português: Tali Feld Gleiser, de América Latina Palavra Viva

Os jovens, o mp3 e a desumanidade

Elaine Tavares
Foi assim. Eu estava ali, naquele bendito terminal do Rio Tavares, esperando já há mais de 20 minutos pelo ônibus do Castanheira. Fervia de ódio, pois ninguém gosta de fazer aquele absurdo transbordo tão perto de casa. E, assim, enfadada, observava o movimento das gentes. Então eu a vi. Lá longe, numa das plataformas, no ônibus que vai para o Campeche, uma velhinha tentava subir no coletivo. Ela fazia um tremendo esforço para alcançar o degrau e não conseguia. Pois bem em frente a ela estava encostado um jovenzinho de uns 17 anos. Estava com um desses equipamentos de som pequeninos, o mp3, e os fones encravados nos ouvidos. Ele balançava a cabeça e cantarolava bem alto, alheio a tudo. Apesar de estar com os olhos abertos ele parecia não ver a velhinha e seu esforço quase sobre humano para subir no degrau do ônibus. Meus olhos se centraram no guri por átimo de segundo e fique a pensar: que desgrama de mundo é esse em que as pessoas não conseguem mais enxergar um ao outro. Que porcaria de planeta é esse em que os seres humanos se encaixotam dentro de seus mundos, e fecham seus ouvidos para a vida que geme ao seu redor. O garoto seguia cantando e a fila de gente que estava por ali esperando tampouco enxergava o esforço da velhinha, o povo perdido em si mesmo, muitos também refugiados nos mp3. Estranho mundo em que a música, em vez de trazer alegria, aliena e separa. Fiquei meio bronqueada com esse lance de mp3. Bateu a vontade de sair gritando: “escuta aqui, ninguém vê essa velha tentando entrar no ônibus?”. Mas, desisti do intento. Resignada com a falta de olhos pra ver do povo urbano, saí do meu cantinho lá atrás e vim ajudar a velhinha. Toquei o seu braço, sorri pra ela, e ajudei a entrar. Ela estava com uma trombose, falou, e a perna doía muito. Ajeitei aquele corpinho frágil no banco, ela agradeceu: “obrigada filha”. E havia um lampejo de alegria no seu olhar. Eu desci. As pessoas seguiam ali na fila, com cara de paisagem. O guri fechara os olhos e cantava alto. Naquele triste terminal, as pessoas mofavam, perdidas de sua humanidade. Só os mp3 pareciam ter vida.