quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Chuva a cântaros


Míriam Santini de Abreu

Tempo assustador em Florianópolis e em várias cidades do estado. Duas semanas de dias carrancudos, fresquinhos até, no verão. E há dois dias chove, a cântaros, como se diz. Notícias dão conta de alagamentos em vários bairros, e nas pontes que ligam o continente à ilha não estão passando carros. Quem sofre mais é a população que mora nas áreas baixas, nos morros, onde mesmo chuvas mais fracas deixam os moradores receosos. O Centro da Capital cheira a peixe.

Eu fico apavorada nesses dias porque, quando morava em Joinville, norte do Estado, uma chuva dessas provocou entupimento nos canos e alagou meu apartamento. Fui para casa preocupada com uma das janelas um pouco aberta e me deparei com uns 10 centímetros de água em todas as peças. O carpete ficou dias com cheiro de cachorro molhado, e o estrago só não foi maior porque eu tinha um quase nada de móveis na época.

Não se mora em Joinville impunemente. Na foto, situação da cidade depois do dilúvio desta semana. O registro é de Glênio Abella dos Santos, gaúcho de Quaraí que, há tempo, não via tanta chuva.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Elemento perigoso

Míriam Santini de Abreu - Leio, na edição de janeiro do Le Monde Diplomatique, excelente artigo sobre os agentes de prevenção e de segurança (APS). São os profissinais da vigilância da iniciativa privada, comuns em hipermercados, shoppings, lojas de departamento. O autor, Martin Mongin, diz o seguinte:

[...] a função dos APS nunca pode ser nada além de preventiva. Seu único direito, além de estar presente no local, é o de informar o público quanto às disposições do regulamento interno. Mas uma vez infringidas essas disposições, eles não detêm nenhum poder que lhes permita reprimir essas mesmas infrações. Apenas o poder de constatá-las, de registrar a modalidade delas num relatório e, se for o caso, de chamar as forças da ordem.

Mas isso, constata Mongin, está bem longe da realidade. Os APSs são muitas vezes tratados como se fossem representantes do regime da lei, como os policiais, e não do regime da regra, o que é o caso. Basta sentar em locais que não as cadeiras da praça de alimentação de um shopping para, de consumidor em potencial, virar "elemento" na conversa dos rádios portáteis. Elemento potencialmente perigoso. Artigo a ler.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Goiabeiras e lagartixas

Míriam Santini de Abreu

Diz o Pepe que a árvore atrás do muro do nosso prédio é uma goiabeira. Não vi goiabas nela. Tanto faz. Uns passarinhos miúdos adoram fazer algazarra ali, e digo miúdos porque pouco entendo de pássaros. O rabinho deles é comprido, o corpinho é meio pardacento. O caso é o seguinte: no cinza brutal do asfalto e do concreto que, cada vez mais, dominam a paisagem das cidades, inclusive de Florianópolis, ter uma árvore por perto é uma benção vegetal. Ainda mais abençoante se nela há pássaros. Dia desses atearam fogo ao longo do muro, coisa bem assustadora. Sorte que as chamas não atingiram a minha goiabeira.

Dentro de casa também recebo a visita de uma lagartixa, que chamo de Zoiúda, nome de um conto de Luiz Vilela que pode ser lido em http://www.releituras.com/i_minduim_lvilela.asp

Os bichos estão cada vez mais urbanos.


La Pobrecita vai para o número 11!

Míriam Santini de Abreu

A nossa filha vai para o número 11, e a gente achava que não passava do 1! Em meados de fevereiro a mais nova Pobrecita vai para a gráfica e, na pauta, entre outros assuntos, o crescimento desordenado de Florianópolis. Aguardem!
E comprem!!! É só escrever para eteia@gmx.net ou misabreu@yahoo.com.br

sábado, 26 de janeiro de 2008

Estorvos

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Leio no Yahoo! que centenas de cães e gatos estão sendo abandonados nos Estados Unidos por causa da crise imobiliária. As pessoas perdem as casas e deixam para trás os bichos, que morrem trancados. Outros são jogados na rua ou levados para abrigos. Cerca de 2 milhões de famílias tiveram que devolver suas casas nos primeiros 11 meses de 2007.


Os bichos abandonados em casas e apartamentos morrem de fome. Alguns levam semanas para sucumbir, relata a notícia, e marcas de suas garras ou mordidas são encontradas em portas, janelas, móveis, tapetes e quadros. Tentam comer qualquer coisa para sobreviver.

Vê-se muito nos filmes a perfeita família nos EUA. Pai, mãe, casal de filhos e um cachorro. Em suas intermináveis hipotecas para ter casas cada vez maiores, plantaram a crise, e agora a família perfeita deixa para trás o que considera o acessório vivo desse mundo onde coisas, pessoas e animais são todos mercadoria. O cão e o gato são parte da encenação, um objeto descartável deixado de lado quando a peça fica real demais.
Leio em O Estado RJ o seguinte:

Segundo dados da Associação dos Revendedores de Produtos, Prestadores de serviços e Defesa Destinados ao Uso do Animal (Assofauna), são 29,7 milhões de cães e 14 milhões de gatos que estimulam as indústrias a estarem renovando e ampliando seu mix para melhor atender esta grande demanda cada vez mais exigente.
Em 2006, o faturamento do ramo veterinário foi de US$ 1,165 bilhão. Até junho deste ano, o volume já superou o do ano passado e a Associação Nacional dos Fabricantes de Alimentos para Animais de Estimação (Anfal Pet) estima que, até o final de 2007, o faturamento chegue a US$ 3,3 bilhões.


Três bilhões de dólares! Como tudo neste mundo, os bichos são apenas negócios. No imaginário de tantas famílias, adoráveis bichos de estimação, mas que, nos momentos de crise, não passam de um estorvo, com um eletrodoméstico velho.

O ser está em processo de construção do humano. Acredito que o dia do ser realmente humano virá. O dia de todos os seres. Mas temo que, até o processo alcançar esse estágio de evolução, não haverá mais base material que nos permita viver. Às vezes, não que mereçamos. Em tempo: a imagem é do blog do Solda.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Feira Solidária

Encerra-se nesta sexta-feira, 25, no Largo da Alfândega, a I Feira Regional de Economia Solidária em Florianópolis. O funcionamento é das 10h às 20h. A atividade faz parte de um projeto de feiras regionais, com coordenação do Fórum Catarinense de Economia Solidária, e reúne várias entidades e empreendimentos rurais e urbanos. É uma proposta que dá espaço para que grupos, associações e cooperativas que produzem e prestam serviço sem prejudicar o meio ambiente, sem exploração de mão-de-obra e com gestão democrática possam expor e vender os seus produtos, promovendo relações mais humans, justas e solidárias.

Rir ainda é o melhor remédio

Jussara Godoi, de Florianópolis

Ando me divertindo muito comigo mesma, ultimamente. Tanto que já estou me perguntando: será que sou normal? De tanto fazer o que eu e umas amigas chamamos de "bad business" (mau negócio), já estou virando alvo de piada. Mas o fato é que de nada adianta chorar sobre o leite derramado. Um dia destes, para otimizar o espaço em casa, mudei os móveis de lugar. Só que, em vez de cortar os fios que não mais serviriam, acabei cortando o do telefone, do interfone etc... Resultado: a mudança deu prejuízo. Mudei o plano do telefone, para ficar mais barato, e acabou saindo mais caro, e por vai.

Hoje, lendo a poesia de Raimundo Corrêa no blog da Pobres, lembrei-me de uma aula de literatura em que um colega que fazia parte do meu grupo foi solicitado para fazer a leitura deste poema, e, em vez de “vai-se a primeira pomba despertada”, ele leu “vai-se a primeira pomba depenada”.

Bastou para eu não assistir o restante da aula. O que era para ser vergonhoso ficou engraçado. Agora, lendo novamente a poesia, fiquei feliz ao constatar que mantenho o hábito de rir, mesmo que a situação peça o contrário. Quem disse que, ao ficarmos mais velhos, temos que também ficar mais sérios? Ainda quero rir muito na vida...

Pombas despertadas

As pombas

Raimundo Correia


Vai-se a primeira pomba despertada...

Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...

A pombinha da foto habita o Centro de
Florianópolis, onde elas fazem suas assembléias e, às vezes, assustam, com seu
vôo, os mais desavisados.

Raimundo da Mota de Azevedo Correia nasceu em Barra da Magunça (MA) em 1859 e faleceu em Paris, França, no ano de 1911.

http://www.releituras.com/raicorreia_pombas.asp

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Assisviajantes I



Despedida

Rosangela Bion de Assis

Com um triste olhar me despedi de cada estação.
Tentei empurrar na mochila um pedacinho de cada céu,
de cada porto,
mas os aromas não couberam.
E as lindas paisagens que passaram por mim
Também ficaram naquelas ruas estreitas e coloridas.
Minh’alma, indiferente à distância,
divertia-se com os outros idiomas,
alimenta-se daquela fuga,
sem remorsos, nem saudades.
Viajar é viver plenamente.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

No porão, as torturas da Idade Média

Míriam Santini de Abreu

Visitei a Mostra Internacional de Instrumentos de Tortura da Idade Média, que está no porão do Teatro Álvaro de Carvalho, no Centro de Florianópolis. É até banal dizer isso, mas os pêlos do corpo se eriçam quando a gente vê tão cruamente os objetos que dão vazão à capacidade humana de provocar dor de forma deliberada. Estão ali, expostos, encontrados em vários lugares na Europa. Peças em ferro e madeira, madeira de até 15 centímetros de espessura – calculo – feitas sob medida para arrasar o corpo da forma mais dolorosa possível.


O acesso ao porão do TAC onde está a exposição se dá por um corredor estreitíssimo, de causar um nó na garganta dos claustrofóbicos. E no ar um cheiro espetacular de mofo... Senti-me numa catacumba. Ao ler a última placa informativa sobre os horrores dolorosos provocados pelo instrumento de tortura mais próximo à porta, só pensava em sair dali.

E da Idade Média para cá, tudo continua como dantes, mas sob diferentes formas, em todas as partes do mundo. Ano passado li “Autópsia do medo”, do jornalista Percival de Souza, um estudo sobre o temido delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), máquina de tortura na ditadura militar. Fatos de 40 anos atrás. E há que se citar as torturas contra prisioneiros na prisão iraquiana de Abu Ghraib e na base militar dos EUA em Guantánamo. E tantas outras.

A Mostra vai até abril, das 13h às 19h, de terça a domingo. O ingresso é de R$ 6,00.


Na imagem, folheto de divulgação da Mostra.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Jardins da Capital

Os jardins do Palácio Cruz e Sousa, no centro de Florianópolis, são graciosos e convidam a uma parada neste calorento verão.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Grupo Gestor de Transição vai organizar eleição na FEEC

Em Assembléia realizada dia 1 de dezembro de 2007 em Florianópolis, foi criado o GGT-Grupo Gestor de Transição da FEEC-Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses, que deverá gerir a entidade até 15 de março de 2008, quando nova Assembléia Geral irá avaliar e aprovar a reforma estatutária e realizar eleição para a Coordenação Geral e Conselho Fiscal para o biênio 2008/2010.

O GGT, composto pelas organizações filiadas Aliança Nativa, Fundação Gaya, Instituto Ambiental Ecosul e Grupo Pau Campeche administrará a FEEC, concluirá o recadastramento geral das entidades filiadas, elaborará o processo eleitoral e dará andamento às atividades até a próxima Assembléia Geral. Para a coordenação do GGT foi indicada a arquiteta, ambientalista e ex-vereadora em Florianópolis Jalila El Achkar, membro da diretoria do Instituto Ambiental Ecosul.

A FEEC tem os seguintes assentos:
1. Conselho Estadual de Recursos Hídricos (01);
2. Fundo Especial de Proteção ao Meio Ambienbte - FEPEMA (03);
3. Nucleo Gestor do Plano Diretor Participativo Capital (02);
4. Fórum Parlamentar Permanente sobre o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (02);
5. Comitê Estadual da Biosfera da Mata Atlântica em SC (02);
6. Conselho Consultivo do Parque Estadual do Rio Vermelho (03);
7. Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental (01);
8. Conselho de Meio Ambiente - CONDEMA(01).

Animais que me vigiam II

Sonho estranho: espio pelo buraco da fechadura para vigiar o elefante, e flagro o elefante me vigiando do outro lado da porta!

Animais que me vigiam I

O gato negro vaga e espia. Dia desses foi flagrado com um pardalzinho na boca.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A maldição dos incensos de cravo e canela

Jussara Godoi, de Florianópolis

Não tenho muita certeza, mas, ao que tudo indica, o hábito de acender incensos já vem dos antigos gregos. Eu não sou uma pessoa que se possa chamar de crente, mas, de tanto ouvir minhas amigas mais esotéricas me falaram sobre o poder dos incensos de cravo e canela de "atrair dinheiro", resolvi acender alguns de vez em quando. Pensei: se não fizer nenhum efeito, pelo menos deixa o ambiente mais cheiroso e, desde então, venho repetindo esse hábito. Eis que de uns tempos pra cá, devido a "muitos investimentos" na casa própria, recorro seguidamente aos tais empréstimos consignados, para me livrar de outros juros ainda maiores. E continuo acendendo incensos... Hoje cheguei a conclusão: por coincidência ou não, toda a vez que acendo o tal incenso de cravo, surge uma situação inusitada que me faz precisar de dinheiro! Logo, o efeito está sendo contrário ao esperado. Talvez seja minha falta de fé!

Morro das Pedras

Praia do Morro das Pedras, em Florianópolis. Nublada e linda!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Ladra de memórias

Míriam Santini de Abreu

Li alguns artigos sobre a metodologia de história oral e as diferenças em relação à entrevista jornalística. Como metodologia, a história oral suscita inquietações que também devem preocupar os jornalistas. MICHAEL HALL observa que a história oral não é história espontânea - experiência vivida em estado puro - porque as entrevistas não revelam necessariamente a experiência direta dos informantes, e sim o resultado do trabalho que a memória faz com essa experiência.

A memória, diz o autor, não é um fenômeno exclusivamente individual, e sim resultado de determinações sociais complexas. Outra questão é que o entrevistado pode transferir opiniões atuais para o passado, revelando uma certa “presciência” ou “editando” posições tomadas no passado para melhor combinarem com as do presente. Um terceiro alerta do historiador é fundamental para os jornalistas. Ele diz que a forma como uma pergunta é formulada pode influir na resposta. Historiadores, assim como repórteres experientes, diz ele, são capazes de sair de uma entrevista tendo ouvido exatamente o que desejavam ouvir.

Escrevo isso a propósito de uma recente experiência com relação a uma das minhas mais significativas recordações de infância. Lembrava-me de que havia acompanhado meus pais a um supermercado para fazer o rancho. Pequena, uns sete anos, na primeira série, eu adorava a seção de material escolar, e desejava ardentemente uma cola. Para fazer os trabalhos de aula, precisava recorrer a uma mistura de farinha e água, com resultado detestável. E, por tanto querer a cola, não a coloquei no carrinho de supermercado. Quis ficar com o objeto de desejo na mão, e nem me lembrei de entregá-lo à mãe para fazer o pagamento.

Ao chegar em casa, mostrei a cola a todos com incontida alegria. O pai, sem pestanejar, arrancou o tubinho das minhas mãos e o jogou janela afora, no meio de uma área de mata que havia atrás de casa. Olhou-me e disse:

- Nunca mais pegue algo sem pagar.

Ai, que dor! Não pela lição, mas pelo fato de ter perdido algo tão desejado. Não me esqueci do episódio.


Há alguns meses, recebi a visita de meu irmão do meio e, quando conversávamos sobre a infância, relatei, entre risos, a história. E ele:

- Míriam! Isso aconteceu comigo!

- Ah, sim! Era o que faltava! Pois é uma das lembranças mais significativas que tenho!

E o César insistia na afirmação de que ele, e não eu, havia levado a cola para casa sem pagar.

Não satisfeita, tão tenaz quanto a cola, conferi o fato com o pai e com a mãe, e assim era: o autor da estrepulia havia sido o meu irmão!

Só o que pude concluir foi que testemunhei a atitude do pai, fiquei impressionada e, com o passar do tempo, “costurei” remendos de possibilidades imaginadas para o que teriam sido os gestos de meu irmão antes do pito!

O mais impressionante é que, se eu fosse entrevistada sobre minha infância e os momentos mais lembrados, um dos que citaria seria esse.

Desde então, o Cesoca, um gozador, me chama de “ladra de memórias”.


quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Fascínio não está no consumo


Daqui três bilhões de anos, a Terra não vai mais reunir condições para que nossa espécie continue, pelo menos como é hoje. A evolução biológica não acompanha a evolução cultural. A cultural é muito mais rápida. Biologicamente levamos milhares e milhares de anos para incorporar adaptações, digamos, casuais, de uma mudança na composição química da atmosfera. E se não tivermos mais 21% de oxigênio, mas 22%? Todos os seres humanos morrerão. Porque não há como se ajustar caso a mudança seja rápida. Biologicamente não teremos resposta. O grande fascínio da vida são os mistérios que nos cercam, a contemplação, a reflexão sobre esses mistérios. Infelizmente as políticas não têm consciência disso ou não buscam tratar disso.

Genebaldo Freire, doutor em Ecologia, analista ambiental do Ibama e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) em entrevista ao Diário do Nordeste.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

O biquini verde

Jussara Godoi, de Florianópolis - De uns dias pra cá, me bateu uma vontade de escrever. Pensei, por que não? São minhas memórias, mas que provavelmente se parecem com as de muitas gentes. Afinal, o que é um ser humano? Não temos, por acaso, as mesmas angústias? Para alguns talvez de um tipo, pra outros, de outro. Mas todos paramos, às vezes, para pensar: o que seria uma vida normal? Casar, ter filhos, uma casa, um emprego? Bem, emprego, com certeza, pois o sistema exige, ou você morre. Casa é bom. Filhos? Não sei, não os tive. Tenho muitos outros... sobrinhos..f ilhos das amigas...e agora, aos 46, netos das amigas.. e mais ainda...enteadas das amigas. Então me vejo cercada de angústia por todos eles. Precisaria ter filhos para ter essa sensação? Quem poderá responder?
Bem, voltemos às memórias, que é ótimo, pois só assim temos certeza de que o alemão Alzheimer não passou a mão na nossa cabeça ainda! Às vezes acho chato estar sem fazer nada e, de repente, também do nada, vem aquela imagem da infância,ou mesmo da adolescência, no estilo “Cinema Paradiso”. Esta semana tive vários desses momentos.

Um deles: estava limpando a casa, vestida com um biquini verde, quando me olhei no espelho e voltei aos sete anos... Foi algo que vi e que, na minha inocência, desejei ter um igual. Estava passeando num domingo e, ao passar por uma casa, dessas de beira de estrada, vi uma moça, num rio, tomando banho com um biquini verde. Até então eu nem sabia que tal peça existia para esse fim. E pensei: quando eu for grande, quero ter um desses pra mim.

Agora, quase 40 anos depois, me olhei no espelho e cá estou eu com um biquini verde, tal qual o da moça! Então ri... e pensei nunca é tarde para se realizar um sonho!

Essas mulheres de vento


Há em mim aquário despojado de água, mulheres nuas, arrozais do Ceilão, moedas de ouro da Pérsia. Despojado de tudo, menos deste quarteto de cordas de Wolfgang Amadeus Mozart. Depois que vi a palavra búzio, pude amar o búzio.
A palavra búzio não é búzio. O búzio, mesmo, é inédito. Qualquer abismo, sagrado: – nele habita o nada. E se pode ser nada, pode bosque vazio. Bosque vazio tua infância, bosque vazio teu primeiro rabisco no caderno de folhas alvas, carne de salmão? Foi aqui no bosque vazio que o sonho viu a vida pela última vez. Qualquer sonho, nada: – nele o bosque vazio. Enquanto o filósofo Mo tsi tenta fisgar as carpas se espelhando no vento, o milagre rabisca qualquer coisa no caderno de brisa. Súbito uma carpa carregada pelo vento entra pela única porta do Templo de Shirakawa. Os olhos do filósofo, assombrados, fogem na neblina e Mo tsi, cego, procura o caderno de brisa embaixo do rio, do córrego, do riacho, do arroio na copa das árvores, debaixo da pedra, nos bares, nos bordéis, nos hospitais, nas barcas, nos copos de conhaque, na infância, ah, e na infância encontra o caderno de brisa com os dois olhos de Mo tsi
desenhados pelo milagre. E se houver jardim de sopros no oco da estrela alfa de touro? Se pequeno mosteiro com pomar houver na constelação boreal de Cassiopéia? E se nada disso houver, que Houyhnhnms saiba imaginá-los. A imagem é a respiração daquele que é o Estranhíssimo. Te ofendo com apitos, meu deus, com pratos de plantas, para que aprendas a inutilidade do céu. Há mais pensamentos que coisas. Fico miosótis para o fim desaprendo a ira para pra te convencer que a morte não existe: essa pirataria sepulcral é só um jeito da gente brincar de sumiço. Te convenço que aqui no centro se unge com boana. Balanço cabeleira só pra ofender meu Deus. Ante o mar azulado, em sua cadeira de praia, ela dormindo sonha com o príncipe da neblina que se aproxima de sua orelha para esquecer ali a música verdejante. Certa mulher, mas não esta ou aquela, porque me refiro à que vive na ilha do Arvoredo – nas noites perigosas – é música atravessando o muro. Que a vir vê-las, posso coroá-las antigas: paraísas violas de relva. Uma que voa morde o calcanhar da estrela: há fogo e há chuva. Outra esparze o pó de Quevedo, mas pó enamorado, que a pouca poesia não ousaria entender. Aquela enlouquece entre salsos pendentes: escreve breviários, bestiários, conduz o velame de certa barca sendo sonhada. Por nós, os fracos, os de alma vil, se perfumam, às vezes espalham os cabelos nossos: essas mulheres de vento.

Fernando José Karl

Imagem: Anon

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Míriam Santini de Abreu
Vi "Conduta de Risco", com George Clooney. Lembrei-me do documentário "The Corporation" ao constatar que, para recuperar a sanidade neste mundo governado pelas corporações, é preciso enlouquecer. Mas enlouquecer sabiamente.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Refém do diesel, Amazonas busca alternativas para geração elétrica

Míriam Santini de Abreu, jornalista
Um grupo de jornalistas da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA), do qual faço parte, está patrocinando, de forma solidária e voluntária, a realização de reportagens de fôlego sobre problemas ambientais. Através de depósitos mensais em conta corrente aberta para esse fim, o grupo busca estimular maior investimento em jornalismo ambiental investigativo. Mais uma reportagem vem à tona, com cópia livre autorizada:

(Por Fábia Lazara, especial para a RBJA, 07/01/2008)

Careiro da Várzea/AM - Duas termelétricas consomem 135 mil litros de óleo diesel por mês para gerar a energia elétrica dos 23 mil moradores de Careiro da Várzea, município situado na margem esquerda do Rio Solimões, a 22 km de Manaus. Uma das termelétricas está instalada no centro da cidade, entre residências, escola e a uma quadra da prefeitura. Ao chegar próximo do local é possível ouvir o barulho ensurdecedor de dois geradores que ficam ligados 24 horas, produzindo energia para 94 comunidades do município.

Careiro da Várzea fica com a maior parte de seu território coberto por água no período das cheias, quando os rios da Amazônia transbordam de suas calhas. Para os moradores da região a garantia do fornecimento de eletricidade foi um grande progresso. Trouxe conforto às residências e impulso às máquinas que amenizam a dureza do trabalho. “Agora está tudo fácil, todo mundo tem luz em casa, pode assistir TV, beber água gelada, quase não faz mais força”, diz Jurandir Feitosa, 36, piloto de uma embarcação que faz a travessia entre o Porto da Balsa e o centro da cidade.
Mas os moradores reclamam dos altos preços cobrados pela Companhia Energética do Amazonas (CEAM) e das constantes quedas de energia. “A gente paga caro, e quando a energia não vai embora pela manhã, ela vai à tarde. Eu já cansei de contabilizar os prejuízos pela falta de luz”, conta o comerciante Jailson Ribeiro, 51 anos. Há 11 anos, Ribeiro toca uma pousada e um restaurante no Porto da Balsa, local estratégico na margem da BR-319 (Porto Velho - Manaus).
Para os ambientalistas, a preocupação vai além da instabilidade no abastecimento. “Qualquer produção de energia baseada na queima de combustíveis fósseis é potencialmente prejudicial ao meio ambiente. Os prejuízos são locais (poluição do ar com fumaça, fuligem) e globais (emissões de gases que provocam o aquecimento da atmosfera do planeta)”, alerta o pesquisador do IPAM (Instituto de Pesquisas da Amazônia), Paulo Moutinho.

1 bilhão de litros de diesel
Mesmo com os problemas, as termelétricas movidas a óleo diesel são hoje a principal forma de geração elétrica da capital e dos 61 municípios do interior do Estado do Amazonas, a maioria isolados na floresta, onde o principal meio de transporte é o fluvial. Oitenta por cento da energia produzida no Estado vem de termelétricas movidas a óleo diesel e 20% são de geração hidrelétrica, fornecida principalmente pela Usina de Balbina, localizada no município de Presidente Figueiredo, a 107 km da capital.
Das 115 termelétricas instaladas no Amazonas, 13 funcionam em Manaus, gerando eletricidade para os seus 1,5 milhão de habitantes. Só os geradores de Manaus consumiram em 2007 cerca de 800 milhões de litros de óleo diesel e derivados de petróleo, a um custo de R$ 1,5 bilhão. No interior do Estado, foram queimados mais 250 milhões de litros de óleo diesel o que gerou um custo para a CEAM de aproximadamente R$ 500 milhões.
O gasoduto Urucu-Manaus é apontado como uma solução mais limpa e barata para a matriz energética do Amazonas. Ele terá 662 km de extensão, composto por três trechos. O primeiro ligará a bacia de Urucu até o município de Coari. O segundo levará o gás de Coari ao município de Anamã e o terceiro de Anamã até Manaus. As obras iniciaram em julho de 2006 e a conclusão está prevista para dezembro deste ano.
Até o momento 272 km de tubos já foram instalados. A obra orçada em R$ 2,4 bilhões está sendo financiada com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Quando estiver concluída possibilitará o fornecimento de gás para os municípios de Coari, Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga, Manacapuru, Iranduba e Manaus, incluindo às cerca de 300indústrias do Pólo Industrial. Mas mesmo levando gás para os oito municípios, que representam 90% do consumo de energia elétrica do estado, outros 54 municípios amazonenses permanecerão utilizando o óleo diesel, praticamente, como única fonte energética.
O coordenador da Campanha de Energia Renováveis do Greenpeace, Ricardo Baitelo, considera positivos todos os esforços voltados à redução do uso de fontes de energias sujas ou poluentes. “O projeto do gasoduto Urucu-Manaus, apesar de não ser a alternativa ideal, é preferível a uma emissão considerada suja. Diante da limitação de opções está é a mais razoável para a região, apesar do grande impacto na instalação do projeto“, afirma o coordenador.
Para o presidente da CEAM e da Manaus Energia (responsável pela geração de energia na Capital), Willamy Moreira Frota, a chegada do gás representa um terceiro momento de oportunidades sócio-econômicas para o Amazonas, só comparado à época do ciclo da borracha e da criação da Zona Franca de Manaus. “Além da vantagem econômica, a substituição representará enorme ganho ambiental para o País, pois a produção de energia elétrica a partir do gás natural reduzirá significativamente a emissão de gases poluentes, em especial o dióxido de carbono (CO2), contribuindo para a redução do efeito estufa”, enfatiza Frota.

Isolamento
Com 98% de suas terras cobertas por florestas ainda preservadas, o Amazonas abriga os sistemas de produção de energia mais isolados do planeta. Formas de geração de energia que, além de afastadas dos centros de distribuição dos insumos para seu funcionamento, também não têm nenhuma conectividade com outros sistemas. Em certas localidades, um carregamento de óleo diesel leva até 40 dias para chegar ao equipamento gerador.
O preço deste isolamento é pago pelos consumidores do Sul e Sudeste, Centro-Oeste que subsidiam por meio da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) a distribuição de energia elétrica na região Norte. A energia elétrica produzida por termelétricas, é contabilmente três a quatro vezes mais cara do que a gerada por usinas hidrelétricas. A substituição pelo gás natural vai proporcionar, de acordo com estimativas da CEAM, uma economia anual de R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos.
De acordo com o planejamento para o setor elétrico brasileiro, até 2012, o sistema enérgico do estado será interligado a rede básica nacional, através da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Segundo o presidente da CEAM e Manaus Energia, a previsão é que, em 2008, a linha seja licitada, e até 2012 entre em operação.
Para substituir óleo diesel, o Estado do Amazonas vem estudando outras alternativas, além do gás natural. Uma iniciativa que vêm dando certo é o projeto com uso de resíduos de madeira, desenvolvido no município de Itacoatiara, a 270 km de Manaus.
Desde 2002, a CEAM, em parceria com a empresa BK Energia, transforma os resíduos de madeira utilizados pela madeireira Mil Madeireira em biomassa triturada. Os resíduos abastecem uma caldeira que transforma em vapor a água proveniente de dois grandes poços, impulsionando as turbinas de um gerador. O processo garante um terço do consumo de energia elétrica do município. O restante da iluminação vem de uma usina térmica movida a óleo diesel que está instalada no local.
A iniciativa representou economia para os moradores. Por exemplo, o MWh (megawatt-hora) gerado com o óleo diesel sai por R$ 500 e o MWh utilizando o resíduo de madeira, custa apenas 30% deste valor.

Alternativas
O coordenador de pesquisas do IPAM, Paulo Moutinho, é contundente ao dizer que é preciso buscar alternativas limpas de produção de energia para substituir os geradores a diesel. “A contribuição inicial pode ser pequena, mas no final, com políticas para incentivar energias limpas, esta contribuição pode fazer a diferença entre um planeta habitável ou não”, acrescenta.
Segundo ele, a melhor opção para a Amazônia é ter várias alternativas de fontes de energia (hidrelétrica, eólica e até, de modo reduzido e por um tempo, fazer uso do diesel ou outras alternativas, digamos, sujas) trabalhando de modo integrado. “O Brasil tem uma matriz energética relativamente limpa se comparado a outros grandes países em desenvolvimento como a China e Índia. Mas, nem por isto, deve parar com as políticas para aumentar a proporção da matriz limpa”, sugere.
Ao contrário do restante do País, que tem seu perfil energético baseado na hidroeletricidade, no Amazonas, apenas 20% da energia consumida é produzida por hidrelétricas. O maior responsável por esta produção é a usina de Balbina, inaugurada em 1989, considerada um crime ambiental por ambientalistas e cientistas pela baixa geração de energia em relação a área alagada.
Balbina está instalada no município de Presidente Figueiredo, a 180 km de Manaus e conta com uma capacidade nominal instalada de 250 MW. O lago artificial que inundou 2,6 mil quilômetros quadrados de florestas nativas produz, em média, 130 MW a 150 MW/ano de energia que abastece a Capital.
Segundo o pesquisador do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA, sigla em inglês - http://lba.cptec. inpe.br/lba/ site/), Alexandre Kemenes, que durante quatro anos estudou as emissões de gases na represa e na jusante dela (rio abaixo), o índice de emissão de gases de efeito estufa de Balbina é dez vezes maior que o de uma termelétrica a carvão da mesma potência. “Apenas 8% da área total da represa foram desmatados. O restante da vegetação está apodrecendo no fundo do lago, sendo responsável pela emissão de 3,3 milhões de toneladas de carbono por ano”, relata o pesquisador.
Para Kemenes, o Amazonas deve investir em pequenas soluções para resolver o problema da energia, como a utilização de biodigestores, placas solares nas casas e, principalmente, investindo em pequenas hidrelétricas, aproveitando a energia do rio sem ser barrado. ”Essas hidrelétricas gigantescas provocam muito impacto ambiental e social”, enfatiza.

BOX
As obras do Gasoduto Urucu-Manaus iniciaram em julho de 2006
Extensão total: 662 km
Trecho executado: 272 km de tubos enterrados e 364 km de tubulações soldadas
Quantidade de gás transportado: na fase final, 10 milhões m3/dia
Quantas pessoas serão beneficiadas com o projeto: atualmente o efetivo empregado
Valor da obra: R$ 2,4 bilhões
Cidades que receberão o gás: Coari, Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga,Manacapuru, Iranduba e Manaus
Geração de empregos: 8 mil diretos e 30 mil indiretos
Prazo estimado de conclusão: dezembro de 2008
Extensão do GLPduto Urucu- Coari: 279 kmGasoduto Urucu-Manaus: 383 km

Triste longe de casa

Míriam Santini de Abreu

Comprei a ânfora em Machuca, povoado no Deserto de Atacama, no Chile. Quem a vendia era um artesão atacamenho, que oferecia seu trabalho na porta de casa. Nas terras da Ilha da Magia, a ânfora se desfaz dia a dia. Vira um estranho pó dourado. Pior é que o rosto de barro parece triste, talvez saudoso das altas altitudes e da secura do deserto.

Melhores e piores momentos de Pobres & Nojentas!


À esquerda, a editora-chefe de Pobres & Nojentas, Elaine Tavares, abana-se com um leque comprado em viagem feita às terras de Espanha;
À direita, Elaine guarda a máquina fotográfica numa meia velha!

O incrível cão que virou arbusto

O arbusto e o cão: transmutação

Míriam Santini de Abreu
Era uma vez um cão. Quando pequenino, já exibia pêlo curto, marrom-escuro no dorso, marrom-claro no peito, sem um adorno que o acolhesse em uma raça especial. Na primeira vacina, recebeu a sentença: SRD, Sem Raça Definida.

Adulto, tinha seus ódios, este cão, chamado de Bitcho. Compreensíveis, uns; incompreensíveis, outros. Da dona – aquela que o ganhou num Natal – não gostava. Talvez porque um dos primeiros gestos dela, no dia seguinte à oferta do minúsculo animal, tenha sido dar-lhe banho. Desde então, o cão passou a detestar água. Para lavá-lo, era preciso trancar o portão do pátio e jogar água sob o corpo em fúria. E ninguém, nas horas seguintes ao banho, pensava em sequer chegar perto dele. Mas eram incompreensíveis seus furores quando queriam acariciá-lo sob o queixo, onde um pêlo claro e macio fazia um desenho em V. Dava um ou dois rosnados e em seguida mordia. Só quem se atrevia a fazer tal gesto era a mãe da dona, única pessoa a merecer o respeito do animal. Aos outros, a única manifestação de reconhecimento a que ele eventualmente se permitia era encostar o focinho úmido numa canela descoberta.

Bitcho movia-se na vida com uma dignidade um pouco irritante, superior até, como se nada nem niguém merecesse um latido mais acolhedor, um olhar de carinho. Tinha olhos frios, um pouco cruéis, e não era por menos que metia medo na vizinhança. Era digno até quando acompanhava o vôo das moscas e abocanhava as menos ágeis e mais distraídas. Até para se coçar parecia um rei: as patas moviam-se devagar, como se em câmera lenta, do que também parecia depender a manutenção de sua dignidade canina.

Nos dias quentes, refugiava-se no banheiro da casa, o cômodo mais fresco depois de horas de sol nas telhas de brasilit. Dali se recusava a sair, e às vezes, por medo de mordida, um ou outro mijava sob sua vista. O olhar dele parecia dizer algo indefinido, mas irritante, por certo, que ofendia a dignidade de quem mijava. Bitcho era cruel.

Comia de tudo, e um lanche que adorava era o biscoito Mignon, que tem um formato de V. Ele chegava a apanhar alguns no ar!

Não se sabe se Bitcho teve filhos. Nunca foi visto namorando ou espalhando seu sêmen nas madrugadas enluaradas. Às vezes desaparecia, tomando rumo incerto e não-sabido, e voltava com ares ainda mais dignos e distantes, indiferente a reprimendas.

Já velho, com 14 anos - cheio de pêlos grisalhos que se soltavam em tufos - manquitolava, com dificuldade para sustentar o peso nas patas. Perto da morte, deram-lhe uma vacina para evitar a dor, e encontraram-no sem vida nas primeiras horas da manhã, com o corpo ainda quente. Enrolado num pano, Bitcho foi enterrado num canteiro na frente da casa, com a terra recém-afofada para receber flores.

E eis que, passado nem um mês, aconteceu. Nascia, no exato ponto onde o cão foi deixado à terra, um pequeno arbusto. A planta cresceu e agora, plena, parece artificial de tão lustrosa. As folhas, de um verde-claro no topo e mais escuro na base, se assemelham a pequenos peixes sem cauda. Todos dizem:
- O Bitcho virou arbusto!

Ele não devia ter medo da morte, por isso aquela estranha dignidade. Sabia que a substância do céu também pode ser vegetália, de lustrosas folhas.

Em tempo: Bitcho foi presente de Glênio Abella dos Santos, que o trouxe no Natal de 1989 dentro de uma caixa de papel!

Eluci, de quem Bitcho, quando cão, mais gostava, fala sobre a transformação:

Crédito: Periodistas Pobres & Nojentas

sábado, 12 de janeiro de 2008

Presente caro

Capturado no blog da Estante Virtual:

A poltrona se chama “Bookinist” e foi projetada pela empresa alemã Nils Holger Moormann (que acabou ganhando um distinto prêmio do Club do Design Alemão, “Deutschen Designer Club”). No site deles há outras idéias para amantes de livros, incluindo várias estantes. Segundo o site, o preço da Bookinist não é nada acessível, 2.127 euros.

Piores momentos de Pobres & Nojentas!

Jussara Godoi, de Florianópolis

Não sei se aconteceu com vocês! Sabe aquele sábado, nublado, sem nada de bom para fazer, ou melhor, você não tem vontade de fazer nada de bom? Pois bem, comigo aconteceu hoje. Foi um dia desses. Entrei na locadora, olhei, olhei, durante 40 minutos, peguei várias vezes diversos filmes na mão, e sempre vinha a pergunta: será que vou gostar? Sensação chata, parece que já vi todos os bons filmes. Não resta outra opção.
Peço a ajuda da amiga que está junto comigo, mas ela também experimenta o mesmo clima, não acha nada. Quer um filme arrebatador. Conclusão: saem, as duas, depois de quase uma hora, sem filme nenhum.Chego em casa, resolvo fazer uma comida diferente, mas ao final descubro que fiz a receita errada: as almôndegas viraram uma pasta. Então ligo pra minha amiga pra dizer que vou escrever sobre isso. Que mancada! O telefone toca... toca... Lembro-me que o marido dela acabou de voltar de uma pescaria... Liguei na hora imprópria. Ah, dias nublados...

Lamparinas para incertos passos


Míriam Santini de Abreu, jornalista
Na noite do tempo, uma lamparina. Uma bola de sol para alumiar o passo incerto, rumo ao incerto. Pequenas mulheres com arredondados ou delgados quadris de folha-de-flandres, alumínio ou vidro, as lamparinas, que atendem muito mais do que três desejos.
Ele era a lâmpada que ardia e alumiava, e vós quisestes, por algum
tempo, alegrar-vos com a sua luz. (João 5:35)
A da primeira foto é uma peça da EBERLE, fundada em 2 de abril de 1896 por Abramo Eberle, que começou com uma pequena funilaria. Ainda em 1886, Luigia Carolina Zanrosso Eberle, a Gigia Bandera, ou Luiza Funileira, apelido dados pelos vizinhos da época, aprendeu a moldar folhas-de-flandres para fabricar e vender lamparinas, canecas, baldes e bacias.
A segunda foto fiz no Museu Eduardo de Lima e Silva Hoerhan, em Ibirama. Uma arredondada e duas delgadas lamparinas. São sensuais, as lamparinas.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Só para Pobres & Nojentas!







Três mulheres de beleza enevoada. Nastassja Kinski linda em Os Amantes de Maria, Keira Knightley em Orgulho e Preconceito e Irène Jacob em A Fraternidade é Vermelha.



Clarice Lispector na TV Cultura

Míriam Santini de Abreu, jornalista

O You Tube tem vídeos memoráveis. Encontrei, graças à dica do amigo Samuel Frison, a entrevista concedida por Clarice Lispector a Júlio Lerner, na TV Cultura, em 1977, ano em que a escritora faleceu. O compromisso da emissora foi o de só transmitir a entrevista após a morte da entrevistada. Os vídeos estão na lista de Favoritos na conta de P&N no You Tube (à direita). Entrevista difícil, não-planejada, mas os vazios, as imprecisões, as perguntas não-feitas, inquietam ardentemente, tanto quanto as respostas.
Lerner, em certo momento, pergunta:
- A partir de que momento o ser humano vai se tornando triste e solitário?
- Ah, isso é segredo. Desculpa não vou responder. [...] Só estou triste hoje porque estou cansada.
Mais adiante, Clarice fala de um texto sobre um certo Mineirinho, morto pela polícia com vários tiros:
- Uma bala bastava. O resto era vontade de matar. Era prepotência.
Quase ao final, é questionada sobre o ato de escrever, se tal ato muda alguma coisa no mundo:
- Eu escrevo sem esperança de que o que escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada.
- E porque continua? - pergunta Lerner.
- E eu sei? – responde ela, parecendo surpresa ao perceber que ele esperasse alguma resposta.

Lerner morreu em 2007.

Clarice não temia sentir. Mais: não temia escrever sobre o que sentia.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Caminho para voltar para casa



Jardim de Eluci II


PEQUENO BUDA

de boca aberta
contemplando as flores caídas
a criança é um buda

KUBUTSU

(Extraído de Haikai - Antologia e História
- Ed. da Unicamp)

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Mar de trevos

Vai dica de endereço com lindas imagens de trevos e azedinhas:

http://portuguesbrasileiro.istockphoto.com/file_search.php?action=file&text=%22azedinha%22&87f13976b02a4d8853c8f2f3896206fb_1_24454=azedinha

Felicidade azedinha

Por Míriam Santini de Abreu, jornalista

Quando eu era pequena,
adorava deitar sobre um travesseiro de trevos, fartos num
gramado perto de casa. Ali ficava, sob o azul céu da serra, mascando azedinhas
de cor roxa bem clarinha. O passarinho da foto bebericava água num condomínio de
Porto Alegre. Felicidade é ser passarinho. Felicidade possível é ficar sob o sol
mascando azedinha.






Caramanchão

Diz a lenda que as
almas que brincam sob a sombra de um caramanchão
nunca esquecem o caminho de volta.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

O desfiar do cotidiano


Portas do guarda-roupa
revelam, em gotas, história da família

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Não sei exatamente quando começou, mas se tornou tradição. Sempre que acontecia algo fora do comum da vida envolvendo alguém da família, minha mãe, Eluci, escrevia o fato nas divisórias do guarda-roupa do quarto do casal. Formaturas, casamentos, viagens, compras, fenômenos da natureza, cirurgias, noivados eram eventos que mereciam registro em tinta preta, vermelha ou azul. O diário de madeira às vezes era até motivo de ciúme – geralmente meu – quando os escritos não mencionavam o que eu considerava minhas façanhas.

A minha anotação favorita é sobre o eclipse total do Sol em 3 de novembro de 1994. A mãe anotou de uma forma que parece “echipse”, e sempre que fala nele, ela lembra de uma misteriosa ave que alçou vôo de uns eucaliptos e cuja sombra pareceu desenhar uma renda na calçada. O mais engraçado é quando ela imita o vôo da ave!

A mãe separou-se do pai, João Flávio, e agora mora na parte de baixo de nossa casa, um sobrado de madeira pintada de cor mostarda. O "guarda-roupa-diário" ficou com o pai, que não se interessa em anotar o que se passa na família. Ele gosta de narrar suas histórias de Vacaria [RS] - cidade onde nasceu - geralmente as mesmas, e conta como se nunca as tivéssemos ouvido. Nelas, volta e meia aparece alguma espécie de assombração, e é comum que a assombração se manifeste dentro ou próximo de uma tapera.

Já a mãe agora usa cadernos para fazer seus diários. Quando as folhas terminam, a maioria usadas para outros fins, ela passa as anotações para um caderno novo e, mês a mês, vai desfiando o nosso cotidiano.

Texto dedicado ao amigo Loris Baena, que faz do mundo um lugar melhor
Confira uma das histórias de João Flávio

Crédito: Periodistas Pobres & Nojentas

Jardim de Eluci I

Charneca em Flor

Florbela Espanca

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu bruel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

sábado, 5 de janeiro de 2008

Estranho, demasiado estranho



Por Míriam Santini de Abreu, jornalista

Minha mãe, para não perder os óculos, demasiado claros para seus olhos demasiado fracos, amarrou um pedacinho de pano vermelho na haste esquerda.
Meu pai, para não ser surpreendido por visitantes indesejados, todas as noites pendura a velha chaleira de alumínio na maçaneta da porta.

Estranhos hábitos.

Velhas Casas I



Míriam Santini de Abreu, jornalista

Eu sou apaixonado por casa velha. O barulho do chão é
maravilhoso. As casas
velhas conversam, ao contrário de outras, que são
autistas. Eu me escuto
melhor em casa velha.

Fabrício Carpinejar

Também adoro casas velhas. Descascadas. Beirais meio despencados, janelas venezianas com vãos esgarçados. Sacadas de vigas um pouco vergadas. Mas em pé. A das fotos está numa das esquinas de Caxias do Sul [RS].


Pedestre esquecido na Ivo Silveira

Por Míriam Santini de Abreu, jornalista

Na Avenida Ivo Silveira, uma das principais na parte continental de Florianópolis, a prefeitura ergue um elevado para facilitar a vida dos motoristas. São R$ 4,5 milhões para isso. Em Florianópolis, a prefeitura só não facilita a vida dos pedestres e dos desgraçados usuários do transporte coletivo.


Pois bem. Na Ivo Silveira também está localizado um hipermercado onde muita gente entra por causa do ar-condicionado e do excelente café de graça. Virou ponto de encontro para “pobres e nojentos”. Só que, agora, usar a Ivo Silveira para ir até o hipermercado dá medo. Não só por causa da obra do elevado, mas porque, para o pedestre, a calçada, que antes era até ampla para o padrão de Florianópolis, agora ficou minúscula. Se por ela seguem dois, que esqueçam o lado a lado. Em certos trechos, é preciso fazer fila indiana.

Logo depois do cruzamento com a Avenida Patrício Caldeira de Andrade a coisa piora. O “transeunte” sente-se inseguro porque os carros sobem a Ivo Silveira em alta velocidade, rente à calçada, que deve ter uns cinco centímetros de altura. A sensação de vulnerabilidade é grande num lugar onde tudo é carro e concreto. Será que a situação vai melhorar no final da obra? Duvido.


Imagens abaixo


Crédito: Periodistas Pobres & Nojentas

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Dica blogueira

Blog delicioso:

http://sheilaleirner.blogspot.com/

Chuva de iguanas


Míriam Santini de Abreu, jornalista

Tenho sempre esse desejo, às vezes irrefreável, de acreditar em tudo o que me contam. Gosto de acreditar, mesmo que não deva. É que o mundo nos traz notícias que, devidamente explicadas pela ciência, às vezes parecem inacreditáveis, como esta:

MIAMI (AFP) - A onda de frio que chegou esta semana à normalmente tropical Miami (Flórida, sul dos Estados Unidos) provocou um fenômeno surpreendente em parques próximos da cidade: uma espécie de chuva de iguanas que caíam das árvores, adormecidas por efeito das baixas temperaturas.
Nos parques Bill Baggs e Crandon de Key Biscayne (ao sul da cidade), era possível ver os répteis caindo pesadamente sobre o solo como se estivessem mortos, enquanto agentes municipais os recolhiam do chão e os colocavam em algum lugar ao sol para se aquecer.
A iguana tropical é um réptil de sangue frio que precisa de uma temperatura ambiente superior a 23 graus Celsius, preferivelmente em torno dos 35, para se manter ativo. No entanto, os termômetros em Miami na quarta e quinta-feira marcavam mínimas de 4 e 5 graus em algumas áreas do sul da Florida.
[...]
(...) em dias de frio intenso, o corpo dos animais entra em um estado de letargia, e apenas seu coração continua funcionando; elas adormecem e despencam do alto das árvores, onde habitam.

A notícia me fez lembrar da fábula da cigarra e da formiga. Eu, pequena, não conseguia me conformar com a moral da história. Era incompreensível, para mim, que as formigas negassem comida à cigarra, que passara o verão cantando, feliz. Como eu compreendia a cigarra!

E, agora, o louco clima parido pelo mundo capitalista esfria a Flórida e derruba as iguanas.

Neste calor de Florianópolis nunca escuto os machos das cigarras seduzindo as fêmeas. Devem estar todas sob a terra, em assembléia, apoiadas nas raízes, incertas quanto ao clima para começar a acasalar.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Pobres & Nojentas 10

O número 10 de Pobres & Nojentas estará à venda na banca da UFSC e na banca da Catedral, em Florianópolis, a partir de sexta, dia 4. A capa e a contracapa (acima) tem foto da contadora de histórias Severiana Rossi Correa e poema de Dinovaldo Gilioli. Para encomendar a sua, escreva para eteia@gmx.net ou para misabreu@yahoo.com.br

Água e queijo

Imperdível a mais recente crônica de Elaine Tavares no blog Palavras InSURgentes (ícone à direita), intitulada E ele distribuiu a água e o queijo!
Coisa para iniciar 2008 com speranza.

Túnel verde de Plátanos

Crédito: Periodistas Pobres & Nojentas

Lei Municipal de 2007 considera “Túnel Verde” a aléia de Plátanos das ruas Dr. Montaury e Dom José Baréa, que circundam o Parque Getúlio Vargas, em Caxias do Sul, RS. A filmagem acima foi feita na véspera de Natal de 2007.

Os plátanos são símbolo da renovação, porque a casca da árvore desprende-se, deixando à mostra manchas amarelas. O formato das folhas também é cheio de simbolismo. Sócrates conversava sob um plátano. Ler mais em:

http://centros.edu.aytolacoruna.es/sfxabier/arbores_colexio/platanus.htm