domingo, 13 de janeiro de 2008

Refém do diesel, Amazonas busca alternativas para geração elétrica

Míriam Santini de Abreu, jornalista
Um grupo de jornalistas da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA), do qual faço parte, está patrocinando, de forma solidária e voluntária, a realização de reportagens de fôlego sobre problemas ambientais. Através de depósitos mensais em conta corrente aberta para esse fim, o grupo busca estimular maior investimento em jornalismo ambiental investigativo. Mais uma reportagem vem à tona, com cópia livre autorizada:

(Por Fábia Lazara, especial para a RBJA, 07/01/2008)

Careiro da Várzea/AM - Duas termelétricas consomem 135 mil litros de óleo diesel por mês para gerar a energia elétrica dos 23 mil moradores de Careiro da Várzea, município situado na margem esquerda do Rio Solimões, a 22 km de Manaus. Uma das termelétricas está instalada no centro da cidade, entre residências, escola e a uma quadra da prefeitura. Ao chegar próximo do local é possível ouvir o barulho ensurdecedor de dois geradores que ficam ligados 24 horas, produzindo energia para 94 comunidades do município.

Careiro da Várzea fica com a maior parte de seu território coberto por água no período das cheias, quando os rios da Amazônia transbordam de suas calhas. Para os moradores da região a garantia do fornecimento de eletricidade foi um grande progresso. Trouxe conforto às residências e impulso às máquinas que amenizam a dureza do trabalho. “Agora está tudo fácil, todo mundo tem luz em casa, pode assistir TV, beber água gelada, quase não faz mais força”, diz Jurandir Feitosa, 36, piloto de uma embarcação que faz a travessia entre o Porto da Balsa e o centro da cidade.
Mas os moradores reclamam dos altos preços cobrados pela Companhia Energética do Amazonas (CEAM) e das constantes quedas de energia. “A gente paga caro, e quando a energia não vai embora pela manhã, ela vai à tarde. Eu já cansei de contabilizar os prejuízos pela falta de luz”, conta o comerciante Jailson Ribeiro, 51 anos. Há 11 anos, Ribeiro toca uma pousada e um restaurante no Porto da Balsa, local estratégico na margem da BR-319 (Porto Velho - Manaus).
Para os ambientalistas, a preocupação vai além da instabilidade no abastecimento. “Qualquer produção de energia baseada na queima de combustíveis fósseis é potencialmente prejudicial ao meio ambiente. Os prejuízos são locais (poluição do ar com fumaça, fuligem) e globais (emissões de gases que provocam o aquecimento da atmosfera do planeta)”, alerta o pesquisador do IPAM (Instituto de Pesquisas da Amazônia), Paulo Moutinho.

1 bilhão de litros de diesel
Mesmo com os problemas, as termelétricas movidas a óleo diesel são hoje a principal forma de geração elétrica da capital e dos 61 municípios do interior do Estado do Amazonas, a maioria isolados na floresta, onde o principal meio de transporte é o fluvial. Oitenta por cento da energia produzida no Estado vem de termelétricas movidas a óleo diesel e 20% são de geração hidrelétrica, fornecida principalmente pela Usina de Balbina, localizada no município de Presidente Figueiredo, a 107 km da capital.
Das 115 termelétricas instaladas no Amazonas, 13 funcionam em Manaus, gerando eletricidade para os seus 1,5 milhão de habitantes. Só os geradores de Manaus consumiram em 2007 cerca de 800 milhões de litros de óleo diesel e derivados de petróleo, a um custo de R$ 1,5 bilhão. No interior do Estado, foram queimados mais 250 milhões de litros de óleo diesel o que gerou um custo para a CEAM de aproximadamente R$ 500 milhões.
O gasoduto Urucu-Manaus é apontado como uma solução mais limpa e barata para a matriz energética do Amazonas. Ele terá 662 km de extensão, composto por três trechos. O primeiro ligará a bacia de Urucu até o município de Coari. O segundo levará o gás de Coari ao município de Anamã e o terceiro de Anamã até Manaus. As obras iniciaram em julho de 2006 e a conclusão está prevista para dezembro deste ano.
Até o momento 272 km de tubos já foram instalados. A obra orçada em R$ 2,4 bilhões está sendo financiada com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Quando estiver concluída possibilitará o fornecimento de gás para os municípios de Coari, Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga, Manacapuru, Iranduba e Manaus, incluindo às cerca de 300indústrias do Pólo Industrial. Mas mesmo levando gás para os oito municípios, que representam 90% do consumo de energia elétrica do estado, outros 54 municípios amazonenses permanecerão utilizando o óleo diesel, praticamente, como única fonte energética.
O coordenador da Campanha de Energia Renováveis do Greenpeace, Ricardo Baitelo, considera positivos todos os esforços voltados à redução do uso de fontes de energias sujas ou poluentes. “O projeto do gasoduto Urucu-Manaus, apesar de não ser a alternativa ideal, é preferível a uma emissão considerada suja. Diante da limitação de opções está é a mais razoável para a região, apesar do grande impacto na instalação do projeto“, afirma o coordenador.
Para o presidente da CEAM e da Manaus Energia (responsável pela geração de energia na Capital), Willamy Moreira Frota, a chegada do gás representa um terceiro momento de oportunidades sócio-econômicas para o Amazonas, só comparado à época do ciclo da borracha e da criação da Zona Franca de Manaus. “Além da vantagem econômica, a substituição representará enorme ganho ambiental para o País, pois a produção de energia elétrica a partir do gás natural reduzirá significativamente a emissão de gases poluentes, em especial o dióxido de carbono (CO2), contribuindo para a redução do efeito estufa”, enfatiza Frota.

Isolamento
Com 98% de suas terras cobertas por florestas ainda preservadas, o Amazonas abriga os sistemas de produção de energia mais isolados do planeta. Formas de geração de energia que, além de afastadas dos centros de distribuição dos insumos para seu funcionamento, também não têm nenhuma conectividade com outros sistemas. Em certas localidades, um carregamento de óleo diesel leva até 40 dias para chegar ao equipamento gerador.
O preço deste isolamento é pago pelos consumidores do Sul e Sudeste, Centro-Oeste que subsidiam por meio da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) a distribuição de energia elétrica na região Norte. A energia elétrica produzida por termelétricas, é contabilmente três a quatro vezes mais cara do que a gerada por usinas hidrelétricas. A substituição pelo gás natural vai proporcionar, de acordo com estimativas da CEAM, uma economia anual de R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos.
De acordo com o planejamento para o setor elétrico brasileiro, até 2012, o sistema enérgico do estado será interligado a rede básica nacional, através da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Segundo o presidente da CEAM e Manaus Energia, a previsão é que, em 2008, a linha seja licitada, e até 2012 entre em operação.
Para substituir óleo diesel, o Estado do Amazonas vem estudando outras alternativas, além do gás natural. Uma iniciativa que vêm dando certo é o projeto com uso de resíduos de madeira, desenvolvido no município de Itacoatiara, a 270 km de Manaus.
Desde 2002, a CEAM, em parceria com a empresa BK Energia, transforma os resíduos de madeira utilizados pela madeireira Mil Madeireira em biomassa triturada. Os resíduos abastecem uma caldeira que transforma em vapor a água proveniente de dois grandes poços, impulsionando as turbinas de um gerador. O processo garante um terço do consumo de energia elétrica do município. O restante da iluminação vem de uma usina térmica movida a óleo diesel que está instalada no local.
A iniciativa representou economia para os moradores. Por exemplo, o MWh (megawatt-hora) gerado com o óleo diesel sai por R$ 500 e o MWh utilizando o resíduo de madeira, custa apenas 30% deste valor.

Alternativas
O coordenador de pesquisas do IPAM, Paulo Moutinho, é contundente ao dizer que é preciso buscar alternativas limpas de produção de energia para substituir os geradores a diesel. “A contribuição inicial pode ser pequena, mas no final, com políticas para incentivar energias limpas, esta contribuição pode fazer a diferença entre um planeta habitável ou não”, acrescenta.
Segundo ele, a melhor opção para a Amazônia é ter várias alternativas de fontes de energia (hidrelétrica, eólica e até, de modo reduzido e por um tempo, fazer uso do diesel ou outras alternativas, digamos, sujas) trabalhando de modo integrado. “O Brasil tem uma matriz energética relativamente limpa se comparado a outros grandes países em desenvolvimento como a China e Índia. Mas, nem por isto, deve parar com as políticas para aumentar a proporção da matriz limpa”, sugere.
Ao contrário do restante do País, que tem seu perfil energético baseado na hidroeletricidade, no Amazonas, apenas 20% da energia consumida é produzida por hidrelétricas. O maior responsável por esta produção é a usina de Balbina, inaugurada em 1989, considerada um crime ambiental por ambientalistas e cientistas pela baixa geração de energia em relação a área alagada.
Balbina está instalada no município de Presidente Figueiredo, a 180 km de Manaus e conta com uma capacidade nominal instalada de 250 MW. O lago artificial que inundou 2,6 mil quilômetros quadrados de florestas nativas produz, em média, 130 MW a 150 MW/ano de energia que abastece a Capital.
Segundo o pesquisador do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA, sigla em inglês - http://lba.cptec. inpe.br/lba/ site/), Alexandre Kemenes, que durante quatro anos estudou as emissões de gases na represa e na jusante dela (rio abaixo), o índice de emissão de gases de efeito estufa de Balbina é dez vezes maior que o de uma termelétrica a carvão da mesma potência. “Apenas 8% da área total da represa foram desmatados. O restante da vegetação está apodrecendo no fundo do lago, sendo responsável pela emissão de 3,3 milhões de toneladas de carbono por ano”, relata o pesquisador.
Para Kemenes, o Amazonas deve investir em pequenas soluções para resolver o problema da energia, como a utilização de biodigestores, placas solares nas casas e, principalmente, investindo em pequenas hidrelétricas, aproveitando a energia do rio sem ser barrado. ”Essas hidrelétricas gigantescas provocam muito impacto ambiental e social”, enfatiza.

BOX
As obras do Gasoduto Urucu-Manaus iniciaram em julho de 2006
Extensão total: 662 km
Trecho executado: 272 km de tubos enterrados e 364 km de tubulações soldadas
Quantidade de gás transportado: na fase final, 10 milhões m3/dia
Quantas pessoas serão beneficiadas com o projeto: atualmente o efetivo empregado
Valor da obra: R$ 2,4 bilhões
Cidades que receberão o gás: Coari, Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga,Manacapuru, Iranduba e Manaus
Geração de empregos: 8 mil diretos e 30 mil indiretos
Prazo estimado de conclusão: dezembro de 2008
Extensão do GLPduto Urucu- Coari: 279 kmGasoduto Urucu-Manaus: 383 km

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