sábado, 29 de novembro de 2008

As chuvas em Santa Catarina

Por Elaine Tavares - jornalista

As chuvas que caem a três meses seguidos em Santa Catarina acabaram se transformando em tragédia. E, no meio da dor de milhares de famílias que perderam pessoas e coisas me vêm a mente o célebre debate entre Voltaire e Rousseau, feito através de escritos, pouco depois do terremoto de Lisboa, ocorrido em 1755. Naquela tragédia européia morreram mais de 100 mil pessoas, a cidade ficou destruída e os grandes pensadores da época – que eram os que formavam opinião, tal qual hoje a mídia - erguiam os braços aos céus dizendo que era uma fatalidade, obra da providência divina. Voltaire ironizava esta idéia de que o terremoto fosse um castigo de deus e colocava a culpa na natureza. Já Rousseau, mostrava as causas sociais do desastre e apontava: “20 mil casas de seis ou sete andares foram construídas. O homem deveria tê-las feito menores e mais dispersas”. Para ele, era a civilização humana a culpada pelos males que se abatiam sobre ela. Rousseau inocentava assim, a deus e a natureza e lembrava que havia sido a idéia insana de muitos lisboetas de protegerem seus pertences que os levara – muitos – à morte.

Pois em Santa Catarina estamos nesse embate. O mundo literalmente desabou sobre nossas cabeças. Na região do vale do Itajaí os morros vieram abaixo, soterrando casas e gentes. As construções humanas se esmigalharam como se fossem folhas de papel, mostrando a fragilidade da raça. Algumas cidades foram inteiramente invadidas pelas águas dos rios e o desespero tomou conta de mais de um milhão de pessoas atingidas pela catástrofe. Como na Lisboa do século 18 não há aqui nada de providência divina. Se deus é bondade, não permitiria tanta dor. Eu que creio num deus minúsculo, que é apenas rede onde descansamos a dor, o eximo deste caso.

A grande mídia exibe os argumentos de Voltaire. A chuva é a grande vilã. Não fosse ela nada teria acontecido. Ninguém fala que a chuva é coisa natural e que desde que o mundo é mundo ela cai, ora mais, ora menos. O que se diz é que os morros caíram por conta dela, que os rios subiram por conta dela e quando, de noite, ela volta, insistente, as gentes a maldizem e a temem.

Eu tendo a fazer uma leitura roussoniana. A chuva é coisa bendita. Ela vem para trazer vida, nunca morte. Se hoje, junto com ela vem a ceifadora, há que se buscar outros culpados. Afinal de contas, porque os rios transbordam? Que fizeram com eles os homens que habitam suas margens? E os morros que desabam, não teriam sido revirados para a plantação de tubos da gigantesca obra do gasoduto, tão denunciada por ambientalistas e estudiosos no início dos anos 90. Pois naqueles dias eram chamados de loucos, os eco-chatos, os anti-progresso, os que impediam o desenvolvimento.

As enchentes e os deslizamentos que cobriram de dor Santa Catarina não são obra do acaso ou da ira de um deus vingativo. Elas são o resultado da incapacidade dos homens em perceber que são parte da natureza, membros vivos da Pachamama, da mãe Gaia. Mas qual, isso é conversa de naturebas, falsos hipppies, inconseqüentes, os que vivem falando de socialismo, cooperação, vida simples e integrada com a natureza. A tragédia que se abate sobre o vale do Itajaí e outras tantas regiões do estado já estava anunciada. Desde sempre.. Vinha sendo prevista por aqueles a quem as pessoas denominam “os arautos da desgraça”. Os que vêem defeito em tudo, que questionam cada obra faraônica, cada plano diretor mal planejado, cada ação irracional do sistema capitalista.

Basta que se dê uma espiada nos relatórios elaborados por estudiosos e ambientalistas, estes que nunca são ouvidos pelos governantes. As obras de prevenção sempre são caras demais e nunca saem do papel. Ás vezes se faz uma concessão aqui ou ali, mas no geral, as grandes saídas são esquecidas nas gavetas, até que venha uma nova tragédia.

Por isso me entristece um pouco ver toda essa comoção que imediatamente toma conta das pessoas em todos os lugares. Os comitês de ajuda, as doações de comida e roupas, as lágrimas de piedade. Não que eu ache que isso não é necessário.. Sim, é. As pessoas precisam comer agora, aqui. Mas o povo de Santa Catarina não precisa só deste breve momento de musculação de consciência que vai durar enquanto a mídia centrar seus holofotes na região. A gente deste estado vai precisar de todo esse povo na hora de empreender a luta por obras de prevenção, na hora em que tiver de abrir mão de algumas benesses do progresso e do desenvolvimento para garantir que coisas assim nunca mais aconteçam.

Cá com meus botões eu temo que tudo isso siga seu ciclo perverso. O mundo todo de olho no estado por um mês ou dois e, depois, o esquecimento. As famílias que perderam gente, acomodam sua dor. Os que perderam coisas, recuperam. E a vida segue, enquanto nos palácios os governantes contratam empreiteiros para a reconstrução. Os mesmos de sempre levarão os lucros. Os que nada têm agradecerão por estarem vivos e os remediados se levantarão outra vez. Até quem venha um ciclone, outra chuva, um tsunami e tudo recomece na roda insana.

Talvez, a grande tragédia não seja a chuva, mas essa absurda incapacidade que grande parte das gentes têm de compreender que as catástrofes são faturas da nossa construção histórica, na nossa forma de organizar a vida, do desejo de dominar a natureza, da nossa ânsia de acumular riqueza. Não é à toa que enquanto o mundo todo ora por nós, o governo do estado trame a aprovação – em caráter de emergência – de um novo código florestal que tem como princípio básico a destruição da natureza. Se efetivamente precisamos de lágrimas e comoção, que seja por isso. E que todos possam se unir na luta contra esse projeto tanto quanto estão mobilizados para a ajuda às vítimas. Como já dizia o velho Marx, é sempre bom que a gente possa ver para além da aparência. Eu, otimista incurável, acredito que Santa Catarina vai lutar.

Para além das chuvas

Vale a pena conhecer a visão do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC sobre o que acontece em Santa Catarina:
O caos de cidades inteiras embaixo d’água e o drama das famílias trabalhadoras que perdem de uma só vez quase tudo o que têm, quando não a própria vida, são a face mais terrível e visível de um desastre que atinge pelo menos 1,5 milhão de catarinenses.
Os números malditos não param de aumentar: mais de 78.000 desabrigados e desalojados, pelo menos uma centena de mortos, dezenas de desaparecidos. Fora o que ainda não se “contabilizou” nas estatísticas fatais que depois, em geral, não revertem em ações concretas de prevenção para evitar os desastres ou reduzir o impacto do que não se pode prevenir.
Esta tragédia poderia ser evitada? Essa é a pergunta que não pára de gritar em dezenas de vozes que se levantam país afora?
Santa Catarina já passou por situações semelhantes, particularmente nas enchentes de 1983 e1984. Aspectos climáticos e geológicos favorecem a ocorrência deste tipo de fenômeno no litoral de nosso estado, particularmente na região do Vale do Itajaí.
Exatamente por isso, caberia ao poder público criar as condições para prevenir novos desastres, diminuindo os efeitos potenciais das chuvas. É mais do que evidente que isso não foi feito. Como também, a depender dos governos que aí estão, novas tragédias como esta infelizmente tenderão a se repetir.
Os projetos de engenharia necessários à prevenção de novos desastres na região de Blumenau são velhos conhecidos que nunca saíram do papel. Além disso, o desmatamento segue, deixando as terras mais propícias a deslizamentos. Com dinheiro na mão, qualquer empresário compra licenças ambientais para seus empreendimentos especulativos na região litorânea. E investigações abertas para averiguar operações do tipo da malfadada Moeda Verde acabam fazendo água para todos os lados. Ou, quando muito, punem os mais de baixo. Os de cima são inclusive premiados e reeleitos para cargos públicos.
Agora, para piorar, Luiz Henrique quer aprovar a toque de caixa um novo Código Ambiental (PL 0238.0/2008), que autoriza a total destruição dos ecossistemas em Santa Catarina. Maior destruição ambiental, maior aquecimento global, terreno fértil para a ocorrência das chamadas “catástrofes naturais” contemporâneas.
Diversos prefeitos vêm passando uma frágil camada de asfalto nas ruas – vendidos em propagandas enganosas que falam das maravilhas do “tapete preto” para a vida da comunidade. Essas “cascas” mal feitas e caras, sem o devido sistema de escoamento, de forma irresponsável e eleitoreira só podem acentuar um resultado. Enchentes! E o que dizer do saneamento básico? Santa Catarina tem um dos piores índices nessa área frente às demais regiões do Brasil, que também não são exemplo para ninguém. Com as chuvas, os rios carregados de dejetos se mesclam às águas das chuvas, invadem as ruas e residências, e multiplicam os problemas de saúde pública.
O crescimento dos latifúndios frente à ausência de uma reforma agrária séria há décadas vem empurrando as famílias de camponeses para as cidades grandes. Como faltam oportunidades dignas de trabalho, essa gente se une à periferia local. São milhões de pessoas vivendo nas encostas, em moradias improvisadas. Aí estão as vítimas mais sofridas dos atuais deslizamentos de terra – principal causa das mortes até o momento. Os programas de moradia popular não passam de peças publicitárias em campanhas eleitorais.
O sistema de saúde para socorrer as vítimas é precarizado, graças a uma política consciente de desmonte do SUS, o Sistema Único da Saúde. E para piorar, agora a crise econômica está sendo a desculpa para cortar ainda mais as já minguadas verbas para as áreas sociais.
Nos cem dias de chuva praticamente ininterrupta que antecederam o caos atual, nenhum esquema de emergência foi preparado para lidar com a situação que se avizinhava. Agora, os mesmos governantes responsáveis pelo absurdo em que chegamos se transfiguram nos “heróis da salvação” frente às câmeras.
Mas basta uma análise comparativa para perceber que nem a gravidade da situação atual serve para inverter a lógica até aqui colocada. As verbas do governo federal para combater as enchentes equivalem a 1% dos R$ 160 bilhões que foram recentemente entregues aos banqueiros pelo mesmo governo de uma só vez. Os equipamentos e o pessoal das Forças Armadas deslocadas para Santa Catarina nem se comparam à maquinaria de guerra e aos 1.200 homens do exército brasileiro enviados para manter a sangrenta ocupação do Haiti.
Portanto, diferentemente do que faz parecer a grande imprensa, as atuais enchentes não são uma mera fatalidade com origem em fenômenos climáticos. Trata-se de mais um triste capítulo da crise social, econômica, moral e ambiental que nos assola enquanto humanidade. Seus responsáveis estão sequinhos, em suas mansões e Palácios, calculando os próximos lucros que terão com a miséria alheia.
A comoção frente a esta terrível tragédia causa uma forte onda de solidariedade, com milhares de trabalhadores voluntários e doações vindas de diversas partes do país. Nós, do Sindicato dos Trabalhadores da UFSc, nos juntamos a essa corrente. Doamos cestas básicas e chamamos toda a sociedade civil a doar alimentos não perecíveis, roupas, cobertores, utensílios domésticos, medicamentos e materiais médicos, etc. Faremos o que está ao nosso alcance para ajudar as vítimas do flagelo.
Porém, nos podemos nos eximir de uma manifestação política centrada nos princípios éticos que nos sustentam. E, para que não se repitam tragédias como esta, nosso trabalho será ainda maior, e permanente: a luta pela transformação social profunda, socialista, pelo fim da exploração do homem pelo homem. Os sucessivos espetáculos de horror com que nos deparamos a cada dia são a prova definitiva da falência do modelo social capitalista para resolver os dilemas profundos e até as questões mais básicas da humanidade.

Coordenação do Sintufsc – Sindicato de Luta

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Relembrando Ned Ludd

Por Elaine Tavares - jornalista

Conta a história que o movimento ludita, que chegou ao auge em 1811, teve seu início quando um simples operário inglês chamado Ned Ludd, estressado com as constantes reprimendas de seu patrão por conta da lentidão do trabalho, destruiu uma máquina de tricotar meias na fábrica onde trabalhava. Em pouco tempo ele virou uma espécie de herói nacional e, desde então, seu nome passou a ser usado como símbolo da luta contra a modernização do processo produtivo. É que naqueles dias, ao final do século 18, a Inglaterra vivia a transição entre o processo de manufatura e a industrialização. As máquinas principiavam seu reinado e, ao contrário do que se imaginava, de que iriam permitir mais tempo livre aos trabalhadores, elas desempregavam e exigiam muito mais tempo de trabalho, sangue e suor. Era a voragem do capitalismo que chegava para ficar.

Pois a imagem de Nedd Ludd me veio à cabeça nesta semana quando vi na televisão duas notícias incríveis. Uma delas dizia que o governo dos Estados Unidos estava tirando dos seus cofres a fabulosa quantia de 4,6 trilhões de dólares – o que equivale a um terço do seu PIB – para socorrer os bancos. A outra era a de que o presidente do Brasil, Luis Inácio, iria exortar aos brasileiros para que consumissem mais, evitando assim, a crise. Em meio ao barulho da chuva torrencial que caia no meu Campeche, eu quedei estupefata. E me deu aquela vontade irrefreável – a mesma que deve ter dado em Ned lá naquele 1779 - de sair por aí quebrando tudo.

O sistema capitalista que se solidificou com a revolução industrial trouxe com ele, não só as máquinas que infernizaram os luditas, mas também a promessa de que se cada um trabalhasse muito, iria “chegar lá”, o que numa linguagem metafórica queria dizer, ter uma vida farta, digna, plena. As máquinas reduziriam o tempo de trabalho, haveria mais horas para ficar à toa, criando cultura, plantando árvores, criando filhos. E as gentes, sedentas e famintas de mudanças e de graça, acorreram em festa. Mas, por trás do véu de belezas evocadas pelo sistema esconde-se a feia cara de um processo de organização da vida em que para que um viva, outro tenha de morrer.

É o que acontece agora com os desdobramentos da chamada crise. Os bancos, os empresários, os donos do dinheiro do mundo, quebraram a cara na ciranda financeira. Os que viviam por aí arrotando receitas sobre como governar, como tratar a educação, a política, a economia, faliram. Estamparam em todo o planeta sua incompetência. Luditas ao contrário, destruíram eles mesmos seus maquinários de exploração. Certo? Não! Ledo engano. Os incompetentes do sistema financeiro, em vez de serem desmascarados tal qual o rei que precisou de um menino a gritar: o rei está nu, foram premiados. Receberam do Estado, este mesmo - o que eles diziam que tinha de sair do processo, deixando o mercado controlar-se a si mesmo - bilhões de dólares para salvar-se. E pronto. Estão salvos.

No dominó mundial, empresários de outras nacionalidades também começam a chamar pelo “pai-estado”. O mercado capitalista, é certo, nunca viveu sem ele. Os governos nada mais são do que máquinas controladas a serviço do capital. Só que agora desmascarou, desvelou a verdade. No Brasil, o governo de Luis Inácio já injetou dinheiro nas montadoras, no agronegócio, e em outros setores da vida econômica. “Há que salvar o mercado”. E, não bastasse isso, incita o povo a consumir. É preciso que as pessoas comprem muito para que o mercado permaneça aquecido, senão a economia quebra.

Assim, a culpa de qualquer coisa que venha a acontecer com o mercado será das gentes. Não compraram o suficiente. Não importa que não tenham dinheiro. O governo providencia crédito bancário e, assim, engorda ainda mais os bancos, que aplicam juros sobre juros. Ah, o mercado, pobrezinho, precisa muito de nós.

Na máquina de ilusões que é a televisão, a gente vê os soldadinhos do sistema a inocular o germe da fé nas cabeças cansadas que assistem o jornal. Em meio às tragédias, ouvem a segura voz do locutor a dizer que, por aqui, não haverá crise. Basta que as gentes se ponham a comprar. Esta é a solução. E veja bem, vem aí o natal. Pode haver melhor hora? Ninguém fala da crise real, que provoca a miséria, a fome, a migração desesperada. Ninguém mostra que o que está em xeque é o modelo de desenvolvimento que o capitalismo empreendeu. Essa voracidade de riqueza e progresso que, na verdade, é só para poucos. Às maiorias, restam as migalhas do banquete.

Por isso que me vem à mente o operário inglês lá do século 18. Chego a vê-lo, debruçado sobre a máquina de fiar meias, a matutar. Ele deve ter descoberto a verdade sobre o sistema, as máquinas, o capitalismo nascente. Mas, sozinho no condado, incapaz de fazer ver ao seu companheiro, fez o que podia fazer: quebrou a máquina. Reação impotente de um homem só. E nós, a comer bolachas em frente à TV, produzindo mais valia ideológica, o que podemos fazer? Há que quebrar a máquina, a grande máquina do capital. Não sozinhos, como Ludd, mas em comunhão, coletivamente, construindo o mundo novo. Um mundo em que todos possam viver de maneira farta, plena e digna. A promessa não cumprida do capitalismo. Mas, para isso, antes, é preciso que todos vejam! O rei está nu!

Depois disso, resta empreender a longa caminhada até um outro modo de organizar a vida, que alguns de nós chamamos de socialismo, mas que pode até ter outro nome, desde que mantenha os princípios de riquezas repartidas, vida comunitária e harmonia com a natureza. Um sonho, uma utopia, um desejo... Mas que pode acontecer, se a gente quiser. Basta apostar na organização, real e concreta. Assim, nos armemos com a indignação de Ludd e a provocação de Marx: “trabalhadores do mundo, uni-vos”.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Mulheres da Chico Mendes lançam livro


No dia 1º de dezembro (segunda-feira), às 19 horas, no saguão da reitoria da UFSC, mulheres da comunidade Chico Mendes lançam o livro "Mulheres da Chico".

Inspiradas na obra “Mulheres de Cabul”, da premiada fotógrafa inglesa Harriet Logan, Catarina Francisca de Souza, Daniele Braga Silveira, Janete Osvaldina Marques, Lídia Almeida, Maria do Carmos Apolinário e Jussara Fátima dos Santos, a Sara, enfrentaram o desafio de fazer um livro sobre suas experiências.

Localizada no bairro Monte Cristo, em Florianópolis, a comunidade Chico Mendes é resultado de uma ocupação de terra realizada em 1990 por diversas famílias, na sua grande maioria oriundas do interior do Estado. Desde então os moradores da comunidade tecem uma história de luta e resistência. E foi neste contexto que as mulheres da Chico se encontraram, cresceram e amadureceram juntas.

O livro, editado pela Companhia dos Loucos, que também edita a revista bimestral Pobres & Nojentas, conta histórias de lutas, desafios, de momentos tristes e de alegria, de fantasias e desejos. A organização do livro foi feita pela educadora Sandra C. Ribes, com fotografias de Sônia Vill e projeto gráfico e diagramação de Sandra Werle e Marcela Cornelli. Os depoimentos das mulheres foram gravados em fitas e depois redigidos e editados por Sandra Ribes. Antes de conseguirem apoio das jornalistas da revista Pobres & Nojentas, que circula há três anos em Florianópolis, Sandra e as mulheres bateram de porta em porta de grandes empresas da Capital. Mas seu pedido de apoio sempre foi negado.

Agora, concretizando o sonho de conseguirem publicar o livro, elas querem compartilhar com outras pessoas suas histórias, a luta pela valorização das mulheres e o resgate da auto-estima de quem sempre teve que lutar e enfrentar preconceitos na família e na sociedade.


Iniciativa tem apoio da Casa Chico Mendes

Fundada por educadores, a Casa Chico Mendes acompanhou o pro­ces­so de ocupação da comu­nidade, com ações voltadas às crianças, adolescentes, jovens e famílias, com o objetivo de possibilitar a vivência de experiências que contribuam para a humanização das relações, o res­gate da auto-estima e a cons­trução da cidadania, atuando nas áreas da Educação, dos Direitos Humanos, da Cidadania e da Cultura. Foi em meio a esse processo que se formou o Grupo de Mulheres Tecendo Vida – integrado pelas autoras - que nasceu há mais de dez anos, com a proposta de oportunizar encontros para diálogo sobre vivências, assim como trocar informação e formação quanto aos instrumentais a serem utilizados no acesso aos direitos de cidadania.

O lançamento do livro tem o apoio do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC, SINTUFSC, e da Letra Editorial.


Lançamento do livro Mulheres da Chico (Cia. dos Loucos, 40 páginas)

Dia 1º de dezembro de 2008

Hora: 19 horas

Local: saguão da Reitoria da UFSC

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Valemos também por onde moramos

Míriam Santini de Abreu

Perto da meia-noite de segunda para terça-feira e a chuva continua. Tenho ouvido muito, nestes dias, frase como: “Mas essa gente! Olha onde moram!”, “Por que não escolhem outro lugar para construir a casa!”, “Também... que vai morar perto de rio e em morro quer mesmo é se incomodar!”. Sempre pergunto:
- Quantas pessoas você conhece que moram no lugar onde desejam?
Porque o lugar de morar, para a grande maioria, não é opção. Mesmo quem tem condições para financiar um apartamento ou casa nem sempre pode escolher o bairro, a rua desejada. Quem mora de aluguel menos ainda, porque o valor pago tem que caber no orçamento. E quem está em beira de rio ou em morro não o faz por opção. Optar, neste mundo, é para poucos. Milton Santos, em seu livro O Espaço do Cidadão, diz isso melhor do que eu:

“Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade (tempo, freqüência, preço), independentes de sua própria condição. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mesma formação, até mesmo o mesmo salário têm valor diferente segundo o lugar em que vivem: as oportunidades não são a mesmas. Por isso, a possibilidade de ser mais, ou menos, cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está. Enquanto um lugar vem a ser condição de sua pobreza, um outro lugar poderia, no mesmo momento histórico, facilitar o acesso àqueles bens e serviços que lhe são teoricamente devidos, mas que, de fato, lhe faltam.”

Valemos também pelo lugar onde moramos. Mas a possibilidade de escolha é para poucos.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Oração


Fernando Karl

ESTA É A CONFIANÇA QUE TEMOS EM DEUS: SE LHE PEDIMOS ALGUMA COISA, SEGUNDO A SUA VONTADE, ELE NOS OUVE.(1 João 5, 14)


Pés de ouro equilibram-se em peixes. Inciput erat verbum: no princípio era a palavra. A palavra é clarabóia sobre o pensamento escuro. Jesus cita as antigas escrituras para sugerir que somos deuses. Na fonte fria lavar cabelos, lavar cabelos na fonte fria. Pés de pluma equilibram-se em águas. Tenho confiança em Deus e a Ele peço três coisas, segundo a Sua vontade:

--- a força da criança

--- a força da poesia

--- a força da música
Foto de Cartier Bresson

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Pobres teórica: mais uma ousadia

Elaine Tavares, jornalista

Estas criaturas insuportáveis que andam por aí rasgando a vida com a força de suas mãos, não param. No início inventaram a revista impressa Pobres e Nojentas. Um projeto difícil. Primeiro por conta do nome, meio intragável. Ninguém quer se identificar com o Pobres e o Nojentas às vezes fica confuso. É uma revista que precisa se explicar. Até descobrirem que é uma provocação já passou a hora da venda. Mas, as nojentas não se importam. Empinam seus narizes e seguem, na estrada, rompendo os preconceitos, o asco, a indiferença. Depois, incansáveis, inventaram o blog. Espaço para fotos, comentários, crônicas, enfim, coisas de gente que não aceita a condição que o sistema do capital lhe impõe. Empobrecidas, sim, mas não amebas.

Aí veio a idéia de teorizar sobre o jornalismo, olha que coisa mais intolerável. Um povo que nem está na academia! Como assim, não? Tá, não estamos na academia, mas temos a padaria, e é lá que nos sentamos a conversar sobre esse pensar/fazer. Nestes encontros fomos percebendo que as pesquisas e os textos teóricos que dormem nas universidades estão mesmo dormidos, inertes, não se encarnam na vida dos que escrevem e constroem mundos. “Vamos fazer uma Pobres teórica?” A pergunta já se respondeu a si própria. Siiiiiiiim! Então, as nojentas inventaram o blog teórico, que logo passou a receber colaborações. Tem muita gente que não é doutor da universidade, mas pensa e formula coisas incríveis.

Então, agora, aí está mais uma heresia das Pobres e Nojentas. Uma revista impressa que discute o jornalismo no seu aspecto teórico. É que a gente entende, como Paulo Freire, que o pensar e o fazer são coisas que devem ter o mesmo peso e precisam acontecer juntas. Nossa experiência com a Pobres mostra que se não houvesse esse momento de discussão teórica que fazemos na padaria ou na casa de alguém, a gente não ia crescendo coletivamente como grupo e como jornalistas. Mas, a cada debate, vamos ficando mais seguras do texto e da práxis. Com isso, avançamos, e tiramos o jornalismo da tumba.

Este pequeno caderno de estréia da Pobres Teórica fala sobre o jornalismo que se faz nos sindicatos. Arriscamos dizer que este é um espaço privilegiado para se fazer jornalismo mesmo, não propaganda, não texto chapa-branca, jornalismo de verdade como ensina Adelmo Genro Filho. Para isso, levantamos algumas questões teóricas e mostramos algumas práticas. É nosso jeito de romper também a barreira do saber institucionalizado. Quem disse que se pensa só na universidade? Não, as pessoas que pensam, o fazem em qualquer lugar!

Preço: R$ 6,50 (incluindo despesa com Correio)

Encomendas:
revistapobresenojentas@gmail.com

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Assembléia das Pombas

Sob o céu pesado de Floripa, reuniu-se a Executiva da classe das pombas para assembléia geral ordinária. Na pauta, como trazer o sol de volta à Ilha. Esperamos que a enviada à terra retorne com um ramo de oliveira.

Chocalho Maracá


J. não sai de casa sem o chocalho maracá dos guarani na bolsa. No local onde trabalha, quando a tensão é grande, ela dá uma boa chacoalhada para atrair forças poderosas e boas.

Semana da Consciência Negra




O Largo da Alfândega, em Florianópolis, está fervendo na semana de 18 a 22, Semana da Consciência Negra, com programação à tarde e à noite. Acima, Vera, da diretoria do Sindprevs-SC, chiquérrima com a camiseta de Pobres e Nojentas. Na foto do meio, Vera, a secretária geral do sindicato, Fátima (em pé), e Ivonete, funcionária da entidade.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Os ganhos com o pré-sal precisam ficar no Brasil

Rosangela Bion de Assis

A Constituição de 1988 garantiu o monopólio do petróleo no Brasil, mas Fernando Henrique Cardoso mudou a Constituição e permitiu que as reservas do país sejam compradas por empresas privadas. Isso passou a ser uma grande ameaça para a soberania do Brasil após a descoberta do petróleo do pré-sal, que elevou o Brasil a quarto país do mundo em reservas. Fernando Siqueira, Diretor de Comunicação da Aepet (Associação dos engenheiros da Petrobrás) fez o alerta durante o 1° Seminário Estadual contra as Privatizações e em Defesa da Soberania, realizado dia 28 de outubro (Dia do Servidor Público), no Plenarinho Alesc (Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina) em Florianópolis. O seminário marcou a retomada do Mucap (Movimento Unificado Contra a Privatização) na organização da luta conjunta de várias entidades, incluindo o Sindprevs/SC, para evitar a venda do que ainda resta do Serviço Público.

Siqueira explicou que depois da alteração da Constituição, realizada no governo FHC, o artigo 60 passou a permitir que as empresas que exploram o petróleo passem a ser donas das reservas que exploram. “Fernando Henrique praticou um crime de lesa pátria, ele fez todo o jogo do capital”, concluiu o engenheiro. Também a participação do país no produto da lavra, ou seja, do que é extraído do poço de petróleo, tem que ser elevado. Siqueira explicou que enquanto os países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) recebem entre 85 e 95% de lucro líquido, no Brasil o lucro líquido é de cerca de 50%. Os meios de comunicação praticamente não tocam nesse assunto, mas é importante que todos os trabalhadores entendam que esses recursos devem ficar no Brasil para serem usados na redução das desigualdades sociais.
É por isso que o presidente Hugo Chavez desperta a ira do outros países, afirmou Fernando Siqueira, “ele defende com determinação os interesses de seu país, enquanto outros agem como se fossem empregados dos Estados Unidos.”

Para onde vão os lucros?

Hoje o petróleo é a fonte de energia que move 90% do transporte mundial, além de gerar outros três mil subprodutos. Mas é uma fonte esgotável e a próxima safra só acontecerá daqui a 10 milhões de anos, alertou Siqueira. “O mundo acomodou-se perigosamente ao petróleo e para substituí-lo seria preciso uns 30 anos de pesquisa”. Com o petróleo descoberto no pré-sal brasileiro, as reservas do Brasil foram multiplicadas por seis e o país ganhou mais tempo para pesquisar formas de substituir o petróleo. Mas será que o governo usará esse tempo com responsabilidade? E será que a população miserável e excluída será beneficiada com os recursos advindos do petróleo? Afinal, o mundo está repleto de países em que a riqueza gerada pelas reservas de petróleo não é revertida em qualidade de vida para os seus povos.

Com o pré-sal o Brasil inaugurou uma nova concepção de reserva, declarou o diretor da Aepet. Após 30 anos de pesquisas da Petrobrás foram confirmadas a existência de petróleo e de gás natural abaixo da camada de dois quilômetros de sal, na região litorânea entre os estados de Santa Catarina e o Espírito Santo. Para Siqueira, a Petrobrás é hoje a empresa mais capacitada do mundo para explorar essas reservas. “É a empresa com mais experiência em explorações em águas profundas.”

Isso acontece num momento em que todas as reservas mundiais estão próximas de uma queda vertiginosa de produção. O engenheiro declarou que todas as reservas mundiais estão condenadas a acabar em 42 anos. “Os Estados Unidos só possuem reservas para mais três anos e as empresas que durante 150 anos demarcaram o mercado da exploração do petróleo no mundo, da forma mais suja possível, agora estão condenadas a desaparecer.” Siqueira não tem dúvida de que a reativação da quarta frota americana esse ano, tenha relação com a descoberta do pré-sal no Brasil.
Siqueira declarou que “o modelo ideal, defendido pelos trabalhadores da Petrobrás, é aquele que garanta a propriedade do petróleo para a União, ou seja, para o povo brasileiro.”

A origem do pré-sal

O pré-sal é fruto da separação dos continentes africano e sul americano, iniciada há 160 milhões de anos. Este afastamento se deu, segundo a teoria, de Sul para Norte. Na fenda inicial que se formou foram acumulados detritos orgânicos de alta qualidade, trazidos pelos rios, formando uma rocha geradora de petróleo. Normalmente quando esses detritos orgânicos, sob ação de microorganismos, se transformam em petróleo, a rocha geradora se rompe pelo aumento da pressão e da temperatura e o petróleo migra para a superfície. Se ele encontra uma rocha no caminho que o retenha, está formado o reservatório convencional. Mas a maior parte se perde por evaporação e biodegradação.
No caso do pré-sal foi diferente. A camada de sal com média de dois quilômetros de espessura, formada pela evaporação do mar confinado na fenda inicial, depositou-se sobre a rocha geradora e impediu que o petróleo migrasse para a superfície. Fonte: aepet.org.br

Alteração no marco regulatório do setor de petróleo

O marco regulatório atual é uma excrescência jurídica. A lei do petróleo, além de inconstitucional, é intrinsecamente ilegal. Os seus artigos 3º, 4º e 21 seguem a Constituição de 1988 e estabelecem que as jazidas de petróleo e o produto da lavra pertencem à União Federal. Mas o artigo 26, fruto da pressão dos lobbies internacionais sobre o Congresso Nacional, dá a propriedade do petróleo a quem produzir, afrontando a Constituição e os próprios artigos da Lei 9.478/97. Além disto, o artigo 23 estabelece que o contrato para a produção seja de concessão. Esse tipo de contrato é o pior de todos, pois dá a propriedade a quem produz o petróleo. Fonte: aepet.org.br

domingo, 16 de novembro de 2008

Eu barbarizo na lua cheia

Míriam Santini de Abreu

- Mini-conto sonhado -

Chove há milênios. Nada mais sei do sol, de sua substância. Sou um ser da chuva, a ela me submeto. E então, na quinta de novembro, a lua engravidou. E eu... agora inevitável filha da chuva, fui semeada também pela lua cheia. Encharcaram-me as duas. A roupa pesou, o espírito pesou, e deixei tudo pelo caminho.
Não só eu. Estávamos, T. e P., numa taberna de esquina, a chuva inflexível lá fora, a lua parindo estranhos desejos. Os três assim, assim... num quê fazer. Famintos, sentados com os cotovelos apoiados no balcão, nosso pedido soou estranho, e R., ex-dono da taberna – que ele vendeu, certamente também grávido de estranhos desejos – serviu-nos o que quis. Vieram acompanhamentos e três bifes gigantescos, um pouco sangrentos, macios. Mulheres acostumam-se com carne a sangrar.
P. confessa que está farto da Babilônia. Quer se entregar ao mar e aos peixes. Quer pescar. Já é um pescador de homens, respondemos, mas ele insiste em jogar o anzol em águas menos traiçoeiras. T. então sonda-lhe a sorte, as cartas sobre o balcão gasto, e pressente um jardim de delícias. T. é uma maga poderosa, digo a P. E fica ele, com aquele sorriso de sabedorias antigas, enquanto T. embaralha as cartas.
R. espia o gesto e, rápido, recolhe os pratos para dar lugar aos nossos feitiços: - Ella es una bruja! – exclama.
Saímos de lá, daquela taberna tomada por um espírito medievo, e fomos à vida, tomando caminhos molhados. Cruzo numa esquina com um homem que segura uma gaiola coberta por panos brancos. Noutra me invade um cheiro de jasmim, e, espio, por trás de uma cerca, o arbusto repleto de fragrâncias.
A lua encharca-me hora a hora. Na sexta, danço madrugada adentro; no sábado, subo a correnteza com um salmão; no domingo, assassino uma filha. Eu barbarizo na lua cheia. Cibeli Cambuci escreveu isso: “Todos nós queremos um Deus imigrante em nosso corpo”. Esse Deus que imigra entrou em mim rugindo, sedento de águas não-bebidas em desertos secos, encharcando-se da água da chuva que desce sem parar dos meus cântaros. Como negar-lhe a saciedade?

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Camiseta da Pobres!

A Pobres está cada vez mais nojentinha! A equipe começou a vender camisetas com o novo logo da revista, desenhado por Eduardo Schmitz. Em breve também estará à venda a revista Pobres & Nojentas Teórica, sobre jornalismo em sindicato. Aguarde!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Pobres & Nojentas chega ao número 15!

A equipe de P&N começou a distribuir nesta semana os exemplares da edição 15 da revista, cuja matéria de capa trata da privatização da saúde. Compre a sua na banca da Catedral e na UFSC!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Balada para céu e pedra

Fernando Karl
Sonhei a pedra do sonho,
estava rachada com vozes
que vinham de arcas-de-ferro.
Misturadas ao vento,
cada uma das vozes,
vozes fisgando aguaçais,
fisgando poços, rosas, sais,
que sonham na pedra do sonho.
Mais antigos que palavras:
aguaçais, poços, rosas,
sais desvelados por olho
que sonham pedras que sonham
céus nunca vistos no céu

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Convite de P&N e Portal Desacato

A equipe da revista Pobres & Nojentas e do Portal Desacato apresentam:

“BALADA DO POBRECATO”
Sarau de Palavras Andarilhas


Quando nos encontramos?
Na sexta-feira, 14 de novembro de 2008


Onde nos encontramos?
No SINERGIA
Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis. Rua Lacerda Coutinho, 149. Centro - Florianópolis


A que horas é o encontro?
Às 19 h


Que trabalhos e autores serão apresentados?
Bel Gomes - Contações
Dino Gillioli – Cem Poemas
Luiz Alberto Correa – Osso da Palavra – LANÇAMENTO!
Rosângela Bion de Assis – Transparente Demais
Sigval Schaitel – Um Dia de Chuva
Videopoemas: s, ParaísoPeriProblema e PoemA SúbitO de
Aline Maciel
Olhar fotográfico: Viagem e Escrita de Vanessa Suzane Elias
Nota musical de Daniel Soares
Lançamento da Pobres & Nojentas No. 15
Serviremos doces, salgados, sucos e chás
Ingresso livre!
Apoio Cultural:
Sinergia – Pobres & Nojentas – Coletivo Pela Soberania Comunicacional

www.pobresenojentas.blogspot.com
www.desacato.info

“Abram as janelas que a negra cheira mal!”

Por Koldo Campos Sagaseta, do País Basco - Fonte: Portal Desacato
São tão ingratos os emigrantes aos que fizeram o favor de acolher no Estado espanhol, que nem sequer se preocupam de imitar as clássicas e higiênicas maneiras de quem os recebe, por sinal, com os braços abertos, e andam por aí, faltando com o respeito, de qualquer jeito, sem escovar os dentes nem aliviar os sovacos, contaminando com suas pestilências naturais os mais insignes espaços do país. Em sua lastimável ingratidão chegaram até a expor seus fétidos eflúvios os próprios tribunais de justiça, os mais imaculados espaços do reino espanhol cuja fragrância, a mesma que se exala desde o fundo das becas, é fama não conhece nem nunca se viu envolvida em assuntos que cheiram mal.
No juizado de Logroño, o fiscal Eduardo Peña, pouco antes que entrasse na sala uma nigeriana que seria julgada por um caso de violência familiar, teve a boa idéia de fazer uma solicitação: “Abram as janelas, que a negra cheira mal!”
A pesar da prudência do pedido, dada a pestilência do contexto, nem só fica o agradecimento ao fiscal Peña pela adoção de tão sensatas medidas preventivas que evitaram na augusta sala vômitos ou desmaios, senão que foi sancionado pelo fiscal superior da região, Juan Calparsoro, com uma… admoestação. Sei que alguns pensarão que se trata de uma falta leve que não requer sanção, e que podia ter sido pior se não coincidissem com sua pituitária os critérios de seu superior, mas é lastimável que em lugar de galardoar em público reconhecimento a iniciativa do fiscal, tenha sido submetido à indignidade de uma admoestação.
A mulher tinha passado dois dias trancada em um calabouço da polícia sem que lhe permitissem se limpar e tal circunstância tinha sido revelada ao fiscal por um funcionário do juizado. Inteirado do fato o diligente fiscal Peña, mesmo que fosse um pretexto da negra ou fosse verdade, como representante da justiça, o único que lhe competia fazer era pedir que abrissem as janelas “que a negra cheira mal”. E assim foi feito.
Agora só falta que a cidadania, animada pelo exemplo de tão pulcros e higiênicos representantes, exija que em todas as audiências e tribunais, além das janelas, também se abram as portas, que a justiça cheira mal. Mais do que isso, fede.
Versão em português: Tali Feld Gleiser, de América Latina Palavra Viva

Os jovens, o mp3 e a desumanidade

Elaine Tavares
Foi assim. Eu estava ali, naquele bendito terminal do Rio Tavares, esperando já há mais de 20 minutos pelo ônibus do Castanheira. Fervia de ódio, pois ninguém gosta de fazer aquele absurdo transbordo tão perto de casa. E, assim, enfadada, observava o movimento das gentes. Então eu a vi. Lá longe, numa das plataformas, no ônibus que vai para o Campeche, uma velhinha tentava subir no coletivo. Ela fazia um tremendo esforço para alcançar o degrau e não conseguia. Pois bem em frente a ela estava encostado um jovenzinho de uns 17 anos. Estava com um desses equipamentos de som pequeninos, o mp3, e os fones encravados nos ouvidos. Ele balançava a cabeça e cantarolava bem alto, alheio a tudo. Apesar de estar com os olhos abertos ele parecia não ver a velhinha e seu esforço quase sobre humano para subir no degrau do ônibus. Meus olhos se centraram no guri por átimo de segundo e fique a pensar: que desgrama de mundo é esse em que as pessoas não conseguem mais enxergar um ao outro. Que porcaria de planeta é esse em que os seres humanos se encaixotam dentro de seus mundos, e fecham seus ouvidos para a vida que geme ao seu redor. O garoto seguia cantando e a fila de gente que estava por ali esperando tampouco enxergava o esforço da velhinha, o povo perdido em si mesmo, muitos também refugiados nos mp3. Estranho mundo em que a música, em vez de trazer alegria, aliena e separa. Fiquei meio bronqueada com esse lance de mp3. Bateu a vontade de sair gritando: “escuta aqui, ninguém vê essa velha tentando entrar no ônibus?”. Mas, desisti do intento. Resignada com a falta de olhos pra ver do povo urbano, saí do meu cantinho lá atrás e vim ajudar a velhinha. Toquei o seu braço, sorri pra ela, e ajudei a entrar. Ela estava com uma trombose, falou, e a perna doía muito. Ajeitei aquele corpinho frágil no banco, ela agradeceu: “obrigada filha”. E havia um lampejo de alegria no seu olhar. Eu desci. As pessoas seguiam ali na fila, com cara de paisagem. O guri fechara os olhos e cantava alto. Naquele triste terminal, as pessoas mofavam, perdidas de sua humanidade. Só os mp3 pareciam ter vida.

domingo, 2 de novembro de 2008

Quintanares

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo, um carinho no momento preciso, o folhear de um livro, o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

Mário Quintana

O silêncio das tigelas de arroz

Em lugar de olhos, dois nuncas. A noite é palavra unida à noite essencial. Um diamante iça, em lugar da morte, e da cisterna sombria acordo alado: sem amada, capinzal, mãe, pedra ou labirinto. Em lugar de respirar, a música me vela. A eternidade é o silêncio das tigelas de arroz. Em lugar de estar vivo eu sou um santo, enlouquecido por discordar do roteiro. É desconcertante morrer sem acariciar o pomo dourado da própria voz, e a lenda da pele, que acende com o toque dos dedos. É sempre absurdo não ter direito a um nome, a um quintal com pequenos pássaros intensos. Os erros são todos meus. A luz é toda tua. Quando eu não existir mais, eu também virei recolher os domingos que não passei à beira-mar.
Por Fernando Karl

Poética

Cibele Cambuci é dona de uma poesia extremamente original.
Ver o blog Resmungos e Redemoinhos em http://resmungoseredemoinhos.blogspot.com/

Mulher-Cristo


Ver a Mulher-Cristo

de calcinha

e crucificada,

do ousado e polêmico

Dominic Rouse.