sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Por que se teme o comunismo?









A Comuna de Paris mostrou a Marx que não basta tomar o estado, há que destruí-lo rompendo a máquina burocrática e militar






Observando o avanço desenfreado das pautas da direita em todo o planeta, com a também crescente fascistização da vida, via as epidêmicas redes sociais, me assalta uma certeza: o comunismo, mais do que uma necessidade política, é uma necessidade biológica. E, diante da realidade, essa forma de organizar a vida aparece-me como a única alternativa possível para os seres humanos. Alguém pode dizer que sou uma louca, quando tudo parece apontar para um retorno inexorável dos tempos mais sombrios, mas, posso mostrar que não.

Imaginem-se na baixa idade média, quando a violência contra os pobres recrudesceu, uma vez que os senhores feudais viram que as mudanças causadas pelo nascimento dos burgos eram profundas. Naquelas horas noas, de angústia e violência, quem arriscaria dizer que estava em processo de consolidação uma nova forma de viver que daria fim ao feudalismo? Os loucos? Não! Os que faziam boas análises da realidade.

O mundo atual, capitalista, imperialista e monopólico tem como base uma equação simples: para que um viva, outro tem de morrer. Isso significa que é, por natureza, destruidor e violento. Se no mundo antigo, a escravidão era garantida pela força de uns poucos e no mundo feudal a servidão se mantinha pelo terror dos senhores da terra, no capitalismo os escravos modernos – assalariados – são mantidos também pela força da repressão policial e burocrática. E é comum, a história nos mostra, quando um sistema está ruindo, a repressão a violência contra os de baixo aumentar consideravelmente. É a tentativa desesperada da classe dominante para manter o poder.

E o que vemos hoje no mundo? Uma violência exacerbada contra tudo aquilo que possa representar uma ameaça ao sistema capitalista de reprodução da vida. Qualquer gritinho de protesto já é considerado terrorismo e a força do braço armado do poder cai sobre as gentes com precisão. É um tempo de extermínio. Até no Brasil, onde o tal do “terrorismo” raramente deu as caras, os deputados aprovaram no dia 24 de fevereiro uma lei anti-terrorismo. E com base no quê? Numa suposta possibilidade de aparecer algum “deles” nas Olimpíadas. Piada? Não! Medo.

A classe dominante mundial está com medo. E isso é bom. Se, por um lado, esse medo recrudesce a violência oficial, por outro, mostra que há um pequeno buraco na represa, como no antigo conto holandês. E o sistema tenta conter a avalanche, matando, desaparecendo, trucidando, fazendo guerra.
Diante desse quadro, só nos resta o comunismo. E uma das coisas que mais me impressiona é ver alguém chamando outro alguém de comunista como se fosse uma coisa ruim. Ou ainda, falar do comunismo como se fosse o pior que pudesse acontecer na terra. Como isso poder ser possível? Quem em sã consciência pode achar que o comunismo é ruim? Pois para responder essa questão, proponho o debate de alguns elementos que compõem o comunismo, para que, sem preconceito, possamos definir o que de bem e bom pode ter num regime como esse.

A ideia de um mundo justo, no qual todos possam ter vida digna não é coisa do alemão Karl Marx, tão demonizado. Ela aparece bem antes dele em escritos de tantos filósofos, inclusive no mundo oriental. Mas, claro, é Marx quem aponta o comunismo como um sistema de organização da vida que só pode acontecer depois que sejam desvendados e superados os terrores do mundo capitalista, que ele tão bem visualizou. A partir do estudo sobre como se expressam e se concretizam no mundo real as relações de produção do sistema capitalista, Marx concluiu que não podia ser possível ao humano viver nessas condições. Ele não descobre a luta de classe, ele a põe em foco.

Assim, segundo ele, uma vez que os trabalhadores desvelassem o véu da alienação que os mantêm presos a um sistema que oprime e mata, a única possibilidade seria a construção de uma forma autônoma e livre de viver, na qual sequer o estado seria necessário. Isso é o comunismo.

Nessa forma de organizar a vida não haverá uma classe dominando a outra. Todos serão livres e administrarão a produção das coisas para o bem-viver. Cada um trabalhará conforme sua condição e receberá conforme sua necessidade. Não haverá divisão entre trabalho braçal e intelectual e todo o trabalho será considerado digno. Se a pessoa for trabalhar como lixeiro e tiver oito filhos para sustentar, ele receberá o suficiente para isso. Ninguém precisará mendigar, migrar, fugir, se prostituir, se destruir. O estado não será necessário, porque ele existe apenas como expressão de dominação de uma classe sobre a outra. Se não houver classes, para que estado? “Poderíamos empregar em vez de estado, a palavra comunidade”, diz Engels.

Aí se pode dizer: isso é uma bobagem. Tem que ter organização, tem que ter direção, tem que ter ordem. Mas, quem diz que não haverá? Haverá tudo isso, mas sem que alguém oprima o outro. Se cada um receber conforme a necessidade não será necessária a hierarquia entre os trabalhadores. O que hoje está numa posição de organizador da produção e do trabalho, amanhã pode não estar. E se está, vai receber o que precisa para viver. Nem mais, nem menos. O cargo que ocupa não lhe dará poderes sobre o outro. Não haverá patrão, uma vez que os bens produzidos serão coletivos, assim como a terra. E se tudo for assim, tão bom, haverá festa e haverá beleza, essas coisas doces, necessárias ao espírito. Essa é a ideia do comunismo evocada por Marx, que, é óbvio, irá se construindo e aprimorando pela ação das gentes.

Alguém dirá: isso é um sonho. O ser humano não consegue ter maturidade suficiente para viver assim, livre, sem patrão. Ora, no tempo da escravidão, dizia-se que os escravos morreriam sem o dono. No tempo da servidão, dizia-se que os servos não existiriam sem os senhores feudais. E, se foram os donos de gente, e, se foram os senhores feudais. Que passou com a humanidade? Avançou. Por que raios, então, a humanidade não iria dar esse salto de qualidade? Todas as retrospectivas histórias mostram que sim.

Agora, é fato que o comunismo não se fará em um passe de mágica, muito menos por decreto. Marx, Engels e Lenin escreveram muito sobre isso. Será necessário um tempo de transição, que é o socialismo. Esse tempo de transição preparará o caminho para o comunismo, a hora em que tudo será comum, comu-nitário. No socialismo ainda existem as classes, mas aí quem domina é a classe trabalhadora. E também será necessária a força, a burocracia, o estado.

Por isso não faz sentido a gritaria dos capitalistas contra propostas como as de Cuba, por exemplo. É um governo forte, um estado forte, no qual quem domina são os trabalhadores. Na luta de classes cubana, pela revolução, venceram os trabalhadores. Eles comandam agora, e não a burguesia. Ah, mas eles são truculentos, violentos, tem presos políticos. Sim, são violentos, como eram violentas as forças que submetiam os trabalhadores antes. Quem não se lembra da ditadura de Batista? Ah, mas então é o dente por dente? Não. É porque ainda não é o comunismo, não há ainda a maturidade necessária para esse modo de organizar. Precisa ter Estado, precisa ter a organização hierárquica. E se o estado é o instrumento de dominação de uma classe sobre a outra, essa dominação é a dos trabalhadores sobre a burguesia. Até que todos estejam prontos para o salto, a nova ordem, o novo mundo, o mundo necessário. O socialismo é um período em que vão se depurar os projetos.

Assim que o comunismo, volto a dizer, é uma necessidade biológica. Porque nós, os humanos, temos esse desejo pelo que é bom, pela festa, pela beleza. Esse é o nosso propósito. Não é possível que a gente aceite, como raça, viver como estamos vivendo agora: oprimidos, violentados, massacrados, consumindo o planeta. Como os escravos e os servos nós também avançaremos para um tempo melhor. É infalível.

Por isso vamos caminhando, pavimentando essa estrada de maravilhas. Talvez nós mesmos não venhamos a viver nesse mundo sonhado. Mas, não importa. Para ele estamos indo, inexoravelmente, e ele já existe dentro de todos os que o acreditamos possível. Como o casulo se transforma em borboleta. Assim será!


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Em busca do jornalismo perdido

















O grande livro de Ray Bradbury, Fahrenheit 451, ficção científica escrita em 1953, apontou uma sociedade futura na qual as pessoas teriam uma tela multidimensional na sala de casa e que ali ficaria passando informação sem parar,  o dia todo, e a pessoa, viciada naquela algaravia, não conseguiria mais compreender o mundo criticamente. Tudo se resumiria naquele caleidoscópio de palavras desconexas que perpetuavam o poder de quem mandava. Aquela passagem do livro sempre me causou calafrios. Era o mundo perdido no qual vivia a esposa do personagem principal, o que descobre a beleza dos livros num mundo no qual eles não mais existiam.

Apesar da mensagem de esperança que o perturbador livro de Bradbury traz, aquela imagem da sociedade futura fica a corroer os miolos, principalmente quando aquilo que era só uma invenção ficcional nos anos 50 do século passado parece ser a realidade dos tempos atuais. Esse é o nosso mundo. As televisões espertas, de 50 polegadas, já conectam a internet e, nela, o facebook, esse espaço multicomunicacional que parece ter abduzido todas as mídias numa só. Ali, no seu mural, as informações passam em velocidade da luz, formando a mesma algaravia enfeitiçante da sala do mundo Fahrenheit. A vida está ali, prisioneira e saltitante.

Essa constatação aterrorizante é o que me leva a pensar sobre a minha profissão: o jornalismo. Onde ele está? Quem consegue vê-lo em meio a selva de informações fortuitas, rápidas, e mentirosas? Sobreviverá ao buraco negro do facebook, cada vez mais empoderado?

Antes de mais nada é preciso entender sobre o que estou falando, visto que há muitos entendimentos sobre o que seja o jornalismo. Falo da análise do dia, a descrição da realidade com impressão de repórter, contexto histórico, narrativa. Falo da produção de textos e vídeos que apresentem criticamente aspectos da realidade, levando o leitor/espectador a pensar sobre os fatos e estabelecer nexos com a vida.

É fato que não é o facebook o assassino do jornalismo. Ele agoniza desde há tempos na medida em que foi hegemonizado como mera propaganda, a apontar as belezas do sistema capitalista, da agricultura predadora, do consumo desenfreado e outras facetas mais desse modo de organizar a vida. As notícias que pipocam nas telas de TV, nos jornais, não dizem da realidade. Elas servem para aprisionar e alienar numa verdade inventada, que esconde o discurso da maioria da população. A voz do jornalismo existente é a voz oficial, do presidente, do deputado, do economista, do especialista. Nele não aparecem os trabalhadores, os que lutam, os que realmente criam o mundo. Esses estão fora, sem lugar onde expressar sua voz.

Por conta disso que ao longo dos tempos sempre foi necessário constituir um jornalismo de verdade, que se faz em outras instâncias, alternativas e populares. Um jornalismo que abre espaço para a voz do oprimido, da comunidade das vítimas e que contextualiza a realidade. E desde há tempos, esse jornalismo vem se equilibrando no emaranhado de um mundo midiático, criado para o engano. É a luta de classes se  expressando no campo da palavra, da informação. De um lado, os poderosos, buscando impor seu modelo de mundo como o modelo universal, e de outro lado - ainda que com menos poder de abrangência, mas valente  - as gentes em luta, procurando abrir espaço para a informação crítica que leve as pessoas a pensar sobre a realidade e, desde aí, transformá-la.

Com a ascensão da revolução tecnológica, o jornalismo precisou se reinventar. A Rede Mundial de Computadores trouxe uma novidade até então impossível de ser pensada: a possibilidade de a palavra do oprimido também ultrapassar os limites geográficos. Isso aprecia bom. Com a popularização da internet, os sindicatos, movimentos sociais, movimentos indígenas, movimentos populares, pessoas individuais, cada um que quisesse externalizar seu pensamento, tinha a sua chance. E não apenas para a sua aldeia, mas para o mundo inteiro. As incognoscíveis páginas, criadas em linguagem html foram se popularizando, com a criação de modelos facilmente manipuláveis. Vieram então os blogs que se tornaram muito mais acessíveis. A internet não apenas democratizava o espaço para que os movimentos coletivos se expressassem mundialmente, mas também viabilizava que qualquer um, com acesso à rede, pudesse ser um produtor de conteúdo.

Aí mais uma vez foi a hora de pensar o jornalismo. Se qualquer um pode divulgar informações, como peneirar o que é apenas informação e o que é jornalismo? Como reconhecer o que é uma opinião? Como estabelecer os nexos entre as informações soltas divulgadas aos borbotões? Como encontrar espaços de informação crítica e contextualizada? O que se viu num primeiro momento foi que as pessoas continuavam a acessar a informação formal, produzida pelos mesmos grupos que já dominavam a informação televisiva ou do papel. Ou seja, a informação/propaganda produzida pelo jornalismo das grandes empresas de comunicação ainda era a referência. E, de novo, os movimentos e entidades da luta popular tiveram de disputar o espaço internético como "ilhas alternativas", sempre perdendo a batalha para os velhos grupos de poder que controlam a mídia no mundo.

Foi então que chegou o facebook, um espaço na rede que começou a abocanhar todas as possibilidades comunicacionais, aglutinando-as numa só. O correio eletrônico foi sendo abandonado e a comunicação agora vai se fazendo - em tempo real  - pelo esquema de mensagens do face. A ideia é de que a pessoa esteja o tempo todo conectada, aproximando-nos daquela assombrosa ficção de Bradbury. E assim, no mundo atual, ou a pessoa está conectada, ou não é. É a versão eletrônica do consuma ou te devoro, outro mantra do capitalismo.

Agora, a novidade que se aproxima me foi sussurrada por um texto do irianiano Hassein Derakhshan, chamado de o pai dos blogs do Irã, que informa o novo plano de Zuckerman: acabar com a possibilidade da publicação de links no facebook. E o que isso significa? Que se hoje os blogs e os movimentos sociais utilizam o facebook para potencializar suas informações, divulgando os links para serem consultados, amanhã isso já não será possível. A tendência será a morte das páginas individualizadas. Segundo Hassein, o facebook acabará sendo a única fonte de informação, totalmente homogeneizada. Não é sem razão que o criador dessa tecnologia tem andado pelo mundo fazendo convênio com os governos para permitir que "todos" tenham acesso ao facebook.

Atualmente um bilhão e meio de pessoas usam a internet diariamente e mais da metade tem o facebook como fonte principal de informação. Se considerarmos que somos sete bilhões no planeta, ainda há gente demais fora dessa mídia, coisa que Zuckerman está batalhando muito para mudar. Mas, esse mudar é apenas seguir sendo o mesmo, já que a tal da internet dos pobres apenas possibilitará o acesso ao facebook, tornando a pessoa prisioneira dessa plataforma.

A questão é que o futuro nos reserva uma espécie de oligopólio mundial, uma plataforma única de comunicação, na qual será muito difícil discernir o que é verdade, o que é mentira, o que é propaganda, o que é crítico. Estaremos jogados na sala multidimensional de Bradbury, com as vozes falando, falando, falando e não dizendo nada, fortalecendo a dominação.

Voltamos então a questão do jornalismo. Como ele sobreviverá nessa sala caleidoscópica? Haverá saída? Encontraremos um espaço para a informação crítica? Estará perdido para sempre o jornalismo que desaloja, que perturba, que faz pensar? Perguntas incômodas, mas necessárias.


No mundo ficcional de Bradbury as pessoas acabaram encontrando uma maneira de fazer seguir o pensamento crítico. E nós, encontraremos? Essa é a questão que tem me corroído as entranhas.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

O meio-ambiente é um bem comum

Entrevista realizada pela jornalista Elaine Tavares, no Programa Campo de Peixe, com o professor da UFSC, Daniel José da Silva, sobre a necessidade de a população se apropriar da luta pelo equilíbrio ambiental.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O ano que vem


















A abertura dos trabalhos legislativos no Brasil mostrou que o ano de 2016 não vai ser fácil para os trabalhadores. Com a presença da presidenta Dilma, que falou para os deputados e senadores, buscando apoio para suas pautas, o que ficou nítido e claro é que muita luta será necessária para garantir que direitos não sejam tirados e outros possam vir. Tendo como mote a retomada do crescimento, Dilma pediu apoio para a aprovação de um novo tributo, a CPMF, que incidirá sobre movimentações financeiras e também para as novas medidas que aprofundarão o chamado ajuste fiscal.

Não precisa ser muito esperto para saber que o tal ajuste será pago pela maioria dos trabalhadores, uma vez que o carro chefe da sua proposta é a desvinculação das receitas. E o que isso significa: que com ela, o governo poderá manejas os recursos do orçamento jogando verbas para onde julgar mais necessário. Com isso, o orçamento da seguridade social, que envolve saúde, moradia, educação, assistência social e previdência, poderá ser movido para outros objetivos, coisa que atualmente não pode ser feita. A Constituição define que arrecadação das contribuições sociais só podem ser gastas com o social. Desvinculando as receitas, o governo pode puxar recursos das contribuições sociais e garantir o superávit fiscal sem precisar criar outros tributos.

Com essa proposta de desvinculação o governo já acena com redução de financiamento do programa Minha Casa, Minha Vida, para quem tem menos renda, e cortes no Pronatec (formação técnica e para o trabalho) e o programa Ciência sem Fronteiras (formação no exterior). O argumento da presidenta para que aconteça a desvinculação é de que a carga tributária - que é a parte do orçamento que pode ser movida - diminuiu de 16% do PIB para 13,5%, enquanto que as contribuições previdenciárias aumentaram. A proposta é criar a CPMF e colocar parte dos recursos desse imposto na previdência. É deveras, uma matemática estranha, já que põe e tira recursos ao mesmo tempo e ainda continua com o velho discurso de que a previdência é deficitária.

Não bastasse querer mexer nos valores orçamentários das contribuições sociais, a presidenta ainda quer fazer nova reforma na Previdência que vai aumentar a idade mínima, mudar o fator previdenciário e ajustar a previdência dos trabalhadores públicos. Com isso, as novas gerações  - as mudanças não valerão para quem já está no sistema - terão de trabalhar muito mais tempo para garantir aposentadoria, além de terem de recorrer, obrigatoriamente à previdência privada, caso seus salários ultrapassem o valor definido como máximo que é, na verdade, muito baixo: 2.400 reais.

Nesse pequeno mas significativo pacote de propostas se esconde um mundo de mudanças que mexe diretamente com o bolso e vida da maioria dos trabalhadores, visto que os mais ricos seguirão acumulando sem maiores problemas. Dilma acenou com medidas que beneficiam os empresários médios e prometeu abrir novos mercados para os grandes exportadores, bem como a privatização de estratégicos espaços, como é o caso dos terminais dos portos públicos e estradas.

As pautas legislativas

Mas se as metas do governo federal não parecem muito atrativas para os trabalhadores, as outras pautas que estarão em debate nesse ano novo legislativo também representam péssimas mudanças, quando não um retrocesso abismal.

Pelo menos 10 grandes projetos deveriam preocupar sobremaneira os brasileiros e mobilizá-los no debate e na resistência pois, ainda que sejam temas periféricos às questões estruturais influem demasiado na vida cotidiana e reforçam preconceitos e ódios que já se expressam em grande número no país. Um deles é a proposta de um Estatuto da Família, da bancada evangélica, que considera família apenas a união entre um homem e uma mulher. Nada poderia ser mais atrasado que isso, mas já foi aprovado nas comissões. Outro é o da redução da maioridade penal para 16 anos, que pretende encher as cadeias para melhor alimentar a roda do capital. Também estará em pauta a chamada lei antiterrorismo que nada mais é do que legalizar a criminalização das lutas sociais  visto que, hoje, o conceito de terrorismo ficou mais largo, abrangendo nele qualquer pessoa que se coloque em luta contra os governos. Nessa linha de leis esdrúxulas está também a que criminaliza os agentes de saúde que informarem às mulheres sobre soluções abortivas como por exemplo a pílula do dia seguinte, mesmo que em caso de estupro.  

A pauta do ano igualmente se ocupará de temas como a permissão da terceirização sem limites, a retirada da Petrobras como exploradora exclusiva do pré-sal, a revogação do estatuto do desarmamento, a privatização dos Correios e da Caixa Federal, a flexibilização do conceito do trabalho escravo e a redução da idade para o trabalho que deverá ficar em 14 anos.

Assim que os dramas serão intensos e a vida nacional colocada num profundo turbilhão. Nesse cenário temos um movimento social ainda muito dócil, sindicatos adormecidos e centrais de trabalhadores mais ocupadas em defender o governo, o que torna tudo muito incerto. Permitirão os trabalhadores brasileiros a retirada de mais direitos? Suportarão uma nova reforma da previdência? Estarão dispostos a aceitar retrocessos bárbaros e a consolidação de preconceitos?

Recentes pesquisas mostraram que 1% da população mundial detém a riqueza equivalente aos 99% restantes, o que mostra que o abismo entre os mais ricos e os mais pobres só aumenta. Os dados ainda comprovam que 62 pessoas no mundo detém uma riqueza equivalente a riqueza da metade da população - ou seja, do que 3 bilhões e meio de pessoas. Isso não é bolinho. São dados aterradores. Esse abismo se expressa igualmente nos países capitalistas, nos quais os índices de riqueza também aumentam e se separam drasticamente dos mais pobres. Isso significa que motivos para luta existem e sobram.

Ocorre que o capitalismo moderno e sua pedagogia da sedução ainda tem muito poder sobre as pessoas que, ingenuamente, acreditam que "com muito esforço" podem vencer na vida, "chegar lá". Esse tipo de crença é o que permite que os pobres permaneçam pobres e os ricos cada vez mais ricos. Romper essa mentira é tarefa difícil, ainda mais se considerarmos a crise pela qual passa o sindicalismo, que deveria ser o espaço da rebeldia e da organização para a luta. Sem trabalho de base e sem credibilidade essas entidades estão aí, em vida vegetativa. Caberá aos trabalhadores e aos que vivem sob a opressão do capital encontrar os caminhos da luta para mudar tudo isso.