terça-feira, 29 de junho de 2010

Prenda minha

Sabe cantar, esse Venturini...

http://www.youtube.com/watch?v=CbatqnoR3vQ

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um ano de fantasmas e resistência em Honduras

Por Raúl Fitipaldi

A história virou sobre os calcanhares e numa brincadeira da sorte, Honduras que vinha integrando-se à sua região, a um pequeno progresso, às primeiras brisas da mudança mínima, viu-se obrigada a ingressar nas cavernas da ditadura. Foi tão anacrônico, tão grotesco o Golpe de Estado, que a história dirá, sem dúvida, que propiciou no médio prazo mudanças maiores, mais profundas, não mais encabeçadas por um homem bom, senão por um povo bom.

Não deve existir nenhum latino-americano consciente que afirme que sua vida política foi indiferente com Mesoamérica desde o 28 de junho de 2009. Os ianques mais uma vez nos enganaram, nos mentiram, abusaram de nós. De novo as oligarquias ordinárias, apátridas, usurárias, serviram-se das armas que compra o povo para lhe açoitar. Castigaram pobres, indígenas, mestiços, trabalhadores, estudantes, mataram mulheres indefesas. A receita da humilhação, a mentira, a norte e a impunidade se engendrou no laboratório bananeiro dos gringos. E nos pegou de calças na mão, literalmente incrédulos, sem reação. Nos pegou dormindo no século XXI, com menos pesadelos que no século XX, com algumas esperanças em nosso cofre de sonhos. Só mal-dormindo pela Colômbia, o Panamá, Peru e alguma que outra úlcera do passado. Acordaram-nos de um tiro, um tiro em Honduras. De golpe emergiu um desses paisinhos que nunca lembramos em primeiro lugar quando fazemos a longa lista da Nossa História da Pátria Grande e Libertária. Apareceu-se e ficou em nosso colo, até que se liberte para sempre; fixou-se em nossos olhos e nos ouvidos, juntou-se Honduras à solidária labor da liberdade. Ressuscitou Francisco Morazán.

Os fantasmas dos nacionalistas e liberais mais reacionários começaram a menear-se no labirinto da história. O roto neroniano de Micheletti, o cinismo de Vázquez Velázquez, a ortopedia intelectual de Ramón Custodio López, a batina taciturna do fascista Andrés Rodríguez Madariaga, regaram-se pela internet. As fotos destes repressores começam a flutuar num terreno cenagoso, em páginas dissolutas dos jornais pró-ianques. A acéquia do atraso começou a cuspir mentiras até fartar-se de enganações e inventar uma eleição fraudulenta e sem representatividade que deu luz internacional ao tal Porfírio Lobo Sosa. Que acontecerá com Honduras? Será Honduras início do temporal para a região? Os latino-americanos não queremos mais coturnos, mais fome da que temos, mais leilão da pátria, mais morte, mais desaparição.

E então vem aí o grito de Honduras Resiste! Nas abas do chapéu do líder, nas respostas dos homens de bem, na Venezuela de pé, no Equador sem bases ianques, na Bolívia originária, na Cuba revolucioniária, na Nicarágua de Sandino, no Brasil, no Uruguai, na Argentina, na terra guarani... na Pátria toda começa a mover-se a idéia, a palavra, a multiplicação do grito, Honduras Resiste! Abraçamo-nos aos jornalistas hondurenhos e o eco ressoa da Cordilheira até as profundezas do Amazonas, do Prata até as margens do Rio Bravo, Honduras Resiste! É hoje, quando o fantasma se proclama duvidosamente vitorioso, que as pessoas se juntam à procura da mudança. Falam para os ianques agressores que os anônimos, os negros, os índios, os artesãos, os operários brancos e mestiços decidiram que os 28 de Junho se festejará a luta pela liberdade. Essa resistência, usando as palavras do Che, a formam os majoritários, é uma onda que não pára, e nessa onda vai se afogar mais cedo do que tarde a última tentativa ditatorial do Império. Surgirão os desaparecidos dentre as pedras e serão o edifício da libertação de todos.

Passou-se um ano, mas, Honduras não passou, Honduras se tornou nossa para sempre.

28 de junho de 2010.

Aos leitores e colaboradores do desacato.info


R$10,00 sem bebida

Prezados amigos,

Depois de quatro anos de expansão continua do nosso portal chegou o momento de transformá-lo em um instrumento de comunicação mais ágil, renovado e eficaz, tanto para o leitor como para nossos valiosos cronistas. As modificações que estamos fazendo abrangem nosso aspecto, nossa imagem e as ferramentas imprescindíveis para um relacionamento mais equilibrado com nossos leitores. O novo desacato.info terá uma diagramação mais acessível e mais prática para localizar a temática. Também contará com um espaço para a opinião dos nosssos leitores depois de cada artigo ou crônica, assim como de um contador de leituras realizadas. Isto permitirá ao conselho editor medir diariamente a aceitação, o aporte ou a dissidência dos leitores frente as posições vertidas por nossos colaboradores, para ir conformando um perfil mais amplo, mais diverso e mais preciso do nosso portal. Isto é pensado também como uma forma de intercâmbio e relacionamento entre cada colaborador e seus leitores.

Devemos enfatizar que a amplidão não significa diluir ou rebaixar alguns dos pressupostos básicos do nosso projeto de comunicação. Desacato é e seguirá sendo uma proposta anticapitalista em todos os aspectos. Portanto, não é um espaço aberto a opiniões dos exploradores ou seus serviçais. Eles já tem os grandes meios de comunicação. Nossa voz é e seguirá sendo a da classe que vive ou pretende viver do trabalho, sem diferenciar se se trata de trabalho físico ou intelectual. Ou seja, uma voz para todos aqueles que o capital explora, margina ou empobrece.

Agradecemos vossa compreensão neste período de transformação do portal onde manteremos o sítio com limitações. A data de inauguração do Nvo Desacato será o próximo 3 de julho. Comprometemo-nos para que o portal renovado continue desacatando com a palavra, a imagem e as idéias, junto com todos aqueles que lutam por extinguir o sistema.

Conselho Editor

26 de junho de 2010

Desacato: Integrante da Rede Popular Catarinense de Comunicação

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Valor de uso, quê?...

Elaine Tavares

Ali estava eu, enredada nos livros, tentando entender a diferença entre valor de uso e valor de troca. Marx, Engels, Ludovico Silva, Lenin, Rosa... A cabeça fervilhando em idéias. Então, do nada, ela foi escalando pelas minhas pernas. Nenhum respeito para com aqueles velhos parceiros que tentavam melhorar a minha compreensão sobre o mundo capitalista, predador.

Sem medida, ela foi mordendo meus dedos, arranhando o casaco, fincando as unhas na minha cara. Qualquer tentativa de deixá-la quietinha no colo era logo rechaçada com um movimento brusco, um pulo, uma desenfreada alegria. Era a gata que me tem, a Bartolina Sisa, bebezinho de pouco mais de dois meses. Pedaço de vida insuportavelmente alegre. Criança ainda, ela só quer brincar.

Então eu fiquei a pensar sobre o valor de um gato. Será valor de uso ou de troca? Terá alguma utilidade? “Esses bichos não servem pra nada”, me diz um amigo. Logo, não tem valor? Ela, alheia às elucubrações filosóficas que giravam na minha cabeça, só me olhava com seus olhos graúdos e me convidava à brincadeira. Nada de Lenin, nem de Marx. Só aquele saltitar inconseqüente, infantil, alucinado. Corre aqui e ali, esconde-se sob a cadeira, pula no colo, sobe nos ombros, salta pela mesa, come os óculos, mastiga o cabelo e sai correndo. Mais um minuto e volta, e tudo de novo.

Impossível seguir estudando. Alguém ali exigia um tempo. Queria essa delícia do nada fazer, da risada cristalina, da inefável doçura, do tempo parado na alegria. As patinhas vez ou outra se transformando em afiadas garras ao estilo Wolverine. E esse jeito gato de ser, tão majestoso, tão cheio de si, tão imponderável.

Assim, em nome da Bartolina, dei um tempo ao velho Marx. Gato não tem valor, nem de uso, nem de troca. Gato é isso, pura graça. E graça no sentido teológico, como momento de absoluto encontro com o sagrado.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Os Sinos de Santa Maria

Míriam Santini de Abreu


No final de semana vi um filme de 1945, “Os Sinos de Santa Maria”. As resenhas sobre ele explicam: “Bing Crosby interpreta o papel do Padre O'Malley, que é enviado para recuperar a falida escola paroquial. Ele logo se desentende com Irmã Benedict (Ingrid Bergman) sobre a educação das crianças. Além da deliciosa batalha de inteligência dos dois, há outro problema. Um ganancioso empresário quer demolir o Santa Maria e só um milagre pode salvá-lo agora”.

O filme é especialmente tocante ao mostrar o relacionamento entre o Padre O'Malley e a Irmã Benedict. E tocante porque é um relacionamento absolutamente amoroso! A forma como se dá a interpretação de ambos é rara de se ver hoje em dia. O jeito de olhar, de calar, de sorrir, de se surpreender... A cena final é tão absolutamente bela que voltei ao trecho quatro vezes. Nela, O'Malley revela a Benedict o verdadeiro motivo pelo qual pediu que ela fosse transferida do Santa Maria para outro lugar. Poderia ser apenas o gesto de respeito do Pároco pela Irmã. Mas a gente vê nele o gesto de amor de um homem que compreendeu profundamente uma mulher.

Depois do filme reli a entrevista que a jornalista italiana Oriana Fallaci fez com Bergman e que está no livro “Os Antipáticos”. Nela, Bergman diz que a felicidade é feita de boa saúde e má memória, frase que atribuiu ao músico, teólogo e médico alemão Albert Schweitzer.

Toda vez que vejo Bergman em um filme, assim como Audrey Hepburn, fico enternecida, esperando que elas tenham sido felizes.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O ser humano sufocado em sua vontade de ser

Míriam Santini de Abreu


Ontem, a caminho do TRT, na rua Esteves Júnior, eu parei para ouvir um homem que se colocou à minha frente. Ele estava vestido com calça de tergal, camisa branca e se movimentava com o auxílio de duas muletas. Contou, com jeito de quem estava com lágrimas prontas a rolar dos olhos, que estava na perícia e o INSS ainda não havia liberado seu pagamento do mês. Precisava de uma cesta básica e de um bujão de gás para levar para casa.

Eu não tinha dinheiro, mas me lembrei de um cheque meio amassado no fundo da bolsa e o preenchi com o valor de um bujão. O homem, pai de dois filhos, começou a chorar, falando de seu constrangimento por estar a pedir na rua, de sua experiência de estar se sentindo humilhado. Quis beijar a minha mão, gesto que repeli. Sentei-me ao seu lado, nos pegamos as mãos e eu afirmei que tudo ficaria bem, que tudo iria melhor.

Falei sem fé, porque as coisas não mudam por ato de nossa vontade. Não no mundo capitalista. E por assim pensar, logo me levantei para não me sentir ainda mais hipócrita e para não chorar ali com ele, cada um com a sua miséria.

Disse a ele para descontar o cheque no banco, mas ele respondeu que preferiria pagar as compras direto no mercado.

- Mas no mercado vão pedir o meu doc... – avisei. Antes mesmo que eu terminasse a frase, ele exclamou, puxando uma pilha de papéis do bolso:

- Eu tenho, eu tenho os meus documentos!

Lembrei-me então de uma notícia em um jornal local, sobre duas mortes na Via Expressa, que liga a ilha ao continente. Um dos mortos foi um indígena que trabalhava como servente. Ele atravessava a via para comprar alimentos para o jantar dos filhos. Minutos depois a esposa o viu coberto por um plástico. Segundo a notícia, o homem não sabia ler nem tinha carteira de identidade.

Aquele gesto do homem com que eu falava, de tirar os documentos do bolso, e justamente ali, na frente do Tribunal do Trabalho, foi de uma tristeza insuportável.

Pena é que, como disse José Saramago, Deus não existe fora da cabeça das pessoas que nele crêem. Mas o fato é que, nesse mundo, ser ateu também não é para qualquer um.

Recordo de um texto do jornalista Marcos Faerman, no Manifesto de libertação da palavra:

A busca de uma realidade exige uma linguagem capaz de captá-la. Esta linguagem não é uma fuga (tese dos populistas chulos, contra os revolucionários chucros). É o único caminho para nos levar à débil captação de uma sociedade e de suas contradições. E da única coisa que interessa: o ser humano sufocado em sua vontade de ser.”

Convite para lançamento de livro

PORQUE "A MORTE NUNCA DORME"...*

Li Travassos

Partiu para o outro lado, neste dia 18 de junho de 2010, a maravilhosa pessoa chamada José Saramago, que foi emprestada à humanidade por 87 anos. Doente já há algum tempo, magro demais, Saramago continuava escrevendo, com a pressa dos que sabem que não têm muito tempo. Para quem não aproveitou até agora, ainda dá para fazê-lo: há um tanto de livros publicados deste escritor incomparável, que você poderá ler, e talvez repensar um punhado de coisas. José Saramago foi o homem heterossexual mais honestamente feminista que eu já li. Defensor da dignidade das profissionais do sexo, da dignidade e da valorização do trabalhador braçal, da dignidade do ser humano. Foi o coração mais generoso que já pude conhecer através de uma obra literariamente impecável, digna, de fato, do Nobel que recebeu. Este homem, que não acreditava em Deus, que conhecia profundamente o lado mais sórdido da alma humana, que descrevia a podridão do homem com detalhes insuportáveis, era, contudo, um crédulo na capacidade de mudança deste mesmo ser humano. Sua obra, cheia de contrastes, vai da crítica a construção, do horror a esperança, do humor sutil à tragédia mais crua. Ateu, Saramago questiona Deus como só os grandes santos tiveram coragem de fazer. Sinto hoje uma dor profunda, que tento diminuir com o conhecimento de que ele estava sofrendo muito com sua doença, e com a crença de que nos deixou, através de sua obra, o que tinha que nos deixar. Quem puder aproveitar que o faça. A quem não puder, meus sinceros sentimentos...

* Frase de Saramago em As intermitências da morte, da Companhia das Letras.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Luzes de Desterro

Sempre Floripa:

http://www.youtube.com/PobresyNojentas?gl=BR&hl=pt

Estudantes de Porto Rico em luta pela universidade pública

Por Elaine Tavares - jornalista

Nestes tempos de Copa do Mundo, quando o planeta inteiro vira uma bola e as emissoras de televisão dão destaque aos mínimos fazeres dos craques do futebol, um pequeno país do Caribe, a menor das ilhas das Antilhas Maiores, vive um movimento de luta que já dura quase dois meses, mas permanece no silêncio da mídia. E não é para menos, Porto Rico é um pedaço de terra agregado dos Estados Unidos, um país dominado e subjugado, sem direito a gritar por liberdade, apesar de oficialmente chamar-se “estado livre associado”. Conquistado pela Espanha em 1493, o pequeno país foi ocupado militarmente pelos Estados Unidos em 1898, trocando de dono desde então. Porto Rico foi colônia até 1952, quando passou a ser considerado um estado autônomo, tendo direito inclusive a eleição de seus dirigentes. Essa “concessão” por parte dos Estados Unidos não aconteceu por bondade. Ela foi alavancada pela luta do povo que se levantou em rebelião no chamado “grito de Jayuya”. Por conta desta luta veio autonomia, mas ela existe só na aparência, uma vez que a moeda, a defesa, e as políticas de relações exteriores e comerciais de Porto Rico são totalmente comandadas pelos Estados Unidos.

A luta da gente de Porto Rico por independência nunca cessou. Vem desde os Tainos, povos originários que foram dizimados pelos espanhóis, e segue até hoje. Muitas foram as revoltas e revoluções, todas abafadas militarmente pela metrópole colonial. Os Estados Unidos realizaram vários plebiscitos para que a população escolhesse entre ser livre, permanecer como estado autônomo ou se integrar à nação estadunidense, sendo o último deles no ano de 1998. A maioria decidiu por permanecer como está, mas este resultado é contestado pelas gentes que lutam por libertação. “É preciso que se compreenda como se forma essa maioria, o poder financeiro que está por trás, a despolitização causada pela própria condição de colônia”. A velha Borinquen (nome originário que significa ilha do senhor valente), de 176 quilômetros de comprimento por 56 de largura, que foi uma das primeiras ilhas vistas por Cristóvão Colombo, volta e meia assoma em meio ao domínio estadunidense e as gentes se lembram quem são. Então ressurgem as lutas de libertação.

Os estudantes

Em todo o mundo os estudantes são quase sempre a ponta de lança nas revoltas e revoluções. Por estarem num ambiente de conhecimento e por possuírem a deliciosa rebeldia juvenil, eles abrem janelas nos muros escuros da opressão e saltam por elas, com suas bandeiras e utopias. Assim tem sido em Porto Rico desde que o país foi entregue aos Estados Unidos como despojo de guerra. Ocupado militarmente, Porto Rico precisou se levantar em muitas batalhas para defender sua cultura e sua história. E, quando os Estados Unidos tentaram imputar uma nova língua ao povo local em 1902, os estudantes disseram não. E resistiram no que ficou conhecido como “guerra da língua”. Até hoje o país mantém o espanhol como língua oficial por se entender mais para a América Latina do que para o norte. Hoje, são os estudantes universitários, outra vez, que escrevem mais uma página da história do pequeno país, numa greve memorável na qual reivindicam a autonomia para a universidade e lutam contra a privatização do ensino público.

No dia 21 de abril de 2010 os estudantes da Universidade de Porto Rico iniciaram uma greve contra uma nova lei que prepara a privatização da instituição, privando a universidade de recursos, assim como também a saúde, a cultura e a assistência social. Em pouco tempo, o que era só um movimento estudantil passou a ser uma luta nacional. Como se um grande dique de sonhos e esperanças estivesse se rompido as gentes começaram a identificar na luta particularista dos estudantes um projeto de nação. No grito contra a privatização e pela autonomia da universidade, também os estudantes foram percebendo que a questão era muito mais profunda e assomou, de novo, o desejo de liberdade popular.

A lei que levou os estudantes às ruas acabou por provocar o congelamento de salários dos trabalhadores públicos e também eles, mais de 15 mil, foram para as ruas defender seus direitos e os serviços públicos em geral. Como a população mais pobre depende dos serviços públicos no que diz respeito à educação, saúde e assistência social, o apoio às lutas dos trabalhadores e estudantes foi imediato. Já em 2005 os estudantes universitários tinham realizado greves, uma vez que o processo de privatização vem se fazendo devagar, como em quase toda América Latina, mas, este ano, as medidas do governo, reduzindo o orçamento e aumentando o valor das matrículas foram decisivas para outra explosão que, com a parceria dos trabalhadores, se transformou numa tormenta.

Já se vão quase dois meses e a luta segue firme em Porto Rico. E, como sempre acontece, a repressão tem sido violenta. Os estudantes fizeram greve de ocupação e o governo colocou a universidade sob sítio impedindo a entrada de água e alimentos. Mas, o povo, solidário, tem encontrado maneiras de fazer chegar a comida e a água. A medida de força levou o país a se levantar e sindicalistas, artistas, trabalhadores de todos os tipos realizam marchas, atos políticos, colocam o país em efervescência.

No mês de maio o governo ameaçou suspender o ano acadêmico e declarou que a UPR iria perder sua condição de universidade pública. Alegava que a greve era abusiva, ilegal e, por isso, endurecia na repressão e na criminalização dos estudantes. Como se pode notar, tudo muito igual, receita da cartilha neoliberal e entreguista bem comum aos governantes desta nossa América Latina. Mas, os estudantes não se intimidaram. Exigiam negociações e mantinham a greve. A mobilização popular tomava dimensões gigantescas e o governo teve de recuar, abrindo negociações. De qualquer forma há uma guerra midiática em curso. Na televisão porto-riquenha o governo e entidades empresariais gastam fortunas tentando convencer a população de que a greve na universidade é ruim para o país. Por outro lado, os estudantes, através da “Rádio Huelga” (http://radiohuelga.com/wordpress) buscam o diálogo com o povo, mostrando que quando as gentes estão unidas, podem vencer, como já aconteceu no final dos anos 90, quando mobilizações como essa tiraram as tropas estadunidenses da região de Vieques.

Hoje, na metade do mês de junho, a luta no campus de Río Piedras continua. Os estudantes que seguem acampados na UPR realizam atos, fazem formaturas simbólicas, criam hortas comunitárias, fazem limpeza, promovem teatro, chamam a população para visitar o campus, para que possa ver como é possível existir uma universidade autossustentada, autônoma, e livre para pensar a realidade nacional. As negociações seguem de maneira lenta, a universidade continua sitiada, a repressão recrudesce.

Os estudantes estão esperançosos com um novo mediador do conflito, o ex-juiz Pedro Lopez Oliver, que parece estar conseguido fazer avançar as conversas e pode até ser que nos próximos dias as coisas se resolvam, com o governo voltando atrás no aumento das taxas de matrícula e na retirada de orçamento da universidade e garantindo que nada será privatizado. Os grevistas também querem garantias de não punição uma vez que há ameaças de expulsão das lideranças. Só assim o movimento encerra.

Veja a fala dos estudantes numa mensagem ao país!

http://www.youtube.com/watch?v=ED03HiVzRd0

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Polícia Militar invade a UDESC

Veja no endereço abaixo as imagens da invasão da UDESC pela PM.

http://www.youtube.com/watch?v=nx8agy19YrE

Leite de Rosas




Míriam Santini de Abreu

Sempre me impressiona o modo pelo qual os cheiros agem como gatilhos que despertam nossas emoções mais remotas ou recentes.

O cheiro da brasa apagada de fogão a lenha sempre me leva para Caxias nas noites frias em que, pequenos, eu e meus irmãos assávamos pinhões na chapa.

Dia desses tive que ultrapassar com urgência um homem que caminhava na minha frente na rua. Ele se espantou com o meu ímpeto e eu expliquei:

- Me desculpe, mas o seu desodorante traz lembranças que fazem a minha alma arder.

Ele apenas sorriu.

No domingo, num impulso nostálgico, comprei um desodorante Leite de Rosas. Isso porque me lembrei da tia Zulmira, irmã de minha mãe e minha madrinha. Ela faleceu em 1994, depois de uma doença dolorosa. Sempre que vejo o Leite de Rosas, com aquela embalagem inconfundível, recordo dela. Tia Zulma usava o produto, e aquele cheio sempre me leva de volta a outro tempo, outro espaço, outros desejos, tudo embalado por um certo jeito de ser de minha tia, um jeito de menina travessa.

O Leite de Rosas completou 80 anos. Eu estou para completar metade disso. Assustador.

Jornalistas fazem ato pelo diploma

Será neste dia 17 de junho de 2010, às 14h, na Esquina Democrática.

O Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e a Regional Sul da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecos) chamam os colegas profissionais, estudantes e professores de Jornalismo, a representação das mantenedoras dos cursos de jornalismo e a sociedade catarinense para um ato de desagravo à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que há um ano, em 17 de junho de 2009, decidiu que a formação superior não pode ser exigida dos jornalistas.

Mais do que um erro histórico, a decisão do STF permite o ingresso na profissão a pessoas sem qualquer noção de jornalismo, da sociedade e, especialmente, da ética profissional.

A manifestação pública de todos nós vai além do repúdio a Gilmar Mendes, relator do voto que, pela primeira vez na história de um País, entendeu que não é necessário estudar para o exercício de uma profissão complexa e importante.

O ministro Gilmar Mendes será esquecido com a poeira do tempo e os jornalistas, os estudantes, os cursos e as instituições mantenedoras e a sociedade vencerão esta batalha, trazendo de volta, através do Congresso Nacional, a necessidade da formação para o acesso ao registro profissional.
Em 17 de junho, junte-se a nós. Diga sim à formação dos jornalistas.

Ato em Florianópolis - Dia 17 de junho, das 14h às 16h, na Esquina Democrática, no Calçadão da Felipe Schmidt

quarta-feira, 9 de junho de 2010

P&N recomenda!

Míriam Santini de Abreu


O jornalista Leonardo Tolomini Miranda fez seu Trabalho de Conclusão de Curso na aldeia Guarani Mbya em Palhoça, Santa Catarina. Trabalho de repórter fotográfico. Esplêndido. Lembrei-me de uma expressão que ouvi do fotógrafo e documentarista Dario de Almeida Prado Jr., que me orientou em um curso de vídeo oferecido pelo Sinergia, o Sindicato dos Eletricitários, na TV Floripa. Falávamos, na oficina, sobre a necessidade de – por assim dizer – se perder o medo da parafernália eletrônica, à qual os profissionais da imagem estão acostumados. Eu não consigo. Aí o Dario se saiu com essa: - Tem que ter mão mandona! E narrou um trecho do filme “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Roberto Santos, baseado na novela de Guimarães Rosa. Há uma cena em que Nhô Augusto é estimulado a mostrar a habilidade de atirar, que deixou de usar há muito tempo. E recebe o elogio do chefe dos jagunços:

— Não faz conta de balas, amigo? Isto é arma que cursa longe...

— Pode gastar as oito. Experimenta naquele pássaro ali, na pitangueira...

— Deixa de criaçãozinha de Deus. Vou ver só se corto o galho... Se errar, vocês não reparem, porque faz tempo que eu não puxo dedo em gatilho...

Fez fogo.

— Mão mandona, mano velho. Errou o primeiro, mas acertou um em dois... Ferrugem em bom ferro!

Vendo as fotos do Léo, o rosto encantador das crianças – o que é a expressão de meninice brejeira daquela menina olhando diretamente para a máquina fotográfica?! – recordei de um dia em que estive na aldeia Guarani em Morro dos Cavalos para fazer texto e fotos. Devo ter tirado umas 20 fotos, e consegui um resultado emocionante: nenhuma prestou! Neeeeeemm uma!

Só posso render um tributo ao colega e indicar o endereço de seu trabalho, que tem a marca da mão mandona:

http://www.youtube.com/watch?v=l_ztwCBx-7Q

Congresso da Classe Trabalhadora: derrotas e desafios

Elaine Tavares - jornalista

O Congresso da Classe Trabalhadora terminou de maneira melancólica, o que de certa forma espelha a conjuntura pela qual passa o sindicalismo brasileiro e a esquerda de modo geral. Foi frustrante, triste, mas não significa que não possa ser superado. Depois de uma abertura emocionante, com a presença de mais de 800 delegados internacionais, representando 25 países e 3.200 delegados, as horas finais foram de perplexidade e abatimento, afinal, a tão esperada “unificação” entre Conlutas e Intersindical não aconteceu na prática.

O sábado começou frio em Santos, mas dentro do Centro de Convenções onde teria lugar o Conclat havia uma quenturinha boa, dessas que só a esperança traz. Apesar das grandes polêmicas que teriam curso, havia uma certa expectativa de que a conjuntura desfavorável ao ascenso das lutas fosse unir os trabalhadores, afinal, em algum lugar as propostas da esquerda teriam de se expressar e perdurar. É certo que algumas divergências pareciam inconciliáveis, mas se o que estava em jogo era manter vivo o sonho do socialismo e construir um espaço de luta unificada contra o processo social-democrata que hegemoniza o sindicalismo brasileiro, parecia óbvio que era hora de buscar uma pauta mínima unificadora.

A abertura do Conclat foi recheada de emoções. Trabalhadores japoneses, gregos, chilenos, bolivianos, venezuelanos, argentinos, enfim, de tantos lugares, estudantes, povo do movimento popular, gente da luta contra as opressões. Os discursos inflamados, os chamados à unidade e, por fim, a Internacional, cantada de pé, a plenos pulmões e com lágrimas nos olhos. “Bem unidos façamos, esta luta final, uma terra sem amos, a internacional”... Tudo parecia caminhar para o sucesso da unificação. Mas, apesar do otimismo e da festa, três grandes polêmicas se anunciavam: a discussão das eleições presidenciais, o caráter da nova central e o nome.
Como sempre acontece nestes encontros, os grupos foram se juntando por afinidade de propostas e assim, à direita do plenário ficaram os grupos ligados à Intersindical, MAS (Movimento Avançando Sindical) e o Unidos para Lutar, sobrando a esquerda para os militantes da Conlutas. Espalhados aqui e ali ficavam os independentes. Por isso, na hora das votações, o contraste dos crachás ficava bem visível.

As votações
O primeiro ponto polêmico a ser votado na plenária final foi o das eleições presidenciais. Havia três propostas. Uma encaminhava para uma Frente de Esquerda, com um único candidato expressando o programa que seria tirado ali. Outra defendia que a central deveria indicar a votação nos três candidatos da esquerda, PSTU, PCB e PSOL. E a terceira que defendia não ser ali na central o espaço para discutir candidaturas, e que só se deveria informar sobre as diferenças entre as candidaturas de direita e de esquerda. Crachá na mão, o povo foi para a primeira votação. A vitória da tese da Conlutas foi majoritária, sinalizando que ali já estava conformada uma maioria bastante expressiva.

O segundo ponto foi o caráter da central. Três eram as propostas. Uma defendia que a nova central fosse unicamente sindical. A segunda acolhia o movimento sindical e o popular. A terceira estendia a filiação para os estudantes e para os movimentos de luta contra a opressão. Neste ponto, a principal divergência era a inclusão dos estudantes e do movimento de luta contra a opressão que, no entender de alguns grupos, não garantia o caráter de classe, uma vez que tanto os estudantes como os que lutam contra a opressão (negros, mulheres, homossexuais etc...) são policlassistas. Na defesa destas duas frentes estava a idéia de que incluir estudantes e movimentos contra a opressão inauguraria uma novidade no processo da luta do povo brasileiro, extrapolando a forma clássica de fazer política, reconhecendo que tantos os estudantes quanto os que lutam contra a opressão, se tivessem oportunidade de militar numa central como essa, certamente seriam aliados importantes dos trabalhadores na construção do socialismo. Já os contrários defendiam que os estudantes eram passageiros e não poderiam dirigir a luta dos trabalhadores. Esqueciam estes que passageiras seriam as pessoas e não a condição de ser estudante, historicamente um agrupamento fundamental nas lutas populares. Feito o debate, nova votação. Outra vez a tese da Conlutas foi vencedora. A nova central incorporaria movimentos populares, estudantes e movimentos contra a opressão.

As coisas começavam a esquentar no plenário. Guerras de palavras de ordem, algumas provocações. Foi apresentada a proposta de conformação da direção. Seguiria o modelo da Conlutas na qual o dirigente não é uma pessoa e sim a entidade. A composição seria de 27 entidades e oito suplentes. Esse não foi um ponto polêmico e a votação foi tranqüila.
Chegou então a vez de votar o nome da nova central. Desde a apresentação das teses, passando pelos grupos, essa era uma questão que aparecia de forma muito contundente. Estava em jogo a própria concepção do novo que se expressava nas teses e que deveria também aparecer na concretude do cotidiano da central, inclusive no nome. Uma questão preliminar se impunha: a central uniria de maneira automática e formal as duas grandes entidades Conlutas/Intersindical ou definitivamente daria um passo adiante, dialeticamente, apresentando uma síntese deste belo movimento de resistência que teve seu início na luta contra a Reforma da Previdência?

O rompimento
Não foram poucas as defesas para que a Conlutas desistisse de sua proposta de superposição formal. Apelos e mais apelos foram feitos para que os dirigentes reconsiderassem, pois se não aparecesse uma nomeclatura nova, o novo estaria nascendo morto. Era preciso dar um passo dialético, sair da lógica formal, absolutamente atrasada e imobilizante. Estava claro para todos naquele plenário que a maioria estava dada pelos militantes da Conlutas, então haveria de ter sensibilidade para fazer aquilo que já ensinara Lenin no seu clássico “Um passo a frente, dois atrás”, ou seja, em nome da unidade, e já tendo garantido três das propostas mais polêmicas, a Conlutas poderia aceitar a tese de um nome novo. Até porque as próprias entidades que compunham a Intersindical não queriam a inclusão do seu nome. Entendiam que havia cumprido o seu papel numa determinada conjuntura e que agora estavam abertos verdadeiramente para o novo.

Foi nesse momento que Zé Maria, da Conlutas, pegou o microfone. Naquela hora, muitos dos que ali estavam, tiveram a certeza de que o dirigente haveria de agir de forma magnânima, abrindo mão da proposta de nome que uma expressiva parte do plenário não queria, em nome da unidade. Seria uma saída política que mostraria a maturidade da força política que ele representava, pois é claro que a questão do nome não era o nome em si. Era toda uma concepção da nova entidade que se expressava no nome. Aceitar o nome proposto pela ala minoritária daria lugar para a expressão da grande política. A Conlutas estava em maioria e dar um passo atrás nas suas propostas significaria dois passos a frente na construção da Central Unificada. Mas, Zé Maria não é Lenin. E seu discurso se perdeu nos argumentos redutores que insistiam em manter o nome de um projeto que se acabava ali. Juntar Conlutas e Intersindical era não considerar o novo que principiava a nascer. Segundo ele era preciso manter a história que havia sido construída pelas duas entidades, Conlutas e Intersindical. Não compreendia o dirigente que, o passado, ao ser superado, não morre, apenas se transforma em outra coisa, nova. A irracionalidade da proposta, exigindo manter o nome das duas entidades quando uma delas não queria foi a gota de água que faltava para inviabilizar a unificação. Assim, as propostas foram ao voto e, como estava em maioria, a Conlutas venceu. Nesta hora, os militantes da Intersindical, Unidos para Lutar e MAS saíram do plenário para discutir a situação. Não voltaram mais. Ao final, declararam que não estariam na nova Central.

A razão eleitoreira
O dia seguinte ao congresso ainda foi de perplexidade. Todo o trabalho de centenas de pessoas que saíram de várias partes do país rumo a Santos estava no chão. A nova central nascia, mas não tinha conseguido unificar. Pouco a pouco foram aparecendo os textos de análise do congresso, com acusações de todos os lados. Era hora de encontrar culpados pela frustrada tentativa de criar uma central realmente nova, que unisse as forças de esquerda do país que estão, cada dia, mais frágeis e esfaceladas.

Ainda no congresso, as declarações dos grupos que se retiraram do processo já apontavam para onde iria a culpa: ao PSTU. Os que estavam em minoria reclamavam de que não tinha havido a democracia operária, que a Conlutas havia patrolado as votações. Mas este é um bordão que não se justifica. A Conlutas pode ser acusada de muitas coisas, mas é preciso considerar que seus militantes fizeram um longo trabalho de construção deste congresso, conseguindo assim a maioria dos delegados. E também é preciso reconhecer que, independentemente dos problemas que se possa encontrar nesse agrupamento, este debate não foi oportunista, visto que vem sendo feito desde a criação da Conlutas.

O grupo do MAS (Movimento Avançando Sindical), na sua declaração de retirada, ainda reforçou sua inconformidade com o resultados das demais votações, insistindo que os estudantes agora iriam dirigir a classe trabalhadora, e que isso era inadmissível. Este tampouco é um argumento que se sustenta, pois na conformação da direção da Central os estudantes terão um percentual de 5%, logo, jamais alcançarão condições de dirigir a classe trabalhadora. Para este grupo, tanto estudantes como movimentos de opressão deveriam se articular fora da central, em fóruns nacionais autônomos.

O Unidos para Lutar, que reunia em seu interior boa parte dos militantes do PSOL, tampouco aceitou a democracia operária, porque, naturalmente ela não estava a seu favor. No movimento sindical isso é muito comum. Quando a democracia está a favor, é democracia, quando a maioria é do grupo adversário é patrola, manipulação e falta de democracia. Coisa bastante difícil de se continuar aceitando. Durante as votações ficava muito claro que o pano de fundo de tudo eram as eleições presidenciais, visto que tanto o PSTU quanto o PSOL e PCB tem candidaturas próprias. E, como o movimento sindical é uma espécie de correia de transmissão das propostas partidárias, elas passaram a ser mais importantes que o motivo real pelo qual estavam todos ali: a unificação da esquerda brasileira num tempo de completa desarticulação das lutas.

Assim, na compreensão de quem estava no congresso de forma independente, sem ligações partidárias, a inviabilidade da unificação não teve um único culpado. É certo que houve uma grande inabilidade política por parte da direção da Conlutas, que poderia ter passado por cima da questão do nome. Mas, também é certo que os grupos ligados ao PSOL, PCB e à corrente Luis Carlos Prestes tampouco pareciam dispostas a abrir mão de seus propósitos. Assim, a tão falada “classe trabalhadora” ficou desbotada, perdida entre tantas vontades particularistas, quase como um pano de fundo.

De qualquer sorte, no campo da política brasileira, e de uma esquerda que se pauta pelo pragmatismo e pela falta de qualificação teórica, o resultado não poderia ser outro. As chances de que os agrupamentos, que historicamente travam embates cotidianos entre si, chegassem a um acordo, em nome da unidade da luta, era praticamente remota, mas, sempre há esperança. Não se cumpriu. O que imperou foi o “mais do mesmo”.

Divergências partidárias, incapacidade de ceder um passo, intransigência e algum fundamentalismo. Grupos ainda mais reduzidos que defendiam uma central apenas sindical faziam festa, às gargalhadas, diante da destruição da proposta de unidade, o que mostra também a imaturidade política de algumas correntes. Festar diante da desgraça da classe trabalhadora é tão absurdo quanto não ceder num nome.

Enquanto isso, no Pacaembu
Dias antes do Congresso da Classe Trabalhadora, um encontro nominado de Conferência Nacional dos Trabalhadores/Assembléia Nacional juntou a CUT, a CTB, a Força Sindical e a Nova Central em um encontro gigante no Pacaembu, São Paulo, que reuniu mais de 28 mil pessoas. Mas, as resoluções não chegaram ao mesmo nível de gigantismo, ficando mais no campo do apoio ao projeto de desenvolvimento proposto pelo atual governo, conforme se pode notar no documento divulgado ao final do encontro.

A proposta contém um manifesto político e uma agenda na qual estão explicitadas as idéias que estas centrais querem ver implementadas pelo governo federal no que diz respeito à vida do país. No manifesto está bem clara a adesão da maior central de trabalhadores da América Latina e suas congêneres à idéia do desenvolvimento sustentável, coisa absolutamente questionável no sistema capitalista. Como em nenhuma parte do documento está escrita a palavra “socialismo”, a conclusão a que se chega é a de que as centrais reunidas no Pacaembu acreditam no mito de que é possível um país periférico se desenvolver aos moldes dos países centrais e ainda respeitar a natureza. Conspiram ainda da certeza de que com muito “sacrifício” da classe trabalhadora o Brasil poderá chegar ao primeiro mundo.

O apoio ao governo de Luis Inácio se manifesta na afirmação de que “os avanços registrados nos indicadores sociais e econômicos dos últimos anos revelam que é possível combinar crescimento econômico com desenvolvimento social”. Afirmam ainda que o neoliberalismo vem sendo derrotado e se colocam como desafio a construção de um projeto nacional baseado na democracia, na soberania e na valorização do trabalho. Este, em especial, ganha um novo conceito, o de “trabalho decente”, que a depreender do documento parece significar um trabalho no qual o trabalhador não é “muito” explorado. Em particular, esse conceito de trabalho decente, soa como uma coisa muito estranha se considerarmos que em todo o documento não há qualquer alusão ao socialismo. Mas, nas propostas apresentadas a partir de seis eixos, o que fica claro é que a CUT e as demais centrais alinhadas ao governo estão enfeitiçadas pela proposta de humanizar o capitalismo. Isso mostra o completo despreparo teórico desta fração da classe trabalhadora que parece insistir na lógica de conciliação de classe.

Apesar de nos variados pontos elencados estarem algumas bandeiras históricas dos trabalhadores, muitas das propostas de transformação se perdem em idéias como a do desenvolvimento sustentável (colada no liberalismo), a aposta na qualificação do trabalhador para melhor ser explorado pelo capital, no pedido de ampliação de crédito para que aumente a exploração dos bancos sobre os trabalhadores, na idéia de revisão e controle social das Parcerias Público-Privadas e não a sua revogação, e no fortalecimento de idéias como os fundos de pensão, entre outras.

A mudança vem do povo
Assim, diante da aposta na social-democracia que fazem as grandes centrais, e a fragmentação da esquerda mais radical, o que resta aos trabalhadores comprometidos com a mudança social é, neste momento, fazer o que fez Marx diante da conjuntura do seu tempo: estudar, estudar e estudar. Buscar na vida real os elementos para a construção de uma teoria que dê conta da explicação do nosso tempo e que nos permita avançar na luta de classe.

É certo que no Brasil atual, com uma economia em expansão, crescendo 9% por trimestre - a maior marca registrada pelo IBGE desde 1995, podendo alcançar o incrível dígito de 12% ao ano, mais que a China, portanto – torna bastante difícil o trabalho de conscientização de classe. Os trabalhadores, com uma boa parte tendo ganhos consideráveis nos salários, preferem acreditar nesse “capitalismo humanizado”, que é todos os dias incensado pela imprensa. A classe média, com a vida renovada, não está disposta a apostar na construção do socialismo que, segundo o senso comum, pode lhes tirar mais do que dar. Prefere erguer muros e cercas elétricas para se proteger da “ralé”. Resta então às gentes oprimidas essa bandeira. São os desempregados, os que estão à margem do sistema, os que não conseguem nem vender sua força de trabalho, os que estão entregues às drogas, à violência, à barbárie. Mas, paradoxalmente, estes são os que menos estão em condições de refletir sobre sua realidade, porque precisam garantir o pão do dia.

Nesse sentido, uma central, aos moldes da que estava proposta no Conclat poderia ser um rico instrumento de luta e de organização da classe trabalhadora oprimida e marginalizada do processo do capital.
Mas, a razão eleitoreira foi preponderante, assim como a intransigência de muitas correntes de pensamento e agrupamentos políticos. Ninguém parecia estar disposto a abrir mão do “seu programa”, da “sua verdade”. O resultado foi a derrota de todos. A central está criada, é certo, mas seu sentido de unidade se perdeu. Deverá ser outra central dominada por um partido como a CUT é pelo PT e a CTB pelo PC do B.

O que ainda sobra de esperança é a certeza de que a classe trabalhadora saberá fazer o que precisa ser feito quando as condições de opressão ficarem insustentáveis, como acontece, neste momento, na Grécia. As gentes se levantam e obrigam, no chão da luta, estas organizações divididas em suas verdades particulares, a se integrarem na grande e universalizante onda revolucionária que só o povo sabe provocar. Há que estudar, cuidar e permanecer na luta.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Floresta mágica






Míriam Santini de Abreu

Meu colega de trabalho Jackson de Abreu (não é parente!) fez as imagens acima em um sítio no município de Bom Retiro. Ao vê-las, me senti transportada para um livro de conto de fadas como os que eu gostava de ler quando era pequena. Parece uma floresta onde a luminosidade sutil entre as árvores mascara a mágica: os cogumelos, ao cair da noite, se transformam em cavalos selvagens, como aqueles que o Jackson gosta de montar no sítio de seu sogro. Foto é magia.

sábado, 5 de junho de 2010

Finais alternativos

Míriam Santini de Abreu

Na chuvosa noite de sexta vi Zorba, o Grego, baseado no livro de Nikos Kazantzákis. Magnífico. Não li o livro, e assim nada posso dizer sobre a adaptação para a tela. E esta também não é uma resenha brilhante ou uma crítica profunda, o que há de sobra na internet. Mas, encerrado o filme, uma celebração à vida, não pude deixar de pensar em como seria um daqueles “finais alternativos”, tão comuns nas produções de hoje.
No meu final alternativo, as duas mulheres que protagonizam o filme experimentariam um momento tão glorioso quanto aquele concedido aos dois homens. A viúva, por ter gozado nos braços do homem que desejou – e que nada fez para livrá-la da punição por isso – não encontraria a morte. E a morte também não alcançaria a dona da hospedagem, que foi atrás do amor do velho grego sob a friagem e a chuva e assim arruinou o que lhe restava dos pulmões. Nem enterro mereceu, porque escolheu a vida e a religião que quis, e ambas eram inaceitáveis.
Nos minutos finais do filme, o grego e o escritor, sob a vista de todos os moradores da vila, vêem seu projeto - planejado ao longo de meses - ir ao chão.
“Você já viu um acidente mais magnífico do que aquele?” – pergunta Zorba, às gargalhadas.
“Não restou nada!”, responde o escritor.
E saem os dois a dançar na praia, cena de um prazer arrebatador.
Imaginei a viúva e a dona da hospedagem – ambas, no filme, punidas por seu prazer – em cena semelhante. As duas com vestidos floridos, pés descalços, cabelos soltos, rindo às gargalhadas, atrás delas um projeto esplendidamente arruinado, diante delas a vida.
“Você já viu um acidente mais magnífico do que aquele?” – pergunta uma.
“Não restou nada!”, responde a outra.
E saem a duas a dançar na praia, rindo, rindo...

P.S.: sol e frio neste sábado de Floripa. Na Praça XV, as árvores exibem um verde cheio de nuances. É bom estar viva. É bom ser mulher. É bom ser jornalista...

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Beleza compartilhada

Míriam Santini de Abreu
Há pouco tempo fiz uma crônica sobre as reuniões de vizinhos feitas no condomínio onde mora meu irmão César e minha cunhada Valéria, em Porto Alegre. Graças a essa crônica, tive a honra de ser convidada para participar de um encontro no sábado, do qual infelizmente não poderei participar por causa de compromissos de trabalho.
Mas o convite me emocionou. Há dois anos me envolvi em um problema que gerou muita dor de cabeça e ainda não se resolveu. O então síndico do condomínio onde eu morava surrupiou uma quantidade expressiva de dinheiro do caixa. Eu e outra moradora denuciamos isso e, depois de uma interminável novela, a processada fui eu e um grupo de moradores que fez a denúncia, e processados por danos morais! A ação está na justiça, mas já obtivemos uma vitória porque as falcatruas aparecem em vários documentos, e diversos proprietários e inquilinos depuseram a nosso favor com relação às mentiras contadas pelo tal ex-síndico.
O caso, portanto, é que me comovem essas expressões de solidariedade entre pessoas que não têm laços de sangue entre si, mas que se unem em nome da partilha da beleza do cotidiano, do bem-querer.
Noite dessas, cheguei em casa, uma chuva fina, e, supresa, notei que algum vizinho havia recolhido minha roupa do varal. Estava lá, sobre um banco, sequinha! Num mundo onde tudo o que vale nada mais vale, esses gestos, essas delicadezas, têm um valor inestimável. Às vezes é alguém que segura a porta do banco para a gente passar; alguém que, com mais tempo, cede o lugar na fila; um outro que, dentro de um automóvel num cruzamento agitado, permite que atravessemos a rua.
Escrevo no cair da noite neste feriado, quando Florianópolis acende suas luzes sob um céu escuro e pesado. Aproxima-se o frio, as pessoas caminham apressadas rumo ao lar, ou ao que, de algum modo, a gente tenta fazer de conta que é lar, em busca de aconchego, dessa imemorial necessidade humana de compartilhar a vida, a beleza, a dor. E mesmo que, ao cair da noite, existam seres que encontrem somente a sua solidão, que também eles possam cruzar o caminho com um outro alguém para saudar:
- Boa noite, vizinho!
Um mundo de beleza compartilhada entre todos será, em ampla escala, como esse experimentado por meu irmão e seus vizinhos, que se unem para celebrar a vida. E celebrar a vida em volta de uma mesa repleta de boa comida e boa bebida, por deus, é bom demais!

Projeto Patrimônio em Movimento


terça-feira, 1 de junho de 2010

O terror de Israel extrapola suas fronteiras

Por Elaine Tavares - jornalista

Quando na segunda guerra mundial apareceram os rumores do que acontecia na Alemanha, o mundo calou. Levou tempo demais até que os governos de outros cantos se levantassem contra o que se passava de horror sob o domínio nazista. E, mesmo, assim, a intervenção só aconteceu quando o que estava em jogo era o domínio de outros países da Europa. Não foi, verdadeiramente, o massacre dos judeus e dos ciganos que levou ao repúdio do governo de Hitler. Foi sua audácia de dominação sobre os demais países da Europa. Penso eu, cá com meus botões, que se Hitler tivesse se mantido nas fronteiras da Alemanha, não haveria tanto repúdio às suas práticas de terror.

Hoje, assistimos ao estado de Israel repetir o circo dos horrores contra o povo palestino. Já se vão mais de 60 anos de violência, de opressão, de ataques assassinos. Desde 1948 o processo de dizimação do povo palestino acontece sob os olhos das câmeras, aparece sistematicamente na hora do jantar, nos jornais noturnos. E, no mais das vezes, a maioria das gentes olha, boceja, e o máximo que tem de reação é dizer: “essa guerra não termina!” E ponto final. Lá, naquele cantão esquecido do mundo, a porta de entrada do rico médio-oriente, seguem os palestinos resistindo com pedras e gritos de dor.

Hoje, segregados em campos de concentração, tal e qual ocorria com os judeus e ciganos nos campos nazistas, eles são humilhados, subjugados, tratados como não-seres. Chamados de terroristas quando se levantam em rebelião. E tudo o que querem é o direito de viverem em paz no seu próprio território. O mundo sabe muito bem que quando os Estados Unidos criou o estado de Israel, aquela não era uma terra sem povo. Milhares de famílias foram desalojadas, expulsas de suas casas, para dar lugar às colônias israelenses. E, depois, ao longo dos anos, sob o fogo dos canhões, Israel foi comendo o território até confinar as gentes palestinas em campos fechados por muros gigantes, que deveriam ser repudiados como uma vergonha mundial, tal qual foi o muro de Berlim durante tanto tempo. A pergunta que fica é: por que o chamado “mundo livre” não brada contra o muro da vergonha de Israel?

Pois, não satisfeitos em dizimar o povo palestino, Israel chegou ontem ao auge da violência e da perfídia. Foi capaz de atacar militarmente navios que seguiam para Gaza, levando ajuda humanitária. Soldados armados atacaram civis que poucos minutos antes haviam levantado uma bandeira branca. Mesmo nas guerras mais cruéis, todos os generais sabem o que isso significa. Mas, ao que parece, não Israel. Morreram pessoas comuns, tombadas pelas balas assassinas dos soldados israelense. Gente que se importava com o que se passa por detrás dos muros de Israel, que apenas se preocupava em levar comida, remédio e conforto a um povo acossado pela violência e pelo terror. Pois foram atacados de forma absurda, em águas internacionais, violando toda a sorte de tratados e acordos internacionais.

E aí? Cadê as sanções à Israel? O seu parceiro de atrocidades, os Estados Unidos, lamentou o ocorrido, mas não condenou. Vários países estão declarando condenação, mas o que isso de fato significa? Palavras ao vento! Quais as medidas reais a serem tomadas contra esse estado assassino que extrapola suas fronteiras, atacando civis?

Os argumentos que as redes de televisão oferecem são os mais absurdos possíveis. Um general israelense dizendo que só revidaram um ataque dos que estavam no navio. Mas, como isso? As pessoas, em alto mar, cercadas de água, fizeram o quê? Tinham mísseis? Arcabuzes? Facas voadoras? Que ataque poderiam fazer essas pessoas dentro de um navio a aviões de guerra? Vejam que é o mesmo argumento que usam para matar palestinos. Meninos de 12 anos, com pedras na mão, são “violentos terroristas” e ameaçam a vida dos soldados israelenses dentro dos tanques de ferro. É o paroxismo do terror.

Por todo o planeta gritam as gentes, como gritaram contra a invasão do Iraque, contra a invasão do Panamá, do Afeganistão. Gritam os que não tem poder. E lançam declarações os que tem poder. Cuba vive sob um bloqueio criminosos por parte dos Estados Unidos, porque decidiu ser livre e auto-determinada. Isso é crime?

O que aconteceu no mar alto nesta segunda-feira não pode ficar só no plano da condenação pela palavra. É preciso parar Israel. Este é um dos países mais fortemente armados do globo terrestre. Seu poder militar é fabuloso. Tem ainda o serviço secreto mais sanguinário do mundo. É um cântaro de destruição. A fonte de sua violência segue vertendo, como já dizia o grande Mahmud Darwish.

Há 60 anos Israel mata palestinos como se fossem moscas. Ontem matou nove cidadãos da paz. O mundo, enfim, se levanta. Agora, há que parar Israel. Ou isso, ou a barbárie vai se espalhar, saindo das fronteiras do terror. A história é boa mestra. Assim começaram as grandes guerras. Quando um governo, arvorado de dono do mundo, começa a sair de seus limites, abocanhando a vidas dos demais. Se o mundo, na sua maioria, pouco ligou para os palestinos que padecem desde há décadas, que, agora, com estes noves civis, gente da paz, de bandeira branca hasteada, possa se levantar e estancar a fonte do crime.