segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um ano de fantasmas e resistência em Honduras

Por Raúl Fitipaldi

A história virou sobre os calcanhares e numa brincadeira da sorte, Honduras que vinha integrando-se à sua região, a um pequeno progresso, às primeiras brisas da mudança mínima, viu-se obrigada a ingressar nas cavernas da ditadura. Foi tão anacrônico, tão grotesco o Golpe de Estado, que a história dirá, sem dúvida, que propiciou no médio prazo mudanças maiores, mais profundas, não mais encabeçadas por um homem bom, senão por um povo bom.

Não deve existir nenhum latino-americano consciente que afirme que sua vida política foi indiferente com Mesoamérica desde o 28 de junho de 2009. Os ianques mais uma vez nos enganaram, nos mentiram, abusaram de nós. De novo as oligarquias ordinárias, apátridas, usurárias, serviram-se das armas que compra o povo para lhe açoitar. Castigaram pobres, indígenas, mestiços, trabalhadores, estudantes, mataram mulheres indefesas. A receita da humilhação, a mentira, a norte e a impunidade se engendrou no laboratório bananeiro dos gringos. E nos pegou de calças na mão, literalmente incrédulos, sem reação. Nos pegou dormindo no século XXI, com menos pesadelos que no século XX, com algumas esperanças em nosso cofre de sonhos. Só mal-dormindo pela Colômbia, o Panamá, Peru e alguma que outra úlcera do passado. Acordaram-nos de um tiro, um tiro em Honduras. De golpe emergiu um desses paisinhos que nunca lembramos em primeiro lugar quando fazemos a longa lista da Nossa História da Pátria Grande e Libertária. Apareceu-se e ficou em nosso colo, até que se liberte para sempre; fixou-se em nossos olhos e nos ouvidos, juntou-se Honduras à solidária labor da liberdade. Ressuscitou Francisco Morazán.

Os fantasmas dos nacionalistas e liberais mais reacionários começaram a menear-se no labirinto da história. O roto neroniano de Micheletti, o cinismo de Vázquez Velázquez, a ortopedia intelectual de Ramón Custodio López, a batina taciturna do fascista Andrés Rodríguez Madariaga, regaram-se pela internet. As fotos destes repressores começam a flutuar num terreno cenagoso, em páginas dissolutas dos jornais pró-ianques. A acéquia do atraso começou a cuspir mentiras até fartar-se de enganações e inventar uma eleição fraudulenta e sem representatividade que deu luz internacional ao tal Porfírio Lobo Sosa. Que acontecerá com Honduras? Será Honduras início do temporal para a região? Os latino-americanos não queremos mais coturnos, mais fome da que temos, mais leilão da pátria, mais morte, mais desaparição.

E então vem aí o grito de Honduras Resiste! Nas abas do chapéu do líder, nas respostas dos homens de bem, na Venezuela de pé, no Equador sem bases ianques, na Bolívia originária, na Cuba revolucioniária, na Nicarágua de Sandino, no Brasil, no Uruguai, na Argentina, na terra guarani... na Pátria toda começa a mover-se a idéia, a palavra, a multiplicação do grito, Honduras Resiste! Abraçamo-nos aos jornalistas hondurenhos e o eco ressoa da Cordilheira até as profundezas do Amazonas, do Prata até as margens do Rio Bravo, Honduras Resiste! É hoje, quando o fantasma se proclama duvidosamente vitorioso, que as pessoas se juntam à procura da mudança. Falam para os ianques agressores que os anônimos, os negros, os índios, os artesãos, os operários brancos e mestiços decidiram que os 28 de Junho se festejará a luta pela liberdade. Essa resistência, usando as palavras do Che, a formam os majoritários, é uma onda que não pára, e nessa onda vai se afogar mais cedo do que tarde a última tentativa ditatorial do Império. Surgirão os desaparecidos dentre as pedras e serão o edifício da libertação de todos.

Passou-se um ano, mas, Honduras não passou, Honduras se tornou nossa para sempre.

28 de junho de 2010.

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