quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Mais-valia ideológica no ônibus

Elaine Tavares

O pensador venezuelano Ludovico Silva desenvolveu um conceito perfeito para a televisão: mais-valia ideológica. Ele diz que o sistema capitalista, não satisfeito em sugar mais valia do trabalhador no seu local de trabalho, ainda suga a mais-valia ideológica quando ele pensa que está descansando diante de sua televisão. Na verdade, diz Ludovico, a pessoa diante da TV não está fruindo, curtindo ou descansando. Não! Está sendo inundada pelos apelos do sistema: compre isso, compre aquilo, siga as regras do natal, seja assim, vista aquilo. Prisioneira, então, da mais-valia ideológica.

Pois agora, a gente que vive sob o terror do transporte coletivo de Florianópolis, tampouco consegue se desconectar da mais-valia ideológica. Não bastasse todo o estresse de ficar nas insuportáveis filas que se formam ao longo do caminho nestes dias de verão de uma cidade turística que não tem estrutura, ainda temos de aturar uma espécie de televisão dentro do ônibus. Ali, enquanto as gentes bufam de calor e ódio, ficam passando propagandas: compre isso, compre aquilo, tal pré-vestibular é melhor. Vez em quando entra uma notícia sobre algum famoso e depois uma vídeocassetada. Um verdadeiro atentado à inteligência e à paciência. Pergunto-me, onde está o Ministério Público que não vê isso? Será possível que ninguém se importe que as pessoas sejam submetidas a esses abusos? O que pode fazer uma pessoa comum diante deste descalabro?

Ah, mas não é só isso não. Tem mais. Como o transporte é completamente desintegrado, a gente fica muito tempo sentado nos terminais de baldeação, esperando o terceiro ônibus que finalmente nos deixará em casa. E ali, por toda a parte estão as televisões com os quadros de horários. A gente fica olhando para ver quando vai sair o maldito ônibus e o quadro não vem. O que passam são propagandas, propagandas e propagandas. Infernal. Mas não é desrespeito não. É a mais-valia ideológica levada às últimas conseqüências.Uma verdadeira lavagem cerebral.

Outro dia vi uma informação de que em São Paulo já existem grupos contra isso. Bom,vou fazer a luta por aqui, mesmo o rebanho ache bom. Odeio que me suguem a alma.

Feliz despertar...

Por Elaine Tavares


As celebrações de um novo começo na vida das gentes são tão antigas quanto a própria raça. Nas culturas mais remotas o “recomeço” era celebrado sempre no solstício ou equinócio de primavera (dependendo do hemisfério), quando tudo começa outra vez a florir. É que como o conceito de tempo ainda não havia sido aprisionado nos relógios a vida das comunidades se regia pelas estações. Naqueles dias, o povo se reunia em festivais, cantando, dançando e bebendo em honra da terra. As mulheres engravidavam e a vida florescia. Era a completude do ciclo da existência, sempre se repetindo.


De qualquer forma, na medida em que as culturas foram se complexificando, igualmente encontraram formas de medir o tempo. Os maias, por exemplo, lograram construir um intrincado calendário com 364 dias, e mais um outro, chamado de “dia fora do tempo”. Este, celebrado em 25 de julho, marca o início do novo ciclo. Já nas culturas do médio oriente, a festa era no equinócio de março, por conta da estação. A comunidade judaica comemora sua festa de Ano Novo, ou Rosh Hashaná, uma espécie de dia do julgamento, em meados de setembro ou no início de outubro, onde as pessoas fazem um balanço da vida. Os islâmicos celebram em maio, contando o tempo a partir do aniversário da saída do profeta Maomé de Meca para Medina, a Hégira, cujo marco corresponde ao 622 da era cristã.


Na China, o “recomeço” é celebrado em datas nem sempre fixas, mas entre final de janeiro e início de fevereiro. Lá, o calendário está relacionado ao movimento da lua e conta cada mês como o mês de um dos 12 animais que se apresentaram na frente de Buda e o ciclo da vida segue esta dinâmica, sempre começando na primavera.

O mundo ocidental também institui o seu “recomeço” a partir de um deus, que não é o cristão. Foi o imperador Julio César, no ano 46 antes de cristo, que determinou o primeiro de janeiro como o dia do início do ano, em homenagem a Jano, o cuidador dos portões. Depois, mais tarde, com a oficialização do calendário gregoriano, esta data permaneceu. Os franceses deram o toque romântico chamando-o de réveillon, que vem do verbo réveiller, cujo significado é "despertar".

E assim as gentes escolhem seus momentos de despertar, de balanço, de julgamento de suas vidas. Vemos que tudo depende da cultura onde se está inserido embora a idéia seja sempre a mesma: recomeçar, jogar fora o que foi ruim, esquecer, olvidar. Começar de novo, dar-se novas chances. E assim, vai avançando a raça, buscando aquilo que os filósofos gregos insitiram em chamar de “felicidade”. Pois eu, que reverencio a terra, os animais, as forças da natureza, que amo Jesus, Maomé e Buda, também vou comemorar. Que venha mais um ciclo, e que seja bom. Que floresça a vida, o amor e a paz. E que todos os povos possam vibrar na mesma onda cósmica. Eu te convido a dançar nesta bela noite de lua cheia, com os deuses e deusas, sob as estrelas. Para receber o ano novo, recomeçar... despertar! Ah, quanta bênção em se viver neste grande grande jardim!

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Ano novo, lua cheia

Dia 31 de dezembro tem lua cheia.
2010

Verão, ai, ai, ai...

Míriam Santini de Abreu
Ai, verão...
Floripa I - dia 25 de dezembro, desejo assombroso de comer pão quentinho com queijo. Rodar no Campeche, Rio Tavares, Costeira, Trindade e Lagoa. Nada. Uma padaria aberta, mas sem pão para vender. Só biscoito. Na Lagoa, um mercado aberto só com pão de saco, validade quase vencida.
Floripa II - os celulares no Campeche estão de tirar qualquer um do sério. Eu caminho pela casa como aquela escritora de Men in Tress que saiu de Nova Iorque, foi viver no Alasca e, na pousada onde morava, ia de um canto a outro tentando captar sinal. É um tal de "alô, tá me ouvindo?" que chega a ser ridículo, e isso depois de 2, 3, 4 discagens.
Floripa III - ontem levei coisa de uma hora para vencer o trecho Costeira-Terminal Rio Tavares. Não tem mais horário de pico. Todo horário leva qualquer um ao pico do estresse. No ônibus é só calor e reclamação, as almas suando sem parar. Isso vai até fevereiro. Benza Deus...

SUS: um bom plano para quem não está doente

Leia o texto em www.eteia.blogspot.com

Graves ameaças contra o jornalista Rony Martínez, da Radio Globo

Leia mais em www.defensoresenlinea.com

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Esperando o Natal

Elaine Tavares - jornalista

Eu sempre gostei de filmes de Jesus, desde pequena. A mim encanta esse homem que partilha, que caminha pelas estradas poeirentas, que ama o próximo e o distante. O que ampara a mulher adúltera, o que come com as prostitutas e os tribunos, o que está no mundo, mas não é do mundo. Gosto da sua violência contra os vendilhões e sempre me emociono demais com a absurda fé que ele tinha nas gentes. E, no filme de Zefirelli, a cena final sempre me faz chorar. É quando ele volta da morte, e está com os apóstolos. Alguém pergunta: e agora, para onde vais? Então ele olha para a câmera e como a fitar nossos próprios olhos diz: não tenham medo, eu sempre estarei com vocês! Acho isso de uma ternura abissal.

Nestes dias que antecedem o natal eu gosto de rever estes filmes. Até mesmo o de Mel Gibson, que escancara a tortura e a dor infligida a quem decidiu questionar a lei vigente. Penso que, de algum modo, em cada um dos diferentes “Jesus” que o cinema nos apresenta, há um pouco do homem que gostaríamos de ser. Esse que é capaz da mais radical doçura, que cura o doente, que ampara a alma em escombros. É por isso que o meu natal não tem Papai Noel, esse criado pela Coca-Cola em 1931. Não. Ele é repleto da busca desse Jesus que nos olha nos olhos e diz que sempre estará conosco.

Nestas noites de dezembro, confrontada com toda a fragilidade da vida, com a dor, a impotência, a solidão existencial, eu preparo com carinho o dia deste homem. Não vou esperar a meia-noite, como fazem todos, num ato ritual. Gosto de viver o dia, o 25, como se fosse mesmo um dia de aniversário. Vou fazer pudim e tomar pureza. Vou buscar a força em mim para domar o medo e deitar na sua rede, sem buscar entre os mortos aquele que vive.

Nietzsche dizia que só os fracos precisam de deuses, como muletas. Mas até ele se rendeu a idéia de que Jesus havia sido o único cristão. Nestes dias de desamparo, sim, quero assumir as muletas. Sou uma mulher que precisa de deuses. E espero Jesus, sem presentes, sem árvores luminosas, sem peru. Só com minha louca certeza de que os deuses são nossas redes. Nada podem. Apenas balançam, nos ninam e nos sussurram a frase necessária: Não tema, eu estou aqui!

Feliz Natal!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

“Já acabou a época de acabar”: avança o valente povo Xokleng

Por Elaine Tavares

Quando Cabral chegou às águas da Bahia, na região sul de Pindorama, onde hoje é Santa Catarina viviam os Guarani, os Kaikang e os Xokleng, sendo que os primeiros vestígios de comunidades humanas nestas paragens datam de 5.500 anos. Para os Xokleng, a terra conhecida chamava-se La Klãnõ, que na sua língua quer dizer “território dos caminhantes do sol”, ou “da gente que vive sob o sol”. Eles são do tronco lingüístico Jê e, segundo estudos feitos pelo antropólogo catarinense Silvio Coelho dos Santos, no passado, viviam divididos em três grandes grupos. Um deles circulava pela região do Vale do Itajaí, outro na cabeceira do Rio Negro , na fronteira com o Paraná, e o terceiro, no sul, próximo a Tubarão. Eram nômades, caminhavam pelo território em busca de caça e pesca e não eram dados as artes agrícolas. Seu centro vivencial se dava em torno da mulher. Ela decidia onde parar, descansar suas tralhas domésticas e fazer o fogo. Ali o grupo então permanecia por alguns dias. Viviam no tempo e só construíam abrigos feitos com ramas de árvores nas épocas de chuva. Seu espaço de andanças na busca da caça cobria desde Curitiba, no Paraná, até a região de Porto Alegre. No litoral viviam os Guarani, e os Kaigang um pouco mais para dentro, no lado oeste. Com estes, os Xokleng vivam de escaramuças.

Por conta da proximidade com o mar os Guarani foram os primeiros a serem encontrados pelos brancos invasores, quando estes começaram a descer a costa. Logo passaram a ser capturados para servir de mão de obra escrava. Mas, por causa da resistência que empreenderam e também das doenças, este povo foi praticamente dizimados. Poucos restaram, fugindo para dentro do continente, outros foram escravizados. Já os Kaigang e os Xokleng só foram vistos bem mais tarde quando os paulistas iniciaram as rotas de comércio com o Rio Grande do Sul tendo os tropeiros como os desbravadores, por volta de 1728, portanto, mais de 200 anos depois da conquista. Mas, eram encontros fortuitos. No geral, quando viam os brancos ocuparem seu território, os Xokleng resistiam bravamente, passando a ser reconhecidos pela sua valentia. A região ocupada por esta etnia era o espaço das araucárias, que, para eles tinha importância fundamental. Toda a base da sua alimentação era o pinhão, e é bem provável que tal qual os Mapuche, da Argentina e Chile, também moradores de terras de aruacária, estes espaços fossem considerados sagrados.

Foi com o surgimento da cidade de Lages, em 1771, que a saga de destruição dos originários tomou mais força. Colonos vindos de São Paulo ou de outras regiões do Brasil montavam fazendas para criação de gado e cercavam as terras. Depois, com a chegada dos imigrantes europeus, no início do século XIX, outros espaços de terra lhes foram tomados, a ponto de uma carta régia de Dom João VI estabelecer o início de uma guerra de extermínio. Os conflitos eram inevitáveis. Uma triste história, pois tanto os Xokleng defendiam suas terras, quanto os imigrantes buscavam o cumprimento de uma promessa de vida melhor. Mas, neste embate, os originários eram os que levavam a pior, uma vez que sequer eram considerados “humanos”. Pejorativamente chamados de “bugres”, os Xokleng passaram a ser caçados como bichos pelos “bugreiros” que os vendiam no mercado de escravos e defendiam as terras dos imigrantes. Naqueles dias, a vida dos Xokleng, que adentravam o mato e observavam, curiosos, a horda dos brancos, entraria num redemoinho sem volta.

Os Xokleng tinham uma longa tradição guerreira, uma vez que viviam de escaramuças com os Kaigang e a presença dos brancos ia, pouco a pouco, inviabilizando a coleta de alimentos. Sem a prática da agricultura, guerrear com os invasores passou a ser vital para os grupos originários. Uma coisa levou a outra, e o governo também decidiu proteger as terras com milícias armadas. Cada vez mais os indígenas ficavam encurralados, uma vez que não tinham para onde fugir. Assim, exército regular e tropas de bugreiros iniciavam a “civilização”, como eles mesmos anunciavam nos jornais da época. E, esta, nada mais era do que o massacre sangrento de famílias inteiras dos Xokleng. Nem mulheres ou crianças eram poupadas. O índio era visto como um simples obstáculo que deveria ser transposto em nome do progresso e da vida feliz das famílias brancas. Ninguém levava em conta que aquela era uma terra que tinha dono.

A “pacificação”

No início do século XX, depois que grande parte do território dos Xokleng já estava loteado e um expressivo número de indígenas mortos, em 1914 dá-se o que ficou conhecido na história por “pacificação”. Naqueles dias, a já então República tinha o índio como um “problema nacional” e no começo do século XX Cândido Rondon havia iniciado sua cruzada de integração do indígena à vida brasileira, sempre pela paz. Em 1910 o Estado criara o Serviço de Proteção ao Índio, tendo como lema o axioma de Rondon: morrer se for preciso, matar nunca! Chegava a hora do fim do massacre pelas armas e começava uma proposta de “integração” que, apesar da boa vontade, também confinava o índio e obrigava os povos a assumir uma nova cultura, assim, de chofre, num choque cultural do qual poucos se recuperaram.

Em Santa Catarina a história oficial conta de um jovem idealista, Eduardo Hoerhan, que havia assumido o SPI e buscava um encontro com os Xokleng para acabar de vez com as escaramuças entre indígenas e colonos imigrantes. A proposta era pacificar e aldear os Xokleng para que as comunidades criadas nas terras originárias pudessem produzir e viver em paz. Dos desejos dos índios ninguém quis saber. E assim, contam os livros que depois de algum tempo de “namoro”, com conversas (Eduardo arranhava a língua dos Xokleng) e com a entrega de presentes, ele logrou atrair os indígenas e pelos menos uns 400 deles passaram a freqüentar o chamado “Posto de Atração”. Mas, apesar disso, os “bugreiros” continuaram a atuar na região, afinal, muitos grupos de indígenas ainda vagavam pelas florestas e até os anos 40 ainda se avista um ou outro resistindo ao aldeamento.

Foi no ano de 1918 que Hoerhan chegou a Ibirama com um grupo de 200 Xokleng e foi ali que se demarcou um espaço para que a comunidade passasse a viver. Naqueles dias, conta Silvio Coelho, os chamados “botocudos” eram como bichos no zoológico e de todos os cantos do estado vinha gente para vê-los, acuados e tristes, finalmente pacificados. Assim, de caminhantes sob o sol, nômades e livres, os Xokleng passaram – num átimo - a sedentários e dependentes da boa vontade governamental. Uma mudança brusca demais na cultura e no modo de ser a gerar conseqüências que perduram até hoje. Uma foto, reproduzida no livro de Silvio Coelho “Índios e Brancos no Sul do Brasil – a dramática experiência dos Xokleng”, dos primeiros anos de “pacificação”, é a prova viva do horror vivido pelas gentes Xokleng. Nela, uma mulher abraça uma menina, mas o que toca a alma são os olhos. Os da mulher expressam um profundo sentimento de tristeza e derrota e a menina olha para câmera cheia de terror. Agarradas, as duas se protegem, mas sabem que a vida nunca mais será a mesma. É o fim do seu mundo.

A voz Xokleng

Convidados pelo Grupo Livre de apoio aos Povos Indígenas de Santa Catarina e reunidos em Florianópolis, em dezembro de 2009, os 18 caciques da área Xokleng La Klãnõ, apresentaram outra versão da história, desde as suas memórias mais antigas. Conta o diretor da Escola Bugio, José Cuzung Ndilli, que a chamada “pacificação” não foi conseguida por Eduardo Hoerhan, como diz a versão oficial. “Foram nossos líderes que, em 1909, se juntaram e decidiram que não dava mais para ficar guerreando com aquela gente que chegava. Foram eles que decidiram fazer o contato com os brancos, indo na casa de Hoerhan. Foi nosso povo que decidiu pela paz. A gente confiou nos brancos e é tão rejeitado até hoje”. Naqueles dias, diz ele, dos 400 que fizeram contato, sobraram apenas 120, por conta das doenças que apareceram. “Hoje, passados 70 anos, nós somos dois mil índios e continuamos crescendo. Já acabou a época de acabar. Nós somos um povo difícil de extinguir”.

Ndilli diz que atualmente os Xokleng ainda sofrem com a perseguição e o preconceito. Isso sem falar na falta de respeito do governo para com eles, como ficou claro na construção da Barragem Norte, em José Boiteaux, nos anos 70, que alagou terra e desalojou várias famílias, diminuindo ainda mais o território. “A gente sabe que as lideranças da época aceitaram a barragem, mas como foi o processo? O branco sempre quis ser superior ai índio e não leva em conta as nossas necessidades. Ele sabe que a terra é nossa, mas tem essa ganância”. Há pouco tempo, em 1991, os Xokleng chegaram a tomar o canteiro de obras da barragem exigindo o cumprimento das promessas, que não saíram do papel. “Tem muita gente sem casa, não há um estudo de impacto ambiental da barragem e nós queremos ver. Porque se o verde da bandeira ainda está aí, intacto, é porque nós protegemos. O que é história de progresso para o branco, pra nós é sofrimento”.

O professor Ndilli insiste que os Xokleng vão seguir lutando pelos seus direitos, pelo cumprimento das leis, embora saiba que para o governo seria bom o índio não ter história nenhuma. “Eles gostariam de ter uma borracha gigante que apagasse tudo, mas não vai ser assim. Em 2014 serão os 100 anos do contato. Que vamos fazer, festa ou o quê?”

Livai Paté, que é representante dos Xokleng no Conselho de Saúde, diz que não gosta de lamentar o passado, mas que sempre é bom lembrar para que as coisas não aconteçam de novo. “Nós também queremos viver, ter nosso direito, nossas terras, educação, saúde. E há que respeitar nossa forma de viver, de praticar a medicina. Essas terras eram nossas, e agora temos de ficar confinados em lugares ruins. A terra onde estamos é uma pirambeira, as melhores foram tiradas de nós. A gente não pode aceitar”.

Vomble Paté é representante da área de Palmeira e reclama da falta de interesse por parte das pessoas brancas, com relação aos problemas indígenas. “De cada 10, dois se interessam. A gente vem aqui na universidade e não aparece estudante. Mas nós queremos dizer a nossa versão da história. Esse Eduardo (Hoerhan, o pacificador) não significa nada pra nós. Ele matou um companheiro que foi buscar nosso direito. E essa matança continua. Antes eles matavam com arma de fogo, agora matam com a caneta”.

A vida em movimento

Enoke Popó é cacique na aldeia Figueira. Ele conta que os Xokleng se dividiam em vários grupos e tinham como modo de vida a coleta e a caminhada pelo território. O pinhão era o alimento principal. Durante a época da colheita eles juntavam tudo o que dava, para poder durar até a próxima. Depois, coziam e armazenavam embaixo da terra, enrolado em folhas, o que garantia a sua perenidade. O local mais abundante era a Serra da Abelha, onde é hoje o município de Vítor Meireles. “Os mais velhos sempre sabiam onde era o melhor lugar pra acampar. A gente circulava por um território de mais de 34 mil hectares e agora estamos confinados num espaço de 14 mil. Hoje estamos aí na luta para ampliar esse território. O branco fala que a gente não precisa disso tudo. Mas essa terra é nossa. É um direito nosso e queremos manter”.

Enoke lembra que não foi fácil para o Xokleng sair da vida nômade para a sedentária, como também foi difícil aprender a arte da agricultura. E quando eles conseguem, vem o governo e tira a terra, como foi na época da construção da barragem. As melhores foram alagadas e eles tiveram de ir para as regiões de rocha. Não é sem razão que eles procurem se manter mais com o artesanato do que com o plantio de alimentos. Sem a tradição ancestral e sem terras, fica quase impossível virar agricultor. Já a coleta do pinhão também é cada vez menor porque a região está tomada pelo pinus, sendo a araucária um ente em extinção.

“A gente tem de viver dependendo do governo e este ano eles mandaram apenas uma cesta básica por família. Uma, de 26 kg de alimento. E o resto do ano? Como faz? É por isso que os jovens estão saindo, vão trabalhar de empregado nas fazendas, na cidade, e aí perdem o costume”.

Sobre a religiosidade Enoke conta que quase todo o povo Xokleng é evangélico. E Silvio Coelho mostra, no seu livro sobre os Xokleng, como esta igreja acabou sendo responsável pela retirada de muitos dos indígenas do vício do álcool que havia sido contrabandeado para as aldeias para que o branco melhor dominasse. Por outro lado, as velhas tradições, uma vez que não são mais vividas, acabam se perdendo da memória. “A gente conta para as crianças dos deuses antigos, da chuva, do trovão, do relâmpago. O povo antigo se amparava nas forças da natureza. Mas é só uma lembrança que a gente passa no dia do índio. Sobrevivem alguns rituais que a gente faz nos casamento e batismos. Alguma coisa fica. Agora, a língua não. A língua a gente preserva”.

Os Xokleng vivem na região de Ibirama, em Santa Catarina, numa terra de 14 mil quilômetros quadrados. São 18 aldeias que perfazem o território La Klãnõ, com 88 famílias e duas mil almas. Cada área tem um cacique que é eleito pelos membros da aldeia e cumpre um mandato de três anos. “É bom, porque a gente fica perto. Se o cacique não cumpre o que prometeu, o povo cobra na hora”.

Sobre os movimentos de povos originários na América Latina os Xokleng sabem muito pouco. Os brancos que convivem com eles não levam estas informações. “Só no Brasil são 250 povos, com línguas diferentes. A gente tinha de ter uma língua índia pra se comunicar, talvez aí a gente pudesse entender as outras lutas. Nós, aqui, planejamos nossa idéia na nossa língua, mas depois temos de falar em português. Isso é ruim”.

E assim segue este povo que ainda não consegue se sentir em casa, apesar de estar no seu território. Sem terra boa, sem araucária, sem pinhão, sem os direitos básicos respeitados eles fazem o que sempre fizeram: lutam. Pode ser devagar, pode ser isolado, pode ser difícil. Mas é como eles sabem fazer. O povo caminhante do sol conseguiu vencer os bugreiros, a invasão, o medo, a dor. Saíram de 120 almas em 1920 para os dois mil que são hoje. Parece pouco, mas não é. Não para uma gente que já sofreu tanto e que vive abandonada na “Europa do sul”. Mas, naquele silencioso jeito de ser, eles vão gestando o amanhã esperado. Que ninguém se engane, o valente povo Xokleng, que dominou as florestas de Santa Catarina, segue em pé, e avança!...

“Já acabou a época de acabar”: avança o valente povo Xokleng

Por elaine Tavares - jornalista

Quando Cabral chegou às águas da Bahia, na região sul de Pindorama, onde hoje é Santa Catarina viviam os Guarani, os Kaikang e os Xokleng, sendo que os primeiros vestígios de comunidades humanas nestas paragens datam de 5.500 anos. Para os Xokleng, a terra conhecida chamava-se La Klãnõ, que na sua língua quer dizer “território dos caminhantes do sol”, ou “da gente que vive sob o sol”. Eles são do tronco lingüístico Jê e, segundo estudos feitos pelo antropólogo catarinense Silvio Coelho dos Santos, no passado, viviam divididos em três grandes grupos. Um deles circulava pela região do Vale do Itajaí, outro na cabeceira do Rio Negro , na fronteira com o Paraná, e o terceiro, no sul, próximo a Tubarão. Eram nômades, caminhavam pelo território em busca de caça e pesca e não eram dados as artes agrícolas. Seu centro vivencial se dava em torno da mulher. Ela decidia onde parar, descansar suas tralhas domésticas e fazer o fogo. Ali o grupo então permanecia por alguns dias. Viviam no tempo e só construíam abrigos feitos com ramas de árvores nas épocas de chuva. Seu espaço de andanças na busca da caça cobria desde Curitiba, no Paraná, até a região de Porto Alegre. No litoral viviam os Guarani, e os Kaigang um pouco mais para dentro, no lado oeste. Com estes, os Xokleng vivam de escaramuças.

Por conta da proximidade com o mar os Guarani foram os primeiros a serem encontrados pelos brancos invasores, quando estes começaram a descer a costa. Logo passaram a ser capturados para servir de mão de obra escrava. Mas, por causa da resistência que empreenderam e também das doenças, este povo foi praticamente dizimados. Poucos restaram, fugindo para dentro do continente, outros foram escravizados. Já os Kaigang e os Xokleng só foram vistos bem mais tarde quando os paulistas iniciaram as rotas de comércio com o Rio Grande do Sul tendo os tropeiros como os desbravadores, por volta de 1728, portanto, mais de 200 anos depois da conquista. Mas, eram encontros fortuitos. No geral, quando viam os brancos ocuparem seu território, os Xokleng resistiam bravamente, passando a ser reconhecidos pela sua valentia. A região ocupada por esta etnia era o espaço das araucárias, que, para eles tinha importância fundamental. Toda a base da sua alimentação era o pinhão, e é bem provável que tal qual os Mapuche, da Argentina e Chile, também moradores de terras de aruacária, estes espaços fossem considerados sagrados.

Foi com o surgimento da cidade de Lages, em 1771, que a saga de destruição dos originários tomou mais força. Colonos vindos de São Paulo ou de outras regiões do Brasil montavam fazendas para criação de gado e cercavam as terras. Depois, com a chegada dos imigrantes europeus, no início do século XIX, outros espaços de terra lhes foram tomados, a ponto de uma carta régia de Dom João VI estabelecer o início de uma guerra de extermínio. Os conflitos eram inevitáveis. Uma triste história, pois tanto os Xokleng defendiam suas terras, quanto os imigrantes buscavam o cumprimento de uma promessa de vida melhor. Mas, neste embate, os originários eram os que levavam a pior, uma vez que sequer eram considerados “humanos”. Pejorativamente chamados de “bugres”, os Xokleng passaram a ser caçados como bichos pelos “bugreiros” que os vendiam no mercado de escravos e defendiam as terras dos imigrantes. Naqueles dias, a vida dos Xokleng, que adentravam o mato e observavam, curiosos, a horda dos brancos, entraria num redemoinho sem volta.

Os Xokleng tinham uma longa tradição guerreira, uma vez que viviam de escaramuças com os Kaigang e a presença dos brancos ia, pouco a pouco, inviabilizando a coleta de alimentos. Sem a prática da agricultura, guerrear com os invasores passou a ser vital para os grupos originários. Uma coisa levou a outra, e o governo também decidiu proteger as terras com milícias armadas. Cada vez mais os indígenas ficavam encurralados, uma vez que não tinham para onde fugir. Assim, exército regular e tropas de bugreiros iniciavam a “civilização”, como eles mesmos anunciavam nos jornais da época. E, esta, nada mais era do que o massacre sangrento de famílias inteiras dos Xokleng. Nem mulheres ou crianças eram poupadas. O índio era visto como um simples obstáculo que deveria ser transposto em nome do progresso e da vida feliz das famílias brancas. Ninguém levava em conta que aquela era uma terra que tinha dono.

A “pacificação”

No início do século XX, depois que grande parte do território dos Xokleng já estava loteado e um expressivo número de indígenas mortos, em 1914 dá-se o que ficou conhecido na história por “pacificação”. Naqueles dias, a já então República tinha o índio como um “problema nacional” e no começo do século XX Cândido Rondon havia iniciado sua cruzada de integração do indígena à vida brasileira, sempre pela paz. Em 1910 o Estado criara o Serviço de Proteção ao Índio, tendo como lema o axioma de Rondon: morrer se for preciso, matar nunca! Chegava a hora do fim do massacre pelas armas e começava uma proposta de “integração” que, apesar da boa vontade, também confinava o índio e obrigava os povos a assumir uma nova cultura, assim, de chofre, num choque cultural do qual poucos se recuperaram.

Em Santa Catarina a história oficial conta de um jovem idealista, Eduardo Hoerhan, que havia assumido o SPI e buscava um encontro com os Xokleng para acabar de vez com as escaramuças entre indígenas e colonos imigrantes. A proposta era pacificar e aldear os Xokleng para que as comunidades criadas nas terras originárias pudessem produzir e viver em paz. Dos desejos dos índios ninguém quis saber. E assim, contam os livros que depois de algum tempo de “namoro”, com conversas (Eduardo arranhava a língua dos Xokleng) e com a entrega de presentes, ele logrou atrair os indígenas e pelos menos uns 400 deles passaram a freqüentar o chamado “Posto de Atração”. Mas, apesar disso, os “bugreiros” continuaram a atuar na região, afinal, muitos grupos de indígenas ainda vagavam pelas florestas e até os anos 40 ainda se avista um ou outro resistindo ao aldeamento.

Foi no ano de 1918 que Hoerhan chegou a Ibirama com um grupo de 200 Xokleng e foi ali que se demarcou um espaço para que a comunidade passasse a viver. Naqueles dias, conta Silvio Coelho, os chamados “botocudos” eram como bichos no zoológico e de todos os cantos do estado vinha gente para vê-los, acuados e tristes, finalmente pacificados. Assim, de caminhantes sob o sol, nômades e livres, os Xokleng passaram – num átimo - a sedentários e dependentes da boa vontade governamental. Uma mudança brusca demais na cultura e no modo de ser a gerar conseqüências que perduram até hoje. Uma foto, reproduzida no livro de Silvio Coelho “Índios e Brancos no Sul do Brasil – a dramática experiência dos Xokleng”, dos primeiros anos de “pacificação”, é a prova viva do horror vivido pelas gentes Xokleng. Nela, uma mulher abraça uma menina, mas o que toca a alma são os olhos. Os da mulher expressam um profundo sentimento de tristeza e derrota e a menina olha para câmera cheia de terror. Agarradas, as duas se protegem, mas sabem que a vida nunca mais será a mesma. É o fim do seu mundo.

A voz Xokleng

Convidados pelo Grupo Livre de apoio aos Povos Indígenas de Santa Catarina e reunidos em Florianópolis, em dezembro de 2009, os 18 caciques da área Xokleng La Klãnõ, apresentaram outra versão da história, desde as suas memórias mais antigas. Conta o diretor da Escola Bugio, José Cuzung Ndilli, que a chamada “pacificação” não foi conseguida por Eduardo Hoerhan, como diz a versão oficial. “Foram nossos líderes que, em 1909, se juntaram e decidiram que não dava mais para ficar guerreando com aquela gente que chegava. Foram eles que decidiram fazer o contato com os brancos, indo na casa de Hoerhan. Foi nosso povo que decidiu pela paz. A gente confiou nos brancos e é tão rejeitado até hoje”. Naqueles dias, diz ele, dos 400 que fizeram contato, sobraram apenas 120, por conta das doenças que apareceram. “Hoje, passados 70 anos, nós somos dois mil índios e continuamos crescendo. Já acabou a época de acabar. Nós somos um povo difícil de extinguir”.

Ndilli diz que atualmente os Xokleng ainda sofrem com a perseguição e o preconceito. Isso sem falar na falta de respeito do governo para com eles, como ficou claro na construção da Barragem Norte, em José Boiteaux, nos anos 70, que alagou terra e desalojou várias famílias, diminuindo ainda mais o território. “A gente sabe que as lideranças da época aceitaram a barragem, mas como foi o processo? O branco sempre quis ser superior ai índio e não leva em conta as nossas necessidades. Ele sabe que a terra é nossa, mas tem essa ganância”. Há pouco tempo, em 1991, os Xokleng chegaram a tomar o canteiro de obras da barragem exigindo o cumprimento das promessas, que não saíram do papel. “Tem muita gente sem casa, não há um estudo de impacto ambiental da barragem e nós queremos ver. Porque se o verde da bandeira ainda está aí, intacto, é porque nós protegemos. O que é história de progresso para o branco, pra nós é sofrimento”.

O professor Ndilli insiste que os Xokleng vão seguir lutando pelos seus direitos, pelo cumprimento das leis, embora saiba que para o governo seria bom o índio não ter história nenhuma. “Eles gostariam de ter uma borracha gigante que apagasse tudo, mas não vai ser assim. Em 2014 serão os 100 anos do contato. Que vamos fazer, festa ou o quê?”

Livai Paté, que é representante dos Xokleng no Conselho de Saúde, diz que não gosta de lamentar o passado, mas que sempre é bom lembrar para que as coisas não aconteçam de novo. “Nós também queremos viver, ter nosso direito, nossas terras, educação, saúde. E há que respeitar nossa forma de viver, de praticar a medicina. Essas terras eram nossas, e agora temos de ficar confinados em lugares ruins. A terra onde estamos é uma pirambeira, as melhores foram tiradas de nós. A gente não pode aceitar”.

Vomble Paté é representante da área de Palmeira e reclama da falta de interesse por parte das pessoas brancas, com relação aos problemas indígenas. “De cada 10, dois se interessam. A gente vem aqui na universidade e não aparece estudante. Mas nós queremos dizer a nossa versão da história. Esse Eduardo (Hoerhan, o pacificador) não significa nada pra nós. Ele matou um companheiro que foi buscar nosso direito. E essa matança continua. Antes eles matavam com arma de fogo, agora matam com a caneta”.

A vida em movimento

Enoke Popó é cacique na aldeia Figueira. Ele conta que os Xokleng se dividiam em vários grupos e tinham como modo de vida a coleta e a caminhada pelo território. O pinhão era o alimento principal. Durante a época da colheita eles juntavam tudo o que dava, para poder durar até a próxima. Depois, coziam e armazenavam embaixo da terra, enrolado em folhas, o que garantia a sua perenidade. O local mais abundante era a Serra da Abelha, onde é hoje o município de Vítor Meireles. “Os mais velhos sempre sabiam onde era o melhor lugar pra acampar. A gente circulava por um território de mais de 34 mil hectares e agora estamos confinados num espaço de 14 mil. Hoje estamos aí na luta para ampliar esse território. O branco fala que a gente não precisa disso tudo. Mas essa terra é nossa. É um direito nosso e queremos manter”.

Enoke lembra que não foi fácil para o Xokleng sair da vida nômade para a sedentária, como também foi difícil aprender a arte da agricultura. E quando eles conseguem, vem o governo e tira a terra, como foi na época da construção da barragem. As melhores foram alagadas e eles tiveram de ir para as regiões de rocha. Não é sem razão que eles procurem se manter mais com o artesanato do que com o plantio de alimentos. Sem a tradição ancestral e sem terras, fica quase impossível virar agricultor. Já a coleta do pinhão também é cada vez menor porque a região está tomada pelo pinus, sendo a araucária um ente em extinção.

“A gente tem de viver dependendo do governo e este ano eles mandaram apenas uma cesta básica por família. Uma, de 26 kg de alimento. E o resto do ano? Como faz? É por isso que os jovens estão saindo, vão trabalhar de empregado nas fazendas, na cidade, e aí perdem o costume”.

Sobre a religiosidade Enoke conta que quase todo o povo Xokleng é evangélico. E Silvio Coelho mostra, no seu livro sobre os Xokleng, como esta igreja acabou sendo responsável pela retirada de muitos dos indígenas do vício do álcool que havia sido contrabandeado para as aldeias para que o branco melhor dominasse. Por outro lado, as velhas tradições, uma vez que não são mais vividas, acabam se perdendo da memória. “A gente conta para as crianças dos deuses antigos, da chuva, do trovão, do relâmpago. O povo antigo se amparava nas forças da natureza. Mas é só uma lembrança que a gente passa no dia do índio. Sobrevivem alguns rituais que a gente faz nos casamento e batismos. Alguma coisa fica. Agora, a língua não. A língua a gente preserva”.

Os Xokleng vivem na região de Ibirama, em Santa Catarina, numa terra de 14 mil quilômetros quadrados. São 18 aldeias que perfazem o território La Klãnõ, com 88 famílias e duas mil almas. Cada área tem um cacique que é eleito pelos membros da aldeia e cumpre um mandato de três anos. “É bom, porque a gente fica perto. Se o cacique não cumpre o que prometeu, o povo cobra na hora”.

Sobre os movimentos de povos originários na América Latina os Xokleng sabem muito pouco. Os brancos que convivem com eles não levam estas informações. “Só no Brasil são 250 povos, com línguas diferentes. A gente tinha de ter uma língua índia pra se comunicar, talvez aí a gente pudesse entender as outras lutas. Nós, aqui, planejamos nossa idéia na nossa língua, mas depois temos de falar em português. Isso é ruim”.

E assim segue este povo que ainda não consegue se sentir em casa, apesar de estar no seu território. Sem terra boa, sem araucária, sem pinhão, sem os direitos básicos respeitados eles fazem o que sempre fizeram: lutam. Pode ser devagar, pode ser isolado, pode ser difícil. Mas é como eles sabem fazer. O povo caminhante do sol conseguiu vencer os bugreiros, a invasão, o medo, a dor. Saíram de 120 almas em 1920 para os dois mil que são hoje. Parece pouco, mas não é. Não para uma gente que já sofreu tanto e que vive abandonada na “Europa do sul”. Mas, naquele silencioso jeito de ser, eles vão gestando o amanhã esperado. Que ninguém se engane, o valente povo Xokleng, que dominou as florestas de Santa Catarina, segue em pé, e avança!...

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Barca dos Livros é educação

O belissímo projeto Barca do Livros, que é levado na Lagoa da Conceição, com leituras de textos numa barca, pela lagoa afora, contação de histórias, debates, shows e musicas vem há um tempo enfrentando problemas para se manter. O trabalho vai sendo feito no amor, por um pequeno grupo de pessoas que insiste em oferecer à comunidade a cultura que é negada pelo estado. Pois agora o projeto foi vítima de declarações do Secretário de Educação de Florianópolis, no Jornal da Lagoa, que insiste em dizer que cultura não é educação e que por isso a sua secretaria não pode fazer nada para manter o trabalho. Talma Piacentini, que inclusive já foi secretária de educação da cidade, no governo de Edson Andrino, protestou:
Veja o vídeo:
http://eteia.blogspot.com





sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Lançamento da Pobres & Nojentas n. 20

Convidamos você para o lançamento da revista Pobres & Nojentas n. 20, que será no dia 17 de dezembro, quinta-feira, a partir das 19 horas, na sede do Sinergia - Sindicato dos Eletricitários (Rua Lacerda Coutinho, 149. Centro - Florianópolis - Fone : (48) 3879-3011). Será cobrado R$ 5,00 no dia, mas confirme presença pelo e-mail revistapobresenojentas@gmail.com

Programação:
- Mostra do Vídeo Bleu et Rouge
- Lançamento da revista n. 20
- Coquetel - pão, patês e suco

Trailer Bleu et Rouge:

Sinopse:
Bleu et Rouge (azul e vermelho em francês: as cores da bandeira do Haiti) é um documentário sobre a cultura haitiana na comunidade Toberck, a 120 quilômetros da capital Porto Príncipe, do conflito e da presença militar brasileira. Tini, Bel, Cassandre, Daniel, John, Jhony, Lorry, Sephorah e Taïsha, com câmera e microfone na mão, entrevistam músicos, vuduístas, cozinheiros e jornalistas para mostrar às crianças brasileiras quem são. Ao exibir esses personagens culturais, os adolescentes se deparam com novas informações e com a hibridização de culturas de sua geração.

Direção e produção: Juliana Sakae
Orientação: Aglair Bernardo

Equipe:
Fotografia: Maurício Tussi
Assistência de Produção: Maria Fernanda Sakae
Produção (Haiti): Pierre Jentil
Trilha sonora: Dominique Messeroux
Identidade Visual: André Bathke Humeres (TCC em Design)
Pesquisa de Imagem: Pedro Santos
Legendagem: Murilo Bonfim

Idioma: Francês e Créole haitiano | Legenda: Português brasileiro | 2009 40’ documentário

Um mundo maravilhoso

Por Elaine Tavares


Patética cena. Na platéia, de mãos dadas, a realeza. Olhos sorridentes, expressão de gozo e aquela serenidade dos saciados. No púlpito, o arrogante soberano do mundo. Recebia o Nobel da Paz e falava da necessidade da guerra . Nada poderia parecer mais cínico. Justificando a postura imperial dos Estados Unidos, Barak Obama insistia na sagrada missão que este país tem de levar a democracia ao mundo, nem que seja sob o fogo grosso. A imposição da “liberdade liberal” a todo custo, com canhões e bombas.

Grotesca cena, assistida por milhões de pessoas no mundo. Os reis, feito cortesãos, aplaudindo o imperador. E este anunciava a decisão de enviar mais tropas ao Afeganistão, mais mortes, mais destruição, mais dizimação da cultura, da vida. E os lambe-botas, assentindo, extasiados, vendo o dono do mundo, no seu terno vistoso, cuspindo balas. “A guerra é fundamental para preservar a paz...” Que o digam os estadunidenses empobrecidos, os que perderam as casas na crise imobiliária, os que ficaram sem emprego por conta da quebradeira de empresas privadas “competitivas”, os que tiveram de ver seu governo investindo um trilhão de dólares para salvar os bancos, enquanto eles mesmos tem de viver em tendas, sem saúde adequada, sem esperança. Que o digam as gentes dos EUA que observam o Nobel da paz gastar dez bilhões de dólares ao ano com a guerra no Iraque, os que vem seus filhos chegar em caixões.

A guerra dos Estados Unidos não é uma missão confiada por deus para levar boa vida às gentes. A guerra é uma imposição do capital que precisa se expandir. Quando a produção é demais e não há quem compre, é necessário criar alguma destruição para que as empresas possam ter a quem vender. Assim, destruir um país parece ser um bom negócio. Não tem nada a ver com democracia, liberdade e outros destes conceitos bonitos que os cínicos usam para enganar os incautos. O capital lambe os beiços e vai se sustentando mais um pouco, construindo países que foram arrasados pelas bombas.

A teologia que move a sede de poder dos Estados Unidos não nasceu agora, não é exclusividade do jovem imperador. Ela vem de longe na história, e nós, na América Latina, já a sentimos na pele desde quando este país decidiu roubar as terras mexicanas no início do século XIX. Desde lá, as doutrinas de guerra vem assolando nossas vidas, com invasões armadas, invenção de governos ditatoriais fantoches, invasões culturais, invasões empresariais. Tudo isso em nome do “deus” dinheiro, tudo em nome do poder.

Ontem, na entrega do cínico Nobel da Paz, o jovem imperador escrachou a doutrina. Sem pejo. “Não há paz sem a guerra!” E os poderosos – defendeu com seu nariz empinado - tem o direito de impor sua vontade ao mundo. Porque tem os canhões. Michele, vestida como uma imperatriz, deu o toque familiar, limpando tal qual uma dona de casa típica, o fato do marido sob os holofotes. A Globo terminou aí sua matéria, com um riso de admiração no rosto de Bonner e Fátima, eles próprios um casal modelo. E, nas casas, as gentes sorriram. “Quão lindo é esse homem, e quê coragem em defender a guerra!” Enquanto isso, lá longe, no Oriente Médio, as bombas seguem caindo, assim como no Afeganistão, em Honduras, na Colômbia. Mas tudo bem, são só luzes. E é natal...

A razão cínica domina o mundo. Já não há disfarces. Mas eu acredito que uma hora dessas, as gentes acordarão e, decididas, dirão: Já basta! Ou isso, ou a barbárie.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Nesta quinta tem ato em Florianópolis

Compreendendo que não é hora de silêncio e de passividade e sim, de unirmos forças e lutarmos pela democracia e direitos sociais, assumindo a consigna "Somos todos Sem Terra", as entidades, movimentos sociais, sindicatos e centrais sindicais se reúnem em mais um ato contra a violência do agronegócio e a criminalização das lutas sociais, em defesa do MST. Essa atividade acontece em nível nacional no dia 10 de dezembro, dia Internacional dos direitos humanos. Aqui em Florianópolis estaremos realizando no dia 10 as 17h, na esquina democrática. Aproveitaremos este momento para colher assinaturas da campanha "O petróleo tem que ser nosso".
Será um dia de conversarmos com a população no sentido de denunciar os crimes do Capital Contra a Hunanidade e a Natureza.
É importante a presença de todos nesse dia de luta em favor da classe trabalhadora.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Prates: Tu És um Verme, e o Jornalista que Não te Denuncie, Um Omisso

Dedicado aos que deram a vida pela Liberdade.

Por Raul Fitipaldi

Escrevo sem constrangimento nem surpresa. Escrevo para que os estudantes de jornalismo em particular, de qualquer parte, tenham em claro a diferença entre Liberdade de Empresa e Liberdade de Imprensa. Escrevo não para desabafar, porque o “verme de defunto” que proferiu o vídeo que muitos de vocês já conheceram, que outros conhecerão e que reproduziremos no Desacato, como já o foi reproduzido no site de Celso Martins e em tantos outros espaços decentes, não pode ser levado a sério. Escrevo essencialmente, porque não pode ser exibido esse objeto repugnante do sistema na hora na qual as famílias, as crianças, os adolescentes, se alimentam, para dar continuidade à labuta diária. Estou falando de censurar ao tal Luiz Carlos Prates? Não, estou falando de censurar a quem nos conduz à insanidade mental, à mentira, ao oportunismo, à promiscuidade, à prostituição e à obscenidade. E esse ser que vomitou esses trejeitos sonoros na RBS TV induziu na sua louca paródia a tais condutas.

Quero me dirigir aos colegas que iniciam a trilha desta linda atividade de informar, comunicar, transmitir, narrar, articular opiniões, isso tudo através de uma técnica adequada, para que contemplem os valores sociais mais solidários, civilizados, progressistas, julgando à violência privada, estatal e paraestatal, servindo ao povo, educando e trabalhando para a liberdade plena do povo a partir da ética e da honestidade. Para que observem especialmente o preço que se paga muitas vezes pela fama, pela vaidade de “se achar”, pela inquietude de ser o centro das atenções, pela tranqüilidade de um salário bom e uma aposentadoria polpuda em troca do favor ao amo. Que efêmera é a mentira e que poucas décadas dura oculta a triste verdade de um senhor que engana na TV e na rádio e que fica, pela sua própria boca e imagem deflagrado em toda sua dimensão: UM JORNALISTA TARIFADO, UM BONECO DE VENTRÍLOQUO.

Esse é o pecado do colega que defende em troca de imagem, fama e dinheiro a LIBERDADE DE EMPRESA contra a LIBERDADE DE IMPRENSA. Ou se empresta para qualquer faxina ou perde o emprego. A Liberdade de Empresa motivou uma campanha brutal contra a democracia venezuelana, baseada na mentira e criando a percepção de que a não renovação de concessões de ar para determinados meios em favor dos meios públicos e populares era um ato ditatorial, a mesma campanha que estão iniciando no Equador. A Liberdade de Imprensa permite que em lugar de se modelar a opinião do povo se lhe permita a ele próprio, em seu interesse e linguagem expressar e ouvir aquilo que lhe concerne como produtor da riqueza. Falamos da luta de classes na comunicação. Esse tal Prates defende à classe social à qual serve de forma ordinária e despótica. Dono da verdade única pousa de Zaratustra mediático e entra nos lares com impudica permissividade. O que há de ser cerceado no senhor esse não é que diga o que pensa, mas sim, a deformação da verdade proposital em defesa do interesse único do seu patrão e próprio, e as formas que utiliza para atacar contra a consciência coletiva, pretendendo, através da mentira, deformar o imaginário popular para que favoreça a violência, a tortura, a perseguição e a submissão dos direitos humanos.

Quando não há monopólios há soma de mensagens expressadas, gera no coletivo social a “grande verdade de todos”, aquela que por ser o conjunto da diversidade de opiniões, visões da notícia, confrontações de fatos, acumulações de experiências e culturas que a emitem e receptam, é assimilada pelo povo como própria e não do dono do meio. A Soberania Comunicacional dos Povos inibe a existência de meios e personagens autoritários como o personagem nefasto em questão.

Finalmente, não sejamos ingênuos: o discurso deste funcionário do monopólio RBS apenas segue a linha do que começou a se desenvolver revestido de “democracia conservadora ofendida” na Venezuela, e de Golpe de Estado em Honduras. A beatificação do Golpe de Estado do nosso povo irmão de Honduras não é um acaso avulso do Império e das oligarquias regionais, é um Projeto Condor II para América Latina. Os Oscar Arias, José Miguel Insulza, Uribes, Martinellis, Alan García, Cisneros, Vargas Llosa, etc. começam a tocar os sinos da guerra. Este pobre homem da RBS é uma cópia grosseira e provinciana desse projeto que voltou a se instalar na região. Mais um beato da Ditadura. Um detalhe apenas: Não é de duvidar que ele fosse um jovem jornalista que pudesse andar solto e feliz por Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. De fato, o brotinho já era golpista, fazia parte dos acólitos do golpismo. Ou mesmo não poderia dizer Vladimir Herzog.

Em fim, aguardo com humildade, que em homenagem à memória de Adolfo Dias e a tantas vítimas em graus diversos que esta terra já teve desde a Ilha até o Contestado, meus caros e respeitados Lelê de Souza, Hamilton, Geraldo Barbosa, e especialmente o Sindicato de Jornalistas inicie ações legais e públicas com a finalidade de que nossas crianças e adolescentes, não mais sejam submetidos a esse assédio comunicacional na sala dos seus lares. Prates tu és um verme, vá para Miami, esse é o teu lugar.

JUSTIÇA JÁ!

http://sambaquinarede2.blogspot.com/2009/11/o-trombeta-da-ditadura-insanidade-no.html

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Movimento Saneamento Alternativo

Movimento que luta contra o emissário, proposta da Casan para o esgoto da ilha, fez protesto no Campeche. A luta é por um tratamento alternativo. Nenhum emissário em nenhum lugar!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Povo Xokleng diz a sua palavra

Reunidos em Florianópolis durante dois dias, 18 caciques das áreas Xokleng de Ibirama e José Boiteaux, falaram sobre sua história e discutiram seus problemas. Ninguém da grande imprensa compareceu. "A imprensa distorce tudo o que a gente diz e o povo branco não consegue nos enteder", denunciaram as lideranças. Mas, nós, da Pobres, lá estávamos e por aqui difundimos a voz originária.


quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Grandes Projetos de Energia só dão lucro para alguns

Elaine Tavares, jornalista

A água desceu do céu na cabeça daqueles que se recusam a vê-la encharcando campos produtivos. Dois dias de chuva forte e dois dias de intensos debates, justamente para discutir os destinos das águas e da energia neste país. Foi o Seminário Sobre Grandes Projetos de Energia, promovido pelo Movimento dos Atingidos por Barragens, na cidade de Cerro Negro, em Santa Catarina, lugar onde há mais de 20 anos se luta contra a construção de mais uma hidrelétrica no rio que corta o município. Mais de 400 pessoas participaram, dormindo em acampamentos mal arranjados e enfrentando os temporais. Isso é pouco, diziam, perto do que pode significar em destruição, a sanha construtora de barragens neste país. Daí o fato de ninguém se importar com as intempéries. Discutir o modelo de desenvolvimento lhes parecia mais importante do que clamar contra a chuva e as dificuldades passageiras.

O que são as barragens

Barragens são barreiras artificiais, feitas em cursos de rio para reter grandes quantidades de água. O propósito disso é redirecionar os mananciais, como em casos de enchentes, usar essa água para abastecer algum lugar, ou gerar energia. O uso desse tipo de modificação na natureza não é coisa nova, desde que o homem começou a manipular a natureza elas foram erguidas, principalmente onde havia escassez de água, para que durante as chuvas, o precioso líquido pudesse ser armazenado. Os árabes foram grande manipuladores das águas e as barragens mais antigas foram criadas na região do Oriente Médio e no Egito. Também na Índia antiga já se tem notícias deste tipo de ação para evitar alagamentos dos campos férteis nos períodos de cheia. Em Abya Yala (América Latina) igualmente os maias e os incas usavam esse recurso para armazenar água. Mas, é no período da Revolução Industrial – quando começa a se instalar o sistema capitalista - que este tipo de manipulação da natureza acontece para gerar energia em grande escala, e desde aí o processo avança para a construção de grandes hidrelétricas.

No Brasil

A febre das grandes barragens no Brasil começou nos anos 70, não por acaso, na década do milagre, em pleno regime militar, quando o desenvolvimentismo era a orientação nacional. A idéia era construir usinas hidrelétricas para, com a força das águas, gerar eletricidade para abastecer o parque industrial nacional que começava a se desenvolver. A primeira destas grandes barragens foi paradigmática, desalojando de uma só vez mais de 70 mil pessoas. Era a Barragem de Sobradinho, na Bahia, construída no curso do Rio São Francisco.

Em 1975, a novela da rede Globo, Fogo sobre Terra, escrita por Janete Clair, uma das mais importantes escritoras deste tipo de folhetim, debateu o tema das barragens apontando a construção como a arrancada para o progresso, afinal, nunca se deve esquecer, a empresa dos Marinho nasceu no período militar com o propósito de criar mais-valia ideológica em nível nacional. O enredo mostrava a disputa entre o atraso (quem defendia a cidade) e o progresso (a construção da barragem). Na trama, uma mulher insiste em ficar na terra e a cena em que o lago cresce e alaga tudo é de arrepiar. Apesar da carga dramática do momento, a índia Nara (vivida por Neusa Amaral), a mulher que morre em silencioso protesto é apontada como “a louca”, a que se negou a entrar no tempo do progresso. Já o mocinho, Pedro, que também iria ficar e morrer, é convencido a sair porque sua mulher espera um filho. É a vitória da “racionalidade” e do progresso.

Difícil foi para os brasileiros que sorviam o folhetim com paixão, desvincular a decisão do mocinho de suas próprias vidas. Se ele, que era o mais radical contra a barragem havia capitulado, porque não o resto do Brasil? E foi assim que, com o empurrão ideológico da Globo, a barragem de Sobradinho, em 1977, dois anos depois do fim da novela, criou um lago artificial de 4.214Km2, com capacidade para 37,5 bilhões de metros cúbicos, enterrando quatro cidades: Casa Nova, Sento Sé, Remanso e Pilão Arcado, além de outras dezenas de vilarejos. Sobradinho tem 11 hidrelétricas gerando 13 mil megawatts. Sá e Guarabira cantaram essa destruição na clássica “Sobradinho”, onde dizem: “o sertão vai virar mar, dá no coração, o medo que algum dia o mar também vire sertão...”

Itaipu

No ano seguinte ao alagamento de Sobradinho começa a construção da Usina de Itaipu, no Rio Paraná, e é anunciada a construção das usinas de Machadinho e Ita, no rio Uruguai. Tudo apontava para um vertiginoso crescimento econômico no Brasil e as empresas estrangeiras de construção faziam fila para abocanhar o filé. Itaipu foi o mega projeto dos militares, levantada em parceria com Paraguai, e que tem a maior capacidade de geração de energia do mundo. Instalada bem na fronteira com o Paraguai ela fornece 90% da energia usada por aquele país e 19% da que é consumida no Brasil. Mas, como o Paraguai usa bem menos do que é o seu direito no acordo, o Brasil compra o que sobra e o fazia por um preço bem abaixo do mercado, pelo menos até agora, quando o presidente Fernando Lugo decidiu virar o jogo e o governo Lula teve de re-negociar, passando a pagar o preço justo.

Itaipu, tal qual Sobradinho, levou mais de uma década para ficar pronta. Cerca de 40 mil pessoas trabalharam ali, e para sua construção foram usados doze milhões de metros cúbicos de concreto (o que equivale a fazer 250 estádios do Maracanã) e outro tanto de ferro com o qual poderiam construir 380 torres como a famosa torre Eiffel, de Paris. Mas, o “crime perfeito”, como chamou o cantador popular mineiro Luiz Café, foi a destruição das Sete Quedas. Quando as eclusas da barragem foram fechadas, uma área de 1.500 quilômetros de terras produtivas e florestas foi inundada, levando de roldão as quedas que eram uma das mais belas formações naturais do planeta. “Vejo as águas correndo, os bichos morrendo, seus gritos de angustia e de dor. Vejo um lago sem leito, um crime perfeito, sem fé, sentimento ou amor”, lamentou Luis Café, numa canção que embalou o protesto das vidas da juventude sertaneja, no norte de Minas, naquele início dos anos 80. Hoje, a usina segue produzindo energia, e produzindo demais, como ficou comprovado no último apagão, provocado por excesso de geração.

As gentes

Mas, enquanto o Brasil ia “pra frente” nos anos do “milagre”, matando gente crítica nos porões, industrializando o país e modernizando a geração de energia, as gentes que viviam nas regiões atingidas pelas barragens passaram a viver seus dias de terror e abandono. Mais de um milhão de seres humanos perderam suas casas, terras e até as suas memórias. Grande parte das pessoas, como é comum no Brasil, não tinham posse das terras ou viviam de aluguel e, por isso, não tiveram qualquer apoio do governo. Apenas quem tem a escritura que prova a posse da terra ou da casa é quem recebe um imóvel quando desalojado para outros lugares. A solução, na maioria dos casos foi a migração para cidades próximas ou distantes, mas sempre na condição de um desterrado, sem qualquer possibilidade de melhora de vida. É aí que nasce o Movimento dos Atingidos por Barragens, para organizar essa gente toda. Segundo dados do MAB, mais de 70% das famílias atingidas seguem abandonadas pelo poder público. É bom lembrar que o governo não tem um órgão oficial para cuidar dos problemas dos desalojados, quem resolve isso é a própria empresa responsável pela construção das barragens. Agora, alguém aí acredita que uma empresa multinacional, dirigida desde o estrangeiro, possa se importar com a vida das gentes daqui? A resposta é um sonoro não!

Cada lugar onde foi fincada uma grande barragem, hoje são mais de 600 no Brasil (duas mil se consideramos as barragens menores), deixou um rastro de destruição, seja ambiental ou humana. Daí a luta, que começou primeiro pela garantia das indenizações justas e pelo reassentamento. Mas, depois, com a compreensão do que significam as barragens e o conseqüente não barateamento da energia, o movimento passou a lutar contra o modelo energético como um todo. Essa articulação começou em 1989, no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens, no qual foi feito um levantamento global das lutas e experiências dos atingidos em todo o país. Dois anos depois, em 1991, eles fazem o I Congresso dos Atingidos de todo o Brasil, quando se decide que o MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens - deve ser um movimento nacional, popular e autônomo, e que deve organizar e articular as ações contra as barragens a partir das realidades locais. Desde então, a cada três anos, o MAB realiza congresso e redefine suas metas.

No ano de 1997, foi realizado o 1º Encontro Internacional dos Povos Atingidos por Barragens, com a participação de mais de 20 países, porque afinal, essa lógica desenvolvimentista - típica do sistema capitalista periférico - e de construções de grandes usinas existe em toda a América Latina, além da Ásia, África e Europa. Desde então, o movimento vem realizando debates e lutas em todo o país, buscando construir um projeto popular de modelo energético, que fuja desta proposta predadora.

O Brasil é uma das nações do mundo que mais tem construído barragens, e tem alta dependência da hidroeletricidade, uma vez que 80% da energia elétrica vem destas represas. O que move esta loucura de construção de barragens é, obviamente, o interesse econômico de grandes empresas, muitas delas visceralmente ligadas a governos por “doações” milionárias as suas campanhas. Segundo membros do MAB, vários destes novos empreendimentos que hoje estão sendo erguidos no Brasil já mostraram problemas de legalidade, como é o caso da usina de Barra Grande, no Rio Pelotas, cujos estudos de impacto foram fraudulentos, uma vez que não informaram a inundação de florestas primárias. Também a hidrelétrica Estreito, no rio Tocantins chegou ao absurdo de divulgar que a inundação "ajudaria" os botos da região ameaçados, pois teriam sua mobilidade restringida e o manejo facilitado.

Apesar de todos os protestos, documentos comprobatórios das irregularidades e mobilizações, o governo brasileiro segue comprometido com essa via de desenvolvimento, ignorando olimpicamente as alternativas propostas por pesquisadores, estudiosos e população. Faz ouvidos moucos para problemas como a perda de terras produtivas, expulsões e deslocamentos de milhares de pessoas, destruições de espécies animais e vegetais, alteração dos regimes hídricos, rebaixamento dos lençóis freáticos, alterações geográficas, mutações dos ecossistemas, entre outros. Surdo aos clamores das gentes, o governo ainda faz estudos para a construção de novas barragens até 2030, afinal, ainda há muitos abutres estrangeiros querendo meter a mão nos grandes rios brasileiros e, neste setor, o que importa são os ganhos de produção e não a vida das pessoas ou a natureza.

Ao construírem uma barragem ou hidrelétrica para abastecimento de água, as multinacionais dominam o lago e recebem a concessão por 30 anos, com renovação para mais 30, isso sem contar o que ganham com a geração e distribuição de energia. Esta, no Brasil, é bastante nova, deve ter uns cem anos apenas. Segundo o MAB, até 1970 quando houve uma crise energética, o Brasil tinha 7.000 megawatts de energia instalada, hoje são mais de 90.000 megawatts. Isso significa que esta expansão foi coisa pensada. Com medo de ficarem sem energia, os países do capitalismo central transferiram para o chamado terceiro mundo as indústrias eletro-intensivas, que consumiam muita luz, como a do alumínio, por exemplo, que, para produzir uma tonelada do produto, gasta o que usa uma família durante nove anos. E, não bastasse isso, comeram o dinheiro público, apresentando-se para a construção das usinas, cuja verba vem dos empréstimos tomados do Banco Mundial. Plano perfeito: o governo se endivida, o povo paga a conta e os empresários enchem as burras.

Outra forma de lucrarem com o Brasil são os contratos firmados para a compra de energia. Uma empresa estadunidense, a Alcoa, paga apenas 12 dólares, em contrato que vale por 20 anos, quando o custo da produção é de 20 dólares. Ou seja, na prática o governo está subsidiando a vida destes empresários em mais de 5 bilhões de dólares, enquanto o povo paga a taxa de luz mais alta do mundo, conforme denuncia o MAB. Além da Alcoa, também se beneficiam nesta festa de dinheiro público a General Eletric (EUA), a Tractebel (França/Bélgica) e a Votorantin (Brasil). Então, o que fica claro é que sempre que se ouve o discurso de que a construção de barragens vai trazer o progresso, é bom que as pessoas tenham bem claro para quem. Certamente não tem sido para o povo brasileiro, uma vez que o nosso país é campeão mundial em desigualdade social.

Talvez por isso que estas empresas invistam tanto nas promessas de vida melhor quando visitam as famílias que serão atingidas. Elas criam ONGs que ajudam os empobrecidos, financiam rádios para repassar suas mentiras, constroem igrejas, fóruns, carros de polícia, instalam armazéns com coisas nunca vistas, visitam cada família e a enchem de falsas promessas. Tudo isso para dividir o movimento de resistência.

O seminário em Santa Catarina

Agora mesmo existe uma proposta de construir uma hidrelétrica na Amazônia, é a Belo Monte, para onde deve escorrer mais uma quantidade fantástica de dinheiro público, possivelmente captado em bancos internacionais, gerando novas dívidas para o povo pagar. E quem seriam os beneficiados com a energia gerada lá, a custa da destruição da floresta, dos bichos e de mais gente desterrada? O povo? Não! Conforme dados divulgados pelo MAB são a Companhia Vale do Rio Doce, que agora é do Citicorp, dos EUA, o B. H. Billington, da Inglaterra, grande produtora de alumínio, e a Votorantim.

Fora essa gigante de Belo Monte ainda existem outros tantos projetos de médio porte em vários outros rios do Brasil. Tudo em nome do “desenvolvimento e progresso”, o que, na prática, significa desenvolvimento e progresso apenas para os grandes capitalistas. Por conta de todos esses elementos, os participantes do seminário de Cerro Negro chegaram à seguinte conclusão: a promessa de desenvolvimento para as gentes não se cumpre. Até porque, durante o encontro, faltou energia três vezes, e eles estavam cercados por barragens. “Vê, não garante o serviço”, afirma Marinho, dirigente do Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis. Outro dado importante levantado pelos participantes é quanto ao retorno que estas barragens dão aos municípios. Segundo dados do próprio município de Cerro Negro, eles ganham de royalties por conta da barragem apenas um milhão de reais, enquanto que a agricultura familiar rende aos cofres públicos mais de 10 milhões. Onde está a vantagem, então? A Usina de Paiquerê, no Rio Canoas, destruiu 180 mil pés de araucária, árvore nobre, mãe do pinhão, e em extinção. Como isso pode ser possível?

Outro ponto que deve ser levado para novas discussões diz respeito ao “S” do BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento Social). Este banco, que financia as transnacionais com o dinheiro do trabalhador, através do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), jamais se preocupou com o social, mas tem isso incorporado ao nome. Então, o povo vai atrás do “S”.

Outra mentira das empresas é de que as barragens geram emprego e renda. Hum...pra quem? A Alcoa tem 22 trabalhadores, com apenas seis atuando na usina. Toda a renda da empresa vai para o exterior. Já a Tractebel enviou no último ano quase dois bilhões para fora do país. O lucro é de quem? Na verdade, o modelo de desenvolvimento proposto para os países periféricos é o de geração de riqueza para os países centrais, exatamente como na época da conquista. É da natureza do sistema capitalista este tipo de modelo. Para que o centro siga rico, é necessário que a periferia se mantenha subdesenvolvida, com algumas ilhas de desenvolvimento aos moldes do sistema, apenas para manter azeitada a máquina. É o desenvolvimento do subdesenvolvimento, como já mostrou Günder Frank.

A pergunta que fica é: mas então esse povo é conta a geração de energia? Não, não é. Mas existem outras formas de gerá-la e eles tem as propostas, os pesquisadores, os técnicos. Tudo está aí. Só que não interessa ao centro que a periferia se independentize, coisa que a elite lacaia de cada país se ocupa em garantir. Que o diga Bautista Vidal, cientista brasileiro que vive gritando seus projetos sobre a biomassa, energia limpa e inesgotável gerada pelo sol, rios e matas, sem ser levado em conta pelos governantes.

E outra. Esse povo é contra o desenvolvimento? Sim, se for o desenvolvimento capitalista predador que suga tudo para os países centrais. A proposta que saiu do seminário é a da luta por outro jeito de organizar a vida que envolva não só a energia, mas tudo. Coisa difícil, é certo. Mas não impossível. Experiências de desenvolvimento endógeno, aliadas a políticas de estado voltadas para a maioria da população, com participação direta e respeito pelo saber popular, podem ocasionar aquilo que Samir Amin chama de “desconexão”, que seria a construção efetiva de outro modelo de sustentação da vida fora do sistema capitalista. Nunca é demais lembrar que este sistema que hoje é hegemônico no mundo não existiu desde sempre. Ele tem pouco mais de 300 anos e já mostra o quanto seu poder de destruição é alto. Quem consegue ter uma visão totalizante do mundo vê que mudar o modelo de organização da vida já deixou de ser uma proposta que se expressa só no campo da política. O que está em jogo é a vida humana mesma. As mudanças climáticas, a camada de ozônio, o degelo e o aumento dos oceanos, frutos da predação capitalista, apontam para uma só direção, parafraseando Simón Rodríguez, o grande mestre de Bolívar: “Ou inventamos, ou estamos perdidos”.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Povo Xokleng diz sua palavra

Dois dias de intensos debates sobre a vida, a história, a cultura , a saúde, a educação, o direito à terra e os desafios do povo Xokleng. É o que acontece nesta quarta e quinta, dias 3 e 4 de dezembro, no Auditório José de Assis Filho, no Sintufsc, no Córrego Grande, na Capital.
LA KLÃNÕ
- Os Caminhantes do Sol está sendo promovido pelo Grupo Livre de Apoio aos Povos Indígenas de Santa Catarina, e pretende ser um espaço para a palavra indígena, permitindo um amplo diálogo sobre a cultura Xokleng. Além disso, busca valorizar a memória desta nacionalidade colocando em destaque os contos e narrativas dos anciãos, caciques de aldeias e convidados.
Não bastasse isso, as lutas também estarão em destaque, uma vez que em Santa Catarina ainda há muito que avançar no que diz respeito a visibilidade da cultura e ao respeitos aos direitos dos povos indígenas.
O encontro começa no dia 3, quinta-feira, às 8h30min, com o debate sobre a medicina tradicional Xokleng. Na parte da tarde, às 13h30min, acontece o debate sobre os direitos indígenas e os problemas da terra Xokleng.
No dia 4, sexta-feira, a partir das 8h30min, os mais antigos contarão suas histórias e durante a tarde é a vez do debate sobre educação.