quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Mais-valia ideológica no ônibus

Elaine Tavares

O pensador venezuelano Ludovico Silva desenvolveu um conceito perfeito para a televisão: mais-valia ideológica. Ele diz que o sistema capitalista, não satisfeito em sugar mais valia do trabalhador no seu local de trabalho, ainda suga a mais-valia ideológica quando ele pensa que está descansando diante de sua televisão. Na verdade, diz Ludovico, a pessoa diante da TV não está fruindo, curtindo ou descansando. Não! Está sendo inundada pelos apelos do sistema: compre isso, compre aquilo, siga as regras do natal, seja assim, vista aquilo. Prisioneira, então, da mais-valia ideológica.

Pois agora, a gente que vive sob o terror do transporte coletivo de Florianópolis, tampouco consegue se desconectar da mais-valia ideológica. Não bastasse todo o estresse de ficar nas insuportáveis filas que se formam ao longo do caminho nestes dias de verão de uma cidade turística que não tem estrutura, ainda temos de aturar uma espécie de televisão dentro do ônibus. Ali, enquanto as gentes bufam de calor e ódio, ficam passando propagandas: compre isso, compre aquilo, tal pré-vestibular é melhor. Vez em quando entra uma notícia sobre algum famoso e depois uma vídeocassetada. Um verdadeiro atentado à inteligência e à paciência. Pergunto-me, onde está o Ministério Público que não vê isso? Será possível que ninguém se importe que as pessoas sejam submetidas a esses abusos? O que pode fazer uma pessoa comum diante deste descalabro?

Ah, mas não é só isso não. Tem mais. Como o transporte é completamente desintegrado, a gente fica muito tempo sentado nos terminais de baldeação, esperando o terceiro ônibus que finalmente nos deixará em casa. E ali, por toda a parte estão as televisões com os quadros de horários. A gente fica olhando para ver quando vai sair o maldito ônibus e o quadro não vem. O que passam são propagandas, propagandas e propagandas. Infernal. Mas não é desrespeito não. É a mais-valia ideológica levada às últimas conseqüências.Uma verdadeira lavagem cerebral.

Outro dia vi uma informação de que em São Paulo já existem grupos contra isso. Bom,vou fazer a luta por aqui, mesmo o rebanho ache bom. Odeio que me suguem a alma.

Um comentário:

raquel disse...

Olá Elaine!
Tem o meu apoio!
Parece que o desrespeito é generalizado e descarado. Faz-se o que se bem entende, e o pior é que se com a certeza de que as pessoas não reagirão de forma alguma.. Simplesmente ficarão ali paradas, bravas, muitas vezes, mas paradas...enquanto são bombardeadas e suas cabeças anestesiadas. A cena de ver aquele monte de gente desconfortável comendo salgados fritos me remete ao suicídio lento, ou auto flagelo diante da impotência....
Por outro lado, tenho curiosidade em saber qual seria a reação das pessoas nos terminais... Morro de vontade de fazer uma ação conjunta, começando bem agora na temporada.... uma intervenção talvez... Qual seria a reação das pessoas a chamadas do tipo "você aí parado esperando ônibus desintegrado e comendo salgadinho engordurado.. se vc nao está feliz aí, venha dar.. sei lá... uma batida num bumbo...ou tocar um sino"... OU perguntar às pessoas em forma de entrevista, por que elas acham que tem televisão no ônibus e terminal... Por que a gente fica olhando aquela droga de horário na tela... Botar um microfone aberto a manifestações... Sei lá...
O fato é que sabemos que há um descontentamento generalizado, ao mesmo tempo uma tremenda sensação de impotência... De repente..um empurrãozinho... e ver o que as pessoas gostariam de fazer para modificar essa situação..
Não sei se é a melhor pedida, mas é alguma coisa...

Raquel Macruz