domingo, 29 de junho de 2008

Apaixonei-me




Míriam Santini de Abreu

Mercado Público, nascido no final dos 1800
No canto dele, anoitecendo, a Lua Cheia imemorial de junho
Na mesa, azeite de oliva Figueira da Foz, pastéis e cevada, a vela branca em formato de lágrima
Por todo lado, alongada, a Ilha de Santa Catarina.
Dizer o quê? Depois de 10 anos de um morar às vezes tedioso, às vezes enfurecido, apaixonei-me.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

A nuca perfumada da menina

Fernando Karl
O venerável superior Hans Daff, da abadia de Wassal, no balneário de Ó, põe os óculos redondos e, fingindo que folheia com unção o vago registro no caderno católico, não deixa de observar que, ali na sacristia, a nuca da menina é perfumada.
O venerável convida a menina para que sente em seu colo.
Quinze anos tem Laurinha; o venerável espera que saiam todos e a mão com o grosso anel de ouro enfia-se no musgo entre as coxas da menina que ainda não sabe, que ainda não pode saber.
Os lábios molhados da menina, a nuca perfumada, o repique dos sinos. Alguns padres desfiam o rosário no átrio.
Aqui é o balneário de Ó envolto em neblina, onde atracam as barcas que descem o rio. Folhas do tamarindo caem, num abandono previsível, e, se erguermos um pouco os olhos, deparamos também com aquele céo antiqüíssimo e monótono. Contudo, o que se percebe mesmo é que o vento e os homens, as pedras e as mulheres só cuidam de si, nunca desconfiam que, nesse minuto, na abadia de Wassal, o venerável Hans força a menina a ficar de de quatro e a beijar o crucifixo.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Só as crianças são puras!

Foto enviada por Evandro Euriques, professor da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO)

Neste tempo sombrios
de violências e dores
Só as crianças de alma sã
mostram a grandeza
de reverenciar a vida!!!
Elaine Tavares

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Episódio na Casa de vidro

Fernando Karl
Walter Benjamin, pela primeira vez sozinho no soturno casarão de seus antepassados, não pode abandonar a barcaça ao vento nem esconder esse corpo de mulher que furou à faca, nem urinar atrás da canoa, junto à âncora de ferro, nem se esconder do rumor da vida alheia, mas pode olhar a vida de frente e, ao se aproximar da vida, ela se transmuta em chuvas nas tábuas da varanda do soturno casarão onde, nesse exato momento, Walter Benjamin escreve suas Memórias de Leipzig.
Do outro lado da ilha de Pedra, bem próximo do filósofo alemão, eu moro numa pequena Casa de vidro; para Walter Benjamin, a suprema liberdade era viver numa Casa de vidro. Certa vez grafou no caderno: “Silêncio, quero passar onde ninguém passou, silêncio”.
“O corcunda só se corrige na cova”, não cansam de dizer os escolásticos. Eu digo: “Ao inferno os pensadores de sistemas lógicos! Não só se pavoneiam de ter feito qualquer coisa, como também enlouquecem ao tentar explicar o vento, e se incluem na idiotia universal quando insinuam que o céu foi criado por eles”.
Poderia citar, aqui, o culto Voltaire, que escreveu: “Os homens não conseguem fazer um verme, mas criam deuses às dúzias”. Claro que Voltaire pode nunca ter dito isso e eu, vil, atribuí a ele a frase pronunciada. Mas então eu seria mais arguto que Voltaire, posto que o dito é excelente.
Horas depois, ainda na pequena Casa de vidro, tive um pensamento selvagem: o de passar a língua na pele salgada das meninas virgens --- na pele da nuca, na clavícula, nos quadris assustados, na sombra espessa do púbis.
Eu sempre acreditei que eu próprio incitara Walter Benjamin a furar aquele corpo de mulher com a faca, para o fim de aniquilá-la mais rápido, e capturar o céu que aquele corpo esguio guardava num relicário qualquer entre as vértebras, se é que realmente algum dia houve céu, corpo de mulher, vértebras, mas a Casa de vidro existiu desde a primeira respiração.
No fim de uma semana, fui ao soturno casarão de Walter Benjamin. Percebi de imediato que ele não havia conseguido abandonar a barcaça ao vento nem esconder o corpo de mulher que furou à faca, mas ainda urinava atrás da canoa, junto à âncora de ferro, e o rumor da vida alheia ele o tinha sempre que lavava a xícara ou quando abria a geladeira em busca do alface.
Walter Benjamin não deu por minha presença. Eu retornei à Casa de vidro, esqueci um disco na vitrola, fiz café e escrevi até que a chuva lavasse os dejetos brancos das gaivotas no transparente telhado.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Caros Amigos fecha um ciclo

Elaine Tavares - jornalista

Eu não o conheci pessoalmente, mas sempre soube quem ele era. Um homem doce, sensível, companheiro, amigo, um mestre. Um desses seres que não temem ensinar o que sabem, porque tem consciência de que a única coisa a deixar de herança é o exemplo de vida bonita e digna. E assim foi Sergio de Souza, o cara que comandou a revista Caros Amigos desde o início do seu projeto. Sérgio era a Cara da Caros. Dele emanava uma delicadeza, um cuidado com o texto dos outros, um respeito, que eram coisas raras no mundo vaidoso e superficial do jornalismo.

Como colaboradora da revista meu contato com Serjão sempre foi através de Thiago Domenici, o secretário de redação. Outro ser adorável, igualmente raro no mundo da imprensa. Guri que teve Sérgio como professor. Aprendeu com ele, em quatro anos de trabalho conjunto, como é que se faz jornalismo, como se trata as pessoas e o cuidado que se deve ter com quem escreve, porque nós, os “escrevinhadores”, somos seres borbulhantes, inconstantes, sensíveis. E o Thiago sugeria, palpitava, discutia pautas. E o Thiago elogiava, comentava, ajudava. Uma figura especial. Um exemplo de cuidado e respeito.

Pois dia desses o Serjão resolveu fazer uma coisa muito má, destas que nunca ousara fazer. Foi embora. Encantou. E deixou um buraco na vida do jornalismo. E deixou uma cratera na vida daqueles que caminhavam com ele nesta vereda de ternura e paixão pela palavra. Quem, como eu, participava de longe deste projeto da Caros Amigos, sofreu, mas não desesperou. Sabíamos que aquela gente que tinha construído com Sérgio a proposta de uma revista crítica, bonita e inteligente, não negaria fogo. Era um povo que aprendera a lição do velho companheiro. Então seguimos, sabendo que Sérgio viveria para sempre.

Pois ontem me chegou a carta do Thiago, secretário de redação da Caros, que tantas vezes mediou, com carinho e respeito, a publicação de vários dos meus textos. Despedia-se de todos os que tinham caminhado por estes anos com ele, o Sérgio e a turma da Caros. Fora demitido por telefone e sem direito a aviso prévio. Seu pecado: ser um “seguidor” do Serjão. O menino que entrou na revista como estagiário, que não perseguia grana nem fama. Que só queria fazer jornalismo bom, deste que serve a maioria das gentes. O guri de riso largo que aprendeu com Sérgio que as pessoas precisam de amor, atenção, cuidado, palavras de incentivo, respeito. O guri que não o renega. O guri que sabe com quem aprendeu. O guri que o reverencia. Diz ele: “Escrevo para me despedir e dizer que o modo como saí foi injusto. Impensável em outras épocas. O tratamento dispensado aos ´jovens seguidores do secretário` como foi divulgado é lamentável. Vale registrar, não foram só "os jovens seguidores do secretário" que deixaram o projeto decepcionados. O projeto só existe porque as pessoas - que devem ser respeitadas antes de tudo - o conduzem de coração, alma, sem nenhum tipo de "ismo" como diz o editorial número 1. A revista não é patrimônio de um só, é de todos os colaboradores, leitores e envolvidos no seu dia-a-dia. Espero, sinceramente, que isso permaneça de algum modo e que respeitem a minha história interrompida e de todos os que deixam o projeto. Sim, decepcionados com argumentos e tratamentos! Ao contrário do que possam dizer em notas divulgadas e invencionices, é sempre bom ouvir a versão dos dois lados”.

Por conta desta arbitrariedade, vários outros companheiros saíram da Caros Amigos. Não reconhecem mais nela o projeto que suleou a revista nos tempos do Serjão. Sabiam eles que as mudanças seriam naturais, mas não esperavam coisas desse tipo, como a demissão sumária e desrespeitosa do Thiago, os argumentos usados e a descaracterização da revista. Numa outra carta, divulgada pelos trabalhadores que se demitiram em solidariedade ao Thiago, chega-se a conclusão de que o bom ambiente de camaradagem e alegria que havia antes, acabou. Assinam o manifesto: Cylene Dworzak Dalbon (repórter), Jackson Viapiana (estagiário), Léo Arcoverde (repórter), Mariana Nóbrega (assistente de arte), Mariana Santos (estagiária), Natália Mendes (estagiária), Rodrigo Aranha (repórter), Rodrigo Mendes (texto), Vinícius Souto (assistente de redação).

Renato Pompeu (editor especial) também pediu demissão e assina o manifesto, mas sua posição é diferenciada, pois reconhece a autoridade da direção da revista, porém julga que a única coisa que o atraía na redação, o bom ambiente de camaradagem no trabalho, deixou de existir. Em solidariedade a Thiago Domenici, também saem da revista: Mariana Camarotti (correspondente na Argentina), Fernando Evangelista (repórter) e Lilian do Amaral (texto).

E é assim que se esvai um lindo projeto de jornalismo, de pensamento próprio e de crítica. Melancolicamente a Caros Amigos põe um ponto final a um jeito de ser e fazer jornalismo, como o que era levado por Sérgio e sua trupe. Os seguidores, como dizem. Fico pensando em Jesus, em Che, em Gandhi e outros tantos seres que iluminaram caminhos e abriram veredas por onde até hoje andam aqueles que se atrevem a segui-los. Ser seguidor de uma prática bonita, respeitosa, amorosa, delicada, crítica, bonita e tudo o mais que ensinava Sérgio não deve ser defeito. É qualidade. Por isso, Thiago e toda a gente que saiu da Caros em solidariedade a ele, só devem se orgulhar.

O mundo humano é assim mesmo. As coisas nascem, crescem, se reproduzem e morrem. Mas coisas há que não morrem. E certamente não há de morrer no Thiago as lições que aprendeu do grande companheiro que hoje parece ser a causa de sua demissão. Às vezes, Thiago, quando a gente perde, é quando a gente ganha. Pode ser que, na imensidão do cosmos, onde agora está vivendo aquele que te fez um jornalista tal qual tu és, estejam sendo tramados os planos para novas propostas.

Coisa novas podem nascer deste grupo que hoje é chamado de “seguidores do Serjão”. Coisas novas, belas, dignas. Porque ninguém caminha com um mestre em vão. A melhor resposta é ultrapassá-lo. Lá em cima, na beira da nuvem, ele está olhando, orgulhosos e seguro. Sabe que essa galera vai parir o novo. Um novo que terá a cara de vocês e não a dele. Aí sim ele terá sido grande.

Não é hora de chorar o que se perdeu, mas sim, abrir as trilhas para o que virá. Aqui, da periferia da periferia, Santa Catarina, eu me solidarizo e aposto minhas fichas nesta galera de seguidores... Contem comigo para o que vai nascer!...

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O homem que é um caminho

Por Elaine Tavares - jornalista

Imagine aquele homem, de riso largo e olhos penetrantes, sentado em sua cadeira de balanço, charuto entre os dedos e um mate quentinho a lhe aquecer as juntas gastas. Do alto dos seus 80 anos ele ainda olharia de esguelha para alguma mulher bonita e sairia às ruas nas passeatas, serelepe como um menino. Mas El Che não chegou lá. Não soube o que é perder a força, os hormônios, sentir o corpo fraquejar. Não perdeu a beleza heróica, não envelheceu. Caiu, executado numa escola pobre, de um longínquo lugar da Bolívia. Seus olhos de lâmpada, que iluminaram a luta mais bonita do século XX, ficaram abertos, mirando os assassinos, numa expressão quase de pena.

Ernesto nasceu na Argentina e viveu sempre no limite. Asmático, venceu cada crise, recusando-se a cenas de auto-piedade. Quando o ar lhe faltava, ele arfava, barulhento, e se escondia para que ninguém o visse lutar contra a doença que tentava impedi-lo de viver à larga. Foi assim que se embrenhou pela América Latina e descobriu que muito mais do que argentino, ele era um revolucionário, prisioneiro das causas do povo. E assim foi até o fim.

El Che é homem sem igual. Não é à toa que vive para sempre. Enfrentou a doença, enfrentou o império, se embrenhou nas selvas e defendeu com seu próprio corpo os sonhos coletivos de uma multidão. E é tão especial que, mesmo morto, consegue levar adiante milhões de almas em rebelião. Seu rosto anguloso de olhar firme é presença segura em qualquer lugar onde haja gente em luta. Sua força revolucionária é tão grande que nem apropriado pela Fórum conseguiu se transformar num pastiche. A cara do Che nas camisetas da famosa marca não podiam mesmo encantar a classe que compra roupas caras. Essa gente não o conhece, não sabe do seu valor. Assim, não vingou.

O Che vive mesmo é nas camisetas de malha ruim, produzidas nos fundos de quintal, em fabriquetas de serigrafia, que se vendem nos encontros populares. Porque essa gente é a sua gente. Os empobrecidos, os desvalidos, os oprimidos, os marginais, os que dizem não, os que sonham, os que transformam, os que anunciam boas novas, os que fazem rebeliões, os profetas.

O Che vive porque não é mais um homem, é um caminho, vereda de liberdade, de vida digna, de riquezas repartidas. O Che e seu olhar de infinito está sempre ali, a dizer: sim, é possível. Vamos em frente, em luta. Esse homem de junho, esse homem outonal, essa chama. É sua voz de trovão que nos convida a acreditar que as lutas coletivas sempre serão as armas mais seguras para chegar a uma nova organização da vida. O Che de Rosário, de Alta Gracia, de Córdoba, da Bolívia, da Venezuela, do Peru, do Equador, da Guatemala, de Cuba... O Che do mundo... Ele nos acena, invencível, e nós o seguimos... Porque assim como ele, vive, eterna, a esperança deste ainda-não almejado. Nós o faremos... Eu sei!

terça-feira, 17 de junho de 2008

Pobres 13 está sendo parida

Míriam Santini de Abreu
Que nos aguardem! A próxima Pobres & Nojentas, filha de número 13, a primeira do terceiro ano de vida, estará circulando até o final deste mês. E com novo projeto gráfico, tratado por Rosangela Bion de Assis e Sandra Werle, as jornalistas que dão rosto para os nossos textos ossudos e musculosos. E virá com mais duas croniportagens enviadas às Editoras para o I Festival de Croniportagem de Abya Yala. Tínhamos uma proposta, há algum tempo, de publicar pequenos textos sobre Florianópolis, que se insinua de modo único na vida de cada um de nós. O Raul Fitipaldi, da equipe da Pobres e do Desacato, que parece ter 10 dedos em cada mão - todos a jorrar palavras - foi quem mandou. Leia o texto dele na próxima Pobres!

domingo, 15 de junho de 2008

Travesseiro de pedra - Opus 2

À minha vó Ana
Vista de lado é pedra antiga
que não perde o perfume,
embora o vento fustigue as bordas duras onde adormeço.
De frente, o travesseiro de pedra
é retângulo sumério --- polido --- fascinado
pelas voltagens nuas da primavera.
Se o tenho sob a cabeça ventilada de árvores,
o travesseiro de pedra revela-se santo,
posto que não é só de pedra,
nem serve apenas de travesseiro, antes alivia,
com sua imagem, todo cansaço inútil.
Assim como está, travesseiro entre goiabeiras,
é tudo o que tenho nesta manhã de verão
em que a infância faz sombra em meus olhos.
Fernando José Karl

Lythia

Eu agora vou lhes revelar o Mysterium: Eu, o Insano S., sou Deus — e como ser Deus sem perder a simplicidade? Amo apenas uma das deusas: Lythia. Se sou o que sou — e sou Deus — devo tudo a ela.
Posso construir edificações de vento, esquecer um jasmim e um pão embaixo do travesseiro; posso, também, ser esta sombra no muro pintado a cal. Eu sou a sibila Lythia ou Wittgenstein — fogo e água ao mesmo tempo; eu sou o nó de fogo coroado — e já fui pedra em Calcutá, musgo em Ulan Bator, jazz em New Orleans, fui para cama com a chuva e nasceu o silêncio.
Tanto me feri nos fios cortantes da concha, e já sei que não basta que deusas de água me enlouqueçam de eu sonhá-las, mas a presença delas serve, de alguma maneira, para distrair a dor, enquanto flutuo nos cellos suntuosos de Brahms aqui neste terraço do Hotel Sunset Boulevard, e, saibam, de Godot ainda nem sombra. Esta é toda a vida de um Deus que, mesmo sendo Deus, tem de ficar esperando Godot. Sendo o que sou — Deus — também respiro esta música que torna invisível as árvores, o Castelo da Pureza, e faz com que as ondas se destrocem nas pedras.
Confesso que, sendo Deus, sou o frescor do silêncio e a neblina e guardo no relicário — onde a alma é hóspede silenciosa —, o fato de haver conhecido mulheres que morreram virgens sem nunca acenderem um fósforo. Mulheres virgens são grandes cipoais emaranhados a torrentes de cristal fluindo dentro de pensamentos velados: nem procures a verdade nem afastes as ilusões. Cristalino sob o eucalipto, o vento espera a gueixa Yuki na rua da Pedra.
Com meu desprezo habitual por tudo o que cacareja, chamo o vento de “aquele que dorme num canteiro de vermes e sequer é tocado pelos vermes”. Estua no desconhecido o talismã sereneiro. Desce a luz nas imagens sonhadas de sereias visíveis — ou palavras — que nunca me pesam ou em mim duram apenas o riscar de um fósforo: este que guardo no bolso.
Desfio, como se fosse um rosário de neblinas, um roseiral na secura e adormeço se escuto o vendaval ao longe. Muitas vezes o meu desejo é simplesmente ser um filósofo com gatos brancos na neve — uma neve onde eu pudesse matar a sede.
Fernando José Karl

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Filme aborda seqüestro do Ônibus 174

O cineasta Bruno Barreto irá lançar em outubro o filme "Última parada 174", sobre o fato ocorrido na tarde de 12 de junho de 2000 no Rio de Janeiro. O assunto foi tratado no documentário "Ônibus 174", de José Padilha, que contou a trajetória de discriminação, prisão e exclusão do assaltante, e estará mais uma vez nas telas de cinema. Leia notícia completa em
http://www.divirta-se2.uai.com.br/agitos/interna_noticias.asp?codigo=3754
Veja a chamada do filme em
http://msn.guiadasemana.com.br/MSN/film.asp?ID=11&cd_film=2214&cd_city=1

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A madrugada é perigosa para mim

Míriam Santini de Abreu

A madrugada é perigosa para mim. Quando as outras vozes se calam, as minhas vozes libertam-se de uma prisão que desconheço para me assombrar. Gritam. Sussuram. São de uma lucidez insuportável, não temem nada. Posso pouco quando, furiosas, me acusam; quando, repletas de suavidade, me perdoam. Abro a cortina devagar para encontrar cúmplices, mas o mundo dorme, e os despertos devem também estar às voltas com inquietações ardentes. Do corpo. Da alma. Há uma certa hora, a mais quieta, em que todas as verdades do mundo me encontram, fico flamejante, sábia das coisas da infância e da velhice. E num átimo, num tempo incontável nem antes nem adiante, desconheço tudo, escapam-me de todo as certezas. E fico buscando inutilmente a plenitude perdida, para voltar ao lugar e ao tempo de onde parti, ignorando sempre um pouco mais.

Quase-sabre

A poesia de Fernando Karl é um um quase-golpe de sabre. Quando toca o corpo, eriça a pele. Às vezes faz sangrar. Confira em http://nautikkon.blogspot.com/

Pelas barbas de Magritte

Dica quente de Pobres & Nojentas:

quinta-feira, 5 de junho de 2008

MAS O POETA MORA A SÓS NUMA CASA DE ÁGUA (De um poema de Hilda Hilst)

Um sol de gelo paira a Casa de Água:
o que eu adoro é ninfa imaterial,
agreste brancura da flor de mandacaru,
dançar na Casa de Água de Georgia O’Keeffe
ou sonhar o pescoço de Vishnu,
depois rabiscar águas com barcas brancas.
O sonho humano se abrupta nos
escolhos.
Georgia O’Keeffe lambe, com língua de
vaca,
o sal do megafone.
No seu túmulo, grafado em pedra,
inscreve-se:
eu fui uma Casa de Água.
Por Fernando Karl

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Mansa umidade à espera...

(...) E nem piratas, nem borrascas nem dragões
Vão me impedir de ser feliz
De levantar a minha âncora e partir (...)

Navega Coração, de Kleiton e Kledir

Barco na beira da Lagoa, mansa umidade à espera...

domingo, 1 de junho de 2008

Do primeiro jornal a gente não esquece

Míriam Santini de Abreu

Eu era auxiliar de escritório em uma rede de supermercados de Caxias do Sul em meados de 1990. Entrava na segunda fase de Jornalismo e decidi bater na porta do extinto jornal Folha de Hoje para pedir emprego. Consegui um estágio e lá fiquei durante dois anos. Como tantos outros que passaram pelo jornal, a minha relação com a Folha era um caso de amor.
Havia a Tríade dos Editores – Cancian, Ibanor e Braga. E trabalhava lá o Darci Demetrio, que sabíamos – os repórteres - ter ganho um Prêmio Esso Regional Sul de Jornalismo. Toda semana o Demetrio selecionava uma reportagem para colocar no mural da Redação e comentar. Lembro-me ainda hoje do dia em que a primeira que fiz foi “para o trono”, como dizíamos. Recortei o comentário, que fora datilografado em máquina de escrever, e o guardei.
A rotina na Folha dava a sensação de banho em dia frio. Suavemente cálida. Eu amanhecia plena de notícias a apurar e escrever, e anoitecia pulsátil, mesmo depois das acabrunhantes viagens diárias a São Leopoldo para cursar jornalismo na Unisinos.
Na Folha aprendi a adorar a Editorial de Geral, onde está a peonada do jornalismo: Repórter de Geral. Aprendi a adorar também as botas pretas de cadarço com sola pesada, confortáveis e aptas para qualquer solo e clima. Botinha de Repórter é como as batizei.
Toda manhã as pautas nos esperavam em tirinhas de papel. Cada saída com a equipe repórter-fotógrafo-motorista era uma celebração para mim, “foca” deslumbrada. Digitávamos os textos em PCs com monitor de fósforo verde em meio ao alarido da Redação, uma sala apenas dividida em Editorias com uns seis PCs cada. Os Editores ficavam no único aquário – a sala com divisória de vidro - e havia as salas menores de Fotografia e Arquivo, de recebimento de telex e de diagramação e finalização das edições. Ah, que grande azáfama! Papel, bloco, telefones, dicionários, “espelhos”, “bonecos”, fotos, canetas, pressa!
Quando o relógio apontava 17h30, eu, a Rosane Berti e o Samuel Frison corríamos Redação afora, sempre atrasados para encontrar, na Praça, o ônibus para a Unisinos. Havia histórias e risos nessas viagens, sempre tendo a Folha de Hoje como cenário. Em 2007 as pessoas que trabalharam no jornal organizaram uma confraternização em Caxias e houve um quase consenso em relação aos episódios mais marcantes da história da FH. Um deles foi o dia em que parte do prédio da Prefeitura da cidade pegou fogo.
Era final de tarde, mas o Cancian, nosso Editoral Geral, não precisou chamar ninguém de volta ao trabalho. Estávamos todos lá, uns nos carros do jornal, outros subindo às carreiras a rua Dom José Barea, no alto da qual está, ainda hoje, o Centro Administrativo. Eu e o Samuel chegamos juntos, e ainda hoje me lembro da gafe que cometi. Lá estava o prefeito Mansueto Serafini, uma expressão atordoada no rosto. Eu, afobada pela corrida, lasquei:
- Oi, prefeito, tudo bem!?
Atrás dele, as chamas destruíam parte do prédio!
Nem bem perguntei, me dei conta da gafe e saí dali rapidinho. Uma insensibilidade de Nero, a minha.
Uma hora depois chega à rua, esbaforido, o então secretário da Educação. Ele conta que uma criança quase fora esquecida no local porque dormia em uma das salas da Secretaria. A mãe havia saído e voltou desesperada quando soube do incêndio. Os detalhes da história hoje me escapam, mas eram muitos, e eu e o Samuel resolvemos fazer um texto assinado pelo dois.
Eu estava então imbuída do espírito dos manuais de redação e – temente àqueles preceitos ridículos - insistia em um texto protocolar. O Samuel, hoje mestre e doutorando em Letras, queria fazer uma narrativa quente como as chamas. O texto publicado foi um híbrido, e o episódio da criança, dias a fio, discorrido em nossas viagens a São Leopoldo.
A Folha fechou de forma melancólica em meados dos anos 90. Não sei se algum estudante de jornalismo da Universidade de Caxias do Sul contou a história do jornal. Espero que sim.