Elaine Tavares - jornalista
Eu não o conheci pessoalmente, mas sempre soube quem ele era. Um homem doce, sensível, companheiro, amigo, um mestre. Um desses seres que não temem ensinar o que sabem, porque tem consciência de que a única coisa a deixar de herança é o exemplo de vida bonita e digna. E assim foi Sergio de Souza, o cara que comandou a revista Caros Amigos desde o início do seu projeto. Sérgio era a Cara da Caros. Dele emanava uma delicadeza, um cuidado com o texto dos outros, um respeito, que eram coisas raras no mundo vaidoso e superficial do jornalismo.
Como colaboradora da revista meu contato com Serjão sempre foi através de Thiago Domenici, o secretário de redação. Outro ser adorável, igualmente raro no mundo da imprensa. Guri que teve Sérgio como professor. Aprendeu com ele, em quatro anos de trabalho conjunto, como é que se faz jornalismo, como se trata as pessoas e o cuidado que se deve ter com quem escreve, porque nós, os “escrevinhadores”, somos seres borbulhantes, inconstantes, sensíveis. E o Thiago sugeria, palpitava, discutia pautas. E o Thiago elogiava, comentava, ajudava. Uma figura especial. Um exemplo de cuidado e respeito.
Pois dia desses o Serjão resolveu fazer uma coisa muito má, destas que nunca ousara fazer. Foi embora. Encantou. E deixou um buraco na vida do jornalismo. E deixou uma cratera na vida daqueles que caminhavam com ele nesta vereda de ternura e paixão pela palavra. Quem, como eu, participava de longe deste projeto da Caros Amigos, sofreu, mas não desesperou. Sabíamos que aquela gente que tinha construído com Sérgio a proposta de uma revista crítica, bonita e inteligente, não negaria fogo. Era um povo que aprendera a lição do velho companheiro. Então seguimos, sabendo que Sérgio viveria para sempre.
Pois ontem me chegou a carta do Thiago, secretário de redação da Caros, que tantas vezes mediou, com carinho e respeito, a publicação de vários dos meus textos. Despedia-se de todos os que tinham caminhado por estes anos com ele, o Sérgio e a turma da Caros. Fora demitido por telefone e sem direito a aviso prévio. Seu pecado: ser um “seguidor” do Serjão. O menino que entrou na revista como estagiário, que não perseguia grana nem fama. Que só queria fazer jornalismo bom, deste que serve a maioria das gentes. O guri de riso largo que aprendeu com Sérgio que as pessoas precisam de amor, atenção, cuidado, palavras de incentivo, respeito. O guri que não o renega. O guri que sabe com quem aprendeu. O guri que o reverencia. Diz ele: “Escrevo para me despedir e dizer que o modo como saí foi injusto. Impensável em outras épocas. O tratamento dispensado aos ´jovens seguidores do secretário` como foi divulgado é lamentável. Vale registrar, não foram só "os jovens seguidores do secretário" que deixaram o projeto decepcionados. O projeto só existe porque as pessoas - que devem ser respeitadas antes de tudo - o conduzem de coração, alma, sem nenhum tipo de "ismo" como diz o editorial número 1. A revista não é patrimônio de um só, é de todos os colaboradores, leitores e envolvidos no seu dia-a-dia. Espero, sinceramente, que isso permaneça de algum modo e que respeitem a minha história interrompida e de todos os que deixam o projeto. Sim, decepcionados com argumentos e tratamentos! Ao contrário do que possam dizer em notas divulgadas e invencionices, é sempre bom ouvir a versão dos dois lados”.
Por conta desta arbitrariedade, vários outros companheiros saíram da Caros Amigos. Não reconhecem mais nela o projeto que suleou a revista nos tempos do Serjão. Sabiam eles que as mudanças seriam naturais, mas não esperavam coisas desse tipo, como a demissão sumária e desrespeitosa do Thiago, os argumentos usados e a descaracterização da revista. Numa outra carta, divulgada pelos trabalhadores que se demitiram em solidariedade ao Thiago, chega-se a conclusão de que o bom ambiente de camaradagem e alegria que havia antes, acabou. Assinam o manifesto: Cylene Dworzak Dalbon (repórter), Jackson Viapiana (estagiário), Léo Arcoverde (repórter), Mariana Nóbrega (assistente de arte), Mariana Santos (estagiária), Natália Mendes (estagiária), Rodrigo Aranha (repórter), Rodrigo Mendes (texto), Vinícius Souto (assistente de redação).
Renato Pompeu (editor especial) também pediu demissão e assina o manifesto, mas sua posição é diferenciada, pois reconhece a autoridade da direção da revista, porém julga que a única coisa que o atraía na redação, o bom ambiente de camaradagem no trabalho, deixou de existir. Em solidariedade a Thiago Domenici, também saem da revista: Mariana Camarotti (correspondente na Argentina), Fernando Evangelista (repórter) e Lilian do Amaral (texto).
E é assim que se esvai um lindo projeto de jornalismo, de pensamento próprio e de crítica. Melancolicamente a Caros Amigos põe um ponto final a um jeito de ser e fazer jornalismo, como o que era levado por Sérgio e sua trupe. Os seguidores, como dizem. Fico pensando em Jesus, em Che, em Gandhi e outros tantos seres que iluminaram caminhos e abriram veredas por onde até hoje andam aqueles que se atrevem a segui-los. Ser seguidor de uma prática bonita, respeitosa, amorosa, delicada, crítica, bonita e tudo o mais que ensinava Sérgio não deve ser defeito. É qualidade. Por isso, Thiago e toda a gente que saiu da Caros em solidariedade a ele, só devem se orgulhar.
O mundo humano é assim mesmo. As coisas nascem, crescem, se reproduzem e morrem. Mas coisas há que não morrem. E certamente não há de morrer no Thiago as lições que aprendeu do grande companheiro que hoje parece ser a causa de sua demissão. Às vezes, Thiago, quando a gente perde, é quando a gente ganha. Pode ser que, na imensidão do cosmos, onde agora está vivendo aquele que te fez um jornalista tal qual tu és, estejam sendo tramados os planos para novas propostas.
Coisa novas podem nascer deste grupo que hoje é chamado de “seguidores do Serjão”. Coisas novas, belas, dignas. Porque ninguém caminha com um mestre em vão. A melhor resposta é ultrapassá-lo. Lá em cima, na beira da nuvem, ele está olhando, orgulhosos e seguro. Sabe que essa galera vai parir o novo. Um novo que terá a cara de vocês e não a dele. Aí sim ele terá sido grande.
Não é hora de chorar o que se perdeu, mas sim, abrir as trilhas para o que virá. Aqui, da periferia da periferia, Santa Catarina, eu me solidarizo e aposto minhas fichas nesta galera de seguidores... Contem comigo para o que vai nascer!...
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