segunda-feira, 31 de maio de 2010

Lembranças de Cuba

Míriam Santini de Abreu

Abaixo está um presente para minha amiga Elaine Tavares:

http://www.youtube.com/PobresyNojentas?gl=BR&hl=pt#p/a/u/0/5RzXXnOo2QI


quinta-feira, 27 de maio de 2010

P&N em Cuba

Nesta quarta-feira, 26, a equipe da Pobres entregou ao Cônsul de Cuba no Brasil, Lázaro Mendez Cabrera, cerca de 20 exemplares da edição dedicada ao país. Ele participou da III Convenção Estadual de Solidariedade a Cuba, no Plenarinho da Assembléia Legislativa de Santa Catarina – ALESC. Na ocasião, também foi formalizada a Frente Parlamentar Catarinense de Solidariedade ao país.

Sob o céu de São Paulo

Míriam Santini de Abreu

Para quem, como eu, anda com louca vontade de trocar de ares, abaixo um flagrante captado na chegada ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Ver o mundo de cima dá um desejo imenso de, cá abaixo, ver esta paisagem de perto, embrenhar-se nela.


O monopólio midiático é uma invasão

Veja entrevista com Jilson Carlos Souza, da Agência Contestado de Notícias Populares, de Fraiburgo. Em

http://eteia.blogspot.com/2010/05/o-monopolio-midiatico-e-uma-invasao.html




segunda-feira, 24 de maio de 2010

Repúdio contra a ação da PM

O Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina vem a público repudiar a ação da Polícia Militar catarinense que, não satisfeita em reprimir de maneira violenta os protestos pacíficos da população de Florianópolis contra o aumento das tarifas de ônibus – enfrentando inclusive crianças – agora decidiu impedir os profissionais da comunicação de fazer o seu trabalho de informar sobre os fatos.

Na última sexta-feira, chegou ao extremo de algemar e deter um jornalista, sob a alegação de desacato a autoridade, por ele ter se manifestado no momento em que outro policial tentava impedir o repórter-fotográfico de realizar suas fotos.

Reproduzindo momentos da nossa história que acreditávamos banidos para sempre, a PM de Santa Catarina tem protagonizado cenas de desrespeito ao direito dos cidadãos. É bom que a comunidade saiba que esta polícia que age de forma truculenta é paga com os impostos arrecadados de toda a sociedade. Logo, deveria protegê-la, em lugar de reprimir e impedir a circulação da informação.

A livre manifestação está assegurada na Constituição brasileira. Portanto, não há nada que justifique os fatos registrados na capital catarinense.

Quanto ao trabalho dos jornalistas, é inadmissível que o governo do Estado permita uma ação truculenta como a que foi registrada na sexta-feira. Os profissionais precisam estar junto às manifestações para narrar o que de fato acontece nas ruas de Florianópolis. Se a sociedade permitir que policiais à paisana possam intimidar, impedir a realização do trabalho e, o extremo, que os que têm a condição da força e das armas possam algemar e deter um jornalista por ele estar registrando os eventos nos quais os policiais estão envolvidos, estaremos retrocedendo aos tempos de exceção, em que a liberdade de expressão era tolhida e a população permanecia vendada sobre o que ocorria no país.

Nosso repúdio ao governo do estado, que é, em última instância, o responsável pela ação da Polícia Militar, nosso repúdio ao comando da PM, que não coíbe este tipo de abuso e nossa solidariedade total aos profissionais envolvidos no episódio. O Sindicato se coloca à disposição para qualquer ação que possa ser efetivada e cobrará do governador uma resposta a estes fatos. Se casos como esses forem considerados “normais” em tempos de manifestações e protestos, voltaremos a viver os tempos sombrios da ditadura militar, e isso não podemos admitir, nem como jornalistas, nem como povo.

Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina

Um olhar latino-americano sobre a Educação Física, o Esporte e a Saúde

Lançamento de livro será no dia 25, 11h, Auditório do CDS/UFSC

Por Elaine Tavares – jornalista

O livro “Ensaios Alternativos Latino-Americanos de Educação Física, Esporte e Saúde”, apesar de trabalhar um tema aparentemente árido como a educação física, emociona e surpreende. Edgar Matiello Júnior, Paulo Capela e Jaime Breilh conseguem articular, nos ensaios escolhidos para compor o trabalho, elementos de profunda beleza, temas instigantes, propostas inovadoras, análises críticas e o desvendamento de uma realidade que permanece escondida, jamais revelada nos milhares de programas de televisão que discutem a temática dos esportes.

No trabalho, a própria capa já anuncia o rico universo da discussão. Um menino faz rodar um pneu velho à sombra de uma América Latina invertida. E é esse o debate do livro que já se revela no primeiro artigo, de autoria dos organizadores. É a grande indústria do esporte a expressão da saúde, conforme propaga a mídia cortesã, ou tudo não passa de um grande negócio no qual os atletas nada mais são do que os novos escravos? Nestes tempos de copa do mundo, em que os programas de esporte falam sem parar dos “convocados” do Dunga, o livro em questão aparece como um ar fresco nesta teia de mentiras, negócios e falcatruas. Para além do espetáculo do futebol existe um mundo inteiro de elementos que revelam esta arte, e as pessoas que a fazem, apenas como um espaço de mercadorias e exploração.

E as mentiras sobre o esporte como saúde, de onde vem? Por que os meios de comunicação seguem reproduzindo esta falsa ilusão, quando eles mesmos mostram figuras importantes do esporte lutando contra a derrocada física, ainda na mais plena idade, como é o caso da ginasta gaúcha Daiane dos Santos ou dos jogadores Ronaldo e Kaká? O livro mostra que quando o esporte passa a ser controlado pelas grandes empresas multinacionais, as regras do sistema capitalista transmutam a sua lógica de algo lúdico, divertido e saudável, para cifras e marcas que alienam, escravizam e destroem os atletas.

As tramas que envolvem o movimento olímpico mundial, a interferência das ONGs na consolidação de um tipo de proposta esportiva competitiva e destruidora, a ideologia que se expressa nas variadas formas de encarar o esporte ou de produzir políticas públicas, as questões de gênero no processo da educação física, a liberdade da capoeira, a relação do esporte com educação, o debate sobre a saúde, tudo isso vai passando sob as vistas, de um jeito claro, simples, com uma linguagem passível de ser entendida por qualquer um, descortinando as mentiras, os mitos e as verdades que conformam este mundo aparentemente tão bonito, mas que esconde mazelas e segredos que os donos do poder não querem revelar. Pois, no livro, ali estão eles, descortinados, permitindo que as pessoas se apropriem destas informações sonegadas e possam refletir criticamente sobre a educação física, o esporte, a saúde e o lazer.

O trabalho de Matiello, Capela e Breilh é o primeiro do projeto Vitral Latino-Americano de Educação Física, Esporte e Saúde, ligado ao Centro de Desportes da UFSC e parte do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA). A proposta é justamente identificar, aproximar e disseminar o pensamento crítico que existe nesta área, tão pouco valorizada no mundo acadêmico. Ao ler o conteúdo destes ensaios alternativos, o leitor percebe que este debate está muito mais visceralmente ligado a sua vida cotidiana do que pode imaginar, e guiado pelas veredas dos temas, de forma tão clara, nunca mais poderá assistir um programa de esportes como antes.

O corpo humano, apresentado na mídia como uma máquina, capaz de vencer limites e marcas, só o é se visto pelos olhos do sistema, que exige resultados e espera vitórias, como se o atleta fosse um objeto, uma mercadoria. Para os autores, ligados ao Vitral, o corpo humano é um espaço brincante que precisa ser pensado na sua totalidade. E assim, eles avançam para a construção de uma outra cultura que, no dizer de Leopoldo Nogueira e Silva, autor da linda capa do livro, seja humana e de identidade própria, latino-americana, capaz de transformar a realidade, tal qual ensinava o grande Paulo Freire.

Ler os ensaios do Vitral pode, então, se configurar numa prazerosa viagem, cheia de surpreendentes revelações, capazes de levar o leitor a re-elaborar seus conceitos sobre o tema.

O livro será lançado neste dia 25 de maio, às 11h, no Auditório do Centro de Desportes da UFSC. Vale a pena cruzar este portal!

III Convenção Estadual de Solidariedade Cuba de SC

O movimento nacional de solidariedade a Cuba realiza, nos próximos dias 04,05 e 06 de junho, a XVIII Convenção, na cidade de Porto Alegre/RS. A Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba é um evento que congrega todas as organizações e pessoas do país que estão do lado do processo
revolucionário cubano, com suas conquistas sociais e humanitárias. O objetivo do evento, dentro dos marcos da defesa da soberania e autodeterminação dos povos, é organizar os trabalhos da solidariedade, construindo alternativas para contrapor o bloqueio midiático exercido pelos poderosos meios de comunicação contra a Ilha Caribenha em nosso país.
Em preparação ao evento nacional, a Associação Cultural José Marti de Santa Catarina organiza a III Convenção Estadual de Solidariedade a Cuba, que ocorrerá no próximo dia 26 de maio, às 19 horas, no Plenarinho da Assembléia Legistativa de Santa Catarina – ALESC, quando também será formalizada a Frente Parlamentar Catarinense de Solidariedade a Cuba, com a presença de representantes do governo cubano.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Jornalista Multifuncional

Leia o artigo de Elaine Tavares em

http://revistapobresenojentas.wordpress.com


terça-feira, 18 de maio de 2010

Pobres & Nojentas 22 está circulando!



A Pobres & Nojentas n.22 já está circulando com reportagem sobre o


jornalismo de resistência em Honduras, experiência de amor à


profissão e aos lutadores sociais. Outra reportagem, assinada por


Elaine Tavares, é sobre a luta do povo xokleng para manter suas terras


e a sua cultura. E tem muito mais!


Assine! Contatos por revistapobresenojentas@gmail.com


Dois blogs para viajar



Rosangela Bion de Assis

Em outubro de 2009 eu e o Amberson fizemos uma viagem que começou em Praga e Amsterdã, depois prosseguiu por Brugge, Gent e Ostend na Bélgica e terminou em Paris. Foram 19 dias de muitas descobertas, alguns sustos e muitos deslumbramentos. Anotações sobre a viagem, folhetos de divulgação, tickets, cartão telefônico, ingressos e até fundo de copo foram guardados para produzir um relato da viagem. Também os arquivos de imagens, mais precisamente 1.166 fotos e 25 vídeos, ajudaram a resgatar as lembranças que foram parar em dois blogs.

A única pretensão deles, a exemplo do que foi feito em 2007 (http://viagemdeambersonerosangela.blogspot.com), é mostrar algumas das lindas fotos produzidas pelo Amberson e dividir essa parte da nossa história. Quem passear pelos blogs não verá muitos dados históricos, mas entenderá como dois manezinhos, um do Ribeirão da Ilha e uma do Saco dos Limões, se viraram na segunda aventura do outro lado do Atlântico.

Endereços dos blogs:

• http://viagemdeambersonerosangelaeuropa2009.blogspot.com

• http://viagemdeambersonerosangelafranca.blogspot.com


segunda-feira, 17 de maio de 2010

Eu vi o final da novela

Por Elaine Tavares - jornalista

A novela Viver a Vida terminou neste sábado e, como sempre, uma novela da Globo, por ser uma usina reprodutora de mais-valia ideológica, repercute em vários outros momentos da telinha. Este folhetim em especial suscitou muito debate sobre o que ficou configurado como “a possibilidade de superação”, uma vez que a personagem principal, Luciana, era uma garota linda, de profissão modelo, que sofre um acidente e fica paraplégica. A novela então se move neste universo de superação da personagem que, ao longo da trama, em meio à dor, vai encontrando caminhos e formas de viver que transcendem a sua condição de prisioneira de uma cadeira de rodas.

Assim, por meses, enquanto durou a novela, esse tema da superação foi assunto dos programas de entrevista, dos programas de entretenimento, dos noticiários, enfim, permaneceu como pauta, sempre reforçando que as pessoas podem superar suas desgraças físicas e pessoais. E é assim que se expressa a mais-valia ideológica como bem já demonstrou o venezuelano Ludovico Silva. A pessoa que assiste à televisão, na verdade, não está “descansando” ou “fruindo”, mas segue absolutamente conectada aos ideais e às idéias da classe dominante, que ali reforça suas verdades. E foi por assim entender que se me ficou, neste sábado de último capítulo, a seguinte questão: afinal, que pessoas, neste país, tem verdadeiramente a condição de “superar”, de transcender?

Pois vamos ver o destino dos personagens do enredo da novela das oito global.

A menina Luciana, que era uma chatinha mimada, amadurece, enfrenta com galhardia seu destino de paraplégica, encontra um amor (que também é médico), casa, passa a lua de mel em Paris e termina dando a luz a gêmeos. Ora, isso é mesmo de chorar. Luciana é rica, tem um motorista que a leva a todos lugares, vai aos melhores fisioterapeutas, não tem que ficar nas filas do SUS, teve uma enfermeira particular ao longo da recuperação e seguirá tendo. Seus filhos correrão pela casa enquanto duas ou três babás estarão a postos aos menores desejos. Que vida sem névoas! Luciana superou tudo apoiada na família, sempre presente. O pai chegou a reformar a mansão para atender a todas as novas necessidades. Tudo correu bem. Ela foi mesmo um exemplo de superação, chegando a manter um blog para contar isso a toda gente. Certo, mas na verdade, a única coisa que a personagem de fato superou foi aceitar a condição de prisioneira da cadeira de rodas, porque o demais sempre lhe garantido.

A mãe da Luciana foi a sofredora da trama. Enfrentou a separação de um marido canalha, e teve de passar por toda uma via-crúcis com a filha acidentada, ainda atendendo as demandas de uma outra filha mau caráter, que acaba com um texano rico (presente ou castigo?). Nesse processo foi muito apoiada pela terceira filha, boazinha e virgem. Ela conseguiu passar por todos os tropeços com muita valentia. Cuidou da filha, dedicando-se integralmente. O que foi possível porque a linda mulher não trabalhava, era fartamente sustentada por uma pensão do rico marido calhorda. Então, ali também não havia névoas. Era só superação emocional. No final da trama, depois de ver a filha feliz, ela finalmente encontra um novo amor, com quem vai passar a lua de mel em Paris. Incrível como Paris parece estar sempre na rota dos sofredores endinheirados.

Há ainda outra personagem que é um lindo exemplo de superação. Não lembro seu nome, mas é a garota alcoólatra. Durante toda a novela o público vibrou com as desventuras da mocinha, que desprezada pelo namorado, não conseguia superar o vício que já tinha. Então, ela encontra um novo amor, recebe o apoio dos amigos, encontra um emprego incrível, de modelo fotográfico, e vai superando, entre uma recaída e outra, o seu problema. Nos últimos capítulos ela ainda recai mais uma vez, mas tudo lhe é perdoado. Ela é linda, o namorado é uma ameba compreensiva e vai terminar morando com ela, com o projeto de andarem perambulando pela Europa. Bonito demais.

A personagem Dora, que durante toda a trama foi uma desonesta, ladra de marido e tudo mais, também encontra redenção. Ela deixa de ser uma chinelona que vive de favor na casa dos outros e encontra um homem mais velho, de classe média alta, dono de restaurante, que lhe acolhe, reconhece a filha mais velha e, de quebra, descobre que o garotinho que poderia ser filho de outro, é mesmo seu filho. A família termina feliz, entre tangos e festa. Toda a tentativa de se dar bem na vida, buscada de maneira torta pela personagem, acaba dando certo e tudo lhe é perdoado.

A linda Helena, moça negra, mas não pobre, que enfrenta a traição de um marido vagabundo, perde um filho e sofre por sentir-se responsável pela desgraça da amiga Luciana, termina a novela com um fotógrafo de moda, lindo, embora meio burrinho, que lhe dá um filho. Ela também acaba vivendo sua possibilidade de redenção, superando as culpas. No final do capítulo, Helena e Luciana terminam na passarela, em um desfile de alta moda, no qual a paraplégica aparece maravilhosa, mostrando que chegou a cume da superação. Nem mesmo o trabalho de modelo ela perdeu.

A Sandrinha, irmã mais moça de Helena, que ao longo da novela comete o pecado de se apaixonar por um favelado e ter um filho dele, igualmente vive seu momento de redenção. Depois da morte do marido, que era um bandidinho rampeiro, ela volta para a linda pousada da mãe e encontra o “perdão” para sua falta de filha rebelde, indo trabalhar em instituições de caridade. Ela não encontrará entraves porque a rica mãe lhe ajudará a criar o filho do bandido morto.

E assim seguem os finais dos personagens, todos da parte rica da novela. Gente bonita, lindos casamentos, superações, viagens a Paris. E até na parte pobre também há alguns bons exemplos de “ir adiante”, que parece ter sido o mote da trama. O garoto bonzinho, primo da Dora, termina a novela cantando no bar do argentino, tendo sua chance de iniciar a vida de artista. É o prêmio que lhe é dado por ser sempre um garoto amável, cumpridor das tarefas, que nunca reclamou do patrão, que sempre foi submisso. Ele sabia que ter aquele trabalho de garçom no bar do argentino era uma bênção e que não poderia abrir mão disso nunca. Sua irmã, ambiciosa, mas não tanto a ponto de ser má, também consegue que o dono do novo bar olhe para ela como se ela fosse um objeto sexual e lhe ofereça emprego. Sim, emprego, porque não lhe ocorre um casamento. Mulher pobre e bonita é pra curtir. Ela aceita maravilhada.

Já o garoto bandido, Benê, esse não tem chance de superação. A ele não lhe é permitida a redenção, embora ele sempre tenha se mostrado um bom garoto, premido pela vida cruel da favela, enrolado com o tráfico e o crime apenas porque não tinha muita saída. Mas, não, esse não teve chance de “superar”. Alguém na novela tinha de pagar por seus crimes ou quedas morais. Alguém tinha de ser punido, não dava para acabar tudo bem. Então, a escolha lógica era Benê. Ele era negro, pobre, favelado, bandido. A ele não podia ser dada qualquer oportunidade. Foi-se, morreu! É que o menino Benê não queria ser garçom na pousada da sogra, não queria ser caixa de supermercado, ele sonhava mais. Ele era rebelde, inconformado, e na sua revolta singular deixava antever um desejo coletivo de vida boa para todos os seus companheiros da favela. Ele queria dar ao filho as belezas anunciadas pelo sistema, antevistas nas casas ricas dos amigos da mulher. Ele queria viagens a Paris, talvez... Ele queria tudo que aos outros era dado. Mas não teve chance. Alguém na novela tinha de morrer. Não podia ser o Marco, empresário mau caráter, mulherengo, corrupto. Não podia ser a alcoólatra linda e aventureira, que só queria perambular pela Europa, não podia ser a Dora, traíra e ambiciosa, não podia ser a Helena, nem mais ninguém do mundo certinho e viável do núcleo dos ricos. Não, haveria de ser o guri rebelde, o insurgente. Estes não podem chegar à redenção. Estes não superam. Eles sucumbem e ponto. É assim.

O fato é que não se poderia esperar outra coisa de um folhetim do Manoel Carlos na Globo. É a visão de uma classe. E na classe dominante as coisas são assim mesmo. Tudo pode ser superado, porque não há julgamentos morais. Tampouco há empecilhos materiais. Agora, imagine a vida de uma mãe, sem marido, com a filha paraplégica, lá no Morro do Céu? Imagine uma trabalhadora qualquer, do comércio, por exemplo, que sofra um acidente e não possa mais trabalhar? Bom, mas isso não daria novela. Seria muito baixo astral. O bom mesmo é mostrar a realidade assim, na perspectiva de uma classe que pode, sim, tudo superar e transcender. Uma gente que pode ter fisioterapeutas particulares e ir para Paris quando está muito triste.

O bom das novelas é que elas nos permitem esse olhar, o nosso, desde a outra classe. E nos possibilitam ver que para os lindos, ricos e bem nascidos, o destino dos pobres é absolutamente claro. Os que não se queixam, os que não se rebelam, terminam nos empreguinhos mais ou menos, explorados e bem felizes. Já os que se insurgem, os que enxergam o mundo para além do conforto permitido pelos ricos, estes tem de morrer, sumir, escafeder-se.

Bueno, e ao final do folhetim cabe a nós dizer onde estão os nossos espaços reais de “redenção”. Na nossa “novela” de vida real, há um elemento que pode alavancar nossa verdadeira superação. A solidariedade concreta, a cooperação comunitária e compreensão de que o nosso mundo pode ser bonito, pleno e rico. Não por conta da exploração de uns pelos outros, mas porque saberemos distribuir a riqueza e construir o mundo novo. Neste nosso mundo, que construiremos, o Benê teria chance. Coletivamente, com a comunidade em luta, ele teria superado. E, no fundo, em muitos lugares deste brazilzão, é assim que já é. Só que a rede Globo jamais mostraria. Cabe a nós fazê-lo! É que buscamos fazer na Pobres e Nojentas, revista de reportagem que conta a vida real. E assim, avançamos, para além da telinha aliciadora e alienante.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A luta contra o aumento das passagens ou Por um Jornalismo selvagem

Míriam Santini de Abreu

Há certos prazeres que só os jornalistas compreendem. Um deles – e esse não é privilégio dos jornalistas – é sentir o cheiro desprendido por um impresso. Dia desses eu e Elaine almoçávamos no Verdinho, um restaurante no centro de Florianópolis, ela com uma braçada de exemplares da Pobres & Nojentas. Eu abri uma das revistas, encostei o papel no rosto e aspirei fundo, com um prazer quase sensual. Mais gratificante que o cheiro do papel e da tinta, só mesmo perceber que naquele papel, impresso com aquela tinta, está um texto produzido pela gente.
Outro prazer eu senti ontem. O prazer de enlaçar um acontecimento no instante mesmo de seu desenrolar. De ser ao mesmo tempo partícipe e testemunha do desenrolar do processo histórico.
Eu estava sentada na escadaria da Catedral. Havia saído do trabalho e não sabia em que ponto do centro da cidade estavam os manifestantes contra o aumento da tarifa do transporte coletivo. Esperava. Havia por ali uma agitação incomum: viaturas paradas, policiais, de repente um veículo militar pesado descendo a Arcipreste Paiva acompanhado de motocicletas e um carro da PM com as sirenes ligadas.
Uns minutos se passaram e ouvi um bramido, um frêmito ecoando entre os prédios. Sim, vinham para a Câmara de Vereadores! Corri até lá, subi a escadaria que dá acesso ao Plenário e vi, dali, o povo se aproximar, subindo a Anita Garibaldi. Que mundaréu!
Eu, sem equipamento para filmar ou fotografar, liguei para um colega para pedir socorro, mas ele ainda estava trabalhando e bem longe dali. À minha volta, os colegas jornalistas, os cinegrafistas, os repórteres fotográficos, com aquela expressão no rosto cujo significado a gente compreende e faz o sangue correr acelerado. Vai dar notícia! As câmeras se enfileiravam no parapeito da rampa da Câmara, filmando, fotografando o rugido do protesto, o tremular de uma bandeira, a fileira incontável de policiais que tentava conter a multidão.
Há uns dias li um texto sobre o fato de os fotógrafos esforçados estarem substituindo, no jornalismo, os fotógrafos talentosos. Isso me fez lembrar um trecho do livro de James Agee, “Elogiemos os homens ilustres”, que diz:
“É por isso que a câmera me parece, junto da consciência desassistida e desarmada, o instrumento central de nosso tempo; e é por isso que, por outro lado, sinto tamanha fúria diante de seu emprego equivocado: que espalhou uma corrupção do olhar quase tão próxima do universal que sei de menos de uma dúzia de pessoas vivas em cujos olhos posso confiar até mesmo na mesma parca medida em que confio nos meus”.
Isso foi publicado pela primeira vez em 1941! E é tão atual... Ontem, por estar impedida de capturar em imagens o fato que agitou Florianópolis, compreendi o significado da reflexão de Agee. Porque na noite de 13 de maio a Capital se levantou, os pés bateram com força ritmada no asfalto, as vozes, num acalorado jogral, gritaram para se fazer ouvir pelos politiquinhos que querem mandam na Ilha. A imprensa estava toda ali. E eu, eu só pude fazer um registro ordinário e imprestável com o celular. Uma verdadeira corrupção do olhar.
Da mesma reflexão tirei caldo para pensar sobre o texto jornalístico. Hoje vou comprar os jornais da Capital para ler o relato sobre o acontecimento desta quinta. Como o dirão? Lembrei-me de um dos grandes textos que li na revista Realidade, a narrativa de um dia de jogo entre o Atlético e o Cruzeiro em Belo Horizonte. Perfeita. O texto, peça lendária do auge da revista Realidade, consegue reconstruir o acontecimento de forma a evocar, no leitor, o mesmo frenesi provocado pelo encontro dos dois times e o significado dele na cidade mineira. A expectativa, o arrebatamento.
O gesto de contar algo não substitui o gesto de viver algo. Esse é o limite do trabalho do jornalista. Mas a narrativa, a fotografia, a imagem, tem que ser como o chamado do tambor, o chamado da selva, o chamado do selvagem. Há um filme, Jumanji, que evoca isso. Um estranho jogo de tabuleiro traz para o mundo real as criaturas e as circunstâncias da selva. Elas depois voltam para o lugar de onde foram libertadas, para alívio dos humanos. No final, porém, o artefato fica à espera, enterrado na praia, emitindo o seu chamado selvagem, o batuque ancestral a que o que há de mais ancestral em nós responde.
Lerei os jornais hoje. Terão, meus colegas jornalistas, repórteres fotográficos e cinegrafistas, interpretado o acontecimento desta quinta de forma a fazer da imagem, do texto, um artefato que evoque no leitor, no telespectador, o bramido, o fragor daquela luta popular, medida mesma da justeza de sua reivindicação?

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Varais cubanos







Míriam Santini de Abreu


Roupas que exalam poesia com cheiro de sabão.

Assim, recostadas nas varandas.

Os corpos que protegem, que adornam

nesses casarios de tanta memória

talvez sejam açoitados pela dor de um animal feroz

ou talvez se moldem ao que no amor é mar tranqüilo.

Panos brancos, de cor, esses panos dos varais cubanos.

Canto de mundo onde pano e grampo viram roupandorinha.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Estudantes querem direito de ir e vir

Por Elaine Tavares - jornalista

Na última sexta-feira, dia 7, os estudantes e populares que realizaram manifestação em frente ao Terminal Central de Florianópolis não deixaram dúvidas. Caso a prefeitura aumentasse o valor das passagens no domingo, eles voltariam para exigir a revogação. E não deu outra! Não é de hoje que o governo de Dário Berguer (PMDB) se faz surdo aos desejos da população. Nos últimos meses tem enfrentado a ira das comunidades de todo o município, que querem ver reconhecidas as decisões que tomaram em três anos de debates sobre o Plano Diretor. Pois o governo, surdo, decidiu contratar uma empresa de fora para refazer o plano, completamente alheio ao que foi decidido pelo povo em Audiências Públicas.

Agora faz o mesmo com as tarifas de ônibus. Jogando a culpa para cima dos trabalhadores do transporte, alegando que pelo fato de eles terem tido aumento salarial, é necessário o reajuste tarifário, Dário joga o povo contra os trabalhadores. Típica trapaça. A passagem dos coletivos de Florianópolis é uma das mais caras do Brasil e a proposta era de elevá-la para R$ 3,10. As mobilizações de sexta-feira colocaram o gabinete municipal com as barbas de molho e o aumento que veio domingo carregou a passagem de 2,80 para 2,95, ainda assim um aumento significativo para grande parte da população que amarga anos de arrocho salarial.

A propaganda que insensa a ilha como “ilha da magia”, fala em tarifa única, mas, na verdade são quatro. Quem paga antecipado, enchendo os bolsos dos empresários, bem antes de usar o benefício, marcha com 2,38. Quem paga direto ao cobrador, em dinheiro, desembolsa 2,95, e os que usam as linhas de tarifa social, no cartão pagam 1,60 e no dinheiro vivo pagam 1,95.

Na segunda-feira, dia 10, os estudantes voltaram à rua, desta vez em maior número. Mais de 1.500 pessoas saíram em passeata pelas ruas até o gabinete do prefeito. Na pressão, entraram porta adentro, decididos a conversar com Dário Berger. Ele não estava. O povo ocupou o gabinete. Mas não foi por muito tempo. Na maior correria chegou a tropa de choque e sobrou pancadaria para todo o lado. Também não faltaram as armas de eletrochoque que acertaram até a deputada Angela Albino. E aí, é bom que se diga, até a ONU já discutiu sobre o perigo destas armas, aparentemente “inofensivas”. Uma pessoa que use marca-passo, por exemplo, pode morrer com um choque destes, e outros problemas relacionados ao coração podem ocasionar uma morte. Mas, ao poder, que importa?

O mais grave é ver a tropa de choque, com toda a truculência, investir sobre garotos e garotas secundaristas, que nada mais querem que garantir o famosos direito de ir e vir. Afinal, com uma tarifa tão alta, esse sagrado direito fica limitado àqueles que Bresser Pereira cunhou como “cidadãos-clientes”, ou seja, só são cidadãos da polis aqueles que podem pagar, consumir.

As manifestações de segunda terminaram em frente à Câmara de Vereadores onde os estudantes e populares foram denunciar a brutalidade governamental. Para quinta-feira, dia 12, está sendo chamado mais um grande ato no centro. Se a polícia é chamada para garantir o “ir e vir” dos graúdos, então os estudantes querem que o governo reconheça o seu direito de ir e vir com uma tarifa zero. “O trabalhador usa o ônibus para vir trabalhar, para entregar sua força de trabalho ao patrão. É justo que o patrão pague por isso. Queremos tarifa zero para o usuário”, insistem os estudantes.

http://www.youtube.com/watch?v=k_ZT9z6GOns

O lasanheiro do ano





Nas fotos, o Condomínio e a rua

Míriam Santini de Abreu

“LASANHEIRO 2010: Cesar Santini de Abreu”. Esse foi o título com o qual o meu irmão do meio foi recentemente agraciado. A homenagem foi de amigos e vizinhos que mandaram fazer a placa depois de saborearem um dos pratos preparado por ele.
Vou explicar melhor. Meu irmão e minha cunhada Valéria moram no bairro Tristeza, em Porto Alegre, um lugar arborizado, coisa típica de lá. Os plátanos estão na rua onde ficam os prédios e também dentro do condomínio. É uma beleza, coisa que não se vê muito por aí. Atrás do condomínio há uma área gramada, com vários plátanos, canto para colocar roupa ao sol e canto para passarinho beber água. E há também um galpão onde a vizinhança se reúne. Isso é lindo.
Os vizinhos, dois, quatro, seis, fazem um prato e levam ao galpão, onde comem e bebem juntos e deixam a conversa rolar. Eu estava lá na Sexta-Feira Santa e fiquei tocada por aquele gesto coletivo.
Pois há uns dias a vizinhança se regalou com lasanha e meu irmão ganhou o prêmio citado no início do texto.
Isso me fez lembrar um trecho do livro “A Cidade na História - suas origens, transformações e perspectivas”, de Lewis Mumford. É o seguinte:

A vida de aldeia acha-se engastada na associação primária entre nascimento e lugar, sangue e solo. Cada um dos seus membros é um ser inteiramente humano a desempenhar todas as funções apropriadas a cada fase da vida, do nascimento à morte, em aliança com forças naturais que venera e às quais se submete, muito embora possa ser tentado a invocar poderes mágicos para as controlar no interesse de seu grupo. Antes que começasse a existir a cidade, a aldeia já criara o vizinho: aquele que mora perto, dentro de uma distância onde é fácil chamá-lo, compartilhando as crises da vida, velando os que agonizam, chorando solidariamente pelos mortos, rejubilando-se num banquete nupcial ou num nascimento. Como nos recorda Hesíodo, os vizinhos correm em nosso socorro, enquanto que mesmo os parentes “ronceiam em seus arreios”.

Li esse trecho e me lembrei daquele condomínio no bairro Tristeza, onde é grande a Alegria do comer e beber fraterno. Que bom, meu irmão, que bom...!

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Aniversário

Elaine Tavares

Nesta semana chego a um momento mágico. Completarei 600 luas de existência, 50 giros pelo sol. Um número cabalístico, cheio de feitiços. É uma coisa assim como a abertura de um portal. Desde a noite tempestuosa na qual abri meus olhos para o mundo, passaram uma ditadura, a bossa nova, Che, a revolução sexual, Tonico e Tinoco, o tropicalismo, a pílula, a anistia, as diretas, as eleições “livres”, Chávez, os movimentos originários. Tanta coisa, tanta história, se revolvendo em cada mudança de lua.

Eu fui criança, mocinha, guerreira, militante. Amei, fui amada, chorei, sofri, dei gargalhadas, brinquei de roda, pintei, toquei violão, tomei banho de mar, corri nos descampados, lavrei terra, enfrentei as tempestades, cai, levantei, estudei, escrevi.

Nas luas novas, criei. Nas luas cheias, arrebanhei. Nas crescentes, vinguei, e agora é hora de minguar. Ir desaparecendo até que volte outra vez a nova, com seu fio de luz. E assim é mesmo esta coisa doida de viver. Como a lua. Como as estações.

No verão, vicejei. Na primavera, gerei, No inverno, guardei. Agora começo a outonar. Essa é a grande verdade das gentes originárias. Não há passado ou futuro. O tempo é curvo. A gente vai e volta, na incansável “samsara”, no rodízio das estações. Em cada uma, um celebrar. Em cada uma, uma beleza a germinar.

Seiscentas luas passaram pelas minhas retinas, 600 luas... E neste pedaço de universo a terra segue seu contínuo girar. Outras luas passarão neste meu lento outonar... E a linha curva da história, do tempo e do espaço seguirá com suas surpreendentes visões. Cá no meu Campeche eu honro aos deuses pagãos, estes que embalaram a humanidade desde os tempos imemoriais.
Neste 14 de maio, debaixo de uma lua nova, vou dançar com Kuaray. Agradecer, celebrar, silente. Sem barulho de festas ou tilintar de copos. Só o grito dos grilos, a luminosidade mágica dos vaga-lumes, o miado dos meus gatos, o carinho do cachorro e amor dos meus. Sob o céu do Campeche, esperando outras luas... Na solidão (não no vazio), grávida ainda, de tantos novos sonhos...!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Prefeitura anuncia aumento de tarifas do transporte coletivo

Elaine Tavares

Quem vive em Florianópolis, sabe. Andar de transporte coletivo é uma odisséia. Inúmeros horários foram cortados e as pessoas se aglomeram em ônibus lotados até a boca. Os períodos de espera no terminal central para tomar o rumo do sul ou norte, lugares mais distantes do centro, nos horários de pico, chegam a mais de 30 minutos, porque a fila é gigante e os ônibus são poucos. Depois de um dia de trabalho, as gentes ainda tem de amargar todo esse atropelo que estressa e desespero. Quem circula pelo terminal logo depois das seis horas pode observar o desânimo que toma conta das pessoas.

Não bastasse tudo isso, a prefeitura agora está anunciando para este domingo mais um aumento na passagem, que aos R$ 2,80, é uma das mais caras do Brasil. Pois a partir deste dia nove de maio, mês do trabalhador, a prefeitura oferece este “presente”: a passagem vai custar R$ 3,12, ou algo aproximado, arrochando ainda mais o bolso dos trabalhadores, que não tem outras opções para se locomover na cidade. O transporte urbano é uma bem montada rede de “parceiros” que não abrem espaço para mais nenhuma concorrência, paradoxalmente, muito distante daquilo que os empresários mesmo pregam que é o sistema capitalista competitivo.

Foi por conta de um aumento assim, desproporcionado, que em 2004 a cidade viveu a famosa Revolta da Catraca, quando a população se levantou em rebelião durante uma semana inteira de protestos. Pois agora as gentes já começam a preparar manifestações. Hoje, dia 07 de maio, ao meio dia, já está marcada uma atividade em frente ao Ticen. A cidade vai ferver.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Sou pequena!

Por Elaine Tavares - jornalista

Eu tenho grandes sonhos: o socialismo, o sumak kawsai, a terra sem males. Eu caminho para estas grandezas, cheia de entusiasmo. Mas eu sou pequena, esse é meu saber-ser. Gosto das pequenas coisas, dos pequenos perfumes, dos pequenos quintais, dos pequenos frutos. Eu sou pequena. Perco-me na multidão, nos espaços vastos, nas aglomerações. Biruteio, doidamente.

Eu sou pequena. Gosto das pequenas casas, dos pequenos doces, das pequenas flores, dos pequenos detalhes que compõem um amor. Gosto dos pequenos livros, das pequenas histórias, dos pequenos risos, das pequenas letras. Perco-me nos descampados, nas salas gigantes, nos centros de compras.

Eu tenho grandes sentimentos. Transbordo deles. Mas eu sou pequena. Gosto das pequenas palavras, dos pequenos gestos, dos pequenos animais, dos pequenos regalos, dos pequenos rios, dos pequenos montes. Perco-me nos grandes projetos que suscitam invejas, arrogância e provocam dores. Eu sou pequena, não tenho espaço para a imensidão. Nela, escorrego pelas frestas, vôo pelas janelas abertas, escapo da névoa da vaidade que as grandes coisas provocam.

Por isso. Porque sou pequena, quando as coisas muito amadas vão ficando grandes demais, eu desapego. Porque as coisas grandes tem uma estranha mania de nos absorver, nos consumir, nos esgotar. Medo? Covardia? Que seja! Mas eu fujo das coisas grandes, porque não quero virar um monstro a defender o que saiu do leito. Gosto de ser como sou, assim, pequena. Permitindo-me a pequenos tragos de canha, pequenas baforadas de Santa Maria, pequenos desvarios.

Eu sou pequena, confesso-me culpada! Mas conservo grandes aqueles sonhos: o socialismo, o sumak kawsai, a terra sem males. Quero chegar neles bem assim como sou: pequena. Sem nunca ter concedido um milésimo, sem ter desviado do caminho por conta das coisas grandes.

O socialismo na América Latina

Por Elaine Tavares – jornalista


O socialismo ainda anda bem distante dos governos da América Latina, pelo menos é o que pensam alguns teóricos e pesquisadores que participaram das Jornadas Bolivarianas de 2010, cujo tema foi justamente este. Na análise de um dos criadores do termo “Socialismo do Século XXI”, esta é uma forma de governo que ainda não encontrou guarida na vida dos países que atualmente estão na ponta de lança das mudanças estruturais. Segundo Heinz Dieterich, governos como o da Venezuela, Bolívia e Equador, apesar de avançarem no processo de transformação, ainda não deram rédea a mecanismos de consolidação do que define como sendo socialismo. “É certo que a discussão sobre o socialismo do século XXI começou na Venezuela, houve um grande debate, mas não redundou em profundidade, o que significa que, lá, não há grandes avanços na consciência anticapitalista”. Heinz também deixou claro que é fato de que na Venezuela, sob o comando de Chávez, o governo avançou nos mecanismo de democracia, garantindo mais poder ao povo, como é o caso da possibilidade do referendo. “Há eleições limpas, há muita participação popular, mas a economia segue sendo a de mercado. Não há, portanto, socialismo, a empresa privada segue sendo fundamental, os meios de comunicação são privados”.

Heinz diz que a Venezuela segue os preceitos do chamado nacional/desenvolvimentismo, exatamente como o fizeram Getúlio Vargas, no Brasil, Domingos Perón, na Argentina, Lázaro Cárdenas, no México, Salvador Allende, no Chile e até mesmo Bolívar, logo depois da independência. “Eles seguiam o modelo da Grã Bretanha, de um capitalismo protegido pelo Estado. E para os ingleses foi bom, garantiu-lhes muito poder. Eles tinham o discurso do livre comércio, mas era para os outros, não para eles”. O teórico alemão insiste que este é o modelo também seguido pelo Brasil, Argentina, e outros chamados “progressistas”. “O Lula e os demais estão ancorados num modelo que foi extraordinário, e este era também o debate entre os independentistas. Bolívar queria o sistema inglês e os seus inimigos queriam o livre comércio, eram os neoliberais daquela época e foram os que venceram”. Segundo Heinz, os governos latino-americanos que, ao longo da história, decidiram-se por um nacionalismo/desenvolvimentista foram os que mais se aproximaram do povo, os que avançaram, e por conta disso sofreram as ditaduras.

Hoje, pode-se vislumbrar uma nova fase de desenvolvimento na América Latina que, sem dúvida, começa com Hugo Chávez, na Venezuela e depois se estende para Bolívia e Equador. É um desenvolvimento endógeno, uma proposta de valorização das coisas nacionais, de investimentos no mercado interno, acompanhado de transformações estruturais importantes na saúde, na educação, na organização comunitária, no próprio poder. “A oligarquia não podia combater o Chávez acusando-o de desenvolvimentista, não encontraria eco, então se aproveitou do fato de o presidente começar a falar em socialismo. Acusá-lo de socialista assustaria os conservadores. Mas não há socialismo na Venezuela. O que há é um nacional desenvolvimentismo, que tem seus avanços, é certo, mas que não é socialismo”.

E o que é, afinal, o socialismo?

A idéia de socialismo é eminentemente européia e aparece, segundo Engels, lá pelo século 15, embutida nas propostas dos revoltosos camponeses da Inglaterra e da Alemanha (como Thomas Münzer, por exemplo). A sistematização do conceito, na sua versão utópica, aparece nos séculos 16 e 17, como um sistema ideal para organizar a sociedade baseado na igualdade entre as pessoas, na distribuição das riquezas e na vida boa para todos. No século 18, teóricos como Morely e Mably pregavam um jeito espartano de viver, que garantia a liberdade e a igualdade, mas supria o gozo de viver. Mais tarde vieram os chamados “utopistas” como Saint-Simon, Fourier e Owen, que propunham a abolição das classes e a vida plena para todos. Ainda segundo Engels, o problema dos utopistas é que não propunham a mudança desde uma classe específica – como o proletariado. Eles reconheciam a sociedade burguesa, do capitalismo emergente, como uma coisa ruim, injusta, mas acreditavam que ela só não dava certo porque não havia nascido “o homem genial”, governando unicamente pela razão. Com a chegada deste homem, tudo poderia mudar, seria instaurado o Estado da Razão. Seus limites, pondera Engels, estavam determinados pela ainda incipiente produção capitalista. Acreditavam que bastava difundir a idéia de que o socialismo era a expressão da verdade, da razão e da justiça, para que ele se fizesse.

Marx vai propor mais tarde o que chamou de socialismo científico, baseado na razão sim, mas incluindo aí a historicidade, já ancorado na análise de um capitalismo real, desenvolvido, que incorporou a grande indústria e expôs as mazelas da divisão de classe. Observando as multidões exploradas e despossuídas que abundavam no século 19, as greves que assomavam entre os trabalhadores, as lutas operárias, Marx compreendeu que o socialismo não era algo nascido apenas no campo da razão, mas sim o produto necessário da luta entre as classes formadas historicamente no modo de produção capitalista. Com isso, pensou que havia que constituir um sistema para explicar essa sociedade capitalista e aí sim, desde esta materialidade, propor um novo jeito de organizar a vida. Ele discordava dos utopistas que apenas criticavam o mundo burguês, sem, contudo, explicá-lo para que, entendido, pudesse ser superado.

Assim, no desvelamento do sistema de dominação capitalista, Marx mostra que o socialismo é uma forma de vida que só pode ser proposta e construída pela classe dominada, naqueles dias, o proletariado. Assim, a sociedade socialista seria então aquela que aboliria a propriedade privada, acabaria com a exploração, reconheceria o caráter social da produção, socializaria os meios de produção, extinguiria as classes. Na prática, como esclarece Engels, seria um jeito de organizar a vida em que, através de um sistema de produção social, seria assegurado a todos os membros da sociedade uma existência que, além de satisfazer as suas necessidades materiais, asseguraria o livre e completo desenvolvimento de suas capacidades físicas e intelectuais.

O socialismo do século XXI

A idéia de um socialismo do século XXI começou a caminhar pela América Latina a partir da reflexão do professor da UNAM, Heinz Dieterich. Segundo ele, os novos tempos exigem reformulações no conceito. “Com Marx aparece o socialismo científico, baseado no materialismo dialético, que em última instância significa que tudo está em movimento. Materialismo significa que tu reconheces um mundo fora de ti, objetivo, independente do observador, e dialético se refere ao movimento. O único que existe no universo é a matéria, ela tem extensão física e aí nasce o espaço, tem corporalidade e está em constante movimento, o que significa mudança. Por isso é ridícula a idéia de Francis Fukuyama, porque contraria o axioma do cosmos. Conhecer esse movimento pressupõe que podemos prever os desastres econômicos, assim como prevemos os furacões. Isso é ciência”.

O teórico alemão radicado no México recordou que Lenin tentou implementar o socialismo, experimentar na prática, mas as condições não o permitiram, surgindo então o bolchevismo, a economia planificada. Isso colapsou e hoje aí está outra concepção do socialismo, que chama do século XXI. “É uma democracia participativa, com economia planejada no valor do trabalho e não no valor de mercado. São diferenças abissais. Por exemplo, em nenhuma constituição do mundo é o povo que decide se o país vai para a guerra. A decisão está na mão de uma pequena elite. Nesta democracia burguesa o dinheiro tem uma influência tremenda. Exemplo: a taxa de milionários nos Estados Unidos é de 1% da população, mas no Congresso Nacional é de 60% a 90%, ou seja, é uma plutocracia. Mandam os ricos, que são minoria”. Por conta disso, um sistema de voto secreto e universal por si só não significa democracia.
Pois o socialismo do século XXI propõe outra forma de organizar a vida, democratizando não apenas a política – com outras formas de participação popular que não só a eleição ritual – mas também a economia, a cultura e o poder militar. “O orçamento deveria ser decidido pela população, outras questões da economia também. Com a televisão e a internet se poderia informar e formar os cidadãos”.

Essa minoria que hoje manda no mundo pretende continuar apostando na economia do mercado, acreditando que o mercado tem mais eficiência para coordenar o processo, que essa é uma área complexa e não pode ficar nas mãos de um partido ou das gentes. Isso não é mais crível. “Há que clarear essa mentira. Na União Soviética o socialismo não naufragou por conta da planificação. Toda a economia é planificada, inclusive a de mercado. Até no neolítico 10 pessoas tinham que planejar como caçar um animal. No capitalismo também há planejamento. Mas tanto no socialismo soviético como no capitalismo era uma minoria que fazia isso. Não havia a consulta ao povo. No socialismo do século XXI tem de haver essa participação, essa planificação precisa ser democrática”.

Heinz também avança na proposição de outra medição do trabalho. Hoje, o preço de mercado é uma expressão de poder, o aumento de salário só vem se houver sindicato forte, lutas descomunais, competições. Os empresários têm o poder, dirigem e controlam a economia. No socialismo pode-se ter outra medida de valor, a quantidade de energia, a quantidade de informação ou valor do trabalho. “No socialismo do passado a propriedade privada era considerada o grande mal, havia que acabar com ela. Os social-democratas encontraram um jeito de mantê-la. Elas seguem privadas, mas pagam impostos que serão distribuídos. Não deu certo. No socialismo do século XXI, não importa quem tem os meios se for tirada do empresário a faculdade de explorar o trabalhador. Cada trabalhador tem direito ao valor total do seu trabalho. Se trabalha por 40 horas recebe produtos e serviços iguais aos de 40 horas. O que não há é a permissão de enriquecer”.

No socialismo do século XXI, diz Heinz, também não cabe haver partido único, porque se trata de trazer ao povo mais democracia. Hoje a conformação de classes é diferente da do tempo de Marx. “Nesta fase de transição é preciso organizar as forças em um centro comum, um centro de gravitação comum, mas não única, como a Frente Amplia, no Uruguai. Não é partido único. Não queremos monopólios nem na economia nem na política”.

A América Latina

Este espaço geográfico que hoje denominamos “Américas” foi conhecido pelos europeus nos estertores do século 15, quando por aquelas terras já começava a declinar a chamada Idade Média. As miríades de reinos que lutavam entre si iam se juntando e prenunciando o que mais tarde viriam ser as nações. Era um tempo de mudanças e as terras encontradas no caminho para as índias iriam acelerar estes câmbios, financiando, inclusive, a revolução industrial inglesa que foi o estopim da consolidação do modo capitalista de produção. Mas o desconhecimento dos europeus nunca significou que por aqui, as gentes que habitavam o lugar, fossem povos sem história, como chegou aventar Marx. Grandes civilizações haviam florescido, muitas delas até mais avançadas na organização da vida, do que a Europa daquele então. Ainda assim, como os conquistadores não estavam dispostos a qualquer “encontro de culturas”, toda esta história das gentes originárias foi descartada como “barbárie”, “selvageria”, “ignorância”. Os que invadiram as terras de Abya Yala só queriam saquear as riquezas e nunca reconheceram os que aqui viviam como iguais. Quando o sistema colonial se instalou, trouxe para cá o modo de vida da Europa, solapando a cosmovisão autóctone, dizimando povos, submetendo os sobreviventes.

Este domínio se perpetuou, ainda que não sem luta. Desde a invasão, vários povos se rebelaram, na resistência e na tentativa de recuperar seus territórios, sua forma de vida. Foram vencidos, mas, enquanto todos achavam que ali estava uma gente derrotada, eles constituíam, no silêncio da opressão, suas estratégias de sobre-vivência. E, quando ninguém esperava, no bojo do que a Europa e os entreguistas nacionais chamavam de “celebração dos 500 anos”, surge, das profundezas desta Abya Yala, o grito das gentes originárias. “Nada há a celebrar a não ser a retomada de um novo ciclo. O pachakuti esperado”, diziam as gentes autóctones.

Segundo Pablo Dávalos, professor da Universidade Católica do Equador e assessor na CONAIE (Confederação Nacional dos Indígenas do Equador), os anos 90 trazem demandas dos povos originários que não são incorporadas pela esquerda, por isso há uma certa desconfiança com relação ao chamado “socialismo do século XXI”, porque ninguém viu ali contempladas essas reivindicações que extrapolam as já conhecidas lutas contra a dizimação de sua gente e da sua cultura. “A proposta de plurinacionalidade, por exemplo, passou incólume nos programas da esquerda. E esta proposta é a que converte o índio em um sujeito político que disputa no neoliberalismo”. Os povos originários ultrapassam o tempo reivindicativo, agora eles estão propondo novas formas de organizar a vida, que oferecem a partir de sua ancestralidade. E aí há que se pontuar muito bem: não é um retorno ao passado, mas uma retomada, desde o passado, de elementos que, dialeticamente, podem ser incorporados à vida atual, tais como a solidariedade, a cooperação, a distribuição coletiva das riquezas (elementos que, na verdade, se encontram com a idéia de socialismo). “O sistema político desconhece o índio como sujeito e para a esquerda o índio se converteu em camponês. Não há uma discussão sobre o que significa o território. O povo da direita fala em modernização no campo, a esquerda em reforma agrária. Os indígenas falam em território, que é muito mais do que terra para plantar, é espaço de vivência, de representação cultural e religiosa”.

Pablo Dávalos fala de uma ontologia política do movimento indígena que atua na radicalidade, oposta ao ser moderno, que propõe a alteridade, ou seja, a capacidade de as pessoas viverem juntas, respeitando, de verdade, o outro. “Na sociedade burguesa, e mesmo na esquerda, não se concebe o índio com vida e desejos próprios. Parece que sempre há que ter uma mão, controlando. Mas a história está aí mostrando que os grandes movimentos políticos dos anos 90 e desta primeira década do terceiro milênio tem uma assinatura indígena. A esquerda não vê porque os índios não estão nos seus manuais de desenvolvimento”.

E aí entra outro nó que, nesta parte do planeta, há que se desatar. Com uma população indígena bastante expressiva, a América Latina está propondo outras formas de organização da vida que não aparecem nos textos dos grandes pensadores socialistas. Porque, afinal, raros tem levado em consideração estas propostas teóricas que nascem da vivência originária. Mesmo nas experiências transformadoras como a da Venezuela e do Equador, pouco espaço se dá a cosmovisão dos povos autóctones. “Na nossa Constituição (do Equador) logramos muitas vitórias, como estabelecer os direitos da natureza e colocar nosso conceito político de organização que é o de Sumak Kawsai, mas, ele, na verdade, não é compreendido de fato. Basta ver como o governo de Rafael Correa está tratando a questão da água hoje, sem respeitar a decisão dos povos originários”, diz Pablo.

É importante lembrar que entre as comunidades originárias que vicejam na região que vai desde a Venezuela até a Patagônia, seguindo a coluna vertebral latino-americana, que são os Andes, as palavras que designam a organização da vida são outras. Não se fala em socialismo ou desenvolvimento (palavras e conceitos nascidos na Europa). Fala-se em “sumak kawsai”, que na língua quíchua significa “regime de bem viver” e expressa uma proposta complexa de organização.

Pablo lembra que no sistema capitalista, e na era moderna, de concepção européia, a idéia de progresso está vinculada a noção de “ir adiante”, já que a noção de tempo se expressa de forma linear: passado (ontem), presente (hoje) e futuro (amanhã). Assim, as gentes, para serem modernas, precisam avançar para o futuro. Mas, na compreensão dos povos originários, o tempo se curva. A mesma palavra que designa passado é usada para dizer futuro, a vida se expressa em ciclos. Também na cosmovisão de grande parte dos povos andinos não existe a possibilidade da acumulação, tanto que se alguém tem algum “lucro”, se sente obrigado a destruí-lo e isso se dá a partir de uma grande festa coletiva. Tudo o que sobra precisa ser repartido comunitariamente. E, no cerne de tudo isso, está a capacidade do homem de viver em harmonia com a natureza. Este é um jeito de viver que se confronta diretamente com o sistema capitalista. E é um jeito originário, consubstanciado no sumak kawsai, originário de Abya Yala . “Mas e os marxistas, as gentes da esquerda, conseguem entender isso? Concebem respeitar essa forma de ver o mundo? Conseguem incluir este modo de ser nos seus manuais?”

O pachakuti

Para os incas, quando chegaram aqui os conquistadores, foi inaugurado um ciclo do pachakuti, que significa “o mundo pelo avesso, o mundo no caos”. Hoje, com as transformações que tomam forma na América Latina, os levantamentos dos povos originários e a percepção de que a preservação da natureza é também uma questão da sobrevivência da espécie, vive-se o início de um novo pachacuti, “el mundo al revés”, pelo avesso de novo, mas desta vez com as gentes organizando a vida e aí, não só os indígenas, mas também os empobrecidos de todas as cores. É a idéia do tempo que se curva, um outro começo, saída do tempo de caos para o tempo da harmonia. Por conta desta crença, as comunidades revigoram as lutas na defesa da Pacha Mama que é, em última análise, a defesa da vida mesma.

No que diz respeito ao mundo não-índio, os intelectuais de esquerda teriam de enfrentar eles mesmos um “pachakuti”, um desordenamento mental, capaz de compreender esta forma de ver o mundo. Quando aqui chegaram os invasores, sedentos de ouro, até havia um motivo para desconhecer as culturas locais. Mas, hoje, e desde a esquerda, isso não pode acontecer. E, se o socialismo é o que ordena e define as reivindicações da maioria, como diz José Carlos Mariategui, está na hora de incorporar aquilo que é essencial para as gentes originária como o estabelecimento do Estado Plurinacional, estatuto jurídico que reconhece as comunidades tradicionais originárias como sujeito político real. E isso implica numa mudança radical de perspectiva, principalmente num país como o Brasil, onde as comunidades autóctones foram quase dizimadas e, as sobreviventes, até hoje vivem tuteladas pelo estado como se fossem incapazes de organizar suas vidas de forma autônoma.

Ao fim, o que ficou dos debates de quatro dias em Florianópolis foi esse desafio. A capacidade da esquerda revolucionária de Abya Yala de desvendar as forças e os sujeitos que atuam no mundo de hoje, e a necessidade de colorir o conceito de socialismo, não com as facetas alegres da pós-modernidade que usa o multicultural como aceitação acrítica do que aí está. Mas o colorido da “wiphala”, a bandeira do movimento originário, incorporando neste conceito as demandas destes povos que não querem mais ser “atores” sociais, que falam um texto escrito por outrem, mas sim autores de sua própria história, escrevendo eles mesmos as suas falas. Aí sim, quem sabe, este espaço geográfico possa constituir, com o aporte de todos os que aqui vivem, e que sonham e lutam por transformações, o socialismo indo-americano, como queria Mariategui, ou, enfim, o sumak kawsai (o bem viver).