segunda-feira, 30 de maio de 2011

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Aprovada a destruição. Que fazer?

Por Elaine Tavares - jornalista

Vivemos um eterno retorno quando se trata da proteção aos latifundiários e grandes empresas internacionais. No Brasil contemporâneo, pós-ditadura, nunca houve um governo sequer que buscasse, de verdade, uma outra práxis no campo. Todos os dias, nas correntes ideológicas do poder, disseminadas pela mídia comercial – capaz de atingir quase todo o país via televisão – podemos ver, fragmentadas, as notícias sobre a feroz e desigual queda de braço entre os destruidores capitalistas e as gentes que querem garantir vida boa e plena aos que hoje estão oprimidos e explorados.

Nestes dias de debate sobre o novo Código Florestal, então, foi um festival. As bocas alugadas falavam da votação e dos que são contra o código como se fossem pessoas completamente desequilibradas, que buscam impedir o progresso e o desenvolvimento do país. Não contentes com todo o apoio que recebem da usina ideológica midiática, os latifundiários e os capatazes das grandes transnacionais que já dominam boa parte das terras brasileiras, ainda se dão ao luxo de usar velhos expedientes, como o frio assassinato, para fazer valer aquilo que consideram como seu direito: destruir tudo para auferir lucros privados.

Assim, nos exatos dias de votação do novo código, jagunços fuzilam Zé Claudio, conhecido defensor da floresta amazônica. Matam ele e a mulher, porque os dois incomodavam demais com esse papo verde de preservar as árvores. Discursos tolo, dizem, de quem emperra a distribuição da riqueza, deles próprios, é claro. E o assassinato acontece, sem pejo, no mesmo dia em que os deputados discutem como fazer valer – para eles – os seus 30 dinheiros sujos de sangue.

Imagens diferentes, mas igualmente desoladoras. De um lado, a floresta devastada e as vidas ceifadas à bala, do outro a tal da “casa do povo”, repleta de gente que representa, no mais das vezes, os interesses escusos de quem lhes enche o bolso. Pátria? País? Desenvolvimento? Progresso? Bobagem! A máxima que impera é do conhecido personagem de Chico Anísio, o deputado Justo Veríssimo: eu quero é me arrumar!

No projeto construído pelo agronegócio só o que se contempla é o lucro dos donos das terras, dos grileiros, dos latifundiários. Menos mata preservada, legalização da destruição, perdão de todas as dívidas e multas dos grandes fazendeiros. Assim é bom falar de progresso. Progresso de quem, cara pálida? Ao mesmo tempo, os “empresários” do campo, incapazes de mostrar a cara, lotam as galerias com a massa de manobra. Pequenos produtores que acreditam estar defendendo o seu progresso. De que lhes valerá alguns metros a mais de terra na beira de um rio se na primeira grande chuva, o rio, sem a proteção da mata ciliar, transborda e destrói tudo? Que lógica tacanha é essa que impede de ver que o homem não está descolado da natureza, que o homem é natureza.

Que tamanha descarga de ideologia os graúdos conseguem produzir que leva os pequenos produtores a pensar que é possível dominar a natureza, como se ao fazer isso não estivessem colocando grilhões em si mesmo? Desde há muito tempo – e gente como Chico Mendes, irmã Doroty e Zé Claudio já sabia - que o ser humano só consegue seguir em frente nesta terra se fizer pactos com as outras forças da natureza. E que nestes pactos há que se respeitar o que estas forças precisam sob pena de ele mesmo (o humano) sucumbir.

O novo código florestal foi negociado dentro das formas mais rasteiras da política. Por ali, na grande casa de Brasília, muito pouca gente estava interessa em meio ambiente, floresta, árvore, rio, pátria, desenvolvimento. O negócio era conseguir cargo, verba, poder. Que se danem no inferno pessoas como Zé Cláudio, que ficam por aí a atrapalhar as negociatas. Para os que ali estavam no plenário da Câmara gente como o Zé e sua esposa Maria não existem. São absolutamente invisíveis e desnecessárias. Haverão de descobrir seus assassinos, talvez prendê-los por algum tempo, mas, nas internas comemorarão: menos um, menos um.

Assim, por 410 x 63, venceram os destruidores. Poderão desmatar a vontade num tempo em que o planeta inteiro clama por cuidado. Furacões, tsunamis, alagamentos, mortes. Quem se importa? Eles estarão protegidos nas mansões. Não moram em beiras de rio. Dos 16 deputados federais de Santa Catarina apenas Pedro Uczai votou não. Até a deputada Luci Choinacki, de origem camponesa, votou sim, contrariando tudo o que sempre defendeu.

Então, na mesma hora em que a floresta chorava por dois de seus filhos abatidos a tiros, os deputados celebravam aos gritos uma “vitória” sobre o governo e sobre os ecologistas. Daqui a alguns dias se verá o tipo de vitória que foi. Mas, estes, não se importarão. Não até que lhes toque uma desgraça qualquer. O cacique Seatlle, da etnia Suquamish, já compreendera, em 1855, o quanto o capitalismo nascente era incapaz de viver sem matar: “Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la, ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende”.

Zé Claudio e Maria eram assim, vistos como “selvagens que nada compreendem”. Mas, bem cedo se verá que não. Eles eram os profetas. Os que conseguiam ver para além da ganância. Os que conseguiam estabelecer uma relação amorosa com a terra e com as forças da natureza. Eles caíram à bala. E os deputados vende-pátria, quando cairão?

Já os que gritam e clamam por justiça, não precisam esmorecer. Perdeu-se uma batalha. A luta vai continuar. Pois, se sabe: quem luta também faz a lei. Mas a luta não pode ser apenas o grito impotente. Tem de haver ação, organização, informação, rebelião. Não só na proteção do verde, mas na destruição definitiva deste sistema capitalista dependente, que superexplora o trabalho e a terra. É chegada a hora de uma nova forma de organizar a vida. Mas ela só virá se as gentes voltarem a trabalhar em cada vereda deste país, denunciando o que nos mata e anunciando a boa nova.

Portal Descato narra momento histórico

Neste sábado, desde as 10 horas de Brasília, 7 horas de Tegucigalpa, o Portal Desacato narrará em português, através do programa Twitter em seu endereço @desacatobrasil, o histórico momento da chegada de Manuel Zelaya Rosales. Também retransmitirá os serviços de Rádio Globo Honduras e Globo TV de Honduras através do seu sítio em internet: www.desacato.info

A cobertura e narração via Twitter serão realizadas em português desde Desterro e Santo Domingo, por Tali Fel Gleiser, Wilmar Frantz Jr., Larissa Cabral e Raul Fitipaldi.

www.desacato.info

PM fecha unidade em Santo Antônio de Lisboa. Motivo: ameaça de atentado


http://www.daquinarede.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=369:pm-fecha-posto-em-santo-antonio&catid=48:capa&Itemid=75

terça-feira, 24 de maio de 2011

Campeche se mantém unido e mobilizado pelo Plano Diretor

Por Elaine Tavares - jornalista


Sábado, oito e meia da manhã. De todos os cantos da comunidade começaram a chegar as gentes. Mais uma vez, o povo ligado a cerca de 20 entidades de organização e de luta do bairro se reunia para rememorar a construção do Plano Diretor Participativo, proposta de organização e planejamento que durante mais de quatro anos foi consolidada pela comunidade do Campeche. Diante das notícias de que a prefeitura deverá encaminhara à Câmara de Vereadores, no próximo mês, o plano elaborado pelo Instituto Cepa, os movimentos locais entenderam que seria bom fortalecer as propostas já construídas pelos moradores. No encontro, foram apresentados o histórico da luta e as resoluções no campo do zoneamento ambiental, zoneamento urbano, sistema viário e mobilidade, e cultura.


A batalha por um plano diretor com cara do povo daqui não é de hoje, vem desde o início dos anos 80 do século passado. Naqueles dias, quando a cidade de Florianópolis começou seu processo de inchaço, as lideranças locais, antenadas com a realidade do município principiaram um movimento que buscava delimitar regras para o bem-viver no bairro. Esse desejo se concretizou na organização dos surfistas locais que, dispostos a preservar as ondas, acabaram por criar um movimento de cuidado com o bairro que nunca mais parou. Nos anos 90, os surfistas, as associações de moradores e outros tantos movimentos que passaram a se organizar no bairro deram início a um processo de elaboração de Plano Diretor Comunitário e Participativo. Esse trabalho culminou em 1997 quando, no Primeiro Seminário Comunitário de Planejamento foi apresentado o Dossiê Campeche, com todas as demandas levantadas pelos movimentos locais. A prefeitura, como sempre surda aos interesses das pessoas, não levou em consideração as demandas da comunidade e, em 1999, entrega à Câmara de Vereadores um projeto próprio. O Campeche não desanimou, constituiu o seu Plano Diretor e no ano 2000 apresentou sua proposta aos vereadores. Seria, então, o primeiro bairro da cidade a ter o seu próprio plano, fruto de organização interna.


Mas, apesar da luta e da mobilização, os vereadores também ignoraram as propostas do Campeche, só que por ali ninguém desanimou. Com idas e vindas, os movimentos locais se reuniam e discutiam, melhorando e atualizando o dossiê construído em 1997. Também seguiam criticando e lutando contra o plano da prefeitura, feito sem participação popular. No ano de 2006 foi criado o Conselho Popular da Planície do Campeche, mais um instrumento de luta que iria unir os movimentos numa só bandeira: a retirada do plano da prefeitura da Câmara de Vereadores. A batalha foi larga, mas a vitória veio.


No ano de 2007, o Campeche realizou o Segundo Seminário Comunitário de Planejamento e convidou o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) para voltar ao debate sobre a participação popular na construção do projeto para a cidade. E foi esta luta iniciada no bairro, depois espraiada para outras comunidades, que garantiu o início do processo do Plano Diretor Participativo. “Na hora de organizar como seria esse trabalho, nós lutamos e garantimos que houvesse a representação dos Núcleos Distritais e que fossem realizadas audiências públicas. Foram realizadas 13 destas audiências e era a primeira vez que a população da cidade discutia de verdade sobre o plano diretor”, conta Janice Tirelli, representante do Campeche no Núcleo Gestor Municipal.


No que diz respeito ao Campeche, a comunidade logo começou a se organizar realizando Oficinas Temáticas para discutir em profundidade temas como mobilidade, zoneamento ambiental, zoneamento urbano, cultura etc... Durante todo o ano de 2007 muitas foram as reuniões, debatendo, inclusive, a possibilidade de tomada do antigo Campo de Aviação, para a construção de um parque, coisa que nunca houve no bairro. Mas, o ano de 2008 chegou e com ele o processo eleitoral que acabou imobilizando o processo do plano diretor participativo. Ainda assim, o núcleo do Campeche realizou oficinas e seminários visando incorporar cada vez mais os desejos da comunidade.


Em 2009 a prefeitura voltou a mexer com o tema, mas também já iniciando os contatos com o Instituto Cepa, o que deixou todo mundo com a pulga atrás da orelha. Se as comunidades estavam fazendo o trabalho, que necessidade havia de contratar um instituto para desenhar o plano? Com um olho pregado nas artimanhas da prefeitura o Núcleo Distrital do Campeche seguiu seu trabalho. Dividiu o bairro em norte e sul, realizou reuniões setoriais e conseguiu desenhar todos os mapas, trabalho de difícil confecção. Por outro lado, a participação sempre foi significativa, o que permitiu o desenho dos mapas dentro das demandas comunitárias já há mais de 20 anos discutidas.


Com a decisão da prefeitura de suspender todo o processo em 2010, o núcleo do Campeche decidiu registrar em cartório todo o trabalho realizado, relatórios e mapas. Assim, ninguém haveria de poder dizer que a comunidade não tinha finalizado o trabalho e definido de forma bem clara o que quer para sua vida.


A vocação do bairro


Desde o ano de 1980 até os dias atuais muita coisa já mudou. A especulação imobiliária estendeu seus braços para a região sul e tem descaracterizado bastante a comunidade, apesar da sistemática luta. Prédios, florestas devastadas, rios poluídos, praia degradada, dunas destruídas, restinga invadida, ruas engarrafadas. É coisa demais. Agora, nas discussões do Plano Diretor, os moradores sabem que algumas coisas não podem mais ser recuperadas, mas também reconhecem que ainda há muito para preservar.

No debate deste sábado, a vocação da comunidade, discutida e decidida nas dezenas de reuniões ao longo dos anos, foi reafirmada com todas as letras: o Campeche quer continuar sendo um bairro residencial de caráter urbano-rural, garantindo a continuidade das pequenas chácaras, com o desenvolvimento de um turismo comunitário e não predador, como o já registrado em lugares no norte da ilha. “Nós definimos nossa comunidade como um bairro-jardim, com ênfase na cultura da pesca, da pequena agricultura, com a preservação da água do nosso lençol freático, da nossa história que é rica demais, da nossa cultura. É isso que queremos preservar, os nativos e os que escolheram esse lugar para morar”, diz Janice.

Também foi sublinhada a necessidade da preservação dos espaços públicos que são cultura também, como a Lagoa da Chica, o Morro do Lampião, a lagoa Pequena, a orla marítima com suas dunas. A vocação do Campeche está voltada para as pessoas e não para agentes especulativos, e disso ninguém abre mão!


A geografia não é detalhe


E é por conta da ênfase na preservação do que ainda não foi destruído que o Plano Diretor pensado para o Campeche insiste em definir muito bem a geografia do lugar, para que os moradores entendam onde estão e o que precisam defender. O Campeche é forma por um maciço, no qual está o Morro do Lampião e uma Planície Sedimentar. Impedir a destruição e o desmatamento no Morro do Lampião é papel de quem vive na planície, porque é esta vegetação do morro que evita erosão e protege as nascentes, retendo a água da chuva e garantindo a biodiversidade. “Se o morro começa a ser ocupado, as chances de problemas na planície são grandes”, afirma Luis Gabriel, estudante de Engenharia Ambiental.


Na área da planície o papel da restinga e das dunas é de fundamental importância para a vida das famílias. Se começam a construir prédios na região da restinga, as dunas ficam sem o seu mecanismo de fixação e começam a se mover, podendo invadir casas e espaços já construídos. Por outro lado, se as dunas se movem, o mar também avança terra adentro, causando ressacas cada vez maiores, como já se registraram no verão de 2011. Ocorre que as dunas formam uma parede natural entre o mar e o ambiente terrestre, conformando um espaço bastante frágil, que não deve ser mexido, sob pena de grandes alterações ambientais. Esta é uma constatação científica e não dar ouvidos aos mecanismos da natureza é arriscar a vida da comunidade.


O solo da região da planície também é bastante peculiar. Arenoso, poroso, tem uma drenagem natural bastante boa, daí a necessidade de não impermeabilizá-lo com asfalto, por exemplo. Se as ruas forem calçadas com lajota, a permeabilidade se mantém e a drenagem impede alagamentos e enxurradas. Não atentar para isso é promover desgraça mais hoje, mais amanhã.


Igualmente, por sua porosidade, o solo armazena muita água, configurando um rico aqüífero de mais de 105 bilhões de litros de água pura que precisa ser preservado. Daí a luta contra o rebaixamento do lençol freático que pode levar a salinização da água. Todas estas questões devem ser levadas em conta quando se autoriza uma construção. Por isso, no plano do Campeche se mantém a proposta de casas e prédios de até três andares, para que seja respeitada a fragilidade dos ambientes.


A especulação avança

No que diz respeito à ocupação do solo, a comunidade tem respondido com luta ao processo de especulação imobiliária, como bem mostrou o relato de Fernando Cardenal. E isso acontece porque o plano diretor pensado durante todos esses anos não aceita a idéia de verticalização. No trabalho já desenhado pela comunidade estão previstas áreas verdes, a proteção da orla marítima, a criação de ciclovias e bulevares em vez de grandes avenidas, o desenho delimitado das áreas residenciais e comerciais, com proteção da restinga e das dunas.

Nos últimos meses tem sido igualmente intensa a mobilização contra a burlagem das leis por parte das empresas de grandes condomínios que realizam rebaixamento de lençol freático para construção de garagens subterrâneas. Muitas vitórias foram garantidas justamente pelo cuidado e pela vigilância sempre atenta dos moradores, com especial destaque ao presidente da Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM), Ataíde Silva, que tem atuado sistematicamente na observação das novas obras e na fiscalização do serviço de saneamento constituído pela Casan. Essa obra, ainda incompleta, recebe, por parte de moradores irresponsáveis, ligações clandestinas de esgoto, que precisam ser descobertas e lacradas. Todo o grupo de trabalho do Plano Diretor participa deste processo de cuidado com a comunidade.

Sistema Viário

Falar em mobilidade na cidade de Florianópolis é fazer aflorar o estresse. Pensada unicamente para os carros, a capital vive cotidianamente engarrafamentos monstros sem que haja qualquer preocupação por parte do governo municipal com o transporte de massa. Obras de alargamento de vias só fazem aumentar o fluxo e a construção do elevado do Trevo da Seta tornou a vida dos moradores do sul da ilha ainda mais caótica, uma vez que a paralisação do trânsito deixou de ser pontual para tornar-se coisa de tempo integral. Chegar ou sair do bairro agora é coisa de horas.

Na proposta de plano diretor da comunidade há toda uma outra lógica de mobilidade no sistema viário pensado. A malha viária planejada tem de ser coerente com o numero de pessoas, dão ser impossível pensar em mobilidade se houver o adensamento populacional que a prefeitura deseja para o sul. “O mundo não pode vir para Florianópolis. Isso aqui tem uma capacidade de água, de saneamento e de mobilidade”, diz Ataíde Silva. No plano, o transporte de massa é prioritário, via metrô de superfície, que inclusive pode ajudar a proteger o mangue, impedindo a ocupação, proteção dos caminhos históricos e nativos, respeitando a cultura local, integrar de verdade o transporte urbano e impedir a construção de avenidas na beira mar. “Nossa prioridade é a proteção da restinga e das dunas, que equilibram a vida e protegem a comunidade”.

A cultura está viva

Telma Piacentini trouxe um pouco da história cultural do Campeche num vídeo que deixou todo mundo bastante emocionado. Desde os primeiros moradores, a presença de Saint Exupéry, o trabalho dos pescadores, do povo dos engenhos, do boi-de-mamão, a Feira do Cacareco, o Balaio, festas comunitárias, coisas que unem as gentes em memórias remotas e em processo atuais de preservação da história e da vida em comunidade. O trabalho dos pintores, que retratam a vida exuberante do lugar, a música local, a religião, tudo o que acaba servindo de ponte subjetiva para a constituição desta coisa única que é a idéia de comunidade, gente batalhando pelo bem-viver de todos.

No plano do Campeche está prevista a preservação do casarão que serviu de base ao campo de aviação, cheio de memórias da vida local, a construção de parques culturais e científicos, recuperação dos folguedos antigos, das tradições, coisas que forma o patrimônio imaterial e que seguem vivas na cabeça de cada um. Para cada ponto há todo um planejamento. Não são meros princípios, são coisas concretas e muito bem definidas.

O futuro

E assim passou-se a manhã de sábado, com uma excelente participação comunitária. Gente de outros lugares como o Pântano do Sul, Ribeirão da Ilha, pessoas que se preocupam em preservar o que a região de tem de mais importante que é a sua natureza, o home e a mulher aí incluídos. “Porque não dá para separar”, como bem diz Gert Shinke, do Movimento Saneamento Alternativo (MOSAL).

Feito todo esse trabalho e recuperação das propostas do Plano Diretor agora a proposta é disputá-lo junto à prefeitura. A comunidade apontou a necessidade de realizar uma maior divulgação junto aos novos moradores que estão chegando agora e desconhecem o processo, buscar um envolvimento destas pessoas com o cuidado com o bairro e apostar na relação com as crianças, para que possam engajar-se desde agora na luta por uma comunidade que pratique o bem-viver.

Dentre as proposta de caráter mais político, salientou-se a necessidade de discutir e desmistificar a idéia de progresso que vem embutida nas propostas das grandes empresas de construção que estão invadindo o bairro. Progresso não significa destruição, tem de ser possibilidade de vida boa e bonita para todos e não só para alguns. “O sul ainda é uma grande mancha verde no mapa da cidade. Temos de manter isso fazendo uma Aliança do Sul Pela natureza. Isso nos unifica”, diz Gert.

E assim, entre poesias, declarações de amor e propostas de luta o Campeche afinou o discursos e afiou as armas para enfrentar mais um grande e feroz batalha contra o plano autoritário e predador que está sendo proposto pela prefeitura.

Nestes lados do sul se levantam os brados, coletivos e comunitários, preparados para o combate.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

SEXISMO E DIVERSIDADE SEXUAL *1

Li Travassos

Eu gostaria de iniciar a minha fala em nome da psicologia brasileira, através da resolução n.º 1 de 1999, do Conselho Federal de Psicologia, a qual "estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual", e afirma que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão; e no seu art. 3°, proíbe o psicólogo de exercer "qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, ou adotar ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados". Em linhas gerais, esta resolução proíbe o tratamento do homossexual, se este visar a transformação do homossexual em heterossexual – mesmo que isto tenha sido solicitado pelo próprio paciente. Alguém poderia perguntar: mas por que não, se for o próprio paciente que solicitar o tratamento neste sentido? Primeiro, por que seria o mesmo que admitir que a homossexualidade é um distúrbio psicológico, por isso pode ser "tratada", além de admitir que a orientação sexual poderia ser mudada via terapia – o que não é verdade. Em segundo lugar, isto abriria espaço para que os pais obrigassem os filhos "menores" a fazerem um tratamento psicológico visando a "conversão".

Mas, se a psicologia brasileira afirma que a homossexualidade não é doença, em momento algum afirma, enquanto um todo, que a homossexualidade é inata. Evidentemente, há diversas "linhas de pensamento" na psicologia, e há profissionais de saúde mental com diferentes posturas com relação ao inatismo. Mas até mesmo aqueles que o defendem – o que, a meu ver, é uma postura a-histórica, que retira a responsabilidade da sociedade pela formação de seus sujeitos – falam de um inatismo dos distúrbios e doenças psíquicos, como a esquizofrenia ou a psicopatia. Não se pode falar de inatismo do desejo. Não se pode afirmar, ao mesmo tempo, que a homossexualidade não é doença e nem distúrbio, e que é inata.

E é preciso tomar muito, mas muito cuidado, com as posturas eugenistas, que pressupõe que, se algo indesejável pode ser previsto com a criança ainda no ventre da mãe, pode-se evitar o nascimento desta criatura, deixando assim de colocar no mundo mais uma pessoa com esta característica indesejada. No filme "Questão de Sensibilidade" (2) de 1997, se pressupõe que o gene da homossexualidade pode ser isolado, e um geneticista, cuja esposa está grávida e tem um irmão gay, descobre que o feto tem o tal gene, que pode se manifestar ou não, mas com a prévia tendência familiar a chance é muito grande. E o filme se passa em cima da discussão sobre abortar ou não abortar este possível homossexual. Isto lembra, claro, o nazismo, onde as pessoas que iam para os campos de extermínio tinham uma figura pregada na roupa, sendo a dos judeus uma estrela de David amarela, e a dos homossexuais um triângulo rosa.

A revista Super Interessante de janeiro de 2011, que tem na capa a pergunta: "Destino existe?", afirma, na reportagem de nome "O destino está na sua mãe", com base em uma pesquisa realizada com cerca de mil homens, por um psicólogo americano (Anthony Bogaert), que a cada vez que uma mulher engravida de um filho homem ela cria anticorpos com a finalidade de proteger o seu corpo feminino das proteínas masculinas produzidas pelo filho (seria parecido com o que acontece quando a mãe tem o fator rh do sangue diferente do que o feto apresenta). E a cada vez que a mulher engravida de um menino, estes anticorpos vão ficando mais potentes, sendo que a probabilidade do 5º filho nascer homossexual em função destes anticorpos seria muito grande.

Em nenhum momento este gênio da psicologia americana cogitou a possibilidade da criança tornar-se homossexual justamente para corresponder a um desejo da mãe de ter uma filha menina. Afinal, quem tem mais de 2 ou 3 filhos nos dias atuais, a não ser quem não consegue ter um filho do sexo que deseja? Ainda com base nesta pesquisa, a reportagem afirma que "de 15 a 25% dos gays desenvolvem a homossexualidade dentro do útero". Nada é dito a respeito dos outros 75 a 85%, e para a homossexualidade de mulheres, não é oferecida nenhuma explicação. Contudo, a reportagem termina afirmando que, a serem comprovadas estas pesquisas, "acabaria de vez a crença de que a homossexualidade é reversível".

Eu sei que quem faz a defesa da homossexualidade inata visa justamente evitar que se considere a possibilidade de reversão da mesma – pois se foi aprendida, poderia ser desaprendida. Mas o fato é que não é inata e ao mesmo tempo não pode ser revertida. E como se explica isto? Ora, a homossexualidade é uma orientação sexual. E o que é, de fato, orientação sexual? Há quem considere que orientação sexual se resume a ser hetero, homo, ou bissexual. Eu discordo. Em minha opinião, orientação sexual é um conjunto de características físicas que o outro deve ter para que eu sinta desejo por ele. Ou seja, a orientação sexual determina se eu vou desejar pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente, pessoas morenas ou loiras, pessoas com muitos pelos ou não...

E como a orientação sexual se dá? O que "nos orienta"? Em primeiro lugar, é preciso diferenciar "orientação sexual" de "educação", pois dificilmente alguém irá educar conscientemente um filho para se tornar homossexual (principalmente se levar em conta todas as dificuldades sociais que os homossexuais enfrentam). Se quisermos nos basear no velho e bom Freud, e no ainda mais velho Édipo, a orientação sexual depende da fixação afetiva que a criança fará com o pai ou com a mãe, ou ainda com algum outro parente, amigo da família etc. E também dos desejos inconscientes desta pessoa "eleita" pela criança. E isto não é previsível, controlável, ou possível de modificar. É claro que Freud era preconceituoso, que considerava a homossexualidade um distúrbio psíquico, que quando resolveu classificar os distúrbios em psicose, neurose e perversão colocou a homossexualidade na lista de perversões (juntamente com o masoquismo, o sadismo, etc.), mas, em minha opinião, a despeito de tudo isso, ele ainda está certo sobre como nossa orientação sexual "acontece". E não é possível discutir sexualidade dentro do âmbito psicológico sem fazer referências à psicanálise.

Mas se alguém prefere rejeitar totalmente a teoria psicanalítica, pode buscar entendimento na teoria sócio-histórica da aprendizagem, de Vygotsky, que afirma que as pessoas transformam o mundo e são por ele transformadas o tempo todo, no melhor estilo "nenhum homem se banha duas vezes no mesmo rio". Por isso, de acordo com sua teoria, que também não se baseia no inatismo, não se poderia modificar a orientação sexual de uma pessoa.

E se até ontem nós só tivemos famílias no melhor estilo papai/homem x mamãe/mulher, e assim mesmo sempre houve um grande número de pessoas homossexuais, é sinal de que o fato de um casal ser heterossexual não garante que seus filhos também o serão, e que o fato de um casal homossexual adotar uma criança não irá levá-la, necessariamente, a ser homossexual também (não que isto fosse uma tragédia, mas é a principal justificativa usada por aqueles que são contrários à adoção por casais homossexuais).

Mas eu penso que o que provoca mais irritação e rejeição nas pessoas que têm preconceitos contra a diversidade sexual não é de fato a questão da homossexualidade, e sim do comportamento considerado inadequado em relação ao que a sociedade determina como sendo correto para o sexo com que nascemos (3). Até porque, para algumas pessoas, homem muito masculino e mulher muito feminina nem são considerados homossexuais, mesmo que sejam assumidíssimos. E pessoas que se comportam de forma diferente daquela esperada para seu sexo biológico não são bem aceitas, quer sejam homossexuais ou não. Aliás, todos acham que estas pessoas são homossexuais, inclusive no meio LGBT e nos movimentos feministas. Eu mesma, por não ter um jeito muito feminino, nem me submeter a alguns rituais de beleza comuns a maioria das mulheres, como pintar unhas, cabelos, usar brincos, etc., sou considerada homossexual por diversas pessoas. Mas não sou. Sou apenas uma mulher não muito adaptada àquilo que a sociedade brasileira, no século XXI, espera das mulheres.

É preciso então diferenciar orientação sexual (que tipo de pessoa eu desejo) de identidade sexual (com que sexo eu me identifico) e adaptação ao gênero (o que a sociedade espera de pessoas do meu sexo, e o quanto eu me adapto a isto). Repetindo para deixar bem claro: nem toda pessoa homossexual age de forma diferente daquilo que é esperado para aquele sexo, nem toda pessoa que age de forma diferente daquela esperada para seu sexo é homossexual e, para além de tudo isto, há aquelas pessoas que não se identificam, em absoluto, com seu sexo biológico – ou seja: homens que se sentem mulheres e mulheres que se sentem homens.

Os piores preconceitos serão sempre contra aqueles que não se adaptam ao que a sociedade espera de quem nasceu com seu sexo biológico. Nos homens, o comportamento mais feminino é considerado ridículo, porque o homem teria nascido com o todo o poder que a sociedade lhe confere, e abriu mão dele. Nas mulheres, o comportamento mais masculino costuma despertar ódio, pois é como se ela estivesse pleiteando um poder ao qual não tem direito por nascimento. O preconceito voltado para o homoerotismo propriamente dito é apenas uma manifestação da dificuldade das pessoas de serem lembradas de que o sexo não visa necessariamente a procriação, mas sim o contato afetivo e o prazer.

Está na hora de nós aceitarmos as pessoas como elas são, sem colocar rótulos e fazer julgamentos a partir de nossas próprias experiências. Depois do direito à vida, à saúde e à segurança, penso que o direito de cada pessoa ser aceita como é talvez seja o direito humano mais importante a ser respeitado. Se concordamos em partir do princípio de que o mal-estar causado pela diversidade sexual tem como principal motivo o sexismo, então não há como as mulheres feministas e libertárias não se envolverem com a luta pelo fim da homofobia, e não há como o movimento LGBT não se envolver com a luta feminista.

Claro está que muitas mulheres que se dizem feministas estão se coçando para os movimentos de direitos dos homossexuais. E claro está também que o fato de um homem ser homossexual não faz dele, necessariamente, um defensor da igualdade entre homens e mulheres. Está na hora, pois, de juntarmos em uma mesma luta as pessoas voltadas para o fim da intolerância, para o fim da discriminação, para o fim da desigualdade social, independentemente de sexo, raça, etnia, renda, religião, orientação sexual, identidade sexual, ou o que quer que seja que nos diferencie, lembrando sempre que somos eminentemente seres humanos. Quem quer que acredite em qualquer forma de superioridade ou de diferença irreconciliável não tem como fazer parte desta luta, a não ser de forma muito equivocada.

*1. Fala de participação de Li Travassos na mesa redonda: "Diversidade sexual na perspectiva dos direitos humanos", no "Seminário de enfrentamento ao sexismo, lesbofobia, homofobia e transfobia", onde representava o Sindicato dos Psicólogos de SC. O Seminário fez parte de uma série de atividades promovidas pela Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres de Florianópolis, relacionadas ao 17 de maio – DIA INTERNACIONAL CONTRA A HOMOFOBIA. Foram feitos alguns ajustes no texto, em função de comentários posteriores.
*2. Direção de Ross Marks, com Brendan Fraser e Faye Dunaway.
*3. Vale lembrar que os relatos sobre homens homossexuais que são agredidos ou assassinados nas ruas do Brasil dificilmente se referem a homens que estavam beijando outros homens na rua, e muito menos fazendo sexo com outros homens. São casos de homens homossexuais que estavam simplesmente andando na rua e foram violentamente agredidos. Obviamente, por seus trejeitos femininos. A homofobia é, portanto, basicamente, uma forma de sexismo.

sábado, 21 de maio de 2011

Para quem caminhou no Deserto

Míriam Santini de Abreu

Foi naquele verão, no Atacama, norte do Chile, que pensei encontrar a solidão e o silêncio do deserto. Mas havia ruído por toda a parte. Gente em todo o lugar. O deserto que a gente atravessa, a solidão que sente, estão num lugar outro, sei agora. Estão cá dentro, o Cá Dentro de Cada Um. E por ali ninguém nos vê passar. E quando a gente o atravessa, é dentro da gente que as águas deságuam e o pó frutifica.

http://www.youtube.com/watch?v=qTb75vRnXj8&feature=related

terça-feira, 17 de maio de 2011

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Jornalista fala de experiência no FSM realizado na África, nesta quarta, dia 18/5, às 18h30min, no auditório do Seeb Floripa!

Osíris Duarte, jornalista, durante 22 dias percorreu três países africanos com um objetivo claro: contar histórias. Apenas com uma câmera fotográfica e a meta inicial de realizar uma cobertura Justificarjornalística para Sindicatos Catarinenses do Fórum Social Mundial 2011 em Dakar - Capital do Senegal - teve a oportunidade de vivenciar mais do que as discussões sobre política, sociedade e cultura.

Depois de seis dias em Dakar, seguiu viagem em direção ao arquipélago de Cabo Verde e em seguida para a República da Guiné Bissau. Nesses três países, com realidades e contextos sociopolíticos diferentes, pôde experimentar um pouco da realidade dos africanos. “A África é um continente com uma das maiores diversidades étnicas, culturais e religiosas do planeta. Sendo assim, seria impossível não trazer na bagagem, além das fotos e suvenires, um monte de histórias curiosas, peculiares, interessantes e informativas”.

Osíris pode acompanhar, durante o FSM, a queda de Hosni Mubarak no Egito e a festa dos militantes egípcios em Dakar. Viu a beleza das ilhas de Cabo Verde e o poder da influência da cultura e da mídia brasileira naquele país. Na Guiné Bissau viveu a realidade de um povo que se recupera de anos de guerra civil e exploração internacional.

Essas e outras tantas histórias, impressões e constatações você também podes ouvir durante o "Seminário Nosso eu Africano – Uma viagem particular pela realidade da África," quarta-feira, dia 18 de maio, no auditório do SEEB Floripa. Lá, Osíris te espera, esperando partilhar essas histórias de luta e beleza.

O que?

Seminário: Nosso eu Africano – Uma viagem particular pela realidade da África

Quando?

Quarta-feira, dia 18 de maio, às 18h30min

Onde?

Auditório do SEEB Florianópolis e Região. Rua Visconde de Ouro Preto, 308, Centro, Florianópolis.

Quem?

Osíris Duarte é jornalista profissional, Bacharel em Comunicação Social com habilitação em jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí em 2005, fotógrafo, blogueiro e assessor de imprensa do Sindicato dos Bancários de Florianópolis e Região.


Entidades que apóiam este evento: Fetec/SC - SEEB Florianóplis e Região - SEEB Blumenau - Sindprevs/SC - Sindes - Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e Revista Pobres & Nojentas.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Guardados de baú

Míriam Santini de Abreu

De madrugada, quando não pago para usar o modem, fico a fuçar no You Tube para achar o que achava inachável. E acho. Músicas, propagandas, trechos de antigas novelas, entrevistas. Músicas de quando se fazia baile de adolescente, tomava Kisuco e a gente ficava esperando que um menino nos convidasse para dançar. Novelas de quando ainda não se havia dado o primeiro beijo, e o que e como ele seria ficavam a pairar na imaginação. Até a cena final de "A Gata Comeu" eu encontrei, com aquela canção adorável do Ritchie, "Só pra o vento", e a Torloni, linda.
Tanta nostalgia porque acabo de ver um filme sobre isso, adolescentes que, 25 depois, se encontram por causa da morte do mentor de todos eles. E hoje mesmo, meu amigo Samuel, que conheço desde os 12, 13 anos, enviou-me um torpedo porque, naquele momento, passava no trecho da rodovia que liga São Leopoldo a Porto Alegre e viu o prédio de quitinetes onde moramos durante a faculdade.
Sorri quando li, como sorrio agora, ao ver a espessura da vida, a intangível passagem do tempo quando, num salto cósmico, a gente tem de novo 5, 12, 18, 22, 28, 34 anos, cada intervalo com seus desejos, inquietudes, frustrações, expectativas. A juventude é como um diamante ao sol, diz Alphaville, em "Forever Young". E eu, mesmo passadas quatro décadas, ainda me sinto, como diz a música, água, calor, melodia e ritmo. Como em "Repetition", uma vasta onda quebrando devagar. Aí embaixo estão uns meus guardados de baú (não de madeira, e sim de redes virtuais).

http://www.youtube.com/watch?v=JWdZEumNRmI
http://www.youtube.com/watch?v=5v2afcGbao0
http://www.youtube.com/watch?v=mi6TtWXbvnk
http://www.youtube.com/watch?v=t1TcDHrkQYg
http://www.youtube.com/watch?v=3-X8TcwPlbs

O cheiro que tem os homens quando trabalham

Míriam Santini de Abreu

Dia desses um colega comprou um desodorante e pediu minha aprovação para o aroma.
- Sou suspeita - respondi.
- Por quê? - perguntou ele.
- Porque cheiro de axila não me incomoda.
Ele, pasmo, comentou:
- Então tu não te importa de ficar em ônibus lotado, num final de dia de sol, no verão?
Respondi que não era bem assim. Mas é fato que o cheiro de suor invoca alguma lembrança remota em mim, boa, a ver com esforço, tenacidade. Gosto dos braços masculinos, especialmente aqueles musculosos por causa de esforço, trabalho físico, não os malhados em academia. Braço de homem, suor de homem, e nas veias correndo tempestade.
Meu pai, três vezes por semana, de manhã, trabalha em um pequeno restaurante - perto de minha casa em Caxias - onde prepara, espeta e assa a carne a ser servida no almoço. Uma manhã em que estava de visita por lá, fui dizer a ele que iria ao centro da cidade e dei um beijo em seu rosto, úmido pelo esforço e calor, e tão salgado como sal puro. Fiquei tocada, como fico agora quando lembro da cena. O cheiro e o gosto de quem a gente ama são bons. Suados ou não.
Recordo do trecho de uma música: "o cheiro que tem os homens quando trabalham".

http://www.youtube.com/watch?v=QxpZdxpe0Mo&feature=related


Insensatez

Míriam Santini de Abreu

Desde pequena eu tinha medo de cavalos. Chegava a atravessar a rua se passava alguém montado no bicho, e mesmo se fosse um animal velho puxando uma carroça. Para mim, era perigo em potencial. Mas, numa pousada em Cambará do Sul onde eram oferecidos passeios a cavalo, o dono me disse:

- Gaúcha com medo de cavalo eu não tolero!

Montei. Tremia como geléia nos primeiros 10 minutos, e rolaram lágrimas quando pedi para alguém me ajudar a desmontar.

Ele me olhou e disse:

- Anda!

Andei. Três horas em campo aberto, riachos com capões e trechos com muita pedra solta. Já na estrada para a pousada, o homem assobiou e o cavalo começou a galopar. E aí compreendi porque são míticas as cenas do peão em seu cavalo. Eu, o animal e o mundo correndo às minhas costas. Me perpassou um sei lá o quê de potência, de estranha macheza, e em segundos derrubou-se em mim o peso espantoso de ser parte da terra, do vento, do campo.

Foi assim, tão intenso, quando repeti a experiência na Serra da Bocaina, no Rio. O medo mesclado com macheza, com virilidade. Estranho.

Às vezes, agora, quando o mundo é incompreensível para mim, quando tudo me dói insuportavelmente, quando sei que a dor é fruto amargo na árvore de tudo o que é humano, quando o medo é maior do que o desejo, e a vida, breve, penso em como seria de grande paz montar e cavalgar em campo aberto, deixando a ventania dissolver essa selvageria. Iria para o Oeste, onde se vê o último vestígio do sol se pondo, e tarde da noite voltaria para a querência, com a virilidade apaziguada.

Não tenho cavalo, nem há campo, minha querência é uma quitinete toda azulejada. Mas por influência de um amigo – para quem minhas dores eram fruto da perda da alma do meu pago - agora uso, de vez em quando, bombacha, cinto, bota, e comprei um pala vermelho, feito na Argentina. Aguardo o frio na terra onde estou aquerenciada para sair à rua protegida no pano vermelho.

Toda a noite, antes de dormir, espio a cidade iluminada. Aí deito, aquietada no sono, e monto no cavalo da noite, rumo ao Oeste.

Sabe-se lá porquê, sempre que desejo ter campo e cavalo, e vejo apenas azulejo branco, escuto essa música macia, que me faz lembrar de Cambará, da Bocaina. Talvez porque ele procure, sem medo, em estradas do além, o seu bem...

http://www.youtube.com/watch?v=MOOFP2y9W30

terça-feira, 10 de maio de 2011

Ato Público em 13 de maio marca luta pela titulação imediata dos Territórios Quilombola

Manifesto e apoio à Comunidade São Roque

A comunidade dos Remanescentes do Quilombo São Roque - Praia Grande – SC é formada por 60 famílias, sendo que apenas 30 famílias residem na localidade de Pedra Branca, os demais expulsos pelas imposições do extinto IBAMA-SC ou à procura de sobrevivência, o local de valor ambiental inestimável, coberto pela Mata Atlântica, situado entre as “grotas” (divisão natural entre os morros, também conhecida como canyons).

Tradicionalmente os remanescentes dedicam-se principalmente ao plantio de cana-de-açúcar, roças de milho, feijão e mandioca e criação de animais de pequeno porte para uso alimentar.

O território da comunidade encontra-se dentro dos limites ou entorno dos parques nacionais – Aparados da Serra e Serra Geral, sendo este um dos maiores conflitos da Comunidade, decorrente das tensões geradas pela sobreposição de suas terras, por áreas destinadas à preservação ambiental, instituídas com a criação dos parques nacionais no local. Os conflitos e a sobreposição têm comprometido a produção econômica e social do grupo, uma vez que historicamente foram impostas restrições severas, a utilização do espaço como forma de subsistência e redução das áreas anteriormente utilizada na forma tradicional.

Diante desta situação, desde 2003, com a criação do Decreto 4.887/03, a Comunidade vem buscando reconstruir sua identidade e retomar o território perdido por pressão para o IBAMA e o agronegócio, mas tem resistido durante mais de um século e recentemente trilhou os seguintes caminhos:

Maio/2004 - auto identificou-se e formou a Associação Quilombola dos Remanescentes do Quilombo São Roque;

Junho/2004 - recebeu certificado quilombola emitido pela Fundação Cultural Palmares;

Abril/2005 – realizada Audiência Pública na Câmara Municipal de Praia Grande com a presença do Ministério Público Federal, órgãos municipais e estaduais, o MNU e outras entidades do movimento negro e sindical, em que a comunidade denunciou e reivindicou a revisão das restrições ambientais impostas ao sistema produtivo desenvolvido pelas famílias Quilombolas e a situação de empobrecimento das famílias provocado pela redução das áreas de cultivo imposta pelo IBAMA.

Outubro/2007 – foi realizada audiência no MPF-Criciúma, onde foi apresentado e debatido, entre MPF, INCRA, IBAMA, Prefeito de Praia Grande, Representantes da Comunidade e MNU - SC, uma proposta de Termo de Compromisso que nunca retornou para a comunidade aprovar.

Agosto/2007 – realização de assembléia e, diante das imposições e multas do IBAMA, impossibilidade de plantio e construção e reforma das residências, decide ir à sede do órgão em Florianópolis buscar solução para situação.

Agosto/2007- realiza manifestação em frente ao IBAMA-SC com o objetivo de denunciar para a sociedade a situação vivida e exigir o cumprimento da legislação para uso do território e vida digna.

Durante este processo foi construído o laudo antropológico, o RTID – Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, assim como todos os processos dos finalizados pelo INCRA para o decreto de desapropriação.

2008 – MPF - Criciúma abre processo contra o IBAMA com vistas a permitir a sobrevivência e vida digna das famílias quilombolas que permanecem no território;

Em sendo apresentado relatório final e constatado, através de pesquisa, que do território de uso histórico e onde vivem desde o século passado 07 famílias quilombolas, foi decretado como Parque desde 1970, sendo considerada, de acordo com o decreto 4.887, área de sobreposição, este tem se configurado na maior perseguição do IBAMA. Referendados pela IN 57, que prevê a Câmara de Conciliação para solução de conflitos de sobreposição. Apesar das inúmeras reuniões e assembléias, algumas delas com a presença do MPF e IBAMA, não se conseguiu avançar para a melhoria da condição de vida e dignidade das famílias quilombolas.

Esta situação tornou-se um debate nacional e foi um dos fortes debates no Seminário sobre Comunidades Quilombolas organizado pelo MPF-SC, em 09 de Setembro/2010, onde foi indicado um seminário específico para discutir as Comunidades Quilombolas em áreas ambientais, marcado para 10 de dezembro de 2010.

No Seminário em dezembro, entre vários encaminhamentos e com a presença propositiva de Representantes do IBAMA/ICMBio, foi constituído um GT Quilombola para discutir e buscar encaminhar as situações a nível da Câmara de Conciliação, ficando marcada para o dia 16/12 a primeira reunião, onde a pauta seria o Termo de Compromisso, Formação institucional e quilombola.

Enquanto isso, o golpe estava sendo construído, pois no dia 08/12 emite sua posição na Câmara de Conciliação, contrários à permanência das famílias quilombolas em seu território, que se tornou parque depois de quase um século da permanência dos quilombolas naquele local, e propõe o reassentamento da famílias quilombolas, não reconhecendo a auto-identificação como quilombola, contrariando assim a política do Governo Federal através do decreto 4.887 e do Programa Brasil Quilombola.

Para agravar, técnico do PNAS - Parque Nacional Aparados da Serra/ICMBio - emite multa de R$ 10.000.00(dez mil reais) a um quilombola por ter plantado em território de seu domínio algumas mudas de aipim como forma de sobrevivência.

Diante desta grave situação, viemos denunciar a opressão, a perseguição e a discriminação sofridas pelos Quilombolas de São Roque pelo atual Instituto Chico Mendes. Através deste manifesto, convidamos os Movimentos Sociais, Sindicatos, Parlamentares, ativistas e os Órgãos Governamentais de defesa das Comunidades Quilombolas para o Ato Público do dia 13 de maio na Comunidade.

Pela Titulação imediata dos Territórios Quilombola!

Reparações Já!

Fonte: MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO

sábado, 7 de maio de 2011

Olho teu rosto e digo à ventania...


Lua cheia em Havana Velha, em Cuba, no Verão de 2010


http://www.youtube.com/watch?v=YvPC1XdePXM

Engravidada pela palavra

Míriam Santini de Abreu

Estava a me banhar na claridade da lua crescente desta noite de sábado e sinto: engravidamos pela e com a palavra. Palavra dita pela boca e pelo corpo todo, que também fala.

Quem conhece Belisa Crepusculário disso já sabe. Ela é personagem de um conto de Isabel Allende, Duas Palavras. Belisa Crepusculário vivia do que outros pediam que ela escrevesse. E dava, como prenda, duas palavras secretas. Uma vez apareceu um coronel que só sabia fazer guerra, e pediu a ela que lhe escrevesse um discurso. Também ele ganhou a prenda:

Ela se aproximou sem pressa da cadeira de couro onde ele estava sentado e inclinou-se para lhe dar seu presente. Então o homem sentiu o cheiro de animal montês que saía daquela mulher, o calor de incêndio irradiado pelos quadris, o roçar terrível de seus cabelos, o perfume de hortelã-pimenta sussurrando-lhe ao ouvido as duas palavras secretas a que tinha direito.

Depois daquele dia, o coronel só pensava nas palavras ouvidas. Não tinha mais disposição de fazer a guerra. Um de seus homens procura então a mulher para que ela tire tal feitiço do coronel:

- Coronel, trouxe esta bruxa para que lhe devolva as suas palavras e para que ela lhe devolva a hombridade – disse apontando o cano da espingarda para a nuca da mulher. O Coronel e Belisa Crepusculário olharam-se longamente, medindo-se à distância. Os homens compreenderam, então, que seu chefe já não podia se desfazer do feitiço das palavras endemoninhadas, porque todos puderam ver os olhos carnívoros do puma tornarem-se mansos quando ele avançou e lhe pegou a mão.

O coronel engravidou pela palavra.

É assim. E o corpo, veículo de palavras nos gestos que comporta, também nos engravida. Um certo modo de olhar, de tocar, uma gentileza inesperada, e pronto. Semeia-se o outro, o outro nos semeia.

E mais engravidante ainda é notar, no outro, o gesto espontâneo, não aquele feito sob medida para seduzir, e sim o que é constitutivo do modo de ser. Um sorriso, um gesto de vacilo ao girar do corpo, uma migalha que fica no canto dos lábios e a gente tem um desejo imenso de tocar e recolher, uma expressão de timidez, uma hesitação no dizer, três pontos no final de uma palavra... Pronto. Engravidamos. E tudo o que se deseja, como o coronel, é dar-se as mãos.

http://www.youtube.com/watch?v=RDi-NQRM8Mw



quarta-feira, 4 de maio de 2011

Campanha pela Construção da Escola Estadual lança blog

Desde o dia 24 de abril a comissão organizadora da Campanha Pela Construção da Escola Estadual no bairro São Miguel em Fraiburgo – SC lançou na rede mundial de computadores um blog para divulgar suas ações.

O blog é composto por três espaços: Notícias da Campanha, Mural de Recados para os interessados em deixar mensagens e o último espaço é Quem Apóia a Campanha, que já conta com a adesão de mais de 30 entidades e pessoas, que já manifestaram seu apoio para a construção da Escola Estadual no bairro São Miguel. O endereço para acessar o blog e ter mais informações da campanha é: http://escolaestadualnosaomiguel.blogspot.com

Nos próximos dias, haverá um abaixo-assinado para recolher assinaturas, para que a comunidade fraiburguense possa manifestar seu apoio para construção do referido espaço educacional.

Também serão realizadas reuniões com autoridades municipais e regionais, com o objetivo de informar e divulgar a estes quais as finalidades da Campanha e a necessidade concreta dos estudantes e moradores dos bairros: São Miguel, Nossa Senhora Aparecida, São Cristóvão, Liberata, São Luiz, Macieira e Faxinal dos Carvalhos e comunidades do interior tais como: Taquaruçu de Cima, Assentamento Contestado, Assentamento São João Maria, Gruta, Linha Brasília e Lurdes em terem uma Escola Estadual mais próxima de suas residências.

Fonte: Campanha pela Construção da Escola Estadual no bairro São Miguel

Acesse: http://escolaestadualnosaomiguel.blogspot.com

Contatos: escolaestadualnosaomiguel@gmail.com

A barbárie e a estupidez jornalística

Elaine Tavares

Imaginem vocês se um pequeno operativo do exército cubano entrasse em Miami e atacasse a casa onde vive Posada Carriles, o terrorista responsável pela explosão de várias bombas em hotéis cubanos e pela derrubada de um avião que matou 73 pessoas. Imagine que esse operativo assassinasse o tal terrorista em terras estadunidenses. Que lhes parece que aconteceria? O mundo inteiro se levantaria em uníssono condenado o ataque. Haveria especialistas em direito internacional alegando que um país não pode adentrar com um grupo de militares em outro país livre, que isso se configura em quebra da soberania, ou ato de guerra. Possivelmente Cuba seria retaliada e com certeza, invadida por tropas estadunidenses por ter cometido o crime de invasão. Seria um escândalo internacional e os jornalistas de todo mundo anunciariam a notícia como um crime bárbaro e sem justificativa.

Mas, como foi os Estados Unidos que entrou no Paquistão, isso parece coisa muito natural. Nenhuma palavra sobre quebra de soberania, sobre invasão ilegal, sobre o absurdo de um assassinato. Pelo que se sabe, até mesmo os mais sanguinários carrascos nazistas foram julgados. Osama não. Foi assassinato e o Prêmio Nobel da Paz inaugurou mais uma novidade: o crime de vingança agora é legal. Pressuposto perigoso demais nestes tempos em que os EUA são a polícia do mundo.

Agora imagine mais uma coisa insólita. O governo elege um inimigo número um, caça esse inimigo por uma década, faz dele a própria imagem do demônio, evitando dizer, é claro, que foi um demônio criado pelo próprio serviço secreto estadunidense. Aí, um belo dia, seus soldados aguerridos encontram esse homem, com toda a sede de vingança que lhes foi incutida. E esses soldados matam o “demônio”. Então, por respeito, eles realizam todos os preceitos da religião do “demônio”. Lavam o corpo, enrolam em um lençol branco e o jogam no mar. Ora, se era Osama o próprio mal encarnado, porque raios os soldados iriam respeitar sua religião? Que história mais sem pé e sem cabeça.

E, tendo encontrado o inimigo mais procurado, nenhuma foto do corpo? Nenhum vestígio? Ah, sim, um exame de DNA, feito pelos agentes da CIA. Bueno, acredite quem quiser.

O mais vexatório nisso tudo é ouvir os jornalistas de todo mundo repetindo a notícia sem que qualquer prova concreta seja apresentada. Acreditar na declaração de agentes da CIA é coisa muito pueril. Seria ingênuo se não se soubesse da profunda submissão e colonialismo do jornalismo mundial.

Olha, eu sei lá, mas o que vi ontem na televisão chegou às raias do absurdo. Sendo verdade ou mentira o que aconteceu, ambas as coisas são absolutamente impensáveis num mundo em que imperam o tal do “estado de direito”. Não há mais limites para o império. Definitivamente são tempos sombrios. E pelo que se vê, voltamos ao tempo do farwest, só que agora, o céu é o limite. Pelo menos para o império. Darth Vader é fichinha!

Cabanas em tempos de shoppings




Na primeira foto, Jussara; na terceira, "Nesta"

Jussara Godoi

Em tempos de "desencantamento do mundo", tenho sempre a sorte de chegar até mim algo que me faça repensar minhas atitudes. Foi o que aconteceu, durante os três dias em que passamos, eu e meu companheiro Ronaldo, no sítio do Neni (Onelsimo) e da Nesta (Ernestina),lá no interior do RS. Um lugar sem igual, que visitamos pela segunda vez e ao qual pretendemos voltar muitas vezes.

Tudo naquele sítio teria muito valor de troca se o proprietário assim o quisesse, pois tudo o que produzem é saudável e ecologicamente correto. Mas eles não querem fazer parte do mercado. Prefere manter o valor de uso. "Eu não preciso de dinheiro, já tenho tudo o que preciso aqui", diz Neni, sempre sorrindo. "Aqui a gente ensina o respeito pelo meio ambiente". Quando alguém chega lá pela primeira vez, ele já vai logo avisando: "Cuide como se fosse teu, tudo o que tem aqui, todos podem usufruir e não precisa pagar nada".

E eu, acostumada com a vidinha de "shoppings", como a maioria da população, de tempos em tempos tenho que rever as minhas atitudes. E foi em meio a essa gente de vida simples e sincera que vivi algumas noites de "Samantha Stephens". Quem assiste a série, como eu, deve se lembrar de um dos episódios em que um casal passa por uma cabana abandonada e, ao entrar, encontra um lindo e aconchegante lugar, mas com um detalhe: só estava lindo porque, minutos antes, Samantha estivera ali com suas magias. A cabana era, na verdade, abandonada e inabitável aos olhos de muitos.

Pois foi exatamente isso que encontramos lá no sítio. Uma cabana construída com bambu, sem luxo e sem nenhum valor imobiliário, mas preparada com muito carinho para receber os amigos, com um fogão a lenha onde Neni adora preparar uma boa comida e bater papo. E uma lareira , que nos dias frios fica acesa durante a noite para compensar o friozinho que passa pelas frestas do bambu! Quando eu possuir os "poderes" da Samantha, vou transformar todos os "shoppings centers" em cabanas encantadas!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Condições de Trabalho e dificuldades de atuação na Imprensa Sindical

Míriam Santini de Abreu (palestra feita no dia 28 de abril)

Agradeço o convite deste Sindicato (Sindprevs-SC), parceiro há muito tempo na luta por um jornalismo de qualidade, e tendo como colega, na mesa, um jornalista (Celso Vicenzi) que, como eu agora, também foi dirigente de Sindicato, no caso o Sindicato dos Jornalistas.

Desde que perdemos no STF a obrigatoriedade do diploma, nossa categoria, já fragilizada, se fragilizou ainda mais. A profissão agora se reconhece nos baixos salários, na precarização e na multifunção, ou seja, o jornalista faz de tudo, seu trabalho pode ser utilizado em diversos veículos e o salário, baixo, é um só. A situação é grave nas grandes redações em todo o país. Jornalistas chegam a trabalhar 12 horas por dia, cumprindo até oito pautas por dia. Isso tem conseqüências no jornalismo como atividade profissional e na saúde do trabalhador.

Neste quadro, vejo os Sindicatos como locais de trabalho privilegiados nos dois aspectos, qualidade no jornalismo praticado e na saúde dos profissionais. Mas mesmo neles há problemas.



Dificuldades:



Como são as relações de trabalho que os sindicalistas têm com seus funcionários? Allan Barbosa mapeou 133 sindicatos de trabalhadores da Região Metropolitana de Belo Horizonte, escolhendo os 30 mais representativos para traçar o perfil dos diretores. A pesquisa mostrou que o tratamento dos dirigentes em relação aos empregados do sindicato é bastante paternalista, prevalecendo sempre o informalismo, fazendo com que a gestão se torne pouco profissionalizada. Também há a tentativa de engajar os empregados na atividade política do sindicato: a postura dos dirigentes é de dificuldade no posicionamento “duplo” enquanto patrão e ao mesmo tempo “companheiro”. Isso acaba gerando atitudes e práticas que esbarram no paternalismo ou na inexistência de critérios de natureza técnica que regulamentem as atividades.



Nesse sentido, quero enfatizar dois aspectos que aparecem no nosso trabalho em sindicato.



1 – Adicional de militância e de lealdade

O funcionário de sindicato, como qualquer outro, vende a sua força de trabalho. Em sindicatos, porém, ocorre algo um pouco diferente: muitas vezes o trabalhador se envolve profundamente com a entidade, numa “identificação com a base” e com as suas lutas. Isso pode acontecer ou não. Quando acontece, é comum o funcionário carregar faixa e distribuir panfleto em manifestação. A luta do outro é a sua luta. O professor Herval Pina Ribeiro, médico do trabalho, diz que é ilusão sentir prazer no trabalho no mundo capitalista. Mas a situação dos empregados em sindicato é singular: eles muitas vezes sentem prazer em seu trabalho porque estão imbuídas da lógica de luta pela construção de um mundo mais justo. Por isso, quando enfrentam as contradições apontadas no estudo que mencionei, o golpe é profundo. Iludimo-nos com o que pensamos que o sindicato pode e deve ser, até encontrar, de forma às vezes cruel, o que é o sindicato às vezes é.

Como qualquer ser humano, o funcionário de sindicato, em sua relação de trabalho, também pode ou não desenvolver uma relação com algum dirigente que extrapole a profissional. Se estabelece uma relação de lealdade, de respeito e admiração mútuas, que não deixa de ser também profissional. Isso não é problema. O problema é quando a militância e a lealdade, apesar de não estaram no contracheque no final do mês, passam a ser cobradas, veladamente ou não.

Esse problema aparece com força em dois momentos: quando há mudanças na direção do sindicato, sempre um período de estresse na entidade, e quando há racha na direção. No primeiro caso, o empregado fica entre a cruz e a espada, como se diz. Se tomar posição em prol da chapa de situação, quando há mais de uma chapa, corre o risco de ser malvisto e até demitido se a outra vencer; se não tomar posição, corre os mesmos riscos em relação à chapa de situação, que espera dele uma atuação mais ativa; se tentar ficar neutro, a indiferença será vista como falta de compromisso e de lealdade.

Os grupos em conflito “disputam” a lealdade dos funcionários. Não importa o que façam, os trabalhadores sempre irão “cair na pontuação” de alguém. E se a demissão vier, nunca, mas nunca mesmo, será por motivos políticos. As razões apontadas serão geralmente “administrativas”.



2 – A LER na minha base dói; a do meu funcionário não

A falta da auto-crítica dos dirigentes sindicais se revela fortemente quando o assunto é violência moral no trabalho, ou assédio moral, e doenças do trabalho. Os sindicalistas costumam levar a sério esses problemas quando os afetados são trabalhadores da base que representam. Mas nem sempre levam isso a sério quando os afetados são funcionários do seu sindicato. Aí é “corpo mole”, “lerdeza”, “excesso de sensibilidade”. O mesmo dirigente que, numa assembléia, faz discurso contra o assédio moral, é capaz de humilhar, aos gritos ou com ironia, no mesmo dia, um trabalhador do sindicato. Pior do que isso só o silêncio que paira nas diretorias a respeito dessas práticas. Se protegem, os sindicalistas. Ou preferem, em nome da luta, minimizar esse tipo de fato para evitar desgastes considerados irrelevantes.

A pesquisadora Margarida Barreto diagnostica muito bem o resultado do assédio moral nas relações de trabalho, e as conclusões valem para os sindicatos: Na medida em que esses atos vão se dando, todos os colegas passam a ter medo de ser a próxima vítima, de ser humilhado, de perder o emprego ao defender um colega que está sendo humilhado. O ambiente de trabalho passa a ser dominado pelo medo do coletivo, que leva todos a fazerem o pacto do silêncio. Se antes esse ambiente era marcado pela amizade, esse calar significa que os laços fraternos já não existem, passam a ser fragmentados, rompidos, levando à degradação das relações de trabalho.

Um bom diagnóstico da situação é dado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Entidades Sindicais de 1º e 2º Graus, Associações Profissionais e Centrais Sindicais de Florianópolis e Região Sul, o Sindes. Em entrevista com representantes da entidade apuramos que, dos anos 90 para cá, os problemas estão se intensificando nos sindicatos, especialmente o assédio moral. Num momento, o funcionário é “companheiro”; no outro, é cobrado para fazer horas extras e produzir mais, independentemente das condições de trabalho. Os jornalistas são fortemente atingidos nesses casos. Muitas vezes, ficam noite adentro fechando o boletim ou o jornal da entidade, no mesmo esquema das redações da mídia privada, só que em nome da militância e da lealdade, doadas ou sutilmente cobradas. Se adoecem, LER principalmente, ganham fama: gente que vive doente. Quando está bem e produz, é excelente; quando adoece, o tratamento começa a ficar diferente.

Quando há racha na direção, o jornalista vira uma espécie de “colchão” entre os grupos em disputa. As correntes lutam pela hegemonia do discurso nos meios de comunicação da entidade, e é comum que caiba ao jornalista a impossível missão de atender a todas, contemporizar a disputa, botar “panos quentes”. Se divulga um texto solicitado por um grupo, o outro pergunta de onde o texto surgiu, de que forma foi parar no jornal. Esse tipo de cobrança já virou até alvo de piada: a culpa é do “duende do computador”, um ser que habita as profundezas da CPU e, de lá, produz textos que caminham até a gráfica.

Há um aspecto que fica claro nessa realidade: a dificuldade de comunicação entre o dirigente-patrão e os funcionários, e a falta de transparência nas decisões. Muitas vezes, ocorrem mudanças administrativas que simplesmente não são formalmente comunicadas. O dirigente espera que os trabalhadores as descubram, e isso para não ter que comunicá-las e correr o risco de ser tachado do mau patrão. Assim, espera o resultado de uma mudança que deseja, mas não a comunicou ao funcionário.



Pontos positivos:



Mas há outros lados que quero enfatizar. Vejo hoje, nos sindicatos, um dos lugares privilegiados de produção de um jornalismo crítico, contextualizador, interpretativo. E para isso é preciso refletir sobre a relação com os dirigentes e com o nosso trabalho.

O que vou falar agora é resultado de auto-crítica e de conversas com colegas, e também do que observo no dia-a-dia de nossa atividade nos sindicatos. O fato é que, muitas vezes, por preguiça, acomodação, desinteresse, falta de compromisso, deixamos de aproveitar as brechas, às vezes bem largas, que poderíamos aproveitar. Sim, falamos muito das demandas da categoria que nosso sindicato representa, mas quantas vezes, tendo oportunidade, deixamos de fazer um trabalho mais abrangente, voltado para temas de interesse geral, reportagens, jornalismo crítico? Por que nos deixamos capturar, às vezes sem pressão de chefias, pelo modo de fazer jornalismo que hoje predomina nos grandes jornais?

Outro ponto: por que, sem refletir, também nos rendemos à multifunção? Penso que, sim, um jornalista deve se apropriar de tudo o que a tecnologia oferece para fazer seu trabalho, mas isso não significa que ele deva fazer tudo ao mesmo tempo, às vezes por um salário que não condiz com sua capacidade de trabalho. E aí a crítica que faço também é uma auto-crítica. Quantas vezes, tendo margem para negociar com os dirigentes, assumimos o trabalho de cinegrafistas e repórteres fotográficos, ou deixamos de entregar a um profissional a tarefa de mudar o projeto gráfico de informativos ou jornais? Isso só avilta ainda mais nossa profissão e nossos salários, além de fechar postos de trabalho.



Superação:



Quero citar aqui o trecho de uma entrevista de Deleuze, na qual ele fala sobre Poder e Potência:



"Não há potência má, o que é mau, há que se dizer, é o grau mais baixo da potência, e o grau mais baixo da potência é o Poder. O que é a maldade? É impedir que alguém faça o que pode, que efetue sua potência. De modo que não há potência má, há Poderes maus. Talvez por isto, todo Poder seja mau por natureza. A tristeza está ligada aos sacerdotes, aos tiranos, aos juízes, porque estes proíbem a potência de se expressar. Todo Poder é triste”.



Penso que isso vale para os sindicalistas e para os jornalistas em sindicato. Aleida Guevara, em recente palestra feita em Florianópolis, disse que a maior virtude de seu pai era a coerência entre o discurso e a prática. Essa coerência infelizmente não tem sido regra nos sindicatos e entre os sindicalistas. Exercem o Poder, mas a Potência, o ato de fazer, resultado do discurso, é deixado de lado. Uso aqui uma palavra que vem do latim, virilidade, vigor, energia. Uma virilidade que não associo ao ser homem, e sim a este vigor, a esta energia, e sinto falta disso em jornalistas de sindicato e também nos sindicalistas. É esta virilidade que permite algo cuja falta critico, a finalização das coisas. Ficam pela metade projetos, programas, propostas, que geraram belos discursos e não se tornaram concretos. E isso porque, muitas vezes, o Poder do Dirigente mata a Potência do Jornalista, e vice-versa!

Afirmo também que o dirigente deve, sim, se colocar na condição de patrão, porque tem o poder de demitir. Mas precisa ser um patrão melhor que o da iniciativa privada, ao qual faz a crítica. E o jornalista também precisa compreender que relações de lealdade muitas vezes têm um preço. Às vezes, um dirigente ao qual somos leais precisa se reportar a nós na condição de patrão, e há uma incompreensão nesse processo que pode afetar uma relação de trabalho que para nós é importante e produtiva. Há então que se ter vigilância, bom senso e delicadeza também nessas relações.

Para finalizar, volto ao tema da condição de trabalho. Há sindicatos e sindicalistas medíocres, e nesses sindicatos a luta para se fazer jornalismo de qualidade será grande. Mas há entidades onde temos abertura para um fazer diferente, um jornalismo crítico, com reportagem, com ... virilidade. E por que mesmo aí muitos não fazem? Eu falava sobre isso com meus alunos quando dei aula. Acho que há três caminhos: comprar a briga, sabendo que isso implica riscos; deixar para lá e pensar no salário, ou ir pelo caminho do meio, do médio. A opção de cada um reflete também o que cada um é, e não há aqui juízo de valor, apenas uma constatação. E um aluno um dia disse: - Bom, o caminho do meio é o mais seguro, e a gente se compromete um pouco mais. Respondi que sim. Mas disse que o caminho do meio também tem um preço: ele nunca dará ao jornalista aquela sensação única, que todo jornalista, diplomado ou não, sente quando faz um trabalho brilhante, do qual se orgulha, e que foi o resultado de uma compra de briga, de um bocado de estresse. O que posso dizer, depois de 11 anos em sindicatos, e fiz trabalhos em quatro, é o seguinte: às vezes a gente se envolve tanto no trabalho que acordar de manhã é uma alegria, porque há um mundo a mudar. Mas, talvez, de um dia para outro, isso se perca por uma série de possibilidades. Aí o golpe é grande e dolorido, golpe intenso que não sentem os que escolhem o caminho do meio. Mas aprendi uma coisa: jamais rever o envolvimento no passado com a alma dolorida por um golpe no presente. Porque o que me movia naquele passado era viril, e ponto. Se ninguém percebeu o quão importante a experiência foi para mim, o tanto que me dediquei, o fato é que, para mim, ela era importante e alvo da mais profunda dedicação. Ali exerci a minha Potência! E porque me permiti exercê-la.

Tive uma experiência recente onde pude exercer toda essa virilidade, toda essa Potência. Durou um mês e meio. Mas me alimentou de uma forma profunda, como há muito eu não experimentava, o amor por essa profissão que escolhi aos 12 anos e que exerço há 21 anos. E o alimento foi tanto que fico com esse estoque de Potência para inundar outras experiências. Por isso penso que eventos como esses são fundamentais para alimentar a nossa Potência no coletivo, para que, com ela, possamos fazer frente a situações em que os dirigentes querem apenas expressar seu Poder. E também para convencê-los de que todo Poder, se não for coerente na relação entre discurso e prática, é triste. Não condiz com o papel ainda fundamental que os Sindicatos têm na construção de um mundo justo, onde caibam todos e todas. Um Sindicato de gente viril.