sábado, 7 de maio de 2011

Engravidada pela palavra

Míriam Santini de Abreu

Estava a me banhar na claridade da lua crescente desta noite de sábado e sinto: engravidamos pela e com a palavra. Palavra dita pela boca e pelo corpo todo, que também fala.

Quem conhece Belisa Crepusculário disso já sabe. Ela é personagem de um conto de Isabel Allende, Duas Palavras. Belisa Crepusculário vivia do que outros pediam que ela escrevesse. E dava, como prenda, duas palavras secretas. Uma vez apareceu um coronel que só sabia fazer guerra, e pediu a ela que lhe escrevesse um discurso. Também ele ganhou a prenda:

Ela se aproximou sem pressa da cadeira de couro onde ele estava sentado e inclinou-se para lhe dar seu presente. Então o homem sentiu o cheiro de animal montês que saía daquela mulher, o calor de incêndio irradiado pelos quadris, o roçar terrível de seus cabelos, o perfume de hortelã-pimenta sussurrando-lhe ao ouvido as duas palavras secretas a que tinha direito.

Depois daquele dia, o coronel só pensava nas palavras ouvidas. Não tinha mais disposição de fazer a guerra. Um de seus homens procura então a mulher para que ela tire tal feitiço do coronel:

- Coronel, trouxe esta bruxa para que lhe devolva as suas palavras e para que ela lhe devolva a hombridade – disse apontando o cano da espingarda para a nuca da mulher. O Coronel e Belisa Crepusculário olharam-se longamente, medindo-se à distância. Os homens compreenderam, então, que seu chefe já não podia se desfazer do feitiço das palavras endemoninhadas, porque todos puderam ver os olhos carnívoros do puma tornarem-se mansos quando ele avançou e lhe pegou a mão.

O coronel engravidou pela palavra.

É assim. E o corpo, veículo de palavras nos gestos que comporta, também nos engravida. Um certo modo de olhar, de tocar, uma gentileza inesperada, e pronto. Semeia-se o outro, o outro nos semeia.

E mais engravidante ainda é notar, no outro, o gesto espontâneo, não aquele feito sob medida para seduzir, e sim o que é constitutivo do modo de ser. Um sorriso, um gesto de vacilo ao girar do corpo, uma migalha que fica no canto dos lábios e a gente tem um desejo imenso de tocar e recolher, uma expressão de timidez, uma hesitação no dizer, três pontos no final de uma palavra... Pronto. Engravidamos. E tudo o que se deseja, como o coronel, é dar-se as mãos.

http://www.youtube.com/watch?v=RDi-NQRM8Mw



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