Míriam Santini de Abreu
Desde pequena eu tinha medo de cavalos. Chegava a atravessar a rua se passava alguém montado no bicho, e mesmo se fosse um animal velho puxando uma carroça. Para mim, era perigo em potencial. Mas, numa pousada em Cambará do Sul onde eram oferecidos passeios a cavalo, o dono me disse:
- Gaúcha com medo de cavalo eu não tolero!
Montei. Tremia como geléia nos primeiros 10 minutos, e rolaram lágrimas quando pedi para alguém me ajudar a desmontar.
Ele me olhou e disse:
- Anda!
Andei. Três horas em campo aberto, riachos com capões e trechos com muita pedra solta. Já na estrada para a pousada, o homem assobiou e o cavalo começou a galopar. E aí compreendi porque são míticas as cenas do peão em seu cavalo. Eu, o animal e o mundo correndo às minhas costas. Me perpassou um sei lá o quê de potência, de estranha macheza, e em segundos derrubou-se em mim o peso espantoso de ser parte da terra, do vento, do campo.
Foi assim, tão intenso, quando repeti a experiência na Serra da Bocaina, no Rio. O medo mesclado com macheza, com virilidade. Estranho.
Às vezes, agora, quando o mundo é incompreensível para mim, quando tudo me dói insuportavelmente, quando sei que a dor é fruto amargo na árvore de tudo o que é humano, quando o medo é maior do que o desejo, e a vida, breve, penso em como seria de grande paz montar e cavalgar em campo aberto, deixando a ventania dissolver essa selvageria. Iria para o Oeste, onde se vê o último vestígio do sol se pondo, e tarde da noite voltaria para a querência, com a virilidade apaziguada.
Não tenho cavalo, nem há campo, minha querência é uma quitinete toda azulejada. Mas por influência de um amigo – para quem minhas dores eram fruto da perda da alma do meu pago - agora uso, de vez em quando, bombacha, cinto, bota, e comprei um pala vermelho, feito na Argentina. Aguardo o frio na terra onde estou aquerenciada para sair à rua protegida no pano vermelho.
Toda a noite, antes de dormir, espio a cidade iluminada. Aí deito, aquietada no sono, e monto no cavalo da noite, rumo ao Oeste.
Sabe-se lá porquê, sempre que desejo ter campo e cavalo, e vejo apenas azulejo branco, escuto essa música macia, que me faz lembrar de Cambará, da Bocaina. Talvez porque ele procure, sem medo, em estradas do além, o seu bem...
Um comentário:
míriam
que coisa linda esse texto, que cristal de rocha, que alma de pélago
um beijo
karl
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