sexta-feira, 18 de junho de 2010

PORQUE "A MORTE NUNCA DORME"...*

Li Travassos

Partiu para o outro lado, neste dia 18 de junho de 2010, a maravilhosa pessoa chamada José Saramago, que foi emprestada à humanidade por 87 anos. Doente já há algum tempo, magro demais, Saramago continuava escrevendo, com a pressa dos que sabem que não têm muito tempo. Para quem não aproveitou até agora, ainda dá para fazê-lo: há um tanto de livros publicados deste escritor incomparável, que você poderá ler, e talvez repensar um punhado de coisas. José Saramago foi o homem heterossexual mais honestamente feminista que eu já li. Defensor da dignidade das profissionais do sexo, da dignidade e da valorização do trabalhador braçal, da dignidade do ser humano. Foi o coração mais generoso que já pude conhecer através de uma obra literariamente impecável, digna, de fato, do Nobel que recebeu. Este homem, que não acreditava em Deus, que conhecia profundamente o lado mais sórdido da alma humana, que descrevia a podridão do homem com detalhes insuportáveis, era, contudo, um crédulo na capacidade de mudança deste mesmo ser humano. Sua obra, cheia de contrastes, vai da crítica a construção, do horror a esperança, do humor sutil à tragédia mais crua. Ateu, Saramago questiona Deus como só os grandes santos tiveram coragem de fazer. Sinto hoje uma dor profunda, que tento diminuir com o conhecimento de que ele estava sofrendo muito com sua doença, e com a crença de que nos deixou, através de sua obra, o que tinha que nos deixar. Quem puder aproveitar que o faça. A quem não puder, meus sinceros sentimentos...

* Frase de Saramago em As intermitências da morte, da Companhia das Letras.

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