Míriam Santini de Abreu
Perto da meia-noite de segunda para terça-feira e a chuva continua. Tenho ouvido muito, nestes dias, frase como: “Mas essa gente! Olha onde moram!”, “Por que não escolhem outro lugar para construir a casa!”, “Também... que vai morar perto de rio e em morro quer mesmo é se incomodar!”. Sempre pergunto:
- Quantas pessoas você conhece que moram no lugar onde desejam?
Porque o lugar de morar, para a grande maioria, não é opção. Mesmo quem tem condições para financiar um apartamento ou casa nem sempre pode escolher o bairro, a rua desejada. Quem mora de aluguel menos ainda, porque o valor pago tem que caber no orçamento. E quem está em beira de rio ou em morro não o faz por opção. Optar, neste mundo, é para poucos. Milton Santos, em seu livro O Espaço do Cidadão, diz isso melhor do que eu:
“Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade (tempo, freqüência, preço), independentes de sua própria condição. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mesma formação, até mesmo o mesmo salário têm valor diferente segundo o lugar em que vivem: as oportunidades não são a mesmas. Por isso, a possibilidade de ser mais, ou menos, cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está. Enquanto um lugar vem a ser condição de sua pobreza, um outro lugar poderia, no mesmo momento histórico, facilitar o acesso àqueles bens e serviços que lhe são teoricamente devidos, mas que, de fato, lhe faltam.”
Valemos também pelo lugar onde moramos. Mas a possibilidade de escolha é para poucos.
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