Por Elaine Tavares - jornalista
Conta a história que o movimento ludita, que chegou ao auge em 1811, teve seu início quando um simples operário inglês chamado Ned Ludd, estressado com as constantes reprimendas de seu patrão por conta da lentidão do trabalho, destruiu uma máquina de tricotar meias na fábrica onde trabalhava. Em pouco tempo ele virou uma espécie de herói nacional e, desde então, seu nome passou a ser usado como símbolo da luta contra a modernização do processo produtivo. É que naqueles dias, ao final do século 18, a Inglaterra vivia a transição entre o processo de manufatura e a industrialização. As máquinas principiavam seu reinado e, ao contrário do que se imaginava, de que iriam permitir mais tempo livre aos trabalhadores, elas desempregavam e exigiam muito mais tempo de trabalho, sangue e suor. Era a voragem do capitalismo que chegava para ficar.
Pois a imagem de Nedd Ludd me veio à cabeça nesta semana quando vi na televisão duas notícias incríveis. Uma delas dizia que o governo dos Estados Unidos estava tirando dos seus cofres a fabulosa quantia de 4,6 trilhões de dólares – o que equivale a um terço do seu PIB – para socorrer os bancos. A outra era a de que o presidente do Brasil, Luis Inácio, iria exortar aos brasileiros para que consumissem mais, evitando assim, a crise. Em meio ao barulho da chuva torrencial que caia no meu Campeche, eu quedei estupefata. E me deu aquela vontade irrefreável – a mesma que deve ter dado em Ned lá naquele 1779 - de sair por aí quebrando tudo.
O sistema capitalista que se solidificou com a revolução industrial trouxe com ele, não só as máquinas que infernizaram os luditas, mas também a promessa de que se cada um trabalhasse muito, iria “chegar lá”, o que numa linguagem metafórica queria dizer, ter uma vida farta, digna, plena. As máquinas reduziriam o tempo de trabalho, haveria mais horas para ficar à toa, criando cultura, plantando árvores, criando filhos. E as gentes, sedentas e famintas de mudanças e de graça, acorreram em festa. Mas, por trás do véu de belezas evocadas pelo sistema esconde-se a feia cara de um processo de organização da vida em que para que um viva, outro tenha de morrer.
É o que acontece agora com os desdobramentos da chamada crise. Os bancos, os empresários, os donos do dinheiro do mundo, quebraram a cara na ciranda financeira. Os que viviam por aí arrotando receitas sobre como governar, como tratar a educação, a política, a economia, faliram. Estamparam em todo o planeta sua incompetência. Luditas ao contrário, destruíram eles mesmos seus maquinários de exploração. Certo? Não! Ledo engano. Os incompetentes do sistema financeiro, em vez de serem desmascarados tal qual o rei que precisou de um menino a gritar: o rei está nu, foram premiados. Receberam do Estado, este mesmo - o que eles diziam que tinha de sair do processo, deixando o mercado controlar-se a si mesmo - bilhões de dólares para salvar-se. E pronto. Estão salvos.
No dominó mundial, empresários de outras nacionalidades também começam a chamar pelo “pai-estado”. O mercado capitalista, é certo, nunca viveu sem ele. Os governos nada mais são do que máquinas controladas a serviço do capital. Só que agora desmascarou, desvelou a verdade. No Brasil, o governo de Luis Inácio já injetou dinheiro nas montadoras, no agronegócio, e em outros setores da vida econômica. “Há que salvar o mercado”. E, não bastasse isso, incita o povo a consumir. É preciso que as pessoas comprem muito para que o mercado permaneça aquecido, senão a economia quebra.
Assim, a culpa de qualquer coisa que venha a acontecer com o mercado será das gentes. Não compraram o suficiente. Não importa que não tenham dinheiro. O governo providencia crédito bancário e, assim, engorda ainda mais os bancos, que aplicam juros sobre juros. Ah, o mercado, pobrezinho, precisa muito de nós.
Na máquina de ilusões que é a televisão, a gente vê os soldadinhos do sistema a inocular o germe da fé nas cabeças cansadas que assistem o jornal. Em meio às tragédias, ouvem a segura voz do locutor a dizer que, por aqui, não haverá crise. Basta que as gentes se ponham a comprar. Esta é a solução. E veja bem, vem aí o natal. Pode haver melhor hora? Ninguém fala da crise real, que provoca a miséria, a fome, a migração desesperada. Ninguém mostra que o que está em xeque é o modelo de desenvolvimento que o capitalismo empreendeu. Essa voracidade de riqueza e progresso que, na verdade, é só para poucos. Às maiorias, restam as migalhas do banquete.
Por isso que me vem à mente o operário inglês lá do século 18. Chego a vê-lo, debruçado sobre a máquina de fiar meias, a matutar. Ele deve ter descoberto a verdade sobre o sistema, as máquinas, o capitalismo nascente. Mas, sozinho no condado, incapaz de fazer ver ao seu companheiro, fez o que podia fazer: quebrou a máquina. Reação impotente de um homem só. E nós, a comer bolachas em frente à TV, produzindo mais valia ideológica, o que podemos fazer? Há que quebrar a máquina, a grande máquina do capital. Não sozinhos, como Ludd, mas em comunhão, coletivamente, construindo o mundo novo. Um mundo em que todos possam viver de maneira farta, plena e digna. A promessa não cumprida do capitalismo. Mas, para isso, antes, é preciso que todos vejam! O rei está nu!
Depois disso, resta empreender a longa caminhada até um outro modo de organizar a vida, que alguns de nós chamamos de socialismo, mas que pode até ter outro nome, desde que mantenha os princípios de riquezas repartidas, vida comunitária e harmonia com a natureza. Um sonho, uma utopia, um desejo... Mas que pode acontecer, se a gente quiser. Basta apostar na organização, real e concreta. Assim, nos armemos com a indignação de Ludd e a provocação de Marx: “trabalhadores do mundo, uni-vos”.
Conta a história que o movimento ludita, que chegou ao auge em 1811, teve seu início quando um simples operário inglês chamado Ned Ludd, estressado com as constantes reprimendas de seu patrão por conta da lentidão do trabalho, destruiu uma máquina de tricotar meias na fábrica onde trabalhava. Em pouco tempo ele virou uma espécie de herói nacional e, desde então, seu nome passou a ser usado como símbolo da luta contra a modernização do processo produtivo. É que naqueles dias, ao final do século 18, a Inglaterra vivia a transição entre o processo de manufatura e a industrialização. As máquinas principiavam seu reinado e, ao contrário do que se imaginava, de que iriam permitir mais tempo livre aos trabalhadores, elas desempregavam e exigiam muito mais tempo de trabalho, sangue e suor. Era a voragem do capitalismo que chegava para ficar.
Pois a imagem de Nedd Ludd me veio à cabeça nesta semana quando vi na televisão duas notícias incríveis. Uma delas dizia que o governo dos Estados Unidos estava tirando dos seus cofres a fabulosa quantia de 4,6 trilhões de dólares – o que equivale a um terço do seu PIB – para socorrer os bancos. A outra era a de que o presidente do Brasil, Luis Inácio, iria exortar aos brasileiros para que consumissem mais, evitando assim, a crise. Em meio ao barulho da chuva torrencial que caia no meu Campeche, eu quedei estupefata. E me deu aquela vontade irrefreável – a mesma que deve ter dado em Ned lá naquele 1779 - de sair por aí quebrando tudo.
O sistema capitalista que se solidificou com a revolução industrial trouxe com ele, não só as máquinas que infernizaram os luditas, mas também a promessa de que se cada um trabalhasse muito, iria “chegar lá”, o que numa linguagem metafórica queria dizer, ter uma vida farta, digna, plena. As máquinas reduziriam o tempo de trabalho, haveria mais horas para ficar à toa, criando cultura, plantando árvores, criando filhos. E as gentes, sedentas e famintas de mudanças e de graça, acorreram em festa. Mas, por trás do véu de belezas evocadas pelo sistema esconde-se a feia cara de um processo de organização da vida em que para que um viva, outro tenha de morrer.
É o que acontece agora com os desdobramentos da chamada crise. Os bancos, os empresários, os donos do dinheiro do mundo, quebraram a cara na ciranda financeira. Os que viviam por aí arrotando receitas sobre como governar, como tratar a educação, a política, a economia, faliram. Estamparam em todo o planeta sua incompetência. Luditas ao contrário, destruíram eles mesmos seus maquinários de exploração. Certo? Não! Ledo engano. Os incompetentes do sistema financeiro, em vez de serem desmascarados tal qual o rei que precisou de um menino a gritar: o rei está nu, foram premiados. Receberam do Estado, este mesmo - o que eles diziam que tinha de sair do processo, deixando o mercado controlar-se a si mesmo - bilhões de dólares para salvar-se. E pronto. Estão salvos.
No dominó mundial, empresários de outras nacionalidades também começam a chamar pelo “pai-estado”. O mercado capitalista, é certo, nunca viveu sem ele. Os governos nada mais são do que máquinas controladas a serviço do capital. Só que agora desmascarou, desvelou a verdade. No Brasil, o governo de Luis Inácio já injetou dinheiro nas montadoras, no agronegócio, e em outros setores da vida econômica. “Há que salvar o mercado”. E, não bastasse isso, incita o povo a consumir. É preciso que as pessoas comprem muito para que o mercado permaneça aquecido, senão a economia quebra.
Assim, a culpa de qualquer coisa que venha a acontecer com o mercado será das gentes. Não compraram o suficiente. Não importa que não tenham dinheiro. O governo providencia crédito bancário e, assim, engorda ainda mais os bancos, que aplicam juros sobre juros. Ah, o mercado, pobrezinho, precisa muito de nós.
Na máquina de ilusões que é a televisão, a gente vê os soldadinhos do sistema a inocular o germe da fé nas cabeças cansadas que assistem o jornal. Em meio às tragédias, ouvem a segura voz do locutor a dizer que, por aqui, não haverá crise. Basta que as gentes se ponham a comprar. Esta é a solução. E veja bem, vem aí o natal. Pode haver melhor hora? Ninguém fala da crise real, que provoca a miséria, a fome, a migração desesperada. Ninguém mostra que o que está em xeque é o modelo de desenvolvimento que o capitalismo empreendeu. Essa voracidade de riqueza e progresso que, na verdade, é só para poucos. Às maiorias, restam as migalhas do banquete.
Por isso que me vem à mente o operário inglês lá do século 18. Chego a vê-lo, debruçado sobre a máquina de fiar meias, a matutar. Ele deve ter descoberto a verdade sobre o sistema, as máquinas, o capitalismo nascente. Mas, sozinho no condado, incapaz de fazer ver ao seu companheiro, fez o que podia fazer: quebrou a máquina. Reação impotente de um homem só. E nós, a comer bolachas em frente à TV, produzindo mais valia ideológica, o que podemos fazer? Há que quebrar a máquina, a grande máquina do capital. Não sozinhos, como Ludd, mas em comunhão, coletivamente, construindo o mundo novo. Um mundo em que todos possam viver de maneira farta, plena e digna. A promessa não cumprida do capitalismo. Mas, para isso, antes, é preciso que todos vejam! O rei está nu!
Depois disso, resta empreender a longa caminhada até um outro modo de organizar a vida, que alguns de nós chamamos de socialismo, mas que pode até ter outro nome, desde que mantenha os princípios de riquezas repartidas, vida comunitária e harmonia com a natureza. Um sonho, uma utopia, um desejo... Mas que pode acontecer, se a gente quiser. Basta apostar na organização, real e concreta. Assim, nos armemos com a indignação de Ludd e a provocação de Marx: “trabalhadores do mundo, uni-vos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário