Por Li Travassos, de Florianópolis
Várias declarações de direitos reverteram naquela que, universal, foi adotada em 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Esta, que proclama os direitos civis, políticos e econômicos dos seres humanos, intitula-se – como suas precedentes da França e Inglaterra – Declaração dos Direitos do Homem. Na França, ao menos a primeira Declaração, de 1789, intitulada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, tinha este sentido estrito – eram direitos dos quais as mulheres eram excluídas. E vale lembrar que, na primeira tentativa de democracia do mundo, na Grécia que escravizava os povos mais fracos, no final do século VI, somente são tidos como cidadãos os homens (no sentido de sexo masculino) adultos e livres.
Vale também lembrar que, no Brasil, assim como nos Estados Unidos, foram escravizadas pessoas negras, arrancadas do Continente Africano, e que nossas terras foram colonizadas ao custo do sangue aborígene. A humanidade de mulheres, de "loucos", de negros, de índios e mesmo das pessoas pobres já foi questionada – foram considerados "sem alma" pela Igreja Católica, que assim justificava e liberava todo tipo de violência contra eles, mesmo que esta violência resultasse em sua morte. Quanto aos homossexuais, já foram considerados criminosos, perdendo seus direitos quando seu "desvio" era comprovado. Menores de idade não são tidos como cidadãos. Assim, "quem tem direito aos direitos humanos" é uma pergunta silenciosa que se repete a cada vez que é necessária uma luta específica pelos direitos de cada uma destas parcelas da humanidade – pois há quem pareça não lhes creditar direito algum.
Por tudo isso, acaba não causando estranheza a ninguém a existência de pessoas na aparentemente eterna luta pelos direitos das mulheres, dos negros, dos índios, dos homossexuais, das crianças, das "pessoas em sofrimento psíquico ²" e dos miseráveis... Mas estas lutas denunciam, de alguma maneira, o enraizamento do macho branco, rico (e adulto) no poder. Senão haveria apenas uma luta: a luta pelos Direitos Humanos. Porque os Direitos Humanos não são direitos que nos damos, enquanto pessoas, diante de outros animais. Não são direitos em relação aos vegetais. Nem aos minerais muito menos. Os Direitos Humanos são uma tentativa de garantir os direitos de pessoas em relação a outras pessoas.
Mas – e aqui é preciso prestar atenção – embora os Direitos Humanos falem, no geral, dos direitos de todas as pessoas, e de que não se pode fazer diferença entre elas, há especificidades nos grupos acima citados, que exigem lutas específicas por seus direitos. Mulheres são diferentes, quanto mais não seja na questão reprodutiva, e por uma maior fragilidade física. Os negros foram tratados como diferentes por tanto tempo, que acabaram ficando diferentes mesmo – diferentes em suas possibilidades de estudar, de crescer profissionalmente... Os índios são diferentes, e é preciso que se preserve esta diferença, porque se trata de uma riqueza cultural que não deve ser perdida. Crianças e adolescentes são diferentes, pois são mais frágeis, e estão em processo de formação – física e psicologicamente falando – e são, em maior ou menor medida, dependentes. Aqueles que vivem na mais absoluta miséria são diferentes por não terem acesso a nada daquilo que é necessário à dignidade humana – e não são, de imediato, capazes de conquistar tais coisas sozinhos. E as pessoas em sofrimento psíquico são diferentes porque dependem, em certa medida, de uma ajuda profissional para lidar com este sofrimento.
Mas de quem estas pessoas todas são diferentes? Do homem, heterossexual, adulto, branco, rico e psiquicamente "saudável". Este então é o monstro que deve ser enfrentado? Logicamente não. Há pessoas ótimas que se encaixam em todas as categorias acima citadas. Pessoas responsáveis inclusive por diminuir as desigualdades entre os seres humanos. Porque é disto que se trata: de diminuir as desigualdades sem, contudo, esquecer as diferenças. Ou então as mulheres, os negros, os índios, os homossexuais, as crianças, os pobres e os "loucos" estarão sempre na condição de "humanos de menos", com direitos desiguais.
Talvez chegue o momento em que possamos ter apenas uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, com seções que contemplem o que há de específico em alguns grupos humanos (como as mulheres, por exemplo). Até lá, teremos que continuar lutando em prol da inclusão de todos os seres humanos no rol destes seres humanos que têm seus direitos garantidos.
Por isso, na luta pelos direitos das mulheres no Brasil, foi necessário criar uma lei. Uma lei para tentar diminuir a mortalidade feminina em função da violência doméstica. Para tentar diminuir as vítimas da violência doméstica. Para normatizar a situação dos agressores. Esta Lei tem o nome de Maria da Penha. Nome de uma mulher que ficou paraplégica em função da violência doméstica, e que se tornou um símbolo da luta pelo fim da violência contra a mulher. Mas como no Brasil nem tudo que é lei é seguido como lei, foi criado, em SC, o FÓRUM ESTADUAL PELA IMPLANTAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA.
Dia 25 de novembro é o DIA INTERNACIONAL PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Por isso, no dia 24 de novembro, terça feira, o Fórum estará realizando uma série de atividades, conforme programação abaixo, para cobrar ações do Governo do Estado na implementação da lei, e para aumentar a consciência e o entendimento de todas as mulheres e homens comprometidos com os Direitos Humanos de todas as pessoas. Participe! Venha somar sua força a esta luta!
1. Este texto foi adaptado de outro, da mesma autora, que foi lido na Câmara dos Vereadores de Florianópolis em 7/03/2005, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher (8 de Março), representando as seguintes entidades: CEDIM, CEPA, CRESS e CRP.
2. Termo politicamente correto atual para designar as pessoas com distúrbios psíquicos graves, que antes chamávamos de psicóticos, ou de doentes mentais, e que o povo chama de loucos. Temo que mudar a nominação não mude em absoluto a relação da sociedade com estas pessoas.
ATIVIDADES PROPOSTAS PELO FÓRUM ESTADUAL PELA IMPLANTAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA, NO DIA 24/11/2009, AUDITÓRIO ANTONIETA DE BARROS, ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SC:
09:00 h – Audiência Pública – A Implementação da Lei Maria da Penha em SC.
13:30 h – Seminário
– Palestras seguidas de debate:
Preconceitos de gênero como geradores da violência doméstica
Li Travassos – Graduação em Psicologia pela UFPR em 1987. Mestrado em Psicologia pela UFSC em 2003, com o tema: Mulher, História, Psicanálise.
A cultura da discriminação e violência: pensando estratégias de discriminação
Samantha Buglione – Mestrado em Direito. Doutorado em Ciências Humanas. Professora de Direito e Bioética na graduação e no mestrado em Gestão de Políticas Públicas da UNIVALI. Coordenadora do CLADEM Brasil.
– Discussão das diretrizes do Fórum em 2010
– Caminhada em direção à Catedral, depois até a Esquina Democrática (Felipe Schmidt com Deodoro), onde haverá um Ato Público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário