É
sempre bom que se relembre o fato de que gauchismo não é algo que se incorpore
só por se ter nascido no Rio Grande do Sul, um dos estados mais ao sul da
federação brasileira. O gauchismo é, a meu juízo, um jeito de viver daqueles que
cresceram na “campanha”, um espaço geográfico que toma parte do Rio Grande,
Argentina e Uruguai. É o caminho cheio de horizontes, o descampado tomado pelo
vento minuano, as sangas, o rio Uruguai e as emas. É coisa entranhada no corpo,
com cheiro de tosquia, bosta de vaca e cavalo. É sentimento de imensidão e
vertigens, típico daqueles que vivem nas bordas, veredas, hoje fronteiriças, mas
que até 500 anos atrás eram estradas livres dos povos minuano, tapes e charrua,
a gente originária que povoava o lugar antes da chegada dos espanhóis e
portugueses.
Por isso que quando chega o 20 de setembro - data em que no Rio Grande se comemora o dia do gaúcho - eu me permito vibrar à custa desse gauchismo que vive em mim, nascido, como eu, na barranca do rio Uruguai. Esse rio atávico, essa veia larga, de onde, desde guriazinha, já observava, reverente, os balseiros, os pescadores e as lavadeiras na faina diária. Conhecedora da história da Revolução Farroupilha, aprendida bem antes de aprender a andar, sei muito bem que a revolta gaudéria do 1835 foi um levante de fazendeiros, de homens ricos, liberais, que buscavam um brecha na fechada economia colonial. Igualmente sei que, junto com eles, lutaram na guerra independentista os lanceiros negros, tropas formadas por escravos que se jogaram na guerra almejando sua própria liberdade. É certo que foram enganados e traídos pelos generais, mas como negar a eles a reverência por toda a bravura que empreenderam nos dez anos de existência da república farrapa? Também é importante lembrar a ação libertária e generosa dos índios charrua, que tinham passado para o lado de cá do rio depois da traição de Salsipuedes, na Banda Oriental, e que assumiram a causa revolucionária, colocando nas batalhas o seu corpo em oblação. E, como eles, também os minuano e os guarani. Ainda há que se lembra das gentes simples, os paisanos livres, que avançavam na batalha, incitados pelos ventos de transformação que vinham desde a parte de cima da América, desde os anos 20, com Bolívar, e depois com os vizinhos San Martín (da Argentina) e o grande Artigas ( da Banda Oriental).
Em nome de toda essa gente que se moveu na revolução é que se deve reforçar que os fazendeiros oportunistas não semearam no vazio. Havia toda uma terra já arada de desejos de vida plena, livre e cheia de bênçãos. E foi nessa senda que os seguiram a gente maragata, na pureza e na valentia. Mas não dá para esquecer que muitos dos que se bateram em combate nos campos do sul não estavam movidos nem pela pureza, muito menos pelas demandas de Bento e sua gente. Alguns tinham bem claro que havia uma guerra dentro da guerra e que haveria de chegar a hora em que os "generais" do latifúndio também haveriam de ser derrubados. Homens e mulheres que morreram nas batalhas, creio eu, talvez muito pouco se importassem com o mercado do charque ou com possibilidades de arrancar uma ou outra coisa do governo imperial. Muitos estavam firmemente empenhados da vontade de construir uma república, um novo jeito de organizar a vida. Sabiam das grandes guerras já travadas em toda a América, cujas histórias se contavam nos galpões, nas noites frias de minuano. E, quem já pode percorrer aquelas campanhas nas noites de inverno, sabe que, por vezes, dá até para ouvir as risadas de pé de fogo, e os sonhos verbalizados por aqueles valentes que se jogaram, em farrapos, na aventura de tecer um grande meio-dia.
E é esse povo de coragem que eu reverencio no 20 de setembro. Que me importa Bento Gonçalves, Canabarro, Almeida, Neto ou outros generais do latifúndio. Eles seguem sendo desvelados pela história nas suas vilanias, traições e cobiças. No 20 de setembro eu cevo o mate pelas gentes simples, pelos valentes que embarcaram na grande aventura da liberdade. Homens e mulheres, irmãos e irmãs de Bartolina, Micaela, Tupac Amaru, Tupac Catari, Bolívar, Manuela, Artigas, Juana Azurduy. É essa procissão de gente que eu vejo passar diante dos meus olhos gaudérios. E é para eles que tiro respeitosamente o chapéu, porque ajudaram, com seus corpos, a palmilhar essa estrada ainda inconclusa da nossa independência como povo e como nação.
Digam o que disserem, eu faço cerimônias no 20 de setembro. Canto canções, acendo incensos e agradeço. Não aos fazendeiros que acabaram se achicando em acordos econômicos ao fim de 10 anos de luta, mas aos verdadeiros protagonistas dessa saga histórica que, repetidamente, acende em mim os candeeiros da paixão. Viva o povo farroupilha! Brancos, negros, índios, essa gente valente que fez o Rio Grande ser o que é.
Por isso que quando chega o 20 de setembro - data em que no Rio Grande se comemora o dia do gaúcho - eu me permito vibrar à custa desse gauchismo que vive em mim, nascido, como eu, na barranca do rio Uruguai. Esse rio atávico, essa veia larga, de onde, desde guriazinha, já observava, reverente, os balseiros, os pescadores e as lavadeiras na faina diária. Conhecedora da história da Revolução Farroupilha, aprendida bem antes de aprender a andar, sei muito bem que a revolta gaudéria do 1835 foi um levante de fazendeiros, de homens ricos, liberais, que buscavam um brecha na fechada economia colonial. Igualmente sei que, junto com eles, lutaram na guerra independentista os lanceiros negros, tropas formadas por escravos que se jogaram na guerra almejando sua própria liberdade. É certo que foram enganados e traídos pelos generais, mas como negar a eles a reverência por toda a bravura que empreenderam nos dez anos de existência da república farrapa? Também é importante lembrar a ação libertária e generosa dos índios charrua, que tinham passado para o lado de cá do rio depois da traição de Salsipuedes, na Banda Oriental, e que assumiram a causa revolucionária, colocando nas batalhas o seu corpo em oblação. E, como eles, também os minuano e os guarani. Ainda há que se lembra das gentes simples, os paisanos livres, que avançavam na batalha, incitados pelos ventos de transformação que vinham desde a parte de cima da América, desde os anos 20, com Bolívar, e depois com os vizinhos San Martín (da Argentina) e o grande Artigas ( da Banda Oriental).
Em nome de toda essa gente que se moveu na revolução é que se deve reforçar que os fazendeiros oportunistas não semearam no vazio. Havia toda uma terra já arada de desejos de vida plena, livre e cheia de bênçãos. E foi nessa senda que os seguiram a gente maragata, na pureza e na valentia. Mas não dá para esquecer que muitos dos que se bateram em combate nos campos do sul não estavam movidos nem pela pureza, muito menos pelas demandas de Bento e sua gente. Alguns tinham bem claro que havia uma guerra dentro da guerra e que haveria de chegar a hora em que os "generais" do latifúndio também haveriam de ser derrubados. Homens e mulheres que morreram nas batalhas, creio eu, talvez muito pouco se importassem com o mercado do charque ou com possibilidades de arrancar uma ou outra coisa do governo imperial. Muitos estavam firmemente empenhados da vontade de construir uma república, um novo jeito de organizar a vida. Sabiam das grandes guerras já travadas em toda a América, cujas histórias se contavam nos galpões, nas noites frias de minuano. E, quem já pode percorrer aquelas campanhas nas noites de inverno, sabe que, por vezes, dá até para ouvir as risadas de pé de fogo, e os sonhos verbalizados por aqueles valentes que se jogaram, em farrapos, na aventura de tecer um grande meio-dia.
E é esse povo de coragem que eu reverencio no 20 de setembro. Que me importa Bento Gonçalves, Canabarro, Almeida, Neto ou outros generais do latifúndio. Eles seguem sendo desvelados pela história nas suas vilanias, traições e cobiças. No 20 de setembro eu cevo o mate pelas gentes simples, pelos valentes que embarcaram na grande aventura da liberdade. Homens e mulheres, irmãos e irmãs de Bartolina, Micaela, Tupac Amaru, Tupac Catari, Bolívar, Manuela, Artigas, Juana Azurduy. É essa procissão de gente que eu vejo passar diante dos meus olhos gaudérios. E é para eles que tiro respeitosamente o chapéu, porque ajudaram, com seus corpos, a palmilhar essa estrada ainda inconclusa da nossa independência como povo e como nação.
Digam o que disserem, eu faço cerimônias no 20 de setembro. Canto canções, acendo incensos e agradeço. Não aos fazendeiros que acabaram se achicando em acordos econômicos ao fim de 10 anos de luta, mas aos verdadeiros protagonistas dessa saga histórica que, repetidamente, acende em mim os candeeiros da paixão. Viva o povo farroupilha! Brancos, negros, índios, essa gente valente que fez o Rio Grande ser o que é.
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