quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Florianópolis planejada... em linhas gerais OU o golpe do Plano Diretor


Míriam Santini de Abreu

Desde o início da semana a imprensa jaz sob a propaganda do governo Cesar Souza Jr. de “apresentar as linhas gerais do Plano Diretor”, depois de sete anos e “1,5 mil reuniões”. Para engolir um factoide desses, é provável que os jornalistas não tenham participado de nenhuma delas. O fato, sobre o qual parece não ter havido questionamento por parte de jornalistas, é: onde está a última versão do anteprojeto? É aquela de março de 2012? Qual é?

No site da prefeitura até agora não está. Os jornalistas, chequei, receberam um arquivo com diretrizes, e com isso se contentaram. Não sei se algum lembrou de perguntar sobre o texto, aquele que a prefeitura vai levar para as tais 40 oficinas distritais e temáticas. Saberiam, se tivessem perguntado, o óbvio: a prefeitura vai mais uma vez apresentar “linhas gerais”, com se “linhas gerais” definissem o desenvolvimento urbano da Capital. Não serão “linhas gerais” a desembarcar na Câmara de Vereadores em outubro, conforme anúncio do prefeito.

Quem de fato leu a última versão do anteprojeto foi o pessoal do Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo, que ontem recebeu uma missiva eletrônica da Superintendência do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis iniciada assim: “... vimos informar que o Governo Municipal, no cumprimento de suas atribuições e com o único intuito de cumprir seus compromissos públicos, passa a assumir diretamente, em contato permanente com a sociedade, a apresentação do novo projeto de Plano Diretor proposto para a cidade”. Com isso, o Núcleo Gestor foi dispensado.

Ora, e quem é o Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo? São representantes dos distritos da Capital que, desde 2006, lutam para que o crescimento da Capital não fique sujeito apenas à especulação imobiliária. Que, desde lá, representam moradores que se reúnem, debatem e definem diretrizes para suas comunidades. Que se debruçaram sobre a mais recente, de 118 páginas, e as outras versões do anteprojeto, para participar das “1,5 mil reuniões”.

Ao longo desses anos, o Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo conseguiu fazer o que a prefeitura, nessa administração e na passada, decidiu não enfrentar: colocar o tema do Plano Diretor em debate na sociedade. Se dependesse da prefeitura, isso nem iria acontecer. Na gestão Dário Berger, mais de um ano escorreu para que se montassem as bases distritais. A prefeitura nunca colocou no orçamento municipal recurso exclusivo para o Plano Diretor Participativo nem contratou equipe técnica exclusiva para o trabalho. Só neste ano o Instituto de Planejamento Urbano, o IPUF, mereceu alguma atenção, depois de anos sucateado. E nem Dário nem Cesar Souza articularam plano de mídia para conversar com a população sobre o Plano Diretor. As administrações se limitaram a colocar uns anúncios pagos na imprensa.

O Plano Diretor Participativo é o principal instrumento do Planejamento Urbano para efetivar o direito à cidade, definindo os objetivos a serem alcançados em cada área e os instrumentos urbanísticos e ações estratégicas que devem ser implementadas. Mas falar de Plano Diretor é como falar de Edital de licitação para o transporte coletivo, outra seara pela qual a prefeitura vai enveredar com mais um golpe contra a população. São temas áridos. Envolvem conceitos, definições. Cada palavra tem um sentido em disputa, porque as palavras valem. Elas autorizam, proíbem. Significam dinheiro, possibilidades, lucros. Podem significar a garantia de uma cidade possível, onde viver não seja uma experiência angustiante. Mas quem se debruça para pensar sobre isso? Quem informa o que acontece? Quem ajuda os cidadãos a decidir? Certamente não essa prefeitura.

Que se veja o Plano de Ocupação do Solo, por exemplo, que divide a cidade em zonas. Cada zona pode ser ocupada de uma forma, com um certo índice de aproveitamento, dependendo do que diz o Plano Diretor. Abrir mão de saber disso e, principalmente, decidir, cobra um preço alto.

Casa em encosta sujeita a deslizamento, ruas e rodovias mal-feitas, sem acostamento, passeios, ciclovias, edificações em áreas de preservação permanente, ruas imensas, estreitas, que tem nome, mas não tem água nem luz, trânsito prioritário para veículos, e não pedestres.  Quem mora em Florianópolis reconhece esse diagnóstico e reclama dele. Mas não necessariamente faz a ponte entre esses problemas e o fato de o Plano Diretor ser o instrumento legal por excelência para ordenar a cidade.

A prefeitura diz que irá convidar “todos para um inédito calendário de reuniões, consultas e audiências públicas, composto de cerca de 40 Oficinas Distritais em 21 localidades de todo o município, um número equivalente de reuniões técnicas com aproximadamente duas dezenas das entidades públicas e privadas representativas de todas as regiões e categorias sociais da cidade, além de cinco Oficinas Técnicas Regionais (Centro, Continente, Norte, Sul e Leste)”. Diz que isso irá “ampliar o número e a representatividade dos partícipes envolvidos com a construção do Plano Diretor”. Sim, mas que peso terão essas oficinas distritais e temáticas na definição do Plano? Terão peso de Audiência Pública? O resultado das oficinas será contemplado no Plano? E de que forma os participantes terão acesso ao anteprojeto, onde não há “linhas gerais”, e sim o que realmente importa, os mapas, os percentuais, as possibilidades de uso? Por que a prefeitura insiste em não usar o resultado de sete anos de debates produzidos nos distritos?

Aqui vale lembrar a Superintendência do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, que mencionou a necessidade de a prefeitura cumprir “seus compromissos públicos” e assim atropelar o Núcleo Gestor. Seriam compromissos com qual público? Há anos os moradores de Florianópolis organizados nos distritos dizem o que querem. Há anos o Plano Diretor não anda. O município agora diz que contratará quatro profissionais “de renome nacional e internacional” para consultoria em áreas específicas do Plano. Será que eles têm mais a dizer sobre a Capital do que quem vive, trabalha, estuda, pesquisa aqui? Renome é garantia de quê? Ora, e a falta de sintonia na prefeitura é tão grande que as diferentes áreas não conseguem se entender nem mesmo sobre o uso de um ponto da Capital, o Aterro da Baía Sul, para o qual toda a semana aparece um projeto novo.

A prefeitura anunciou hoje os principais pontos do Plano Diretor. Seria risível se não fosse trágico! Nem o mais tresloucado defensor de espigões nem o mais empedernido ambientalista nem o mais vendido colunista nem o mais desinformado jornalista seriam contrários a tamanha generalização (veja no final do texto)! A questão é como, para quem, de que forma, em que índices, em que zonas “preservar”, “proteger”, “valorizar”, “equilibrar”!
Sabe-se que há prefeituras que encomendam o Plano Diretor. Vem prontinho, ao gosto dos apoiadores das campanhas eleitorais. Em Florianópolis, a gestão Berger quis fazer isso. Contratou uma empresa argentina. Mas, aqui, se disse não. A capital já foi abocanhada de todos os lados pela especulação imobiliária. Não faltou naco, lote, área, restinga, praia, morro para violentar. E todo o dia vendem a patacoada de Florianópolis como destino turístico, para o visitante encontrar, na temporada, caos no trânsito, falta de água e luz, problemas de saneamento e por aí vai. Só não é pior – em termos urbanísticos, porque há que se reconhecer a beleza paisagística da Ilha, infelizmente mais arborizada do que a “árvore neural” do “trade” turístico - porque “ecochatos”, gestores públicos sérios, promotores, procuradores usam a lei para barrar investidas sem qualquer limite.

São esses os tratados como “vândalos”, “atrasados”, pela mesma mídia que, todos os dias, noticia as desgraças provocadas pelo mau uso da cidade, pela falta de fiscalização, pela corrupção. As bocas alugadas que dizem o que os donos e candidatos a dono da cidade não ousam dizer, enquanto circulam onde o poder circula para também se lambuzar nele.
A versão mais recente do anteprojeto do Plano Diretor tem 118 páginas. Não se conhece publicamente ainda a versão que a prefeitura, suponha-se, irá levar para as alardeadas oficinas. Quem luta há sete anos não vai parar. Quem não luta deve começar já. E ler. O resultado, se a população ficar de fora, será desastroso: lucro e boa vida para uns poucos e prejuízos para a maioria.

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Principais pontos do Plano Diretor anunciados pela prefeitura:

Preservação do meio ambiente com fiscalização efetiva
Proteção das encostas
Valorização de conjuntos urbanos de valor cultural
Preservação das paisagens
Criar centros no município para evitar conflitos de vizinhança
Construção de núcleos urbanos planejados
Equilíbrio na ocupação do solo
Soluções integradas de mobilidade urbana
Desenvolvimento da SC-401
Uso da Ponte Hercílio Luz para o transporte coletivo e criação de parques e decks no seu entorno
Recuperação das conexões marítimas
Criação de parques urbanos centrais, como no Aterro da Baía Sul e no Aterro Continental Sul
Requalificação Urbana do Centro Histórico
Vivências nas Vias Expressas

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