Míriam
Santini de Abreu
A Câmara de Vereadores de Florianópolis aprovou, em primeira votação e por maioria, o Projeto de Lei 14901/2012, que dispõe sobre a contratação de idosos aposentados por micro ou pequena empresa. O projeto tem que ir a segunda votação. Com dois artigos, o projeto diz que a empresa e o empregado estarão isentos da contribuição prevista nos artigos 20 e 22 da Lei 8.212/1991. Essa lei é federal e trata da organização da Seguridade Social. Mas é de se ressaltar o que está no parágrafo único do Projeto de Lei que passou na Câmara: “A relação de emprego prevista nesta lei não acarreta nenhum benefício ou serviço da seguridade social”.
Para resumir: o idoso irá trabalhar sem descontar para a Previdência Social, o que varia de 8% a 11% sobre o salário, e a empresa deixará de pagar os 20% por elas devidos, por lei, sobre o total das remunerações pagas. Além disso, o idoso não terá direito a mais nada fora o salário, porque o parágrafo único deixa claro que não haverá nenhum benefício a mais.
É de se estranhar o fato de tal projeto ir a votação no Plenário da Câmara. Ele é inconstitucional. A justificativa no texto foi a de que é preciso aproveitar a experiência acumulada pelos trabalhadores com mais de 60 anos, já aposentados, “em benefício da viabilização de pequenas iniciativas empresariais”. E isso porque é alto o “percentual de encerramento de pequenas empresas, em função do despreparo de incipientes”. Ou seja, a impressão é a de que o projeto, de dois artigos em nove linhas, quer enfrentar duas realidades, a baixa aposentadoria da maior parte dos brasileiros e as condições precárias de educação enfrentadas pelos jovens - tendo reflexos no mercado de trabalho -, com uma solução: que o aposentado volte a trabalhar, e sem benefícios.
Como os ditos benefícios que eles irão receber não são citados, presume-se que se referem a transporte, refeição, eventualmente plano de saúde. Com o salário apenas, o aposentado praticamente pagaria para ir trabalhar, se precisar de ônibus, e também para comer.
A Procuradoria Geral da Câmara posicionou-se pela existência de óbice constitucional na matéria, afirmando que é privativa da União a competência para legislar sobre seguridade social: “quem não tem competência para instituir o recolhimento, não detém competência para propor sua isenção”. A assessoria da Comissão de Orçamento, Finanças e Tributação da Câmara também se manifestou de forma contrária ao projeto, que apresenta “vício de competência”.
Projeto de precarização
A aprovação do projeto em âmbito municipal se dá em meio a uma luta nacional contra o Projeto de Lei 4.330, de autoria do deputado Sandro Mabel (PR-GO), que prevê a terceirização de todas as atividades e funções de qualquer empresa, pública ou privada. O PL vai abrir as portas para precarização ainda maior das condições de trabalho.
A votação deste projeto foi suspensa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados e no dia 18 uma comissão geral irá discutir o projeto. O tema é tão grave que até mesmo 19 dos 26 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) manifestaram-se, em documento, contra o projeto, que provocará uma “gravíssima lesão social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários” contra os trabalhadores. O documento foi enviado ao deputado Décio Lima (PT-SC), presidente da Comissão de Constituição e Justiça.
Os ministros alertaram para o “rebaixamento dramático da remuneração contratual de milhões” de trabalhadores, com reflexos negativos diretos no mercado de trabalho e de consumo. O Coleprecor, entidade que reúne os presidentes e corregedores dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho, apoiou o documento dos ministros do TST. A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) também se posicionou contrária ao PL, sustentando que a aprovação do projeto romperá a rede de proteção trabalhista consolidada com a Constituição de 1988. Além da redução da renda, os ministros afirmam ainda que a aprovação do PL trará “severo problema fiscal ao Estado”, devido à diminuição substantiva da arrecadação tributária e previdenciária. O documento diz ainda que o Sistema Único de Saúde e o INSS ficarão sobrecarregados, já que as ocorrências de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais são mais frequentes entre trabalhadores terceirizados.
O juiz do trabalho Jorge Luiz Souto Maior , em artigo intitulado “Terceirização elimina responsabilidade social do capital”, alerta: “Os protagonistas do PL 4.330 tentam vender a ideia de que estão fazendo um bem para os trabalhadores. No entanto, estão tentando justificar e minimizar todas as maldades já cometidas pela terceirização ao longo dos 20 anos em que se instituiu no cenário das relações de trabalho no Brasil, desde quando foi incentivada pela Súmula 331, do TST, em 1993, tendo servido ao aumento vertiginoso da precarização das condições de trabalho”.
Na terceirização como modelo de produção, diz Souto Maior, “a grande empresa não contrata empregados, contrata contratantes e estes, uma vez contratados, ou contratam trabalhadores dentro de uma perspectiva temporária, não permitindo sequer a formação de um vínculo jurídico que possa ter alguma evolução, ou contratam outros contratantes, instaurando-se uma rede de subcontratações que provoca, na essência, uma desvinculação física e jurídica entre o capital e o trabalho”. Isso torna mais difícil a efetivação dos direitos trabalhistas, “pois o empregador aparente, aquele que se apresenta de forma imediata na relação com o trabalho, é, quase sempre, desprovido de capacidade econômica ou, ao menos, possui um capital bastante reduzido se comparado com aquele da empresa que o contratou”.
A legislação atual, como já visto, permite a terceirização - que já corre solta no país -, em apenas quatro hipóteses: contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário, contração de serviços de vigilância, de serviços de conservação e limpeza, e de atividades-meio, mas condicionada a regras.
A diferença entre atividade-meio e atividade-fim é importante para entender o impacto do projeto. A atividade-fim é a finalidade principal da empresa. Pela lei, uma empresa de ônibus, por exemplo, não pode contratar motoristas autônomos, porque sua atividade-fim é o transporte coletivo. As atividades-meio são caracterizadas como as de limpeza, a segurança e a manutenção patrimonial, tirando as empresas criadas com esse objetivo. Mas não é tão simples: em outro artigo, Souto Maior questiona: a limpeza em um hospital, que é atividade fundamental para a saúde dos pacientes, pode ser considerada apenas atividade-meio?
Aos “hipossuficientes”, mais terceirização
O empresariado está contente da vida com o projeto de Mabel. Uma certa Central Brasileira do Setor de Serviços avaliou como “absurda” a tomada de posição dos ministros do STF: “Mas uma vez, mostra-se cristalino o fato de juízes se confundirem com preceito da CLT na proteção ao hipossuficiente, pois, mesmo em face da validade do diploma, eles deveriam ser neutros, não parciais e panfletários”, diz a nota. “Hipossuficiente” é o estado daqueles que sobrevivem com o mínimo de condições financeiras e os miseráveis, estado que vai se ampliar com a terceirização.
O presidente da Anamatra, Paulo Schmidt, em notícia divulgada na imprensa, alertou que “não há qualquer menção no texto à restrição da terceirização na atividade principal da empresa. Na prática, a terceirização vai ocorrer em qualquer etapa da cadeia produtiva e no futuro vamos ter empresas sem empregados”. A última versão do projeto mencionou até mesmo empresas especializadas em terceirizar.
Estudo de 2011 da CUT e do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que o trabalhador terceirizado fica 2,6 anos a menos no emprego, tem uma jornada de três horas a mais semanalmente e ganha 27% a menos. A cada 10 acidentes de trabalho, oito ocorrem entre terceirizados. O Tribunal Superior do Trabalho também divulgou em seu portal um estudo sobre as empresas com processo julgados nos tribunais trabalhistas brasileiros. Das 20 primeiras do ranking, seis são do setor de terceirização de mão de obra.
Nesse cenário, a aprovação, pela Câmara de Florianópolis, do projeto que isenta de contribuição a empresa que contrata idoso, revela como a lógica da precarização do trabalho está na pauta dos empresários e também impregna o fazer legislativo. A ideia de “aproveitar a experiência” dos idosos mascara mais uma tentativa de sugar o que der dos trabalhadores ao menor custo possível. O projeto de Mabel vai ainda mais além, rasgando todos os direitos consolidados. O juiz Souto Maior resume bem o que vai acontecer se o projeto for aprovado: a formação de uma espécie de shopping center fabril, onde o objeto principal de comércio é o próprio ser humano.
Para resumir: o idoso irá trabalhar sem descontar para a Previdência Social, o que varia de 8% a 11% sobre o salário, e a empresa deixará de pagar os 20% por elas devidos, por lei, sobre o total das remunerações pagas. Além disso, o idoso não terá direito a mais nada fora o salário, porque o parágrafo único deixa claro que não haverá nenhum benefício a mais.
É de se estranhar o fato de tal projeto ir a votação no Plenário da Câmara. Ele é inconstitucional. A justificativa no texto foi a de que é preciso aproveitar a experiência acumulada pelos trabalhadores com mais de 60 anos, já aposentados, “em benefício da viabilização de pequenas iniciativas empresariais”. E isso porque é alto o “percentual de encerramento de pequenas empresas, em função do despreparo de incipientes”. Ou seja, a impressão é a de que o projeto, de dois artigos em nove linhas, quer enfrentar duas realidades, a baixa aposentadoria da maior parte dos brasileiros e as condições precárias de educação enfrentadas pelos jovens - tendo reflexos no mercado de trabalho -, com uma solução: que o aposentado volte a trabalhar, e sem benefícios.
Como os ditos benefícios que eles irão receber não são citados, presume-se que se referem a transporte, refeição, eventualmente plano de saúde. Com o salário apenas, o aposentado praticamente pagaria para ir trabalhar, se precisar de ônibus, e também para comer.
A Procuradoria Geral da Câmara posicionou-se pela existência de óbice constitucional na matéria, afirmando que é privativa da União a competência para legislar sobre seguridade social: “quem não tem competência para instituir o recolhimento, não detém competência para propor sua isenção”. A assessoria da Comissão de Orçamento, Finanças e Tributação da Câmara também se manifestou de forma contrária ao projeto, que apresenta “vício de competência”.
Projeto de precarização
A aprovação do projeto em âmbito municipal se dá em meio a uma luta nacional contra o Projeto de Lei 4.330, de autoria do deputado Sandro Mabel (PR-GO), que prevê a terceirização de todas as atividades e funções de qualquer empresa, pública ou privada. O PL vai abrir as portas para precarização ainda maior das condições de trabalho.
A votação deste projeto foi suspensa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados e no dia 18 uma comissão geral irá discutir o projeto. O tema é tão grave que até mesmo 19 dos 26 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) manifestaram-se, em documento, contra o projeto, que provocará uma “gravíssima lesão social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários” contra os trabalhadores. O documento foi enviado ao deputado Décio Lima (PT-SC), presidente da Comissão de Constituição e Justiça.
Os ministros alertaram para o “rebaixamento dramático da remuneração contratual de milhões” de trabalhadores, com reflexos negativos diretos no mercado de trabalho e de consumo. O Coleprecor, entidade que reúne os presidentes e corregedores dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho, apoiou o documento dos ministros do TST. A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) também se posicionou contrária ao PL, sustentando que a aprovação do projeto romperá a rede de proteção trabalhista consolidada com a Constituição de 1988. Além da redução da renda, os ministros afirmam ainda que a aprovação do PL trará “severo problema fiscal ao Estado”, devido à diminuição substantiva da arrecadação tributária e previdenciária. O documento diz ainda que o Sistema Único de Saúde e o INSS ficarão sobrecarregados, já que as ocorrências de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais são mais frequentes entre trabalhadores terceirizados.
O juiz do trabalho Jorge Luiz Souto Maior , em artigo intitulado “Terceirização elimina responsabilidade social do capital”, alerta: “Os protagonistas do PL 4.330 tentam vender a ideia de que estão fazendo um bem para os trabalhadores. No entanto, estão tentando justificar e minimizar todas as maldades já cometidas pela terceirização ao longo dos 20 anos em que se instituiu no cenário das relações de trabalho no Brasil, desde quando foi incentivada pela Súmula 331, do TST, em 1993, tendo servido ao aumento vertiginoso da precarização das condições de trabalho”.
Na terceirização como modelo de produção, diz Souto Maior, “a grande empresa não contrata empregados, contrata contratantes e estes, uma vez contratados, ou contratam trabalhadores dentro de uma perspectiva temporária, não permitindo sequer a formação de um vínculo jurídico que possa ter alguma evolução, ou contratam outros contratantes, instaurando-se uma rede de subcontratações que provoca, na essência, uma desvinculação física e jurídica entre o capital e o trabalho”. Isso torna mais difícil a efetivação dos direitos trabalhistas, “pois o empregador aparente, aquele que se apresenta de forma imediata na relação com o trabalho, é, quase sempre, desprovido de capacidade econômica ou, ao menos, possui um capital bastante reduzido se comparado com aquele da empresa que o contratou”.
A legislação atual, como já visto, permite a terceirização - que já corre solta no país -, em apenas quatro hipóteses: contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário, contração de serviços de vigilância, de serviços de conservação e limpeza, e de atividades-meio, mas condicionada a regras.
A diferença entre atividade-meio e atividade-fim é importante para entender o impacto do projeto. A atividade-fim é a finalidade principal da empresa. Pela lei, uma empresa de ônibus, por exemplo, não pode contratar motoristas autônomos, porque sua atividade-fim é o transporte coletivo. As atividades-meio são caracterizadas como as de limpeza, a segurança e a manutenção patrimonial, tirando as empresas criadas com esse objetivo. Mas não é tão simples: em outro artigo, Souto Maior questiona: a limpeza em um hospital, que é atividade fundamental para a saúde dos pacientes, pode ser considerada apenas atividade-meio?
Aos “hipossuficientes”, mais terceirização
O empresariado está contente da vida com o projeto de Mabel. Uma certa Central Brasileira do Setor de Serviços avaliou como “absurda” a tomada de posição dos ministros do STF: “Mas uma vez, mostra-se cristalino o fato de juízes se confundirem com preceito da CLT na proteção ao hipossuficiente, pois, mesmo em face da validade do diploma, eles deveriam ser neutros, não parciais e panfletários”, diz a nota. “Hipossuficiente” é o estado daqueles que sobrevivem com o mínimo de condições financeiras e os miseráveis, estado que vai se ampliar com a terceirização.
O presidente da Anamatra, Paulo Schmidt, em notícia divulgada na imprensa, alertou que “não há qualquer menção no texto à restrição da terceirização na atividade principal da empresa. Na prática, a terceirização vai ocorrer em qualquer etapa da cadeia produtiva e no futuro vamos ter empresas sem empregados”. A última versão do projeto mencionou até mesmo empresas especializadas em terceirizar.
Estudo de 2011 da CUT e do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que o trabalhador terceirizado fica 2,6 anos a menos no emprego, tem uma jornada de três horas a mais semanalmente e ganha 27% a menos. A cada 10 acidentes de trabalho, oito ocorrem entre terceirizados. O Tribunal Superior do Trabalho também divulgou em seu portal um estudo sobre as empresas com processo julgados nos tribunais trabalhistas brasileiros. Das 20 primeiras do ranking, seis são do setor de terceirização de mão de obra.
Nesse cenário, a aprovação, pela Câmara de Florianópolis, do projeto que isenta de contribuição a empresa que contrata idoso, revela como a lógica da precarização do trabalho está na pauta dos empresários e também impregna o fazer legislativo. A ideia de “aproveitar a experiência” dos idosos mascara mais uma tentativa de sugar o que der dos trabalhadores ao menor custo possível. O projeto de Mabel vai ainda mais além, rasgando todos os direitos consolidados. O juiz Souto Maior resume bem o que vai acontecer se o projeto for aprovado: a formação de uma espécie de shopping center fabril, onde o objeto principal de comércio é o próprio ser humano.
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