Por Elaine Tavares - jornalista no IELA/UFSC
A greve dos técnico-administrativos das universidades inaugurou uma nova prática no governo Dilma: ignorar olimpicamente as demandas dos trabalhadores que não se renderem à lógica da “mesa de negociação permanente”. Essa proposta, numa primeira vista, parece a mais democrática possível. O governo se coloca diante da opinião pública como aquele que, permanentemente, está aberto ao diálogo, não havendo, portanto, razão alguma para que qualquer categoria precise usar do instrumento da greve. Mas, uma boa análise da prática da negociação permanente mostra que ela é exatamente isso que quer dizer: permanente, ou seja, sem finalização.
Foi por isso que os trabalhadores das universidades entraram em greve. Durante mais de dois anos estiveram em mesas de conversa. Cada uma delas marcava nova reunião, que marcava outra. E os problemas se acumulando. Nas universidades seguia a passos largos a privatização, sem novas contratações, os salários congelados, estagiários avolumando-se, fazendo serviço de técnico, trabalhadores sem perspectiva de carreira, cargos iguais com vencimentos diferentes e outros cargos importantes sendo extintos. Problemas demais, solução de menos, ou melhor, nenhuma. E, para piorar o governo ainda acenava com a privatização dos hospitais universitários, lançamento de fundo de pensão privado e um congelamento de salários por 10 anos. Tudo isso em nome do “ajuste” e da “crise”.
Mas, qualquer pessoa bem informada sabe que o “ajuste” só aperta o cinto dos trabalhadores. O governo cortou 50 bilhões do orçamento para redirecioná-lo para o pagamento da dívida, que hoje consome 47% do orçamento nacional. Paga 12% de juros ao mês aos especuladores de dinheiro podre e tira o pão da boca dos pais e mães de família. Empresta grana para o FMI e para o Abílio Diniz, enquanto corta saúde e educação do povo. A coisa acabou insustentável. Daí veio a greve. Não havia mais qualquer alternativa.
O movimento foi intenso e muito rapidamente a quase totalidade das 51 instituições federais aderiu. Já era tempo demais esperando pela boa vontade do governo que, em vez de acenar com propostas concretas, só anunciava retirada de direitos. E a greve, como sempre, por ser num setor que não tem “produção” aparente, começou a se arrastar. Já é histórico as greves da educação serem sempre muito longas, passando dos três meses. Ainda mais quando são levadas pelos técnico-administrativos. No geral esses trabalhadores parecem invisíveis e leva algum tempo para que estudantes e professores sintam a sua falta. No primeiro mês, a vida segue sem sobressaltos, causando desconforto apenas para quem usa o Restaurante Universitário e a Biblioteca. No segundo mês, já final de semestre, é hora da ação das coordenadorias, que passam as notas que definem matrículas. Aí o rombo começa a aparecer. Quando reinicia o semestre então vem o caos. Mas, até chegar a esse momento já se passaram três meses. É quando o governo começa a se mexer para fechar um acordo.
Só que desta vez, no governo de Dilma, não foi assim. Os meses foram passando e os representantes dos ministérios da Educação e do Planejamento repetiam o mesmo mantra: “Não negociaremos em greve”. O propósito era quebrar as pernas do movimento, vencer pelo cansaço, ao melhor estilo da dama de ferro inglesa, Margareth Thatcher, que colocou no chão uma greve de mineiros, no início de seu governo neoliberal. E, enquanto se negavam a receber a representação dos técnico-administrativos, foram fazendo acordos salariais com as demais categorias. Cantavam de galo, tripudiavam.
Nas universidades, com a greve instalada, o conflito foi crescendo. Estudantes queriam condições de estudo, professores, condições de ensino – e para isso são necessários os técnicos. Algumas reitorias pressionaram o governo, outras nem tanto. Assomaram com mais força os velhos conflitos entre professores e técnicos, tão comuns em dias “normais”. Mesmo nas universidades com pouca ação de luta, a paralisação foi grande, suficiente para entravar a máquina universitária. Mas, ao governo, universidade parada pareceu não incomodar. Nenhum clamor foi ouvido.
Os trabalhadores fizeram o bom combate. Fecharam universidades, realizaram marchas em Brasília, infernizaram em frente aos ministérios, peregrinaram pelos corredores do Congresso. Deputados pediram para abrir negociação, não foram ouvidos. Centrais sindicais tentaram negociar, foram enxotadas. Não haveria conversa. Era a primeira vez na história das greves que um governo se recusava à negociação e ao diálogo. Os dias passaram, os prazos de inclusão de reajuste salarial no orçamento passaram, os projetos entreguistas passaram - tais como o da privatização dos hospitais universitários - e não houve chance de negociação.
Então, passados mais de 115 dias, os trabalhadores decidiram que era hora de voltar ao trabalho. Não se dobraram ao governo. Não cederam às chantagens. Saem porque decidiram. Sem nada, sem promessas. A luta foi dura, as derrotas sangraram. Não haverá reajuste salarial, os HUs foram privatizados e as universidades ficaram mais vulneráveis diante da sanha do capital que quer transformar educação em mercadoria, da mesma forma como está fazendo com a saúde. A história, como sempre, mostrará quem estava certo nessa queda de braço.
A volta ao trabalho é um recuo no campo de batalha. Um recuo tático. Que ninguém se iluda. Quem conhece a história de luta da base da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades sabe que perder uma batalha não é perder a guerra. Afinal, é essa gente guerreira que vem servindo de escudo contra os ataques neoliberais iniciados ainda nos anos 80. Um a um eles foram rechaçados e, se algumas perdas aconteceram, a grande batalha contra a privatização total sempre foi vencida, no mais das vezes na união com professores e estudantes comprometidos. A universidade segue sendo pública, sem pagamento de mensalidades, com a garantia de certa qualidade. Não é a universidade perfeita, todos sabem, mas ainda assim é melhor do que as conhecidas fábricas de diplomas, e há vida e luta em suas entranhas.
115 dias de greve não é coisa pouca. Os estudantes sofrem, mas os trabalhadores também. Que ninguém pense que os grevistas dormem em paz. Fazer greve é subverter a ordem e isso cobra um preço alto demais. Quem entra numa batalha assim sabe que haverá incompreensões, ódios, revoltas. Mas, ainda assim, vale a pena viver isso na pele se for para continuar garantindo a universidade pública. Os trabalhadores lutam por salários, e isso é legítimo, e também lutam pela universidade sonhada. Os que vivenciam a greve na sua inteireza têm isso bem claro. Cada um desses que são acusados de “vagabundos” por alguns estudantes e professores sabem que sob seus corpos em luta se ampara essa instituição.
Por isso, ao voltar para o trabalho nesse 26 de setembro, ninguém entrará de cabeça baixa, derrotado. Porque ali na frente ainda há batalhas a travar. E, a despeito dos ódios de alunos e professores que só conseguem enxergar o hoje, eles seguirão, abrindo portas, dirigindo carros, cuidando dos laboratórios, das coordenadorias, das secretarias, do patrimônio, da segurança, vigiando os governos que buscam entregar a universidade nas garras privadas. E ainda, tal qual Jeremias, no alto da montanha a vigiar a tormenta, eles voltarão quando tiver de ser. Porque a universidade haverá se seguir pública, gratuita e de qualidade.
A greve dos técnico-administrativos das universidades inaugurou uma nova prática no governo Dilma: ignorar olimpicamente as demandas dos trabalhadores que não se renderem à lógica da “mesa de negociação permanente”. Essa proposta, numa primeira vista, parece a mais democrática possível. O governo se coloca diante da opinião pública como aquele que, permanentemente, está aberto ao diálogo, não havendo, portanto, razão alguma para que qualquer categoria precise usar do instrumento da greve. Mas, uma boa análise da prática da negociação permanente mostra que ela é exatamente isso que quer dizer: permanente, ou seja, sem finalização.
Foi por isso que os trabalhadores das universidades entraram em greve. Durante mais de dois anos estiveram em mesas de conversa. Cada uma delas marcava nova reunião, que marcava outra. E os problemas se acumulando. Nas universidades seguia a passos largos a privatização, sem novas contratações, os salários congelados, estagiários avolumando-se, fazendo serviço de técnico, trabalhadores sem perspectiva de carreira, cargos iguais com vencimentos diferentes e outros cargos importantes sendo extintos. Problemas demais, solução de menos, ou melhor, nenhuma. E, para piorar o governo ainda acenava com a privatização dos hospitais universitários, lançamento de fundo de pensão privado e um congelamento de salários por 10 anos. Tudo isso em nome do “ajuste” e da “crise”.
Mas, qualquer pessoa bem informada sabe que o “ajuste” só aperta o cinto dos trabalhadores. O governo cortou 50 bilhões do orçamento para redirecioná-lo para o pagamento da dívida, que hoje consome 47% do orçamento nacional. Paga 12% de juros ao mês aos especuladores de dinheiro podre e tira o pão da boca dos pais e mães de família. Empresta grana para o FMI e para o Abílio Diniz, enquanto corta saúde e educação do povo. A coisa acabou insustentável. Daí veio a greve. Não havia mais qualquer alternativa.
O movimento foi intenso e muito rapidamente a quase totalidade das 51 instituições federais aderiu. Já era tempo demais esperando pela boa vontade do governo que, em vez de acenar com propostas concretas, só anunciava retirada de direitos. E a greve, como sempre, por ser num setor que não tem “produção” aparente, começou a se arrastar. Já é histórico as greves da educação serem sempre muito longas, passando dos três meses. Ainda mais quando são levadas pelos técnico-administrativos. No geral esses trabalhadores parecem invisíveis e leva algum tempo para que estudantes e professores sintam a sua falta. No primeiro mês, a vida segue sem sobressaltos, causando desconforto apenas para quem usa o Restaurante Universitário e a Biblioteca. No segundo mês, já final de semestre, é hora da ação das coordenadorias, que passam as notas que definem matrículas. Aí o rombo começa a aparecer. Quando reinicia o semestre então vem o caos. Mas, até chegar a esse momento já se passaram três meses. É quando o governo começa a se mexer para fechar um acordo.
Só que desta vez, no governo de Dilma, não foi assim. Os meses foram passando e os representantes dos ministérios da Educação e do Planejamento repetiam o mesmo mantra: “Não negociaremos em greve”. O propósito era quebrar as pernas do movimento, vencer pelo cansaço, ao melhor estilo da dama de ferro inglesa, Margareth Thatcher, que colocou no chão uma greve de mineiros, no início de seu governo neoliberal. E, enquanto se negavam a receber a representação dos técnico-administrativos, foram fazendo acordos salariais com as demais categorias. Cantavam de galo, tripudiavam.
Nas universidades, com a greve instalada, o conflito foi crescendo. Estudantes queriam condições de estudo, professores, condições de ensino – e para isso são necessários os técnicos. Algumas reitorias pressionaram o governo, outras nem tanto. Assomaram com mais força os velhos conflitos entre professores e técnicos, tão comuns em dias “normais”. Mesmo nas universidades com pouca ação de luta, a paralisação foi grande, suficiente para entravar a máquina universitária. Mas, ao governo, universidade parada pareceu não incomodar. Nenhum clamor foi ouvido.
Os trabalhadores fizeram o bom combate. Fecharam universidades, realizaram marchas em Brasília, infernizaram em frente aos ministérios, peregrinaram pelos corredores do Congresso. Deputados pediram para abrir negociação, não foram ouvidos. Centrais sindicais tentaram negociar, foram enxotadas. Não haveria conversa. Era a primeira vez na história das greves que um governo se recusava à negociação e ao diálogo. Os dias passaram, os prazos de inclusão de reajuste salarial no orçamento passaram, os projetos entreguistas passaram - tais como o da privatização dos hospitais universitários - e não houve chance de negociação.
Então, passados mais de 115 dias, os trabalhadores decidiram que era hora de voltar ao trabalho. Não se dobraram ao governo. Não cederam às chantagens. Saem porque decidiram. Sem nada, sem promessas. A luta foi dura, as derrotas sangraram. Não haverá reajuste salarial, os HUs foram privatizados e as universidades ficaram mais vulneráveis diante da sanha do capital que quer transformar educação em mercadoria, da mesma forma como está fazendo com a saúde. A história, como sempre, mostrará quem estava certo nessa queda de braço.
A volta ao trabalho é um recuo no campo de batalha. Um recuo tático. Que ninguém se iluda. Quem conhece a história de luta da base da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades sabe que perder uma batalha não é perder a guerra. Afinal, é essa gente guerreira que vem servindo de escudo contra os ataques neoliberais iniciados ainda nos anos 80. Um a um eles foram rechaçados e, se algumas perdas aconteceram, a grande batalha contra a privatização total sempre foi vencida, no mais das vezes na união com professores e estudantes comprometidos. A universidade segue sendo pública, sem pagamento de mensalidades, com a garantia de certa qualidade. Não é a universidade perfeita, todos sabem, mas ainda assim é melhor do que as conhecidas fábricas de diplomas, e há vida e luta em suas entranhas.
115 dias de greve não é coisa pouca. Os estudantes sofrem, mas os trabalhadores também. Que ninguém pense que os grevistas dormem em paz. Fazer greve é subverter a ordem e isso cobra um preço alto demais. Quem entra numa batalha assim sabe que haverá incompreensões, ódios, revoltas. Mas, ainda assim, vale a pena viver isso na pele se for para continuar garantindo a universidade pública. Os trabalhadores lutam por salários, e isso é legítimo, e também lutam pela universidade sonhada. Os que vivenciam a greve na sua inteireza têm isso bem claro. Cada um desses que são acusados de “vagabundos” por alguns estudantes e professores sabem que sob seus corpos em luta se ampara essa instituição.
Por isso, ao voltar para o trabalho nesse 26 de setembro, ninguém entrará de cabeça baixa, derrotado. Porque ali na frente ainda há batalhas a travar. E, a despeito dos ódios de alunos e professores que só conseguem enxergar o hoje, eles seguirão, abrindo portas, dirigindo carros, cuidando dos laboratórios, das coordenadorias, das secretarias, do patrimônio, da segurança, vigiando os governos que buscam entregar a universidade nas garras privadas. E ainda, tal qual Jeremias, no alto da montanha a vigiar a tormenta, eles voltarão quando tiver de ser. Porque a universidade haverá se seguir pública, gratuita e de qualidade.
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