quinta-feira, 14 de maio de 2009

Ilha da Magia é porto, mas da nau de garapuvus



Acima: plenário lotado na audiência sobre o Plano Diretor Participativo na Câmara de Vereadores de Florianópolis; abaixo, panfletagem na frente da Catedral, centro da Capital, sob a chuva


Míriam Santini de Abreu, jornalista

“Dinheiro, volte
Eu estou bem, cara, mantenha suas mãos fora do meu monte
Dinheiro, é um sucesso
Mas não me venha com essa bobagem
Estou no grupo de viagem de primeira classe e alta fidelidade
E acho que preciso de um jatinho”

Money, Pink Floyd

E então aportaram em Florianópolis os homens de terno preto, nos jatinhos e limusines, para conferir a veracidade da carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei D. Manuel, todos a bordo da nau WTTC:

Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!

Aportaram no Costão do Santinho, onde pedras adornadas com misteriosas pinturas rupestres vigiam o mar. Até este sábado, 16, irão mesclar conversas e acepipes enquanto traçam o futuro da Ilha de Santa Catarina e de todo o litoral catarinense. Parte da conta foi paga com dinheiro público, R$ 6,5 milhões, e será – alardeiam – compensada pela “mídia internacional”. O carro-chefe dos impressos do Grupo RBS no Estado, o Diário Catarinense, há uma semana conta em detalhes como será dividido o excelente butim, com o qual também irão se regalar governantes e empresários locais:

Edição de 10 de maio: 37 projetos, somando R$ 12 bilhões, irão transformar Santa Catarina em destino internacional: marinas, ecoresorts em praias “paradisíacas”, campos de golfe. Um dos homens de terno preto profetizou: “Estamos em recessão e temos que procurar por lugares que têm potencial e um valor de futuro”. Na capa da mesma edição, o título “Desolação” referia-se à seca que atinge o Planalto e o Oeste Catarinense.

Edição de 11 de maio: outro homem de terno preto lamenta que haja tanta “burocracia” e “insegurança jurídica” no Brasil impedindo o licenciamento dos empreendimentos. Preocupante, segundo ele, também é a atuação do Ministério Público, que impediria “avanços na área de investimentos estrangeiros e afasta os grandes investidores”. Um dos empreendimentos é em Governador Celso Ramos, que custará R$ 2,5 bilhões, gerando presumivelmente 10 mil empregos diretos e 15 mil indiretos num município que tem cerca de 12 mil habitantes.

Edição de 12 de maio: reportagem afirma que o maior número de empregos gerados no setor destina-se a ocupações de faxineira, recepcionista, camareira, cozinheira, garçom, barman e auxiliar de cozinha.


Edição de 13 de maio: Florianópolis, dizem, precisa de uma “intenção estratégica”, assim como Dubai, um dos Emirados árabes. Ali, na cidade plantada no meio do deserto, erguida com dinheiro do petróleo, clientes especiais podem escolher, a preços de R$ 20 milhões a R$ 133 milhões, 14 modelos de luxo de minissubmarinos construídos nos Emirados, com um alcance de aproximadamente 5.500 km. Nesta mesma edição, um texto de apenas uma coluna fala do fim do Plano Diretor Participativo de Florianópolis.
Edição de 14 de maio: esportistas, empresários e políticos da nau WTTC juntam-se para angariar recursos para uma tal de Fundação Amazônia Sustentável. Um dos homens de terno preto diz que eles irão chamar a atenção de todos “para a necessidade de preservar a maior floresta tropical do mundo”. A página na internet revela que os co-fundadores da tal Fundação são o governo do estado do Amazonas e o banco Bradesco, a mantenedora é a Coca-Cola e o parceiro é a rede de hotéis Marriott. A Cola-Cola está cada vez mais afoita na cruzada para privatizar fontes de água mundo afora. Na Amazônia, nada melhor que manter uma fundação com a chancela do governo do estado. Entre os objetivos da Fundação Amazônia Sustentável estão:
“. Promover a edição, publicação e distribuição de livros, revistas e outras formas de divulgação, bem como apoiar a realização de congressos, seminários, simpósios, exposições e demais eventos de interesse técnico-científico;
. Oferecer condições para que a iniciativa privada possa contar com instrumentos adequados de co-participação na programação de pesquisas e no apoio a programas e projetos de interesse das áreas de meio ambiente, recursos hídricos, biodiversidade e desenvolvimento sustentável.”

Ah, a boa Parceria Público-Privada, com um toque de aval científico!

O conteúdo que foi alvo da breve análise acima, sobre as mais recentes edições do DC a respeito da nau do WTTC, se repete no A Notícia, de Joinville, no Jornal de SC, em Blumenau, no Hora, em Florianópolis, além das rádios, internet e na onipresente programação local e regional da RBS TV. A discussão feita pelo Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina sobre o oligopólio da RBS no Estado, que é alvo de Ação Civil Pública no Ministério Público Federal, mostrou os reflexos disto. O Grupo praticamente monopoliza o discurso de e sobre Santa Catarina, e saiu do intestino da rede gaúcha, nos seus Painéis RBS, a idéia de fazer a nau do WTTC aportar em Santa Catarina.
O corolário disso está em dois fatos recentes no Estado. Na edição de 6 de maio, uma reportagem no DC discorre sobre as medidas adotados pelo governo do Estado contra a seca que arrasa o Planalto e o Oeste Catarinense. E quais são?
1.incentivar a construção de cisternas, poços e açudes; 2.criar um comitê de ação para combater a estiagem e seus efeitos; 3.monitorar a chuva, os rios e as águas subterrâneas; 4.liberar R$ 1 milhão (!) para a contratação de empresas para a distribuição de água.
Detalhe: a conta da construção de cisternas, poços e açudes ficará para quem “aderir à iniciativa”.
É de imaginar a equipe de governo a matutar sobre como convencer a chuva malvada a cair, enquanto aguardava, ansiosa, a vinda da nau do WTTC.
Agricultores que se endividaram para construir chiqueiros e aviários e assim atender o agronegócio estão com a produção parada. Estudos mostram que, nos últimos nove anos, sete foram de estiagem. A falta de chuva não é novidade; o desequilíbrio ambiental também não. E a resposta estrutural que o governo do Estado dá é sancionar, em abril, o Código Ambiental, que vai ao encontro da necessidade de lucro cada vez maior, especialmente da cadeia do agronegócio. O jornal da Assembléia Legislativa de 30 de abril registra a visita da comitiva parlamentar catarinense à Câmara dos Deputados e ao Senado para defender a nova lei ambiental, alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Na foto, deputados, em seus ternos chiques em volta de uma mesa, são o retrato macilento da penúria da política.
Que grande orquestração, este Código Ambiental sob medida para “os negócios”, essa nau do WTTC à cata de ouro, prata ou outra coisa de metal ou ferro, esse discurso hegemônico da mídia RBSiana que vende a paisagem e se importa tão pouco com as pessoas!
Basta relembrar a célebre entrevista do governador Luiz Henrique da Silveira na TVBV, no qual ele desfia suas recorrentes reclamações acerca de qualquer iniciativa, movimento ou discurso que se contraponha ao que ele planeja para Santa Catarina. Em certo trecho LHS afirma: “Agora você me diz: e a favela do Siri? Do lado do campo de golfe que não querem deixar o Fernando Marcondes (de Mattos, dono do Costão do Santinho Resort) fazer? Por que não se proíbe a proliferação de favelas, que jogam, me permita a expressão irada, cocô para a praia, para provocar doenças nas nossas crianças? Por que não se atua nisso aí para impedir? Né? A favela pode poluir a praia! Agora um resort, um hotel, um campo de golfe para atrair turista e gerar emprego e renda não pode!”
Isso está em http://video.google.com/videoplay?docid=-8286208201407673708 A favela à qual o governador de Santa Catarina se refere é retratada, assim com a luta de seus moradores, na mais recente edição da revista bimestral Pobres & Nojentas.
Fica a critério de cada um analisar os sentidos que o discurso de Luiz Henrique da Silveira provoca. Mas a prática está escancarada, e jorra inesgotável daquele pavilhão construído no Costão do Santinho, inspirado nas arenas da Grécia, onde as escotilhas da nau do WTTC deram passagem à piratas bem-vestidos e com cabeças-de-planilha.
Por tudo isso é que, com gosto, fotografei o Plenário lotado da Câmara de Vereadores de Florianópolis na audiência pública que, nesta quinta-feira, 14 de maio, discutiu o golpe que o prefeito Dário Berger está aplicando para barrar o Plano Diretor Participativo da Capital. Gente reunida ali, em noite de chuva, para dizer NÃO! Acesse
http://www.youtube.com/user/SindiJornalistasSC para saber mais sobre o assunto.

Pero Vaz de Caminha disse na Carta a El Rei D. Manuel: E cerca da noite nós volvemos para as naus com nossa lenha.
Ao se desvanecer esta frente fria no outono ilhéu, embarcarão, também, os piratas da nau do WTTC. Mas a lenha que tomaram de nós há 500 anos pode ter ficado mais forte. Os garapuvus de Desterro, árvores-gente-canoa, não vão se desprender da terra assim tão facilmente...

Um comentário:

Anônimo disse...

bárbaro...

et