Míriam Santini de Abreu
Minha mãe comenta, por telefone, que vai ao casamento de uma sobrinha. Tomo o primeiro susto. Há anos ninguém casa na família, que parece pouco afeita a ligações formais. Ao comentar que vai falar com amigas para tomar emprestado um xale chique, tomo o segundo susto:
- Vai com que roupa, mãe?
- Com o conjunto da Ilse! – ela responde.
Explico. Há uns 20 anos, a mãe pediu à amiga Ilse, uma conhecida estilista de Caxias do Sul, que lhe fizesse um conjunto chique para o casamento de um outro sobrinho. A Ilse fez uma saia plissada de crepe com forro de cetim e uma blusa de manga comprida com um detalhe drapeado na cintura. A cor, uma rosa “antigo”, como define a mãe. Lembro-me de que, no dia em que ela trouxe as duas peças para casa para a primeira prova, disse que também desejava muito ter os retalhos, caso fosse necessária uma reforma no conjunto, mas não tinha coragem de pedi-los de volta. Depois de minutos tentando convencê-la a falar com a estilista, fiquei exasperada:
- Ai, mãe, até parece que tu tem medo dessa Ilse!
Nunca me esqueci desse último comentário porque, naquele momento, eu registrava toda a conversa com um pequeno gravador comprado dias atrás. No que mencionei o tal medo, vi que um dos cachorros da vizinhança, sabe-se lá como, despencava de um muro com uns dois metros de altura que faz o limite entre o beco e a nossa casa. Comecei a gritar como uma louca:
- Ahhhhhhhhhhhhhhhh! Ahhhhhhhhhhhhhhhhh! O cachorro caiu! O cachorro caiu!
E lá ficou, gravado, o meu gritedo, meio ridículo, sempre lembrado quando se fala do vestido de crepe. A história só não é mais anedótica do que a conhecida frugalidade de minha mãe, não só em relação a roupas, mas a tudo. Tem as mesmas roupas e sapatos há anos, a maioria dados por amigas e conhecidas. Eu, que só viajo com o que posso carregar um uma bolsa apenas- seja para Caxias ou para outro lugar - sempre vasculho as gavetas dela para me vestir. E me decepciono:
- Credo, só tem paninho!
E ela, quando todos os filhos moravam em casa, volta e meia fazia o que chamava de “dar uma limpa”, que significava doar tudo o que não usava ou que não tivéssemos vestido nas semanas anteriores. Eram dias de medo. As coisas sumiam do guarda-roupa e da penteadeira. Não adiantava xingar nem ranger os dentes. E ela continua a “dar limpas” nas próprias roupas sempre que ganha alguma peça nova.
Ao longo dos anos, salvaram-se apenas as peças do enxoval dela e do meu, uns sapatinhos de lã e babeiros lindamente bordados que usei quando era criança e, cuidadosamente enrolado numa fronha, o conjunto de crepe rosa antigo da Ilse.
Na nossa conversa por telefone, ela profetizou:
- Vai durar para sempre. Tu vai ficar velha e também vai usar.
Não duvido.
3 comentários:
OI!MIRI TAMBEM FIQUEI SABENDO DO CASAMENTO,ACHEI LEGAL TU SABES PORQUE .MAS QUANDO PEDI PARA A TIA ,QUAL ROUPA A SENHORA VAI USAR?
IMAGINE O QUE ELA ME RESPONDEU.
E LOGO ME MOSTROU A ROUPA COR DE ROSA ANTIGO.
ESSA E A MINHA TIA BEIJOES LAURA,
belíssimo miriam, tuas crônicas familiares são oásis nestas manhãs de iela, quando tudo é turbilhão... são nestes dias que te quero ainda mais bem...
Outro costume de nossas mães é doar para outros familiares (exemplo: irmã) roupas que ainda gostamos muito. Como blusões vermelhos fechados com zíper....
Postar um comentário