terça-feira, 8 de abril de 2008

Ônibus

Míriam Santini de Abreu
Às vezes, saio de casa com máquina fotográfica, na esperança de, ao cruzar a ponte Continente-Ilha, apanhar um dia sem nuvens num filminho tosco. Mas é difícil. Há filhotinhos de nuvem, sonhos de nuvens, rastilhos, pequenos novelos brancos. Quem sabe agora, no outono... Então me distraio no ônibus. A vendedora de pastéis sempre está no da manhã, quase o das oito horas. É tão séria, sempre olhando para um ponto lá fora, os braços robustos. Noutro dia havia um gurizote bonito, uns 17 anos, a camisa passada. Noto isso, não passo roupa, vivo meio amassada. As duas mãos de menino seguravam, no colo, uma pasta transparente dentro da qual - pude ler - estavam currículos. Onde iria? Uma vez um velho parecia chorar. Eu quase choro também. A vida na cidade às vezes fere.

Um comentário:

Samuel Frison disse...

Mimi!
Eis o espírito da crônica: captar o momento antes que ele escape. Como uma foto, clicar a imagem e traduzi-la na palavra. A incansável procura do instante comunicável. Parabéns por mais essa pequena e lírica crônica. Saudades, Samuel