segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Lazer sobre as ruínas

Por Tali Feld Gleiser

O pior incêndio na breve história do Estado de Israel no início de dezembro destruiu 5.000.000 de árvores numa área de 50 km2. O Governo mostrou toda a sua ineficiência para combater incêndios quando ficou em evidência que o país não possuía o equipamento necessário para enfrentar um fogo dessa dimensão. Vários países tiveram que prestar socorro. A Turquia que teve nove pessoas assassinadas no assalto à Frota da Liberdade que levava ajuda humanitária a Gaza em maio passado contribuiu com dois aviões e até a Autoridade Nacional Palestina emprestou três caminhões e bombeiros.

Uma das áreas evacuadas foi a colônia de artistas Ein Hod. Ayn Hud, seu nome original, era uma aldeia palestina cujos habitantes foram expulsos pelo exército israelense em 15 de julho de 1948. A maioria instalou-se no campo de refugiados de Jenin na Cisjordânia e uns poucos moradores conseguiram refundar Ayn Hud nas proximidades da sua localização anterior.

As florestas de pinheiros sumiram sob as chamas e junto com eles a paisagem européia que se vê em várias partes de Israel. Foi o Fundo Nacional Judaico (FNJ), criado em 1901, o responsável de transformar o panorama através do plantio de milhares de hectares de árvores e a criação de parques nacionais. Este organismo é conhecido no mundo por respeitar a ecologia e se preocupar com o florestamento. Alguns dos parques mais visitados são o do Monte Carmelo, Birya, Ramat Menashe, Jerusalém e Sataf. Os turistas encontram espaços de lazer e contato com a natureza, mas não são informados da verdadeira história que se esconde nestes locais. Onde tem belas florestas de coníferas antes houve aldeias palestinas erradicadas pelos sionistas com o objetivo de estabelecer seu Estado sem quase deixar vestígios do que ali existia.

O FNJ teve o poder de decisão de que arvores semear e optou-se pelas espécies que não eram nativas. Hoje em dia, as florestas israelenses possuem um 11% de flora nativa e o 10% é anterior a 1948. Os pinheiros foram plantados onde antes existiam casas palestinas, campos cultivados e oliveiras. Os israelenses acreditam que as amendoeiras, figueiras, oliveiras e cactos que florescem ano após ano são selvagens. Estas árvores e algumas ruínas são tudo o que resta das aldeias e campos dos palestinos expulsos pelas tropas israelenses a partir de 1948. Este aspecto europeu que mudou a paisagem quase completamente foi concebido pelo FNJ para reforçar o mito de que antes da fundação do Estado de Israel Palestina era “uma terra sem povo para um povo sem terra”, como disse no início do século XX um jornalista judeu de nacionalidade britânica, Israel Zangwill. A memória palestina é substituída por áreas de lazer para os israelenses. O teórico respeito ao meio ambiente é outra política oficial israelense para ocultar a dimensão da tragédia e negar a Nakba (catástrofe palestina) acontecida em 1948 quando os sionistas proclamaram o Estado de Israel.

Alguns parques de lazer do FNJ

Birya

A floresta de Birya é a maior floresta criada pelo homem em Israel. Nela se escondem as casas e terras de pelo menos seis aldeias palestinas: Dishon, Alma, Qaddita, Amqa, Ayn al Zaytun e Biryya. Entre as grandes atrações que o parque oferece estão os bustanes, pomares que os camponeses palestinos plantavam em redor das suas casas, os quais são apresentados como se pertencessem à natureza local. Assim, a história é remontada ao passado bíblico e talmúdico, pulando séculos de história árabe. Isto é o que se diz da aldeia Al Zaytun:

Ein Zeitun tem se convertido num dos locais mais atraentes deste parque de lazer, que contém grandes mesas para piqueniques e um estacionamento amplio para os portadores de necessidades especiais. Está localizado onde noutra época se encontrava o assentamento Ein Zeitun, onde os judeus viveram desde a Idade Média até o século XVIII. Houve quatro tentativas falidas de colonização [judaica]. O estacionamento possui banheiros e áreas de jogos para as crianças. Também, há um monumento em memória dos soldados caídos na guerra dos Seis Dias.

Nada se menciona da próspera comunidade palestina que as tropas judias erradicaram em poucas horas.

Jerusalém

As encostas ocidentais de Jerusalém estão cobertas por florestas. Em 1967, o FNJ semeou um milhão de árvores. A floresta se ergue sobre Ayn Karm, Beit Mazmil, Beit Horish, Deir Yassin, Zuba, Sataf, Jura e Bet Umm al Meis. O jornal na internet do FNJ oferece a atração de “antigos” terraços agrícolas, que na verdade é o resultado do trabalho de gerações muito recentes de aldeãos palestinos.

Como expressa Ilán Pappé em seu livro A Limpeza Étnica da Palestina, embora a política oficial israelense se empenhe em ocultar a história, o destino das aldeias que jazem sepultadas sob os parques israelenses de lazer está intimamente ligado ao futuro das famílias palestinas que moravam nelas e que agora, sessenta anos depois, ainda permanecem em campos de refugiados e longínquas comunidades que a diáspora criou. A solução do problema dos refugiados continua sendo chave para um acordo justo e duradouro do conflito palestino. Apesar de algumas diferenças internas, os palestinos têm exigido durante mais de sessenta anos que se reconhecem seus direitos legais, e sobre tudo, seu direito ao retorno, já concedido pela resolução 194 de 1948 das Nações Unidas. Se o mundo continuar considerando que os judeus israelenses já possuem um Estado constituído e que outorgar seus direitos ao povo palestino com o argumento de que provocaria um conflito ainda maior, se estará aceitando a política do fato consumado que não reconhece lei que não seja a da destruição, o massacre e até a limpeza étnica, como é o caso deste conflito. Seguirão se justificando os sistemas de dominação, a exploração do homem pelo homem, a negação da história dos povos e de seu direito a uma vida com paz, justiça e dignidade.


Fontes:

Pappé I, A limpeza étnica de Palestina, 2008, Crítica S.L., Barcelona.

http://www.huffingtonpost.com/max-blumenthal/the-carmel-wildfire-is-bu_b_793484.html

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