quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Croniquintas/ A boneca viajante

 


Texto: Elaine Tavares 

Nunca fui uma mulher de sorte. Da vida, tudo tive de arrancar. Sequer um bolo em quermesse eu ganhei. Isso, por vezes, me arrasa. Porque tudo bem não ter sorte, mas precisava tanto azar? Dia desses decidi dar um tempo das redes sociais. Só no trabalho. Daí que quando estou em casa, vou aos livros. E são muitos os que estão na lista de espera para serem lidos. Então resolvi dar passo a eles, emagrecendo a pilha.  

Vai daí que ando triste, tristíssima. Coisas da vida que não têm remédio e que precisamos enfrentar. Então, para enganar a tristeza pensei em começar a lista por um livro que ganhei recentemente do meu amigo Paulo Capela. É um texto do escritor espanhol Jordi Sierra i Fabra chamado “Kafka e a boneca viajante”. Livro pequeno, texto delicioso. É uma ficção sobre uma história envolvendo Kafka e uma garotinha que ele teria encontrado num parque, chorando porque perdeu a boneca. E Kafka decide inventar uma história de que ele era carteiro de boneca e trazia cartas da boneca que andava em viagem. Diz-se ser verdadeira a história, embora nunca tenham sido encontradas as tais cartas. 

Jordi decidiu dar vida a esse doce episódio da vida de Kafka, narrando os encontros entre a guriazinha e o escritor, que já andava no fim da vida, acometido de tuberculose. Pois não é que dei azar? 

O livro é um encanto, uma belezura sem fim. Uma narrativa delicada e emocionante. Descreve a angústia de Kafka tendo de inventar as aventuras de Brígida, a boneca, cada dia num país diferente, vivendo coisas incríveis e precisando preparar um fim para aquilo tudo. As cartas eram tão lindas que deixar de escrevê-las poderia fazer a menina ainda mais triste do que estava no começo. Um drama que vai se resolvendo da forma mais linda.  

O azar, no caso, foi ter pegado esse livro para ler em dias tão tristes. Não que o livro seja triste, não é. É bonito demais. E tão bonito, tão bonito, que no fim a gente fecha as páginas e se entrega ao pranto. Um pranto por belezura, por delicadezas, por bonitezas, por sensibilidade. Mas, enfim, um pranto. Chorei litros e, passados alguns dias, ainda estou aqui, chorando, ao lembrar. Tá, pra mim foi intenso. Pode não ser o mesmo para outro leitor. Mas, recomendo. 

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