quinta-feira, 4 de março de 2010

Rios

Míriam Santini de Abreu


Certa mulher viu partir sua filha mais dileta. A menina era cria da ventania. Vivia nos sótãos e porões e sonhava ser caramanchel para ter resistência de ferro aturdido por flores. E partiu levando apenas umas mudas de roupas e sementes:

- O mundo ainda não fez florescer a palma pela qual meu espírito anseia – disse, atrevida, ao sair.

Deste mundo a mulher nada mais quis saber. Enclausurou-se. Procurou úmidos refúgios em escamas prateadas de peixes; esmerilhou as unhas em veredas arenosas; sentiu rodar no céu, com olhos cegos, o disco dourado da lua; perdeu no mar umas lascas de voz que ninguém ouvia. Na madrugada sonhava com casas em ruínas, e a música do mundo deixava feridas em seus tímpanos.

Então, perto da meia-noite de um dia eterno, a filha perdida de si mesma voltou. No corpo magro vestia uma túnica bordada e sorria. Ninguém soube dizer onde andara, o que fizera. Só ela sentia que sob os olhos, numa senda em meio a minúsculas pedras/poros limosos, invisível, corria um fino rio salgado.

2 comentários:

elaine tavares disse...

absolutamente lindo

juss disse...

Mimi, pq tu és tão maravilhoosa assim!!?? srsrsrsr beijossss