sexta-feira, 12 de março de 2010

O jogo do faz-de-conta

Celso Vicenzi – Jornalista – Florianópolis/SC


Como ficou demonstrado após o recente tiroteio na Avenida Beira Mar Norte, em Florianópolis, as autoridades e a polícia podem dominar as gangues do tráfico, se assim desejarem. O Executivo, o Judiciário e o Parlamento dispõem de meios para isso. As autoridades de segurança e a polícia possuem inteligência, equipamentos e profissionais qualificados. Sabem onde estão a droga e os traficantes. É só subir os morros ou locais do tráfico e recolher armas, prender os criminosos e apreender boa parte da droga. E se fizerem um cerco aos acessos estratégicos, asfixiam financeiramente o comércio da droga, pois os traficantes não terão para quem vender. Claro que, ao mesmo tempo, deveriam implementar políticas públicas para dar oportunidades a jovens que são cooptados pelo tráfico porque têm poucas perspectivas no mundo do trabalho (falta educação, falta lazer, falta formação profissional, faltam moradias decentes, faltam políticas públicas, falta uma vida digna).

Então por que não fazem? Este é um segredo a que poucas pessoas têm acesso, mas a conclusão é óbvia: a venda de armas e drogas são dois dos três negócios mais lucrativos no mundo (o outro é a prostituição/tráfico de pessoas). Alguns dos cidadãos mais influentes e ricos, em todas as principais cidades, têm negócios de fachada, mas ganham dinheiro mesmo é com drogas e venda de armas para criminosos. Algumas autoridades, no mundo todo, são muito bem pagas para fechar os olhos. Os traficantes não são apenas esses jovens, geralmente sem escolaridade, que estão na periferia das cidades. Estes distribuem as drogas e correm todos os riscos. Quando não são mortos, acabam presos. Os maiores traficantes, no entanto, estão em postos-chaves da sociedade, ocupando cargos importantes ou desviando parte da fortuna ganha ilicitamente em negócios legalizados. Isso tem nome: lavagem de dinheiro. E explica muitas grandes fortunas, às vezes, surgidas da noite para o dia - ou vice-versa.

O enfrentamento entre a polícia e os traficantes, muitas vezes não passa de um faz-de-conta, embora muitos policiais, honestos, desejam efetivamente combater o tráfico e impor a lei. Às vezes, quando algumas gangues passam dos limites estabelecidos e trocam tiros na Beira Mar Norte, isto passa a ser inadmissível. E aí a polícia mostra, rapidamente, toda a sua eficiência. Sim, porque a violência entre as gangues é tolerada, desde que circunscrita à periferia. Dito de modo mais grosseiro: pobre morrer – até por bala perdida – é aceito, mas essa mesma violência em bairros de classe média ou alta, correndo o risco de atingir pessoas mais “importantes”, é intolerável. Em Florianópolis, pelo menos, ainda é (há cidades brasileiras em que esse limite já não é tão claro). Nesses momentos, a pronta reação da polícia, como aconteceu, com a apreensão de um grande arsenal de armas (submetralhadoras, pistolas, coletes à prova de bala e munição) é a prova de que o tráfico não é assim tão inexpugnável. Fica claro que se as autoridades quiserem é possível diminuir substancialmente a violência a que são submetidos boa parte dos cidadãos. No entanto, o discurso de parte das autoridades e da mídia, tentando convencer a sociedade, é de que é impossível acabar com a violência e o tráfico. Talvez seja impossível acabar com o tráfico de drogas, mas é possível diminuir essa absurda violência. Para que isso aconteça, nossas autoridades, em todos os escalões e poderes, teriam que enfrentar pessoas muito mais poderosas do que crianças, adolescentes e jovens de bermuda e chinelo, armados nas periferias das grandes cidades. Será que desejam?

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