Li Travassos, de Florianópolis
Há quem tenha ataques de saudosismo e fique lembrando os "bons" tempos em que não havia luz elétrica, água encanada, banheiro dentro de casa, e outras coisas absolutamente fundamentais para que tenhamos um mínimo de conforto em nossas vidas. Eu, que passei minha infância podendo assistir TV, que em certo momento da minha adolescência passei a ter telefone em casa, que só fiquei sem luz na minha própria casa por conta de quedas temporárias de energia, que depois que fui apresentada a um computador não sei mais viver sem internet, não sonho em abrir mão de nenhum dos confortos que estas coisas nos proporcionam.
Até porque, já estive em casas com "casinha" ao invés de banheiro. Já passei vários dias em uma cidade no meio da Floresta Amazônica, onde não havia caixa d'água e a luz elétrica só dava o ar da graça das 18 às 22 horas, não havendo portanto geladeira, possibilidade de você tomar banho na hora que queria (apenas nas horas em que vinha água, duas vezes por dia, fora isso, só se fosse de "canequinho"), chuveiro elétrico (este não fazia falta mesmo, devido ao calor), nem nenhum conforto habitual. Já acampei na velha praia de Quatro Ilhas, quando não havia nada de nada lá, no meio da areia, indo "filar" banho de chuveiro no Retiro dos Padres. Do mesmo jeito, já acampei na velha Ilha do Mel, tomando banho de bica e fazendo xixi no mato. E, quer saber? Sempre odiei tudo isso.
Agora, também acho complicado viver tendo toda comodidade à disposição, mas sendo isso tudo caríssimo e, às vezes, o serviço muito ruim. Não sei você, mas fico tentando fazer minhas contas caberem dentro do meu orçamento, não entrar no cheque especial, e todos os meses é um fracasso. Por vezes penso que deveria tentar viver dentro do meu padrão, penso que gasto demais. E gasto mesmo, mas será que poderia gastar menos e não sei?
Então vejamos: moro num apartamento que é um ovo, no Centro da cidade. Num lugar que ainda é seguro, porque residencial. Pago uma fortuna de aluguel e condomínio, justamente por morar nesta região. Então, eu poderia muito bem ir morar na p-q-p, dirá você. Mas daí, como precisaria vir para o Centro quase todos os dias, iria gastar um tanto a mais de transporte, que normalmente seria o coletivo (o Ônibus acabou de subir em Florianópolis, de novo, como você já deve saber), mas correria sempre o risco de ter que sair tarde da noite de algum lugar, e ter que pegar um táxi. Além disso, sou uma defensora radical de que as pessoas procurem morar perto de seu trabalho e de suas outras atividades diárias, posto que assim não precisam ter carro, nem precisam ajudar a lotar os ônibus, nem a transformar, de nenhuma forma, o trânsito de sua cidade num inferno. Caronas são sempre bem vindas, especialmente de noite ou com chuva, posto que assim não se gasta nada ("o casi nada, que no es lo mismo, pero es igual" [1]) a mais do que se gastaria com o mesmo carro levando menos gente dentro.
Voltando para a questão de quanto custa morar no Centro, levando em conta ainda que, quando houvesse greve de ônibus eu não poderia trabalhar, sendo eu autônoma, deixaria de ganhar mais um tanto. Assim, me parece que morar no Centro, além de custar quase o mesmo em termos financeiros do que morar na p-q-p, custa muito menos em termos de saúde mental.
Falando em ser autônoma, você sabia que quem não tem emprego e trabalha por conta tem que pagar 20% do que ganha para a previdência? Se ganhar salário mínimo, pode pagar "só" 11%, mas, acima disto, é 20%. Ou seja: quem ganha 600 reais tem que pagar 120 para a previdência, quem ganha 1000 tem que pagar 200, quem ganha 1500 tem que pagar 300, quem ganha 2000 tem que pagar 400, e assim por diante! E isso tudo para fazer parte de um Sistema Único de Saúde que de único não tem nada, e para garantir(?) uma aposentadoria meia boca.
Justamente em função disso eu pago uma fortuna de plano de saúde. Com garantia de internação e tudo o mais. Quanto mais velha fico, mais caro fica o plano. Então, por que você não deixa de pagar, pergunta você? Porque, como já sugeri acima, o SUS é um terror. Porque se eu precisar de um exame com urgência vou acabar tendo que pagar, o que pode sair mais caro que pagar o plano de saúde por vários meses. Porque faço check-up semestral em função de algumas mazelas já existentes. Porque espero não precisar de nenhum tratamento caríssimo, mas se precisar, não tenho de onde tirar dinheiro. Porque "não transmiti a ninguém o legado de nossa miséria" (2) e portanto não terei filhos para cuidarem de mim na velhice. Porque, enfim, não tenho colhões para ficar sem plano de saúde.
Ainda, para não enlouquecer de vez com a programação da TV aberta, tenho o básico dos básicos de um pacote de TV a cabo, incluindo internet a cabo também. Esta última é uma droga, às vezes fica super lenta, mas fiquei sem ela estes tempos, devido a um problema do provedor, e levei duas horas para baixar um e-mail, o que me fez lembrar de meus tempos de internet discada, e da fortuna que eu acabava pagando a mais na conta do telefone... Por falar nisso, tenho um telefone fixo (família em outra cidade...) e um celular pós pago – no qual pago o menor pacote possível, mas se gastar mais minutos do que tenho direito acabo pagando mais caro...
Como só sai o básico do meu fogão, às vezes acho que gasto demais no supermercado. Mas estou fazendo regime, comprando bem menos "besteiras", e as contas do super continuam um horror. Roupas? A maioria compro pano e mando fazer, garimpo um monte em brechó... Gasto um pouco mais em sapatos, já que ando muito e detono bastante os ditos cujos, mas como faço questão de sapato que não seja de couro, então eles são baratinhos também... Claro que tem também roupa de dormir, roupa íntima, meias, etc., e quando a gente vê...
Para além disso, tem os tais cartões de crédito, que são um terror: você acaba comprando o que não precisa, e depois se arromba para pagar. Mas de quê a gente precisa também é questionável ("a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte..." [3]). Então, quando eu compro um livro, sempre dá uma dor na consciência, mas depois eu mando a consciência passear, que eu também não vivo sem eles...
Completando a felicidade de pagar mil contas, vai ter sempre um infeliz que trabalha com tele marketing te ligando, para te oferecer mais um porrilhão de serviços daquela empresa cujos serviços você já usa, ou para te convidar para mudar para outra empresa, ou simplesmente para te enlouquecer. Quando é você que precisa ligar para uma empresa que te presta serviços, já é outra coisa você conseguir completar a ligação e resolver de alguma forma o problema. Tenho tentado, arduamente, não ter um siricotico a cada vez que falo com um atendente de tele marketing ou de atendimento ao consumidor, mas nem sempre consigo... Porque o que acho pior, mesmo, é que além de termos que pagar por tudo, de que tudo custa caríssimo (e você fica pensando: quem é que dá conta de pagar, como é que vivem as pessoas que recebem salário mínimo...) o pior é saber que a qualidade dos serviços e, em especial, do atendimento ao cliente, deixa muitíssimo a desejar... E aí eu até repenso aquela casinha no meio do mato, sem luz, sem telefone, sem internet...
1 Da música Pequeña Serenata Diurna, de Silvio Rodríguez.
2 Do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
3 Da música Comida, dos Titãs.
domingo, 5 de julho de 2009
Um povo herói cobrado
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