Míriam Santini de Abreu
Tenho há anos um par de botas de couro, pretas, com cadarço, cujo salto já troquei três vezes. Eles gastam, mas só. O couro é bom. Por isso as mantenho no armário, e as chamo de “botinhas de repórter”. Para mim, elas representam a profissäo que escolhi. Eu visto as botas nos dias em que saio de casa para fazer algo especial, fora da rotina de trabalho. Pensei nas botinhas quando, há uns dias, assisti um programa Justiça em Movimento, do TRT catarinense. Um dos temas tratava dos profissionais do sexo, que estão na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) com o número 5198-05.
No programa, a representante da Associação desses profissionais no Vale do Itajaí fala sobre a discriminação que eles enfrentam, entre outras, por causa de seu modo de vestir. É um modo próprio, relacionado com a atividade que exercem. Mas se entram em um mercado, por exemplo, para comprar algo num intervalo de trabalho, são vistos “com outros olhos”, diz a entrevistada, como se fossem portadores de uma doença. E isso porque o modo de se vestir, afeito à atividade que exercem, leva a todo um discurso social, repleto de tabus, sobre a sexualidade.
A forma de vestir “fala” da gente. Basta pensar em um operário da construção civil, uma empresária no saguão do aeroporto, uma médica, um mergulhador de plataforma de petróleo. A imagem será “vestida” com uma determinada roupa. E vestir essa roupa é entrar na atmosfera daquele trabalho. Assim é que me sinto quanto calço as minhas “botas de repórter” e caminho pelas ruas com uma máquina fotográfica, bloco e caneta na bolsa. Fico e me sinto jornalista. Os profissionais do sexo, por sua vez, são hostilizados tanto pelo fazem quanto pelo que vestem. O CBO “legaliza” a profissão, mas a reação social ao modo de vestir de quem a exerce revela as fingidas virtudes de uma sociedade que prefere manter invisível o que não aceita nem compreende.
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