O dia 12 de outubro marca um momento importante na vida dos povos desta parte do mundo. Foi neste dia, no longínquo 1492, que Cristóvão Colombo aportou numa pequena ilha do Caribe, achando que havia chegado às Índias. Ele e seus homens não vieram em paz. Tudo o que queriam era o ouro e não respeitaram coisa alguma no caminho. Com eles chegaram também a violência, o genocídio, a destruição, coisas típicas do capitalismo nascente. As terras novas foram invadidas por hordas de europeus em busca de riqueza e aos povos originários foi dada como opção a escravidão ou a morte. Mas, entre os que aqui já viviam desde há milênios, assomou outra proposta: resistir e lutar!
Muitas foram as batalhas contra o branco invasor, até com algumas vitórias, como a famosa “noite triste” (para os espanhóis e não para os originários), em 30 de junho de 1520, quando os guerreiros mexicas imprimiram uma fragorosa derrota a Hernán Cortéz. Ou, para lembrar as lutas dos povos de Pindorama (Brasil), a Confederação dos Tamoios em 1556, chefiada pela valente nação Tupinambá contra os portugueses, que obrigou a libertação de todos os escravos. Mas, ao fim, os povos de Abya Yala não puderam vencer as armas de fogo, tecnologia que não conheciam. Assim, pouco a pouco, todas as terras desta parte do continente foram sendo invadidas e as gentes autóctones que não aceitavam a integração à força, ou eram mortas ou obrigadas a viver em reservas, como bichos exóticos. Por longos tempos Portugal e Espanha saquearam as riquezas do novo continente. Muito do ouro e da madeira nobre que se vê nos castelos e igrejas da Europa foram tirados daqui. Até mesmo a tão aclamada revolução industrial só foi possível por conta do ouro e da prata que os ingleses levavam de Portugal e Espanha, os quais, por sua vez, roubavam de Abya Yala.
E desta forma foi se formando a riqueza européia enquanto os povos da agora chamada América Latina seguiram na periferia, praticamente a margem das benesses do desenvolvimento, que só se fazia possível por conta das riquezas saqueadas. Os tempos passaram e as gentes originárias foram elaborando sua resistência na quietude das planuras, na solidão das montanhas. Por isso, quando todos imaginavam que o extermínio já estava consumado e nada mais restava além dos “reservados exóticos”, os povos originários reaparecem com força total, lutando com unhas e dentes para preservar aquilo que consideram sagrado: a terra, a água, as floresta, enfim, o ambiente, como um espaço bendito de tudo aquilo que vive.
Para os povos autóctones o chamado “desenvolvimento”, para além das bugigangas modernizantes que podem ter melhorado a vida de todos no cotidiano da vida urbana, trouxe principalmente a destruição. Observando como o capitalismo organizava a vida das gentes ao longo de todos estes anos de dominação, os originários compreenderam que isso era ruim e não lhes servia. Nesse sentido eles propõem outro conceito, nascido de suas próprias entranhas, do conhecimento e do contato que eles sempre mantiveram com as forças da natureza: o bom viver. Esta é uma forma de organizar a vida que pressupõe elementos esquecidos e abandonados pelos homens e mulheres “modernos”, mergulhados no modo de produção capitalista. As propostas do bom viver são a de um desenvolvimento capaz de servir às gentes e a natureza, em harmonia, o que por si só já descarta o modo de produção capitalista, no qual para que um viva, outro tenha de morrer. O bem viver não comporta o acúmulo de riquezas, pois tudo o que há sobre a terra e que os seres humanos produzem juntos deve ser repartido. No bem viver o centro de tudo é a vida comunitária, esta é a que deve ser preservada e conservada.
Talvez para as pessoas acostumadas ao modo de viver ocidental, capitalista, seja praticamente impossível compreender o significado real do sumak kawsai (o bom viver), porque suas mentes e corpos já estão acostumados a acreditar que a melhor vida possível é essa que está aí, com a competição, o desenvolvimento predador, o egoísmo, o individualismo. Mas, nunca é tarde para se debruçar sobre essa proposta que emerge das profundezas da vida originária. E, que fique bem claro. Não se trata de voltar ao passado, renegando todos os avanços da humanidade. Não. Até porque cada avanço diz respeito a toda a comunidade humana. Nenhum invento, nenhum conhecimento dito “moderno” foi criado a partir do nada. Tudo é fruto da comunidade, seja na herança do saber, seja no financiamento, seja no alto preço que pagam os da periferia para que o centro cresça e produza riqueza. Tudo está interligado. Tudo é conquista comunitária, embora o sistema insista em fazer crer que são pessoas isoladas, ou países específicos, os que logram fazer caminhar o conhecimento.
O que as gentes originárias colocam na grande mesa do saber humano é uma proposta de vida que está ao alcance de todos, autóctones ou não. Equilíbrio, solidariedade, cooperação, respeito, justiça comunitária, alteridade, interação com a Pachamama, sacralidade da vida mesma, como ressalta Dussel. É uma proposta radical, revolucionária, que exige a “desconexão”, tal qual já propôs Samir Amin. Adentrar ao modo de vida do bem viver significa uma ruptura completa com o modelo capitalista. É um desafio abissal, que exige compromisso e desapego. Exige a destruição de todos os valores do mundo moderno e a aceitação de um jeito de viver comunitário absolutamente desconhecido para a maioria das gentes.
É por isso que neste 12 de outubro, em todas as parte de Abya Yala, os povos originários estarão celebrando e apontando caminhos. Celebram, não a conquista de Colombo, porque, afinal, nunca se deixaram vencer. Celebram a resistência. É certo que por algum tempo, premidos pela força bruta, aquietaram seus corpos, mas, lá dentro, vibrava, acesa, a chama do que chamam de bom viver. No escuro de suas choças, eles chamavam seu nome e esse desejo seguiu andando pelas cordilheiras, pelos caminhos. Na escuridão da noite destes 500 anos, eles acendiam fogueiras, davam pago à Pachamama, reverenciavam seus deuses. Agora, estão aí, à luz, cada dia mais fortes, reivindicando seu comunitário jeito de viver, autonomia e autodeterminação.
É tempo de aprendermos com eles.
Assim, o 12 de outubro, que é visto pelo colonizado como o Dia do Descobrimento ou, pelos bem intencionados como o Dia da Raça, é, na visão do originários o Dia da Resistência, o Dia da Luta, a hora de fazer ecoar por todos os cantos da terra essa boa nova: as gentes autóctones estão vivas, estão crescendo, dizem a sua palavra e propõem mudanças. É chegada a hora do bom viver!
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