Elaine Tavares
Peguei uma gripe doida, destas que derruba mesmo, ou caixão ou longa recuperação. Por sorte, fiquei com a segunda opção. Assim, por conta dela me obriguei a descansar, ficar em casa, remexer gavetas e achar coisas que estavam perdidas, sem atenção. Uma delas foi um DVD, emprestado pela Jussara, com os filmes do Zeca Pires, um cineasta catarinense. Então, tarde dessas, depois de alguns quilos de remédio, deitei e fui ver os curtas, já que haveria muito tempo para fruir.
O primeiro deles já foi uma porrada de emoção. “Manhã”, finalizado em 1989, mostrava Ademir Rosa, bem novinho, com aquela cara de guri lindo e levado, e a saudade bateu forte demais. Ela sempre me vem nesses tempos de eleição, pois o Ademir era bicho político. O filme é uma singeleza. Considerado um marco no cinema catarina, universaliza o interior deste estado numa história simples, capaz de tocar qualquer um, em qualquer lugar do mundo. Belo, forte, único. Drummond, Tabajara Ruas, Zeca. Um trio que arromba qualquer tarrafinha...
Depois fui passando os documentários sobre a festa do divino, desde os Açores e o da farra do boi. Gosto dessa coisa de imortalizar a cultura das gentes e, neste caso, duas tradições fortes e viscerais. Em seguida uma ficção, o pungente “A Ilha”, drama universal de amor, perdão e buscas. Bonito demais. Eu estava feito uma gata de muro, ronronando de prazer.
Mas o que me fez chorar por horas foi o “Perto do Mar” que, por sorte deixei para o final. E não foi pela história, apesar de ela ser sobre uma morte e tratar da dor de uma perda. Não. Foi pelo fato de ser tão ilhéu. Cada cena, cada pequeno fotograma é a representação exata desta ilha inteira. Seja no cenário composto, no natural e até nos detalhes como a roupa do jovem pescador vestida do avesso. O ator Diogo Dutra é uma belezura. A gente vai ouvindo ele falar e vai se enternecendo com tanta pureza, tanta ternura. Um cinema que fala nossa língua, com o jeito ligeirinho do falar deste lugar.
Eu vi uma vez, duas, três, quatro, e em cada mirada descobria mais coisas desse meu lugar. A santeria, o feijão, as redes, o mar, as gaivotas, os bares da Armação ou do Pantanodosuli, os barcos, a casa de pescador, as carpideiras, os bêbados, o arrasto do peixe, os costões, tudo com aquele sotaque adorável, que só se ouve aqui, em mais nenhum lugar. Ah, essa doida sensação de estar em casa. E ainda tem, de lambuja, o veterano Waldir Brazil, divino como sempre. “Perto do Mar” é um poema, uma coisa linda. É cinema daqui, tão original. Então me veio essa vontade de dividir, e de querer que cada um possa ver e se sentir como eu.
É fato, não nasci aqui, mas esse lugar me acolheu e o reconheço como meu. Todos os dias, no meu Campeche, eu acordo com esse cheiro de mar, e caminho pela beira da praia ouvindo essa fala ilhoa, e meu coração se abranda e se sente em casa. Perto do Mar me pegou por isso, porque diz desse espaço geográfico, e com tal delicadeza, que tudo o que se pode fazer enquanto o barquinho vai adentrando mar afora é chorar e chorar... Não de dor, nem de tristeza, mas por ser ternamente golpeada com essa abissal beleza, natural e humana, que só essa ilha tem. Perto do Mar é um presente...
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