Li Travassos, de Florianópolis
De janeiro a junho de 2008, tive duas colunas quinzenais publicadas no infelizmente falecido site www.sarcastico.com.br. Uma chamava-se "Uma pitada de Li", e ali eu escrevia de tudo um pouco. A outra chamava-se "Era uma vez", e era sobre literatura. Em 22 de maio de 2008, na coluna "Era uma vez", foi publicado um texto meu sobre o maravilhoso escritor José Saramago, mais especificamente sobre o livro "Ensaio sobre a cegueira", que acabara de virar filme. O texto chamava-se "Para ver a cegueira", e começava assim:
"Entre várias obras de gênio, José Saramago escreveu, em 1995, aquele que, em minha opinião, é seu melhor livro: 'Ensaio sobre a cegueira'. O livro fala de uma estranha doença, altamente contagiosa, que vai cegando as pessoas, uma a uma, até transformar o local em que moram num caos. Saramago, com seus indefectíveis porém discretos toques de feminismo, mostra o pior lado dos seres humanos, o que há de mais vil em todos nós, tudo isso na sua peculiar linguagem. Digno de pausas para vomitar vez ou outra."*
O filme não havia recebido uma boa crítica, e eu fiquei com muito medo de assistir e testemunhar um assassinato do livro, como tantas vezes acontece. Me enrolei até agora, quando finalmente peguei o filme na locadora, e descobri, muito feliz (ou tão feliz quanto alguém pode ficar depois de ter acesso a esta história, seja da forma que for), que o filme é ótimo. Resume, é claro, o livro. Nem a trilogia "O Senhor dos anéis", com suas longas horas de filme, consegue contar o livro tim-tim por tim-tim. Não é possível. Mas é possível ser fiel ao princípio motivador do livro, é possível não desrespeitar a visão do autor, é possível recontar uma história valorizando a fotografia em detrimento do detalhe, sem contudo perder o foco.
Nenhum pecado neste filme, portanto? Só um. Saramago joga sua história no vazio, não fala de uma cidade específica, de um país, de nada. É uma história que se dá no mundo. Ponto. Para intensificar esta sensação, seus personagens não tem nome. São "chamados" por sua situação, profissão, etc. E, como já disse antes, Saramago é um homem feminista. Talvez o homem (ou ao menos o homem heterossexual) mais feminista que já "conheci", pois tem uma capacidade incrível de colocar-se no lugar da mulher. E, no filme, o homem mais machista – do pequeno grupo de personagens mais importantes – é representado por um ator asiático. Fica parecendo que o machismo é condição exclusiva dos orientais. Bom se fosse. Triste escolha, possivelmente de Fernando Meirelles, que dirigiu o filme. Mas, tirando isso, o filme é muito bom. No papel principal, a genial Julianne Moore. O ótimo Danny Glover tem uma participação pequena, mas interessante. Se ainda não assistiu, assista, mas aconselho (sempre) ler o livro primeiro. Pero, para qualquer dos dois, é preciso ter um tanto de estômago...
Saramago, J. (1995). Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras.
*Quer ler o texto todo? Vá lá. Aproveite que o site está morto, mas não enterrado. Chegando no site www.sarcastico.com.br clique em colunas - era uma vez - maio de 2008, para ver a cegueira.
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