Míriam Santini de Abreu
O depoimento abaixo foi encontrado em um artigo acadêmico sobre as mudanças na organização do trabalho em uma indústria de calçados de São Paulo:
"Tem uma pespontadeira lá que trabalhava do meu lado. Durante todo o tempo do teste [período de experiência] ela trabalhou rezando. Ela me falou que não agüentava de dor nas pernas, mas ela precisava do emprego. Então tinha que se apegar na oração para não lembrar da dor".
Sempre observo um fato cada vez mais comum em vários ambientes de trabalho: a falta de bancos ou cadeiras. Num grande hipermercado de Florianópolis, Santa Catarina, tanto na padaria quanto na lanchonete, os atendentes passam toda a jornada de trabalho em pé. Não há, à vista, lugar para sentar. O mesmo acontece na locadora dentro do hipermercado. Mesmo que não haja clientes locando ou devolvendo filmes, os trabalhadores são obrigados a ficar em pé para exercer suas funções.
Há, também, uma padaria no Centro da capital catarinense onde as mulheres que atendem precisam se acotovelar para se movimentar no reduzido espaço atrás do balcão. Uma corta um pedaço de cuca; outra, com um pegador, pesca, por cima da primeira, meia dúzia de pães; a terceira, expressão cansada no rosto, desliza os braços por baixo das colegas e alcança, com sufoco, um pastel. Sempre em pé. Bastam minutos ali, num calor sem refrigério, na esquina barulhenta de duas ruas movimentadas, para qualquer um sair suplicando por ar. O lugar vive cheio. Eu, cuja família não é das mais resistentes em relação às veias, fico imaginando a dor naquelas pernas ao final do dia, que nem uma salmoura das mais ardidas consegue aliviar.
E para quê isso? Que espécie de ganho há no ato de impedir que uma pessoa se sente, que acalme a pressão sobre ossos, músculos, tendões, que repouse o corpo?
A trabalhadora rezava para tolerar a dor. Quando se fala em "reestruturação produtiva", "otimização", "flexibilização", há, por trás do discurso, essa imensa dor que se abate sobre trabalhadores que exercem as mais diferentes funções. Dor física e emocional.
Um comentário:
Ler o que escreves, Míriam,
é como escutar minha vó rezando o Santo Anjo:
a mesma pureza da voz,
o mesmo amor.
Fernando Karl
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